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Reorganização da assistência pré-hospitalar móvel na pandemia de Covid-19: relato de experiência

RESUMO

Objetivo:

Descrever a reorganização do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência de Belo Horizonte durante a pandemia do novo coronavírus, utilizando a ferramenta de qualidade PlanDo-Check-Act.

Métodos:

Estudo descritivo, do tipo relato de experiência, sobre a reorganização da assistência num serviço de atendimento pré-hospitalar móvel durante a pandemia do novo coronavírus, no período de março a julho de 2020. Foi aplicada a ferramenta da qualidade Plan-Do-Check-Act para condução do processo.

Resultados:

Elaboração de protocolo assistencial, reuniões, treinamentos, acréscimo de ambulâncias, contratação de profissionais e outras ações foram realizadas, com subsequente avaliação e monitoramento. Ao serem identificadas falhas ou novas necessidades, ações e mudanças foram implementadas mantendo-se o monitoramento e avaliação na rotina do trabalho.

Considerações finais:

A reorganização do serviço por meio da construção de um protocolo e tendo como ferramenta de gestão o Plan-Do-Check-Act foi essencial para promover uma assistência segura aos profissionais e aos pacientes.

Descritores:
Assistência Pré-Hospitalar; Ambulâncias; Infecções por Coronavirus; Pandemias; Administração de Serviços de Saúde

ABSTRACT

Objective:

To describe the reorganization of Belo Horizonte’s Mobile Emergency Care Service during the new coronavirus pandemic using the Plan Do-Check-Act quality tool.

Methods:

Descriptive study, of the experience report type, on the reorganization of care in a mobile pre-hospital care service during the new coronavirus pandemic, from March to July 2020. The Plan-Do-Check-Act quality tool was applied for the process.

Results:

Preparation of care protocol, meetings, training, addition of ambulances, hiring of professionals, and other actions were carried out, with subsequent evaluation and monitoring. When failures or new needs were identified, actions and changes were implemented while keeping monitoring and evaluation during the work routine.

Final considerations:

The reorganization of the service through the construction of a protocol and using the Plan-Do-Check-Act as a management tool was essential to promote safe care for professionals and patients.

Descriptors:
Emergency Medical Services; Ambulances; Coronavirus Infections; Pandemics; Health Services Administration

RESUMEN

Objetivo:

Describir la reorganización del Servicio de Atención Móvil de Urgencia de Belo Horizonte durante la pandemia del nuevo coronavirus, utilizando la herramienta de calidad Plan-Do-Check-Act.

Métodos:

Estudio descriptivo, del tipo relato de vivencia, sobre la reorganización de la atención en un servicio de atención prehospitalaria móvil durante la pandemia del nuevo coronavirus, entre marzo a julio de 2020. Fue aplicada la herramienta de la calidad Plan-Do-Check-Act para conducción del proceso.

Resultados:

Elaboración de protocolo asistencial, reuniones, entrenamientos, incremento de ambulancias, contratación de profesionales y otras acciones fueron realizadas, con subsecuente evaluación y monitoreo. Al ser identificados fallos o nuevas necesidades, acciones y cambios fueron implementados manteniéndose el monitoreo y evaluación en la rutina laboral.

Consideraciones finales:

La reorganización del servicio por medio de la construcción de un protocolo y teniendo como herramienta de gestión el Plan-Do-Check-Act fue esencial para promover una atención segura a los profesionales y pacientes.

Descriptores:
Atención Prehospitalaria; Ambulancias; Infecciones por Coronavirus; Pandemias; Administración de los Servicios de Salud

INTRODUÇÃO

A descoberta de um novo tipo de coronavírus (SARS-CoV-2), após casos de pneumonia em Wuhan, na China, deixou o mundo em estado de alerta, pois rapidamente esse vírus se espalhou para diversos países. Devido à sua alta transmissibilidade, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que o surto da doença causada por esse vírus e denominada de Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) constituiu-se numa emergência de saúde pública, uma pandemia(11 Belasco AGS, Fonseca CD. Coronavírus 2020. Rev Bras Enferm. 2020;73(2):e2020n2. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020730201
https://doi.org/10.1590/0034-7167-202073...
).

