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Gestão de recursos em um serviço hospitalar de emergência federal diante da pandemia de COVID-19

RESUMO

Objetivo:

Descrever ações de gestão organizacional de um serviço de emergência decorrentes da pandemia de COVID-19, definidas com base na prevalência de casos de infecção por coronavírus, síndrome respiratória aguda grave e síndromes gripais.

Métodos:

Relato de experiência baseado na análise retrospectiva dos atendimentos de síndromes respiratórias no primeiro semestre de 2019 e de 2020, além de análise documental dos protocolos institucionais de um serviço de emergência federal.

Desenvolvimento: Observou-se aumento dos atendimentos, representando 7,25% e 19,4% dos casos de 2019 e 2020, respectivamente, devido à formação do Gabinete de Crise, com equipe multidisciplinar responsável pela construção do plano de ação com mudanças na estrutura física, processos de trabalho e treinamentos.

Considerações finais:

Evidenciou-se que planejamento, coordenação das ações pautadas nas decisões do Gabinete de Crise e divulgação de informações confiáveis mediante um ponto focal foram essenciais para organização, gestão do serviço de emergência e proteção aos trabalhadores.

Descritores:
Pandemia; Infecções por Coronavírus; Gestão de Recursos; Enfermagem; Serviço Hospitalar de Emergência

ABSTRACT

Objective:

To describe actions taken by the organizational management of an emergency service due to the COVID-19 pandemic, determined according to the prevalence of cases of infection by the coronavirus, severe acute respiratory syndrome, and flu-like illnesses.

Methods:

Experience report based on a retrospective analysis of the attention for respiratory syndromes in the first semester of 2019 and 2020, in addition to an analysis of documents from the institutional protocols of a federal emergency service.

Development: An increase in the number of attendances was observed, representing 7.25% and 19.4% of cases in 2019 and 2020, respectively. This was due to the creation of the Crisis Office, including a multidisciplinary team created to elaborate the plan of action, changes in the physical structure and in the work processes, and training sessions.

Final considerations:

It became clear that the planning, coordination of actions based on the decisions of the Crisis Office, and the dissemination of reliable information, taking into consideration a focal point, were essential for the organization, management of the emergency service, and protection to the workers.

Descriptors:
Pandemics; Coronavirus Infections; Resources Management; Nursing; Emergency Service; Hospital

RESUMEN

Objetivo:

Describir acciones de gestión organizacional de un servicio de urgencia resultantes de la pandemia de COVID-19, definidas basadas en la prevalencia de casos de infección por coronavirus, síndrome respiratoria aguda grave y síndromes gripales.

Método:

Relato de experiencia basado en análisis retrospectivo de atenciones de síndromes respiratorias en el primer semestre de 2019 y 2020, junto análisis documental de protocolos institucionales de servicio de urgencia federal.

Desarrollado:

Observado aumento de atenciones, representando 7,25% y 19,4% de los casos de 2019 y 2020, respectivamente, debido la formación del Gabinete de Crisis, con equipe multidisciplinar responsable por la construcción del plan de acción con cambios en la estructura física, procesos de trabajo y entrenamientos.

Consideraciones finales:

Evidenciado que planeamiento, coordinación de acciones pautadas en decisiones del Gabinete de Crisis y divulgación de informaciones confiables mediante un punto focal fueron esenciales para organización, gestión del servicio de urgencia y protección a trabajadores.

Descriptores:
Pandemia; Infecciones por Coronavirus; Gestión de Recursos; Enfermería; Servicio de Urgencia en Hospital

INTRODUÇÃO

As infecções por coronavírus são conhecidas desde a década de 1960, porém a doença causada pelo coronavírus 2019 (COVID-19) apresenta um cenário sem precedentes para a saúde pública mundial, devido à alta demanda por suporte ventilatório e suas taxas de letalidade(11 Chen Y, Liu Q, Guo D. Emerging coronaviruses: genome structure, replication, and pathogenesis. J Med Virol. 2020;92(4):418-23. https://doi.org/10.1002/jmv.25681
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2 Rafael RMR, Neto M, Carvalho MMB, David HMSL, Acioli S, Faria MGA. Epidemiology, public policies and Covid-19 pandemics in Brazil: what can we expect?. Rev Enferm UERJ. 2020;28:e49570. https://doi.org/10.12957/reuerj.2020.49570
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-33 Peeri NC, Shrestha N, Rahman MS, Zaki R, Tan Z, Bibi S, et al. The SARS, MERS and novel coronavirus (covid-19) epidemics, the newest and biggest global health threats: what lessons have we learned?. Int J Epidemiol. 2020;49(3):717-26. https://doi.org/10.1093/ije/dyaa033
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).

Pesquisadores de todo o mundo voltaram-se às pesquisas para o tratamento e cura da infecção causada pelo Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 (SARS-CoV-2), enquanto trabalhadores e gestores da área da saúde passaram a buscar estratégias para otimizar e garantir a qualidade e segurança dos cuidados prestados à população diante dos casos suspeitos e confirmados de COVID-19.

A rápida disseminação do vírus entre indivíduos e territórios caracterizou o surto mundial da doença como pandemia em 11 de março de 2020, e diversos países passaram a adotar ações para o enfrentamento dessa situação de Emergência de Saúde Pública (ESP), com medidas de bloqueio comunitário como isolamento social e fechamento de fronteiras(44 World Health Organization. Rolling updates on coronavirus disease (covid-19). [Geneve]; WHO: 2020[cited 2020 Mar 20]. Available from: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/events-as-they-happen
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).

