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Temporalidade da mulher após cirurgia cardíaca: contribuições para o cuidado de enfermagem

Temporalidad de la mujer después cirugía cardiaca: contribuciones para atención de enfermería

RESUMO

Objetivo:

desvelar o movimento existencial da mulher após a intervenção cirúrgica cardíaca.

Método:

pesquisa qualitativa de abordagem fenomenológica. Teve como cenário uma instituição hospitalar em Minas Gerais, na qual dez mulheres foram entrevistadas entre dezembro de 2011 e janeiro de 2012.

Resultados:

após a alta hospitalar, as mulheres vivenciam comprometimentos físicos, sociais e emocionais, desejando a volta do tempo anterior ao diagnóstico, uma vez que ainda se sentem cardiopatas. Essa compreensão vaga e mediana emerge de três unidades de significação, as quais, na perspectiva da hermenêutica heideggeriana, permitiram desvelar o fenômeno da cirurgia cardíaca como um agora que limita o dia a dia das mulheres.

Conclusão:

o enfermeiro, na disposição de ser-com-o-ser-aí-mulher-após-a-cirurgia-cardíaca, deve promover a saúde, considerando as facetas existenciais que se mostram nos momentos de cuidado. Nessa oportunidade de encontros singulares e plenos de subjetividade se revelam as bases para a integralidade da assistência.

Descritores:
Cuidados de Enfermagem; Promoção da Saúde; Enfermagem Cardiológica

RESUMEN

Objetivo:

desvelar la existencia de la mujer tras la cirugía cardíaca.

Método:

investigación cualitativa de enfoque fenomenológico. La escena fue un hospital en Minas Gerais, en el cual se entrevistaron diez mujeres entre diciembre de 2011 y enero de 2012.

Resultados:

tras el alta hospitalaria que todavía sienten las enfermedades del corazón a través de experiencias físicas, sociales y emocionales, las mujeres anhelan regresar al tiempo anterior al diagnóstico. Esa vaga y mediana comprensión viene de tres unidades de significado, las cuales, teniendo en vista la hermenéutica de Heidegger, ayudaron a descubrir que el fenómeno de la cirugía cardiaca limita la vida cotidiana de las mujeres.

Conclusión:

el enfermero ayudando después de la cirugía cardiaca debe promover la salud de la paciente, teniendo en cuenta sus aspectos existenciales en los momentos de atención. En esas oportunidades individuales y llenas de subjetividad residen las bases de la integralidad de la atención.

Palabras clave:
Atención de Enfermería; Promoción de la Salud; Enfermería Cardiológica

ABSTRACT

Objective:

to unveil women's existential movement after cardiac surgery.

Method:

qualitative phenomenological study. The research setting was a hospital in Minas Gerais, in which ten women were interviewed between December 2011 and January 2012.

Results:

after hospital discharge, the women experienced physical, social and emotional impairments, and expressed the desire to go back to the time before their diagnosis, because they felt as though they still had heart disease. This vague and average understanding led to three units of meaning that, from a Heideggerian hermeneutic point of view, revealed the phenomenon of cardiac surgery as a present circumstance that limited the participants' daily lives.

Conclusion:

nurses supporting women patients after cardiac surgery should promote health considering existential facets that are expressed during care. The bases for comprehensive care are revealed in singular and whole meetings of subjectivity.

Key words:
Nursing Care; Health Promotion; Cardiac Nursing

INTRODUÇÃO

As doenças crônicas não transmissíveis têm sido objeto constante de preocupação governamental. Não obstante os esforços contínuos para a redução da morbimortalidade desses agravos, os apontamentos numéricos ainda sugerem alta prevalência e incidência em território nacional. Dentre as medidas adotadas, o Plano de Ações Estratégicas surge com a finalidade de combater e minimizar pelos próximos dez anos doenças como o acidente vascular cerebral, infarto, hipertensão arterial, diabetes e doenças respiratórias de caráter crônico(11 Ministério da Saúde. Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis no Brasil 2011-2022. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2011.).

Torna-se relevante destacar que as coronariopatias de origem isquêmica deflagram ou agravam outras patologias, sendo consideradas como importante problema de saúde pública, especialmente se considerado o fato de estarem presentes nas camadas sociais com baixos níveis de escolaridade e renda. Nesse contexto, as doenças cardíacas podem representar um impedimento para o cumprimento das Metas de Desenvolvimento do Milênio, compromisso firmado pelo Brasil e outros 190 países membros junto à Organização das Nações Unidas (ONU) no ano 2000(22 Sawatzky JA, Naimark BJ. The coronary artery bypass graft surgery trajectory: Gender differences revisited. Eur J Cardiovascular Nurs [Internet]. 2009[cited 2014 Nov 05];8(4): 302-8. Available from: Available from: http://cnu.sagepub.com/content/8/4/302.full.pdf+html
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).