O primeiro caso confirmado da COVID-19 no Brasil ocorreu oficialmente no dia 26 de fevereiro de 2020, momento em que países onde a pandemia já estava instalada vivenciavam a superlotação das unidades de saúde, a falta de equipamentos para a assistência e até escassez ou uso inadequado de equipamentos de proteção individual para profissionais de saúde, levando à contaminação, ao adoecimento e mesmo ao óbito desses profissionais(22 Gallasch CH, Cunha ML, Pereira LAS, Silva-Jr JS. Prevention related to the occupational exposure of health professionals workers in the COVID-19 scenario. Rev Enferm UERJ. 2020;28:e49596. https://doi.org/10.12957/reuerj.2020.49596
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).

Um dos maiores desafios da COVID-19 é o fato de ser uma patologia nova. Organizações internacionais e nacionais - tais como Centers for Disease Control and Prevention (CDC), Ministério da Saúde (MS), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), dentre outras - têm divulgado recomendações com base na aplicação dos planos de contingência da influenza devido a semelhanças clínicas e epidemiológicas dessas doenças. Assim, o insuficiente conhecimento sobre o SARS-CoV-2, sua alta virulência, associado com a possibilidade de causar óbitos nos indivíduos infectados geram incertezas acerca dessa pandemia, sobretudo entre os profissionais de saúde particularmente susceptíveis à contaminação e atuantes na assistência a pacientes com o novo coronavírus(33 Freitas ARR, Napimoga M, Donalisio MR. Assessing the severity of COVID-19. Epidemiol Serv Saúde. 2020;29(2):e2020119. https://doi.org/10.5123/s1679-49742020000200008
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-44 Medeiros EAS. Health professionals fight against COVID-19. Acta Paul Enferm. 2020;33:eEDT20200003. https://doi.org/10.37689/acta-ape/2020edt0003
https://doi.org/10.37689/acta-ape/2020ed...
).

Essa realidade tem causado graves impactos na saúde pública, o que levou a mudanças abruptas na organização das instituições de saúde, bem como na forma de assistir as pessoas infectadas por esse agravo(22 Gallasch CH, Cunha ML, Pereira LAS, Silva-Jr JS. Prevention related to the occupational exposure of health professionals workers in the COVID-19 scenario. Rev Enferm UERJ. 2020;28:e49596. https://doi.org/10.12957/reuerj.2020.49596
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).

A experiência de diversos países evidenciou um elevado número de casos da COVID-19. Muitos dos pacientes acometidos podem evoluir para situações de emergência no ambiente extrahospitalar ou necessitar de transferências inter-hospitalares para unidades de maior complexidade, contexto no qual se destaca o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), um serviço de atendimento pré-hospitalar móvel público, implantado pelo Ministério da Saúde em 2003. Sabe-se que a assistência pré-hospitalar móvel possui particularidades que podem tornar seus profissionais mais vulneráveis durante pandemias como a da COVID-19(55 Guimarāes HP, Damasceno MC, Ribera JM, Onimaru A, Malvestio M, Bueno M, et al. Recomendações para o atendimento de pacientes suspeitos ou confirmados de infecção pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) pelas equipes de atendimento pré-hospitalar móvel. Associação Brasileira de Medicina de Emergência (ABRAMEDE)[Internet]. 2020 [cited 2020 May 26]. Available from: http://abramede.com.br/wp-content/uploads/2020/04/RECOMENDACOES-APH-220420.pdf
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).

Diante da expectativa de aumento de demanda pelos cuidados de saúde e da exposição dos profissionais ao novo coronavírus, foi necessária a reorganização do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência de Belo Horizonte (SAMU-BH) e adequação dos processos de trabalho. Optou-se pelo uso da ferramenta de qualidade Plan-Do-Check-Act (PDCA), que é uma metodologia com foco na melhoria contínua de processos e é recomendada por se tratar de um guia fácil de solução de problemas(66 Li Y, Wang H, Jiao J. The application of strong matrix management and PDCA cycle in the management of severe COVID-19 patients. Crit Care. 2020;24:157. https://doi.org/10.1186/s13054-020-02871-0
https://doi.org/10.1186/s13054-020-02871...
-77 Chen Y, Zheng J, Wu D, Zhang Y, Lin Y. Application of the PDCA Cycle for Standardized Nursing Management in a COVID-19 Intensive Care Unit. Ann Palliat Med. 2020; 9(3):1198-205. https://doi.org/10.21037/apm-20-1084
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).