O número global de casos confirmados, até 4 de fevereiro de 2021, foi de 103.631.793, com 2.251.613 óbitos relatados por COVID-19(55 World Health Organization WHO-Coronavirus Disease (covid-19): daschboard [Internet]. [Geneva]: WHO; 2021[cited 2021 Feb 04]. Available from: https://covid19.who.int/
https://covid19.who.int/...
). Entre estes, 227.563 óbitos foram notificados no território brasileiro, que apresentava 9.339.220 casos confirmados, o que corresponde a uma taxa de letalidade de 2,4%(66 MInistério da Saúde (BR). Painel coronavírus Brasil [Internet]. [Brasília, DF]: MS; 2021[cited 2021 Feb 04]. Available from: https://covid.saude.gov.br/
https://covid.saude.gov.br/...
).

A Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou sobre a necessidade de ações para o enfrentamento da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII), de forma a conter a disseminação do vírus e salvar vidas, minimizando o impacto da pandemia(77 Organização Pan Americana de Saúde. OMS afirma que covid-19 é agora caracterizada como pandemia [Internet]. Brasília, DF; OPAS; 2020[cited 2020 Apr 26]. Available from: https://www.paho.org/pt/news/11-3-2020-who-characterizes-covid-19-pandemic
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). Nesse sentido, foi preciso reorganizar os serviços de saúde no tocante à gestão de recursos físicos, recursos humanos e infraestrutura.

No Brasil, em janeiro de 2020, por meio do Centro de Operações de ESP do Ministério da Saúde (MS), foram iniciadas as primeiras ações norteadoras em resposta ao ESP, coordenadas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS)(88 Ministério da Saúde (BR). Plano de contingência nacional para infecção humana pelo novo coronavírus covid-19 [Internet]. Brasília, DF; MS; 2020[cited 2020 Apr 28]. Available from: http://biblioteca.cofen.gov.br/wp-content/uploads/2020/04/Livreto-Plano-de-Contingencia-5-Corona2020-210x297-16mar.pdf
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), nas unidades federativas (UF), em seus diferentes níveis de atenção em saúde. Associado à Portaria Ministerial(99 Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 188, de 3 de fevereiro de 2020. Declara emergência em saúde pública de importância nacional (ESPIN) em decorrência da infecção humana pelo novo coronavírus (2019-nCoV) [Internet]. Brasília, DF; IN; 2020[cited 2020 Apr 21]. Available from: http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-188-de-3-de-fevereiro-de-2020-241408388
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) e à Resolução Estadual(1010 Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro. Resolução SES nº 1.996, de 13 de março de 2020. Suspensão de procedimentos cirúrgicos eletivos nos hospitais gerais públicos e universitários no estado do Rio de Janeiro [Internet]. Rio de Janeiro; 2020[cited 2020 Apr 21]. Available from: https://brasilsus.com.br/index.php/pdf/resolucao-ses-no-1996/
https://brasilsus.com.br/index.php/pdf/r...
), cita-se o Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo Novo Coronavírus(88 Ministério da Saúde (BR). Plano de contingência nacional para infecção humana pelo novo coronavírus covid-19 [Internet]. Brasília, DF; MS; 2020[cited 2020 Apr 28]. Available from: http://biblioteca.cofen.gov.br/wp-content/uploads/2020/04/Livreto-Plano-de-Contingencia-5-Corona2020-210x297-16mar.pdf
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), o Protocolo de tratamento do Novo Coronavírus(1111 Ministério da Saúde (BR). Protocolo de tratamento do novo coronavírus [Internet]. Brasília, DF; MS; 2020[cited 2020 Apr 16]. Available from: https://www.saude.ms.gov.br/wp-content/uploads/2020/03/Protocolo-de-Tratamento-do-Novo-Coronavirus_1-edi%C3%A7%C3%A3o_2020.pdf
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), o Guia de Vigilância Epidemiológica Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional pela Doença do Coronavírus 2019(1212 Ministério da Saúde (BR). Guia de vigilância epidemiológica: emergência de saúde pública de importância nacional pela doença do coronavírus 2019 [Internet]. Brasília, DF: MS; 2020[cited 2020 Apr 20]. Available from: https://www.gov.br/saude/pt-br/coronavirus/publicacoes-tecnicas/guias-e-planos/guia-de-vigilancia-epidemiologica-covid-19/view
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) e a Nota Técnica nº 04 da Anvisa(1313 Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Nota técnica GVIMS/GGTES/ANVISA no 04/2020, Revisada em 27/10/2020. Orientações para serviços de saúde: medidas de Prevenção e controle que devem ser adotadas durante a assistência aos casos suspeitos ou confirmados de infecção pelo novo coronavírus (SARS-COV-2) [Internet]. [Brasília, DF; Anvisa; 2020[cited 2021 Feb 04]. Available from: https://www20.anvisa.gov.br/segurancadopaciente/index.php/alertas/item/covid-19
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). Todos esses documentos são diretivas iniciais para uniformizar ações e estratégias de prevenção, identificação, tratamento dos pacientes, bem como para promover segurança à atuação dos profissionais.

Verifica-se que cada UF organizou o atendimento e designou unidades exclusivas denominadas “centros de referência” (CR)(1111 Ministério da Saúde (BR). Protocolo de tratamento do novo coronavírus [Internet]. Brasília, DF; MS; 2020[cited 2020 Apr 16]. Available from: https://www.saude.ms.gov.br/wp-content/uploads/2020/03/Protocolo-de-Tratamento-do-Novo-Coronavirus_1-edi%C3%A7%C3%A3o_2020.pdf
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12 Ministério da Saúde (BR). Guia de vigilância epidemiológica: emergência de saúde pública de importância nacional pela doença do coronavírus 2019 [Internet]. Brasília, DF: MS; 2020[cited 2020 Apr 20]. Available from: https://www.gov.br/saude/pt-br/coronavirus/publicacoes-tecnicas/guias-e-planos/guia-de-vigilancia-epidemiologica-covid-19/view
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-1313 Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Nota técnica GVIMS/GGTES/ANVISA no 04/2020, Revisada em 27/10/2020. Orientações para serviços de saúde: medidas de Prevenção e controle que devem ser adotadas durante a assistência aos casos suspeitos ou confirmados de infecção pelo novo coronavírus (SARS-COV-2) [Internet]. [Brasília, DF; Anvisa; 2020[cited 2021 Feb 04]. Available from: https://www20.anvisa.gov.br/segurancadopaciente/index.php/alertas/item/covid-19
https://www20.anvisa.gov.br/segurancadop...
). No estado do Rio de Janeiro (RJ), foram prometidos sete hospitais de campanha, porém apenas o Hospital Municipal Ronaldo Gazolla, o Instituto Estadual do Cérebro e os hospitais de campanha do Riocentro e dos bairros do Maracanã e Leblon exerceram tal função, mesmo assim sem conseguir absorver a demanda de atendimento, que apresentava oscilações no número de casos e, em alguns momentos, ultrapassava a capacidade dos serviços.

Consequentemente, outras unidades de saúde precisaram reorganizar seu atendimento para o enfrentamento local da pandemia dentro da sua área de abrangência, destacando-se o papel dos serviços de emergência de unidades públicas, que historicamente trabalham acima das suas capacidades de ocupação, com cenários de superlotação(1414 Oliveira GN, Vancini-Campanharo CR, Okuno MFP, Batista REA. Nursing care based on risk assessment and classification: agreement between nurses and the institutional protocol. Rev Latino-Am Enfermagem. 2013;21(2):500-6. https://doi.org/10.1590/S0104-11692013000200005
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).

Ressaltam-se as dificuldades enfrentadas pelos serviços, que vão desde as questões relacionadas ao diagnóstico e tratamento da doença, à indisponibilidade de recursos materiais, ao esgotamento dos profissionais de saúde, até a preocupação latente com a condução e rumos políticos no Brasil, desencadeada pelo momento pandêmico, uma vez que há insegurança quanto aos investimentos empregados no SUS e na ciência de forma geral(1515 The Lancet [Editorial] Covid-19 in Brazil: “so what?”. Lancet. 2020;395(10235):1461. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)31095-3
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-1616 Campos GWS. O pesadelo macabro da covid-19 no Brasil: entre negacionismos e desvarios. Trab Educ Saude. 2020;18(3):e00279111. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00279
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).

Cita-se, ainda, o contraste com governantes e ações de países que tiveram bons resultados no controle da pandemia, já que representantes do governo brasileiro publicamente desqualificam as medidas de prevenção fundamentadas e recomendadas cientificamente, tais como o isolamento social(1515 The Lancet [Editorial] Covid-19 in Brazil: “so what?”. Lancet. 2020;395(10235):1461. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)31095-3
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-1616 Campos GWS. O pesadelo macabro da covid-19 no Brasil: entre negacionismos e desvarios. Trab Educ Saude. 2020;18(3):e00279111. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00279
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).

Portanto, na busca por soluções gerenciais para o atendimento das causas de emergência já conhecidas, assim como para os atendimentos decorrentes dos quadros de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) e síndrome gripal (SG) causados pelo novo coronavírus, questionou-se: Quais os principais aspectos a serem planejados pelos serviços de saúde no atendimento de emergências da população diante da tendência de aumento de casos de COVID-19?

OBJETIVO

Descrever ações de gestão organizacional de um serviço de emergência decorrentes da pandemia de COVID-19, definidas com base na prevalência de casos de infecção por coronavírus, síndrome respiratória aguda grave e síndromes gripais.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Estudo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, com dispensa do uso do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foram empregadas ações para mitigar os riscos da pesquisa, garantindo a confidencialidade dos dados por meio de Termo de Compromisso para Utilização dos Dados.

Desenho, período e local do estudo

Trata-se de relato de experiência realizado com base na análise retrospectiva dos dados relativos ao atendimento de casos de infecção por SARS-CoV-2, síndromes respiratórias agudas graves (SRAG) e síndromes gripais (SG) no primeiro semestre de 2019 e 2020. Também, realizou-se análise documental dos protocolos institucionais do serviço de emergência de um hospital federal de média e alta complexidade, localizado no município do Rio de Janeiro.

A instituição possui registro no Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde e dispunha de 185 leitos operacionais no início do ano de 2020, sendo 18 destinados ao setor de urgência e emergência. Presta atendimento clínico e cirúrgico, sendo referência para pacientes que estão em tratamento oncológico, em especialidades cirúrgicas da unidade e atendimento de livre demanda de casos cirúrgicos e clínicos. A estrutura física atende às normas de regulamentação, possuindo os equipamentos necessários ao suporte de paciente graves. Conta com equipe assistencial multiprofissional composta por plantonistas médicos da especialidade de clínica médica e cirurgia geral, enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas, técnicos de enfermagem, além dos serviços de apoio (imagem diagnóstica e laboratório).