Com o foco na segurança dos profissionais e dos pacientes, todas as ações foram planejadas tendo por base evidências técnicas e científicas disponíveis e que são frequentemente avaliadas e ajustadas, pois sabe-se que a evolução da pandemia é dinâmica e adaptações provavelmente serão necessárias.

OBJETIVO

Descrever a reorganização do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência de Belo Horizonte durante a pandemia do novo coronavírus, utilizando a ferramenta de qualidade Plan-Do-Check-Act.

MÉTODOS

Estudo descritivo, do tipo relato de experiência, sobre a reorganização do SAMU-BH para a assistência a pacientes com caso suspeito ou confirmado de COVID-19, no período de março a julho de 2020.

O SAMU-BH conta com 21 unidades de suporte básico (USB) e 7 unidades de suporte avançado (USA), além de uma central de regulação médica das urgências. Possui cerca de mil profissionais e realiza, em média, 8.700 atendimentos por mês.

Para a condução de todo o processo, a técnica do brainstorming e o ciclo do PDCA foram adotados, pois permitiram identificar rapidamente as necessidades e adequar o serviço às condições impostas pela pandemia, considerando o caráter dinâmico dela.

A técnica do brainstorming, também denominada de “tempestade de ideias”, é realizada com base em uma questão-problema, e as ideias para a solução são propostas e listadas para depois serem organizadas e categorizadas(88 Santana RM, Souza ATS. Momento de Investigação. In: Planejamento em Enfermagem: aplicação do processo de enfermagem na prática administrativa. Bahia (Ilhéus): Editus, 2008. 70-86. https://doi.org/10.7476/9788574555294.0011
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).

O ciclo do PDCA é uma ferramenta que consiste em um modelo repetitivo cíclico de quatro estágios para a melhoria contínua na gestão da qualidade. As letras que constituem o nome do método estão relacionadas aos verbos na língua inglesa To Plan, To Do, To Check e To Act, que significam planejar, executar, checar e agir, respectivamente(66 Li Y, Wang H, Jiao J. The application of strong matrix management and PDCA cycle in the management of severe COVID-19 patients. Crit Care. 2020;24:157. https://doi.org/10.1186/s13054-020-02871-0
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).

Dois estudos sobre o uso do PDCA no contexto da COVID-19 relataram que a aplicação dessa metodologia foi positiva, padronizou a gestão da assistência e proporcionou possibilidades de aplicação de abordagens eficazes, permitindo a correção diante de alguma necessidade(66 Li Y, Wang H, Jiao J. The application of strong matrix management and PDCA cycle in the management of severe COVID-19 patients. Crit Care. 2020;24:157. https://doi.org/10.1186/s13054-020-02871-0
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-77 Chen Y, Zheng J, Wu D, Zhang Y, Lin Y. Application of the PDCA Cycle for Standardized Nursing Management in a COVID-19 Intensive Care Unit. Ann Palliat Med. 2020; 9(3):1198-205. https://doi.org/10.21037/apm-20-1084
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).

RESULTADOS - RELATO DA EXPERIÊNCIA

Após a divulgação do primeiro caso confirmado de COVID-19 em Belo Horizonte, no dia 16 de março de 2020, intensificaram-se as discussões, iniciadas em fevereiro do mesmo ano, para a reorganização do serviço. Optou-se pela construção de um protocolo, e foram designadas inicialmente duas enfermeiras para conduzir todo o processo de elaboração desse documento.

Essas enfermeiras, após uma reunião utilizando a técnica do brainstorming com base na questão “Como prestar uma assistência segura a pacientes suspeitos ou confirmados de COVID-19?”, estabeleceram os itens a serem abordados no protocolo, as etapas de execução, a construção e a implantação das recomendações no serviço. A ferramenta de gestão PDCA norteou todo o processo de reorganização do serviço e a implantação das ações propostas (Figura 1).