Para subsidiar as ações de gestão do serviço, buscou-se, por meio dos dados relacionados aos atendimentos, identificar o cenário epidemiológico da pandemia de COVID-19 nos seis primeiros meses do ano de 2020, em comparação ao mesmo período do ano de 2019.

Os dados foram coletados entre junho e agosto de 2020, por meio do programa e-SUS report, com base nos registros de atendimentos, e codificados pela Classificação Internacional das Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10)(1717 Organização Mundial da Saúde. Centro Brasileiro de Classificação de Doenças. Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde [Internet]. 2008[cited 2021 Feb 04]. Available from: https://www.fsp.usp.br/cbcd/index.php/cid-10-apresentacao/
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).

População e amostra

A população foi composta por usuários atendidos pelo serviço de emergência nos meses de janeiro a junho de 2019 e 2020. Foram incluídos os códigos de CID-10 reconhecidos na prática clínica no período de pandemia, potencialmente relacionados à infecção por SARS-CoV-2 e associados às doenças respiratórias.

Salienta-se que o fechamento diagnóstico foi dificultado inicialmente pelas várias doenças respiratórias existentes. Dada a escassez de testes laboratoriais no período analisado, também foram avaliados os casos de SRs crônicas, sobretudo em razão da dificuldade de distinguir se o quadro agudo atendido na emergência se devia ao agravamento do estado crônico ou ao curso de uma nova doença. Foram excluídos casos relacionados a doenças respiratórias ou cardiorrespiratórias crônicas — as codificações capturadas estão sintetizadas no Quadro 1.

Quadro 1
Descrição dos códigos da CID-10 relacionados à síndrome respiratória que foram identificados durante o período de estudo, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil, 2020

Destaca-se, aqui, que as SGs apresentam quadros respiratórios agudos, caracterizados por sensação febril ou febre, mesmo que referida, acompanhada de tosse ou dor de garganta ou coriza ou dificuldade respiratória(1818 Ministério da Saúde (BR). Definição de caso e notificação [Internet]. 2021 [cited 2021 Jul 01]. Available from: https://coronavirus.saude.gov.br/definicao-de-caso-e-notificacao
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).

Protocolo do estudo

Na primeira etapa, foi realizado levantamento de usuários atendidos pelo serviço de emergência em razão de doenças relacionadas à síndrome respiratória, segundo a CID10(1717 Organização Mundial da Saúde. Centro Brasileiro de Classificação de Doenças. Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde [Internet]. 2008[cited 2021 Feb 04]. Available from: https://www.fsp.usp.br/cbcd/index.php/cid-10-apresentacao/
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).

A segunda etapa constituiu-se da análise dos dados para dimensionar a proporção de atendimentos realizados em função das semanas epidemiológicas. Também, fez-se a leitura de protocolos e documentos institucionais referentes aos fluxos de atendimento no serviço de emergência; e a análise dos protocolos e ações implementadas.

Análise dos resultados e estatística

As mudanças no perfil de atendimento no serviço de emergência do cenário de estudo foram analisadas por meio de proporção de atendimento de SR, considerando:

Número de síndromes respiratórias (COVID-19 + síndromes respiratórias agudas graves + síndromes gripais) no período Total de atendimentos × 100

Por meio do software Stata SE 15, a análise da proporção de atendimentos foi realizada com base nas semanas epidemiológicas, seguindo o calendário do Ministério da Saúde, e em função dos anos de 2019 e 2020(1919 Ministério da Saúde. (BR). Calendário epidemiológico [Internet]. Brasília, DF: 2020[cited 2020 Nov 18]. Available from: http://portalsinan.saude.gov.br/calendario-epidemiologico
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).

Realizou-se leitura dos protocolos e documentos que determinaram mudanças nos fluxos de atendimento do setor, com dados relacionados à organização gerencial e condutas para proteção da equipe de assistência à saúde. Esses dados foram registrados em formulário desenvolvido pela equipe de pesquisa e analisados descritivamente, entre maio e julho de 2020.

DESENVOLVIMENTO

Observou-se que, do total de 11.647 e 10.771 atendimentos realizados entre a 1ª e 26ª semana epidemiológica nos anos de 2019 e 2020, 7,25% e 19,4% do atendimento global relacionaramse às SRs, respectivamente. Visando à comparação entre os dois períodos, os dados são apresentados na Figura 1.

Figura 1
Distribuição de atendimentos de síndromes respiratórias, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil, 2020

Entre a 8ª e 9ª semanas epidemiológicas de 2020, ainda com discreta ascensão da curva de casos, houve instalação de uma sala de precaução, com um profissional de enfermagem exclusivamente alocado para atendimento dos casos suspeitos de COVID-19. Nessa altura, começavam as primeiras notificações em território brasileiro(88 Ministério da Saúde (BR). Plano de contingência nacional para infecção humana pelo novo coronavírus covid-19 [Internet]. Brasília, DF; MS; 2020[cited 2020 Apr 28]. Available from: http://biblioteca.cofen.gov.br/wp-content/uploads/2020/04/Livreto-Plano-de-Contingencia-5-Corona2020-210x297-16mar.pdf
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,1212 Ministério da Saúde (BR). Guia de vigilância epidemiológica: emergência de saúde pública de importância nacional pela doença do coronavírus 2019 [Internet]. Brasília, DF: MS; 2020[cited 2020 Apr 20]. Available from: https://www.gov.br/saude/pt-br/coronavirus/publicacoes-tecnicas/guias-e-planos/guia-de-vigilancia-epidemiologica-covid-19/view
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).

Nota-se que, a partir da 13ª semana de 2020, entre 28 de março e 3 de abril, a curva de atendimentos dos casos de SR iniciou fase ascensional, atingindo pico de 77,14% na 19ª semana, comportamento de crescimento não observado na curva epidemiológica do ano 2019. Tal aumento é convergente com o crescimento das notificações nacionais(2020 Ministério da Saúde (BR). Doença pelo coronavírus covid-19: semana epidemiológica 42 (11/10 a 17/10/2020). Bol Epidemiol[Internet]. 2020[cited 2020 Nov 28];(36):1-69. Available from: https://www.gov.br/saude/pt-br/media/pdf/2020/outubro/23/boletim_epidemiologico_covid_36_final.pdf
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).

Estudo realizado no estado de Pernambuco comparou a ocorrência da SRAG em Pernambuco antes e durante ascensão da pandemia de COVID-19 e constatou o aumento das notificações em 13 vezes mais durante a pandemia, em relação ao período anterior a ela(2121 Silva APSC, Maia LTS, Souza WV. Severe acute respiratory syndrome in Pernambuco: comparison of patterns before and during the covid-19 pandemic. Cienc Saude Coletiva. 2020;25(suppl 2):4141-50. https://doi.org/10.1590/1413-812320202510.2.29452020
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).

Quando comparado às projeções para o cenário mundial, o crescimento médio diário de casos no Brasil foi inferior. Tal constatação não reduz a gravidade e a intensidade dos problemas vivenciados pela população brasileira de modo geral e pelos trabalhadores da linha de frente do cuidado, que encontraram dificuldades desde o acesso ao atendimento e testagens, até a compra de insumos indispensáveis ao atendimento dos casos de SRAG e SG(33 Peeri NC, Shrestha N, Rahman MS, Zaki R, Tan Z, Bibi S, et al. The SARS, MERS and novel coronavirus (covid-19) epidemics, the newest and biggest global health threats: what lessons have we learned?. Int J Epidemiol. 2020;49(3):717-26. https://doi.org/10.1093/ije/dyaa033
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).

Diante desse aumento na demanda na porta de entrada, foram necessárias mudanças na estrutura física, nos fluxos de atendimento, na organização dos profissionais que atuam no setor de emergência, com remodelação da estrutura física e adequação de fluxos e protocolos devido à nova realidade. Destaca-se que as primeiras ações seguiram o preconizado naquele momento pelo MS e pela ANVISA(88 Ministério da Saúde (BR). Plano de contingência nacional para infecção humana pelo novo coronavírus covid-19 [Internet]. Brasília, DF; MS; 2020[cited 2020 Apr 28]. Available from: http://biblioteca.cofen.gov.br/wp-content/uploads/2020/04/Livreto-Plano-de-Contingencia-5-Corona2020-210x297-16mar.pdf
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,1212 Ministério da Saúde (BR). Guia de vigilância epidemiológica: emergência de saúde pública de importância nacional pela doença do coronavírus 2019 [Internet]. Brasília, DF: MS; 2020[cited 2020 Apr 20]. Available from: https://www.gov.br/saude/pt-br/coronavirus/publicacoes-tecnicas/guias-e-planos/guia-de-vigilancia-epidemiologica-covid-19/view
https://www.gov.br/saude/pt-br/coronavir...
).

Aumentou não só o número de atendimentos dos casos de SR no ano de 2020, mas também o número de afastamentos dos trabalhadores de enfermagem considerados integrantes de grupos de risco para contaminação e agravamento dos sintomas de COVID-19 (idosos, gestantes e portadores de doenças crônicas). Houve ainda afastamento temporário de funcionários com sintomatologia relacionada à infecção por SARS-CoV-2, ocasionando redução da força de trabalho em aproximadamente 50%, além de sobrecarga aos profissionais que permaneceram na linha de frente da assistência e lidaram com aumento na demanda por atendimento e maior gravidade dos pacientes assistidos.

A instituição seguiu as recomendações do MS no que se refere às orientações para o enfrentamento da pandemia, especialmente quanto à redução da circulação de pessoas dentro da unidade, suspensão das cirurgias eletivas, avaliação de insumos e equipamentos mínimos destinados ao atendimento e acomodação de pacientes que necessitavam de isolamento respiratório(88 Ministério da Saúde (BR). Plano de contingência nacional para infecção humana pelo novo coronavírus covid-19 [Internet]. Brasília, DF; MS; 2020[cited 2020 Apr 28]. Available from: http://biblioteca.cofen.gov.br/wp-content/uploads/2020/04/Livreto-Plano-de-Contingencia-5-Corona2020-210x297-16mar.pdf
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,1212 Ministério da Saúde (BR). Guia de vigilância epidemiológica: emergência de saúde pública de importância nacional pela doença do coronavírus 2019 [Internet]. Brasília, DF: MS; 2020[cited 2020 Apr 20]. Available from: https://www.gov.br/saude/pt-br/coronavirus/publicacoes-tecnicas/guias-e-planos/guia-de-vigilancia-epidemiologica-covid-19/view
https://www.gov.br/saude/pt-br/coronavir...
).

Entretanto, essas recomendações não refletem a necessidade de reorganização interna do serviço. Assim, sabendo-se que as ações são transversais e passam por todos os setores que atuam diretamente ou indiretamente na emergência, foi elaborada, em março de 2020, uma proposta de trabalho para avaliar o impacto da pandemia dentro da instituição e para desencadear as ações necessárias a seu enfrentamento. Essa proposta foi desenvolvida em duas etapas: Formação do Gabinete de Crise; e Organização do Plano de Ação.