Figura 1
Itens aplicados ao Ciclo Plan-Do-Check-Act para o processo de reorganizaçao da assistencia no Serviço de Atendimento Móvel de Urgencia de Belo Horizonte durante a pandemia de COVID-19, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 2020

Para o protocolo, foram definidas como diretrizes essenciais a serem descritas, considerando as especificidades da COVID-19, os itens: Princípios e Orientações, Definição de Casos Suspeitos, Definições Operacionais, Organização das Unidades Móveis, Especificidades no Atendimento de Pacientes com Casos Suspeitos ou Confirmados de COVID-19, Higienização de Mãos, Equipamentos de Proteção Individual, Higienização de Equipamentos e Materiais, Saúde dos Trabalhadores e Riscos Assistenciais. Incluíram-se, ainda, fluxogramas para facilitar o entendimento dos processos e permitir a consulta rápida pelos profissionais da assistência.

Inicialmente realizou-se uma busca livre sobre o assunto dos itens definidos, para identificar na literatura recomendações condizentes com a realidade do serviço. Após a escrita do protocolo, iniciou-se a fase de implantação das diretrizes propostas a partir do dia 27/03/2020.

Era preciso que todos os profissionais tivessem acesso à informação e estivessem alinhados com as recomendações estabelecidas. Foi realizada uma ampla divulgação nos grupos de profissionais do serviço, e houve muitos questionamentos e incertezas.

Reuniões envolvendo as equipes de atendimento, coordenações do serviço, gerência do SAMU-BH, representante do Conselho Regional de Enfermagem de Minas Gerais (COREN-MG), do Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (CIEVS) da Secretaria Municipal de Belo Horizonte e representantes sindicais foram realizadas para apresentação, entendimento e alinhamento das ações propostas.

Dentre as diversas ações, definiu-se que 12 veículos do tipo A, denominados de “unidades COVID” e um veículo extra avançado (unidade de suporte avançado COVID - “USA-COVID”) seriam alocados para atuarem exclusivamente no transporte inter-hospitalar de pacientes suspeitos ou confirmados de COVID-19.

Foi também estabelecido um rodízio de USB e USA para realizarem, preferencialmente, o atendimento pré-hospitalar (APH) de casos suspeitos ou confirmados de COVID-19, denominadas de unidades “APH-COVID”. Para essas unidades, reduziu-se a quantidade de materiais e medicamentos, tais como ampolas, equipos, seringas e talas, minimizando o risco de contaminação e facilitando o processo de desinfecção. Para as demais unidades, os materiais foram reorganizados e protegidos a fim de reduzir a contaminação. Iniciaram-se treinamentos presenciais para as equipes sobre a paramentação e desparamentação. Foi realizada a divulgação convidando os profissionais para participarem; e, a fim de facilitar o alcance, essa ação era realizada todas as vezes que as unidades móveis iam à sede do serviço para repor materiais e medicamentos no almoxarifado. Enquanto estes eram separados pela equipe do almoxarifado, os profissionais eram treinados. Enfermeiros da central de regulação (CR) também foram capacitados, para orientar as equipes caso houvesse necessidade.

A coordenação de enfermagem estabeleceu um processo de monitoramento e acompanhamento diário de profissionais com sintomas gripais e afastados do serviço. O serviço de atendimento por e-mail do Núcleo de Ensino e Pesquisa (NEP), os enfermeiros da CR, bem como a equipe do grupo gestor permaneceram disponíveis para o esclarecimento de dúvidas em relação às novas rotinas implementadas.

Com a implantação do protocolo, iniciou-se o monitoramento e a avaliação das ações. Para isso, utilizou-se do Help Desk, um formulário on-line já disponível no serviço, no qual os profissionais conseguiam enviar para a coordenação as sugestões, as não conformidades etc. Problemas foram relatados nos grupos dos profissionais, e relatórios também foram emitidos. Por meio desses instrumentos, identificou-se a necessidade de se realizarem alguns ajustes no processo. Todas essas demandas, quando identificadas, foram analisadas; novas ações foram planejadas, implementadas, monitoradas e novamente corrigidas se necessário: um processo contínuo conforme a proposta do ciclo do PDCA.

Realizou-se a primeira atualização do protocolo, considerando a análise feita pelo Conselho Regional de Enfermagem de Minas Gerais (COREN-MG), cuja sugestão foi a de melhorar a descrição de ações relacionadas às manobras de ressuscitação cardiopulmonar e uso de máscara de oxigênio com reservatório, pois são procedimentos geradores de aerossóis. Assim, fez-se conforme indicado.