A Formação do Gabinete de Crise (GC), ainda no período inicial de aumento do atendimento de casos, contou com equipe multidisciplinar de diversos setores envolvidos na assistência direta e indireta da instituição, tendo sido convidada pela Direção Geral para atuar nas tomadas de decisão. Compuseram o GC: direção geral da unidade, direção administrativa, chefes dos serviços de infectologia, farmácia, apoio diagnóstico, enfermagem, clínica médica, centro de terapia intensiva, emergência e centro de estudos da unidade.

O grupo reuniu-se sistematicamente para a construção de um plano de ação, estabelecendo mudanças na estrutura física e nos processos de trabalho. Como principal atividade do grupo de trabalho, cita-se a elaboração do plano de ação por eixos de atenção, descrito na Etapa II — a avaliação e replanejamento das ações ocorriam nas reuniões virtuais, realizadas semanalmente. As pendências e situações não previstas foram tratadas pelo grupo por meio de aplicativo telefônico de mensagens.

A Organização do Plano de Ação, dentro do modelo de gerenciamento de crise, definiu ações pensadas por eixos de atenção, desenhados pelo GC com base no caminho percorrido pelo paciente desde a chegada à unidade até a sua alta. Incluiu-se a entrada pela emergência com adequada triagem dos casos suspeitos, as áreas destinadas ao atendimento e/ou internação, passando pelo manejo clínico dos casos, notificações, equipamentos e insumos, logísticas das operações e medidas protetivas aos profissionais da linha de frente.

Os seguintes eixos de atenção foram definidos dentro dessa proposta de trabalho: Atendimento de emergência; Internação clínica; Internação em terapia intensiva; Suprimentos e logística; Apoio diagnóstico e terapêutico; Comunicação e informação; Proteção ao trabalhador.

Entendendo que a emergência é um ponto de extremo cuidado, após a identificação das fragilidades que poderiam dificultar a assistência aos pacientes, definiram-se as ações a serem implementadas, iniciando, dessa forma, a execução do plano de contingência no setor. O Quadro 2 apresenta o compilado das ações que visaram à assistência pautada nas melhores práticas e na segurança aos trabalhadores ali atuantes.

Quadro 2
Apresentação das ações adotadas ao enfrentamento da COVID-19 em um serviço de emergência, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil, 2020

Destaca-se que, embora haja retenção de outras demandas com necessidade de expansão dos cuidados com a COVID-19, é necessário pensar de forma gerencial e criar espaços e fluxos separados para os dois tipos de atendimento, devido ao aumento de casos de SG e de SRAG em 2020(2323 Portela MC, Grabois V, Travassos C. Matriz linha de cuidado Covid-19 na rede de atenção à saúde [Internet]. [Rio de Janeiro]: Fiocruz; 2020[cited 2020 Dec 04]. (Observatório Covid-19; Serie linha de cuidado covid-19 na rede de atenção à saúde). Available from: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/42324
https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict...
). Assim, a instituição definiu alas de atendimento com denominação de “COVID-19” e “COVID-19 free”, bem como revisou periodicamente suas ações em reuniões do GC.

Ademais, o gerenciamento do atendimento seguiu o sistema de classificação de risco, que identifica e prioriza os pacientes de acordo com gravidade dos casos, por meio do protocolo de Manchester(2424 Souza CC, Toledo AD, Tadeu LFR, Chianca TCM. Risk classification in na emergency room: agrement level between a Brazilian institutional and the Manchester Protocol. Rev Latino-Am Enfermagem. 2011;19(1):26-33. https://doi.org/10.1590/S0104-11692011000100005
https://doi.org/10.1590/S0104-1169201100...
-2525 Souza CC, Araújo FA, Chianca TCM. Scientific literature on the reliability and validity of the Manchester triage system (mts) protocol: a integrative literature review. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(1):144-51. https://doi.org/10.1590/S0080-623420150000100019
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), com atendimento organizado considerando o risco dos pacientes e a perspectiva de não comprometer a oportunidade do cuidado.

Observa-se, também, alinhamento entre as ações do GC relativas aos insumos de proteção individual com a recomendação já publicada em março de 2020, pela OMS, que tratava da racionalização da demanda e do uso dos insumos hospitalares, mediante gestão centralizada dessas aquisições e coordenação do abastecimento das unidades de saúde para evitar excessos e quebras de estoques(2626 World Health Organization. Rational use of personal protective equipment (PPE) for coronavirus disease (covid-19): interim guidance [Internet]. Geneva: WHO: 2020[cited 2020 Dec 03]. Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/331498
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).

Porém, o Brasil vivenciou o enfrentamento coletivo e descoordenado da ESP no que tange à aquisição de insumos. Embora a instituição do estudo possua gerência sobre o planejamento de seus fins, utilizando a dotação orçamentária(2727 Senado Federal (BR). Dotação orçamentária [Internet]. Brasília, DF: SF; 2021[cited 2021 Feb 04]. Available from: https://www12.senado.leg.br/noticias/glossario-legislativo/dotacao-orcamentaria-rubrica#:~:text=Toda%20e%20qualquer%20verba%20prevista,nova%20para%20suprir%20a%20despesa
https://www12.senado.leg.br/noticias/glo...
), muitos insumos não foram entregues no prazo acordado, de modo que o setor de compras se deparou com concorrência e altos preços, implicando readequação de fluxos e gerenciamento dos recursos de forma a garantir a assistência e proteção dos trabalhadores.