Outra mudança inicial foi em relação ao treinamento presencial de paramentação e desparamentação, por se entender que haveria riscos no compartilhamento de equipamentos de proteção para treinamento e a necessidade de um uso consciente, considerando a possibilidade de escassez de materiais conforme sinalizava a realidade mundial. Então, definiu-se que seria feita a gravação de vídeos sobre a paramentação e desparamentação como estratégia para orientar os profissionais, sendo estes divulgados nos grupos e nas redes sociais, na época. Enfermeiros foram convidados a produzir e gravar esses vídeos instrutivos; e recomendações referentes ao uso de equipamentos de proteção individual (EPI) e higienização de mãos também foram reforçadas entre as equipes.

Diante do aumento do número de atendimentos de pacientes suspeitos ou confirmados de COVID-19, resolveu-se excluir a proposta das unidades “APH-COVID”: estabeleceu-se um mapa de carga reduzido em todas as unidades móveis, e um enfermeiro foi destinado para auxiliar e acompanhar essa mudança. A CR secundária foi dividida, de tal forma que todos os casos relacionados à COVID-19 passaram então a ser regulados por profissionais específicos, diferentemente da regulação secundária habitual do serviço. Orientações aos profissionais que atuavam na CR foram intensificadas a fim de reduzir as possibilidades de transmissão do SARSCoV2 entre esses profissionais.

O controle do uso e reposição de EPI, principalmente da máscara N95 ou PFF2, evidenciaram falhas, de modo que um novo fluxo com a implantação de um formulário para controle da dispensação foi elaborado. Quanto à higienização dos veículos, intervenções foram necessárias com a empresa contratada que já era a responsável por essa atividade. Enfermeiros foram convidados a participar desse processo e foram até o local para organizar o fluxo de desinfecção dos carros, o espaço para desparamentação dos profissionais, descarte adequado do lixo infectante, treinamento dos profissionais responsáveis pela higienização da ambulância, dentre outras questões. Passadas algumas semanas, houve a necessidade de novos treinamentos para os profissionais desse local.

Novas recomendações foram publicadas, então houve a necessidade de atualização do protocolo: para aumentar a segurança dos profissionais das unidades móveis, a principal mudança foi a de considerar como caso suspeito todo paciente inconsciente ou com história clínica inconsistente.

Identificou-se que, apesar da ampla divulgação do protocolo, não havia uma padronização das ações. Assim, foi realizada uma webconferência para médicos e enfermeiros, com o objetivo de abordar os principais aspectos do protocolo, as atualizações e sanar as dúvidas.

Para as equipes das USBs, optou-se por realizar uma ação diferente: enfermeiros foram convidados a ministrar um treinamento, e um roteiro de orientação foi construído para padronizar as informações. As equipes foram abordadas na sede do serviço, recebiam as orientações necessárias e tinham a oportunidade de relatar os problemas vivenciados nos atendimentos, bem como de sanar as dúvidas.

O aumento da demanda dos transportes inter-hospitalares estava causando um grande impacto no serviço. Definiu-se que haveria retorno das unidades USB-COVID, porém, agora, elas fariam preferencialmente o transporte inter-hospitalar de casos suspeitos ou confirmados de COVID-19, de forma que todos os atendimentos pré-hospitalares ficariam a cargo das outras USBs. Determinou-se um rodízio semanal de USB por região, o processo de higienização das ambulâncias foi também reorganizado, e as equipes das USBs foram treinadas por enfermeiros. Para as USAs, manteve-se a conduta de sempre: a de realizar atendimentos de qualquer natureza.

Apesar de todos os esforços realizados, diante da crescente demanda, indicadores evidenciaram a necessidade de se implantarem novas ações: disponibilizaram-se cinco ambulâncias (quantitativo disponível de veículos reserva) para que as equipes pudessem trocar de veículo e realizar novo atendimento enquanto o oficial era higienizado; a empresa contratada admitiu novos profissionais para auxiliar nos processos de higienização dos veículos; e também novos locais para higienizá-los foram estabelecidos, além daqueles usados pela empresa contratada e pela CR; para realizar transportes inter-hospitalares, admitiram-se mais profissionais para compor equipes de suporte avançado e unidades tipo A, estas últimas funcionando diariamente no horário das 10h às 22h.

DISCUSSÃO

As particularidades da COVID-19 fizeram com que os serviços de atendimento pré-hospitalar se organizassem e realizassem modificações na assistência para dar conta dos atendimentos, evitar a contaminação de profissionais, promover treinamento adequado e garantir os insumos e outros recursos necessários para o atendimento(99 World Health Organization (WHO). Rational use of personal protective equipment (PPE) for coronavirus disease (COVID-19): interim guidance, 19 March 2020. 2020 [cited 2020 Jun 15]. Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/331498
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).

Esta pandemia fez com que os serviços de saúde reorganizassem a assistência na tentativa de mitigar os riscos quanto à exposição ocupacional ao novo coronavírus. Especificamente nos serviços de APH móvel, é esperado um aumento nas solicitações de atendimentos e, infelizmente, uma redução no número de profissionais devido aos afastamentos(55 Guimarāes HP, Damasceno MC, Ribera JM, Onimaru A, Malvestio M, Bueno M, et al. Recomendações para o atendimento de pacientes suspeitos ou confirmados de infecção pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) pelas equipes de atendimento pré-hospitalar móvel. Associação Brasileira de Medicina de Emergência (ABRAMEDE)[Internet]. 2020 [cited 2020 May 26]. Available from: http://abramede.com.br/wp-content/uploads/2020/04/RECOMENDACOES-APH-220420.pdf
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).

Um protocolo orienta o trabalho assistencial, e sua construção deve seguir alguns critérios e regras para ser formulado adequadamente e obter um resultado satisfatório(1010 Verbeek J, Rajamaki B, Ljaz S, Sauni R. Personal protective equipment for preventing highly infectious diseases due to exposure to contaminated body fluids in healthcare staff. Cochrane Database System Rev. 2020;7(5). https://doi.org/10.1002/14651858.CD011621.pub5
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). Assim, procurou-se cumprir essas orientações para a formulação da questão-problema do protocolo discutido neste relato de experiência.

A técnica de brainstorming permitiu a rápida identificação de situações-problema e especificidades que seriam abordadas no protocolo considerando o conhecimento teórico disponível e a vivência prática dos envolvidos na elaboração. Nessa fase, seria importante o envolvimento de diversos profissionais, porém a necessidade da rápida intervenção devido ao início dos casos no município impediu essa atividade. Considerações apresentadas pelos profissionais do serviço vêm sendo analisadas continuamente nos processos de revisão do protocolo.

O SAMU-BH dispunha de uma estrutura de protocolo elaborado, portanto o que coube aos autores foi identificar as demandas específicas relacionadas à COVID-19 de forma a abordar os aspectos-chave concernentes à mudança nas técnicas e condutas, considerando as especificidades do APH móvel.

O protocolo foi disponibilizado em meio eletrônico para todos os profissionais do serviço e no site da Prefeitura de Belo Horizonte, juntamente com os fluxogramas de atendimento e de paramentação e desparamentação, no formato de uma Nota Técnica da Secretaria Municipal de Saúde (https://prefeitura.pbh.gov.br/sites/default/files/estrutura-de-governo/saude/2020/nota-tecnica-17.pdf). Percebeu-se que esses documentos orientaram as ações dos profissionais na rotina do serviço, gerando menos ansiedade no grupo de trabalhadores.

Foi necessário articular formas de dar acesso às informações e conhecimento para as equipes. As estratégias de treinamento face a face e em pequenos grupos oportunizaram aos trabalhadores manifestar dúvidas sobre a rotina e sobre a patologia, bem como facilitaram a comunicação entre gestão e trabalhadores.

O uso de vídeos permitiu que os profissionais tivessem disponíveis e acessíveis as orientações no dia a dia de trabalho, sendo que foi considerado utilizar essa estratégia para outras instruções. Um estudo de revisão realizado com a finalidade de avaliar métodos e estratégias para execução e treinamento de técnicas de paramentação/desparamentação reporta que vídeos podem melhorar as habilidades e que instruções face a face podem ser mais eficazes para garantir adesão à técnica treinada que métodos tradicionais de ensino ou apenas vídeos(1010 Verbeek J, Rajamaki B, Ljaz S, Sauni R. Personal protective equipment for preventing highly infectious diseases due to exposure to contaminated body fluids in healthcare staff. Cochrane Database System Rev. 2020;7(5). https://doi.org/10.1002/14651858.CD011621.pub5
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).