Apesar dos esforços governamentais, a pandemia de COVID-19 expôs a fragilidade brasileira com relação aos arranjos institucionais de suprimentos para o sistema de saúde. A disputa entre diversos países (mas não só, também entre os setores privados e públicos brasileiros) por insumos, EPIs, respiradores e sanitizantes foi marcada pela judicialização e atos administrativos, corroborando a necessidade imediata de replanejamento da centralização da compra desses produtos.

Entre os itens que trouxeram preocupação, devido à escassez no cenário nacional, destacamse as máscaras do tipo N-95/PFF-2(2828 Saraiva EMS, Ricarte EC, Coelho JLG, Sousa DF, Feitosa FLS, Alves RS, et al. Impacto da pandemia pelo Covid-19 na provisão de equipamentos de proteção individual. Braz J Dev. 2020;6(7):43751-62. https://doi.org/10.34117/bjcv6n7-115
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). Tal situação reforçou a necessidade de orientações, geradas também no serviço, para o uso adequado, reutilização, armazenamento e troca das máscaras. Entendese que a utilização de EPI em adequadas condições de fabricação, utilização e disponibilidade é indispensável aos trabalhadores da saúde no contexto da COVID-19. Sendo assim, as equipes de saúde foram orientadas quanto à necessidade de racionar o uso desses equipamentos, reservandoos para os momentos mais críticos.

A exposição ocupacional somada à insegurança no tocante a esse tipo de prática foi relatada em todo o país e por diversos autores e pode ter contribuído para a contaminação e afastamento dos profissionais que prestam assistência direta aos usuários do sistema de saúde(2929 Gallasch CH, Cunha ML, Pereira LAS, Silva-Junior JS. Prevention related to the occupational exposure of health professionals workers in the covid-19 scenario. Rev Enferm UERJ. 2020;28:e49596. http://doi.org/10.12957/reuerj.2020.49596
http://doi.org/10.12957/reuerj.2020.4959...
). Ressalta-se que o uso de equipamentos de proteção, quando aliado às medidas de higiene e de treinamento que favoreçam o reconhecimento das situações de risco, reduz significativamente a possibilidade de contaminação dos trabalhadores(3030 Wang J, Zhou M, Liu F. Exploring the reasons for healthcare workers infected with novel coronavirus disease 2019 (covid-19) in China. J Hosp Infect. 2020;105(1):100-1. https://doi.org/10.1016/j.jhin.2020.03.002
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-3131 The Lancet [Editorial]. Covid-19: protecting health-care workers. Lancet. 2020;395(10228):922. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30644-9
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).

A fim de divulgar as informações, protocolos e fluxos institucionais, considerando as incertezas e a velocidade com que se disseminavam as informações (de fontes nem sempre confiáveis), o Núcleo de Segurança do Paciente, com base nas melhores evidências científicas disponíveis, capitaneou notas técnicas gerando acervo da unidade. Apoiando-se nesse material, foram produzidos documentos institucionais, apresentados no quadro em ordem alfabética, visando à sua divulgação de forma efetiva; eles foram também traduzidos em cards ilustrativos distribuídos pela instituição.

Considerando a redução na força de trabalho e visando minimizar essa exposição por meio da otimização do tempo destinado à assistência, destaca-se a utilização da “metodologia lean” nas emergências(2222 Ministério da Saúde (BR). Projeto lean nas emergências: redução das superlotações hospitalares [Internet]. [Brasília, DF]: MS; 2019[cited 2020 Nov 18]. Available from: https://www.gov.br/saude/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/projeto-lean-nas-emergencias
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), que consiste em uma ferramenta — originalmente utilizada na área da engenharia — adaptada para uso na área da saúde, buscando aprimorar a gestão dos serviços por meio da racionalização de recursos, espaços e insumos e principalmente pela orientação dos profissionais quanto às melhores práticas para o cuidado baseado em evidências e fluxos enxutos(3232 Santos LM, Silvino ZR, Souza DF, Moraes EB, Souza CJ, Balbino CM. Aplicabilidade da metodologia lean na organização dos serviços de saúde: uma revisão integrativa. Res Soc Dev. 2020;9(7):e345974054. https://doi.org/10.33448/rsd-v9i7.4054
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).

Nesse sentido, os cards gerados pelo serviço e utilizados na divulgação dos novos processos de trabalho e procedimentos estão alinhados com a metodologia e propiciam segurança à comunidade assistida e aos trabalhadores.

Além disso, os kits de execução dos procedimentos assistenciais e burocráticos, elaborados na ótica do projeto, orientaram a execução das atividades de forma organizada, segura e ágil, preservando a integridade desses trabalhadores na medida em que se diminuiu o tempo de exposição(2222 Ministério da Saúde (BR). Projeto lean nas emergências: redução das superlotações hospitalares [Internet]. [Brasília, DF]: MS; 2019[cited 2020 Nov 18]. Available from: https://www.gov.br/saude/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/projeto-lean-nas-emergencias
https://www.gov.br/saude/pt-br/acesso-a-...
,3232 Santos LM, Silvino ZR, Souza DF, Moraes EB, Souza CJ, Balbino CM. Aplicabilidade da metodologia lean na organização dos serviços de saúde: uma revisão integrativa. Res Soc Dev. 2020;9(7):e345974054. https://doi.org/10.33448/rsd-v9i7.4054
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).