Cerca de 80% dos enfermeiros e médicos participaram da webconferência realizada para apresentação e discussão do protocolo. Esse elevado percentual de participantes evidenciou a potencialidade das plataformas digitais como recurso para os treinamentos do serviço.

Mudanças no quadro epidemiológico, indicadores do serviço, publicações científicas e normativas técnicas são parâmetros constantemente avaliados para identificar a necessidade de revisões das recomendações adotadas.

Para direcionar toda a reorganização da assistência no SAMU-BH, os autores utilizaram o PDCA como uma ferramenta de gestão que tem sido adotada, devido à sua simplicidade, nas instituições de saúde para nortear os processos(66 Li Y, Wang H, Jiao J. The application of strong matrix management and PDCA cycle in the management of severe COVID-19 patients. Crit Care. 2020;24:157. https://doi.org/10.1186/s13054-020-02871-0
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7 Chen Y, Zheng J, Wu D, Zhang Y, Lin Y. Application of the PDCA Cycle for Standardized Nursing Management in a COVID-19 Intensive Care Unit. Ann Palliat Med. 2020; 9(3):1198-205. https://doi.org/10.21037/apm-20-1084
https://doi.org/10.21037/apm-20-1084...
-88 Santana RM, Souza ATS. Momento de Investigação. In: Planejamento em Enfermagem: aplicação do processo de enfermagem na prática administrativa. Bahia (Ilhéus): Editus, 2008. 70-86. https://doi.org/10.7476/9788574555294.0011
https://doi.org/10.7476/9788574555294.00...
). A utilização dessa metodologia foi positiva, pois, apesar de ser essencialmente subjetiva, é um guia fácil para a solução dos problemas.

Limitações do estudo/Relato

Este relato apresenta a experiência vivenciada nos meses iniciais da pandemia, considerando as particularidades de um serviço de atendimento pré-hospitalar móvel público de um município específico, de grande porte, permitindo que sejam definidas e adotadas intervenções que podem ou não ser adequadas a outros locais. No entanto, traz reflexões e um modelo de trabalho adaptáveis a diversos contextos.

Não é possível avaliar completamente as ações realizadas, uma vez que estas estão em implantação e o serviço ainda vivencia situações novas impostas pela pandemia e sua evolução no município.

Contribuições para a área

A experiência com o uso da ferramenta de gestão PDCA para a estruturação de ações de forma rápida, em um serviço, em resposta a uma situação de grande proporção evidenciou a importância da gestão em saúde. O uso de recursos eletrônicos de treinamento e comunicação mostrou-se eficaz para agilizar e garantir maior alcance das informações.

Esta situação sem precedentes e esta nova patologia apresentam contínuas descobertas e achados científicos que atualizam as condutas a serem tomadas, já que, no enfrentamento, deve-se levar em conta o comportamento dos casos e da doença dentro da realidade local. Nesse sentido, os ciclos de avaliação, ação e reavaliação são úteis por permitirem a implantação das ações e as mudanças conforme a dinâmica da apresentação da pandemia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebe-se que a reorganização do serviço com base nas recomendações do protocolo foi essencial para uma assistência mais segura aos profissionais e aos pacientes.

O uso do PDCA exige um monitoramento constante das ações e uma necessidade de acompanhamento e discussões para análise e avaliação das ações implementadas. A utilização dessa ferramenta de gestão foi positiva, pois, apesar de ser essencialmente subjetiva, é um guia fácil para a solução dos problemas.

O processo de reorganização do SAMU-BH, até o momento da finalização deste manuscrito, está em implantação. Espera-se que, após a pandemia da COVID-19, um novo normal se estabeleça nesse serviço para continuar proporcionando maior segurança aos profissionais e pacientes. Também a expectativa é de que esses trabalhadores repensem na forma de assistir e mantenham as práticas de biossegurança adotadas neste período de pandemia.

REFERENCES

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa
EDITOR ASSOCIADO: Italo Rodolfo Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Set 2021
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    10 Ago 2020
  • Aceito
    23 Jun 2021
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