No eixo de proteção aos trabalhadores, evidencia-se ainda, no curso da pandemia, os problemas vivenciados diariamente pelos trabalhadores de enfermagem relacionados às condições de trabalho, caracterizados pela elevada carga de trabalho, baixa remuneração e ambientes de trabalho inadequados(3333 Lima AM, Carvalho CMSM, Angelo LM, Oliveira MA, Silva PCPO, Santos RGS, et al. Relationships between the covid-19 pandemic and the mental health of nursing professionals. Saúde Colet. 2020;10(54):2703-6. https://doi.org/10.36489/saudecoletiva.2020v10i54p2699-2706
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). Isso reforça que trabalhar no enfrentamento da pandemia de COVID-19 expõe o indivíduo não apenas ao risco de contaminação (risco biológico), mas também aos riscos psicossociais, incluindo o estresse, a fadiga física e mental, a depressão e síndrome de burnout.

Por meio do observatório da enfermagem, o Conselho Federal de Enfermagem registrou (até 04 de fevereiro de 2021) 47.664 casos de COVID-19 em trabalhadores de enfermagem, com 535 óbitos. Destaca-se que o Rio de Janeiro figurava no terceiro lugar no número de casos reportados e segundo lugar no número de óbitos, segundo os dados brutos(3434 Observatório da Enfermagem. Profissionais infectados com Covid-19 informado pelo serviço de saúde[Internet]. Brasília, DF: Cofen; 2021[cited 2021 Feb 04]. Available from: http://observatoriodaenfermagem.cofen.gov.br/
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).

Portanto, propõese reavaliação de protocolos de gerenciamento e de atendimento a casos suspeitos e confirmados de COVID-19 nos serviços de emergência, a fim de garantir a segurança e o trabalho decente ao promover a prevenção da doença física e mental entre os profissionais de enfermagem potencialmente expostos ao vírus durante suas atividades(3333 Lima AM, Carvalho CMSM, Angelo LM, Oliveira MA, Silva PCPO, Santos RGS, et al. Relationships between the covid-19 pandemic and the mental health of nursing professionals. Saúde Colet. 2020;10(54):2703-6. https://doi.org/10.36489/saudecoletiva.2020v10i54p2699-2706
https://doi.org/10.36489/saudecoletiva.2...
).

Considerando as oscilações no número de casos de pessoas infectadas pelo SARS-CoV-2 no Brasil, faz-se necessária a vigilância, o controle rigoroso da sua disseminação e a identificação precoce dos casos de forma a prever os recursos necessários ao atendimento de emergência.

Quadro 3
Relação dos cards ilustrativos produzidos pelo Gabinete de Crise para o enfrentamento da COVID-19, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil, 2020

O controle de disseminação da doença deve ser fortalecido efetivamente dentro e fora das instituições de saúde, assim como as medidas de contenção e mitigação da pandemia, que incluem o distanciamento e a efetiva adoção dos protocolos de segurança, testagem, isolamento de casos confirmados, minimização da circulação de pessoas, uso de máscaras, entre outras ações(2323 Portela MC, Grabois V, Travassos C. Matriz linha de cuidado Covid-19 na rede de atenção à saúde [Internet]. [Rio de Janeiro]: Fiocruz; 2020[cited 2020 Dec 04]. (Observatório Covid-19; Serie linha de cuidado covid-19 na rede de atenção à saúde). Available from: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/42324
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).

Tais medidas visam diminuir a sobrecarga dos serviços de assistência à saúde, proporcionando condições de tratamento, assistência e de trabalho aos envolvidos nas práticas de saúde.

Limitações do estudo

Este estudo tem a limitação de análise epidemiológica e gerencial do serviço de emergência de uma única instituição.

Contribuições do estudo

Como contribuição ao avanço do conhecimento em enfermagem, o estudo demonstrou a possibilidade de reorganização de serviço de emergência em momento pandêmico, tendo por base evidências científicas dos campos da epidemiologia, saúde do trabalhador e gerenciamento em enfermagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo apresentou as medidas administrativas e assistenciais adotadas em um serviço de emergência de um hospital público federal no enfrentamento da pandemia de COVID-19, no estado do Rio de Janeiro, durante o primeiro semestre de 2020, com evidente aumento de casos de SGs e/ou SRAGs em relação ao mesmo período de 2019.

Evidencia-se que o planejamento, a coordenação das ações pautadas nas decisões dos membros do GC e a divulgação de informações confiáveis mediante um ponto focal foram essenciais para organização e gestão do serviço de emergência. A previsão e provisão de insumos e equipamentos necessários à assistência da população, assim como o treinamento dos trabalhadores para o uso de EPI e manejo dos casos, além da reestruturação física das alas de atendimento, foram cruciais para o serviço neste momento pandêmico.

Destaca-se a atuação da gestão, de forma antecipada aos desfechos, criando mecanismos, fluxos e rotinas que reduziram os tempos de atendimento e garantiram a segurança; e a inclusão dos diversos setores e trabalhadores envolvidos nas ações de enfrentamento da pandemia.

Aponta-se também para a importância do cuidado e avaliação contínua dos trabalhadores, a fim de evitar a contaminação e sinais de esgotamento mental.

O estudo apresenta caminhos que podem ser seguidos por outras instituições públicas ou privadas, organizando a porta de entrada em novos picos epidêmicos da COVID-19, ou mesmo em outras possíveis emergências em saúde pública. Por fim, a organização e êxito das ações decorrem da capacidade de gestão dos recursos materiais, da valorização do capital humano e do cuidado como eixo central do atendimento.

REFERENCES

Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa
EDITOR ASSOCIADO: Alexandre Balsanelli

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    10 Mar 2021
  • Aceito
    01 Set 2021
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