Ao considerar a cardiopatia cirúrgica e seu tipo mais comum, a revascularização do miocárdio, estima-se que mais homens que mulheres sejam submetidos ao processo cirúrgico por ser o sexo masculino ainda um fator de risco. Contudo, as mulheres apresentam resultados menos favoráveis que os homens no pós-operatório, com diminuição da qualidade de vida de seis semanas até seis meses após a intervenção(33 Malta DC, Silva Jr JB. O plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis no Brasil e a definição de metas globais para o enfrentamento dessas doenças até 2025: uma revisão. Epidemiol Serv Saúde [Internet]. 2013[cited 2014 Mar 15];22(1):151-64. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/ress/v23n3/1679-4974-ress-23-03-00389.pdf
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). Além disso, evidencia-se crescente a ocorrência da doença isquêmica cardíaca em mulheres, alertando os profissionais de saúde, em especial os enfermeiros, para as atribuições de cuidados que lhes competem nos diferentes níveis do panorama assistencial(44 Lima FET, Araújo TL, Lopes MVO, Silva LF, Monteiro ARM, Oliveira SKP. Fatores de risco da doença coronariana em pacientes que realizaram revascularização miocárdica. Rev Rene [Internet]. 2012[cited 2014 Mar 10];13(4):853-60. Available from: Available from: http://www.revistarene.ufc.br/revista/index.php/revista/article/view/1080/pdf
http://www.revistarene.ufc.br/revista/in...
-55 Cantus DS, Ruiz MCS. Ischemic heart disease in women. Rev Latino-Am Enferm [Internet]. 2011[cited 2013 Sep 13];19(6): 1462-9. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v19n6/pt_25.pdf
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).

A fim de atender às demandas múltiplas da mulher portadora de cardiopatia e dos demais usuários, o Sistema Único de Saúde entende que a formação profissional deve transcender a biomedicalização, com vistas a alcançar as intersubjetividades necessárias às relações de cuidados. Nesse sentido, as instituições de ensino superior têm adotado o princípio da integralidade como base articuladora de saberes teóricos-práticos nos diversos cenários de capacitação dos graduandos em enfermagem(66 Lucchese R, Vera I, Pereira WR. As políticas públicas de saúde - SUS - como referência para o processo ensino-aprendizagem do enfermeiro. Rev Eletrônica Enferm [Internet]. 2010[cited 2013 Oct 20]; 12(3):562-6. Available from: Available from: https://www.fen.ufg.br/fen_revista/v12/n3/v12n3a21.htm
https://www.fen.ufg.br/fen_revista/v12/n...
).

A integralidade refletida como ação social faz uso de elementos que favorecem sua concretização, a exemplo da promoção à saúde. Na confluência de ideias em torno dessa estratégia, o enfermeiro apresenta possibilidades de integração com os três níveis de atenção à saúde, fomentando a expansão sustentável das políticas públicas naquilo que implica a "construção de estilos de vida saudáveis"(11 Ministério da Saúde. Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis no Brasil 2011-2022. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2011.), que considera as múltiplas dimensões humanas e não apenas os seus aspectos físicos e mentais(77 Mattos RA. Princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e a humanização das práticas de saúde. Interface (Botucatu) [Internet]. 2009[cited 2014 Feb 18];13(1):771-80. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/icse/v13s1/a28v13s1.pdf
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). Na realização de tal prática, o enfermeiro adquire visibilidade, ampliando sua autonomia, a partir do saber que lhe é próprio.

Nessa perspectiva, é possível considerar que a fenomenologia tem apontado reflexões capazes de sustentar o conceito de promoção à saúde que supera a ótica meramente objetiva, indo ao encontro da pessoa, como ente dotado do ser da presença, ao desvelar seus sentidos ocultos no cotidiano assistencialista(88 Amorim TV, Salimena AMO, Melo MCSC, Souza IEO, Silva LF. Sentidos do ser-aí-mulher-após-cirurgia-cardíaca à luz de Heidegger. Rev Rene[Internet]. 2013[cited 2014 Mar 10];14(5):988-95. Available from: Available from: http://www.revistarene.ufc.br/revista/index.php/revista/article/view/1360/pdf
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9 Nogueira RP. [Phenomenological extension of Heidegger's concepts of health and illness]. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2011[cited 2015 Jul 12];16(1):259-66. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v16n1/v16n1a28.pdf
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-1010 Heidegger M. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes; 2011.).

A fenomenologia é uma corrente de pensamento que pretende descrever os fenômenos a partir da compreensão de quem os vivencia, de modo a situá-los tal como se deram. Para isso, busca os significados essenciais dispostos na percepção, no diálogo e na reflexão do que se atrela às objetividades e subjetividades, consideradas indissociáveis(1111 Capalbo C. Fenomenologia e Ciências humanas. São Paulo: Idéias e Letras; 2008.).

Dentre os fenomenólogos destaca-se Martin Heidegger e sua obra Ser e Tempo, que revela seu pensar filosófico a partir do homem como ser intramundano, denominando-o ente e Dasein, o que indica que o ser do humano se movimenta tanto na instância dos fatos (ôntica) quanto na dos fenômenos (ontológica). Lançado no mundo como um ser de possibilidades, o ente vive, existe (ek-siste) na facticidade, na decadência e na transcendência, sendo à maneira de todos e segundo os modos de ser de todos no cotidiano. Nesse ek-sistir, o ente pode assumir sua estrutura existencial mais própria - ser de cura -, expressão filosófica que, no pensar heideggeriano, se traduz como ser de cuidados consigo e com outros ou, ainda, como Dasein ou Ser-aí, que indica aquele que se compreende como ser de possibilidades(1010 Heidegger M. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes; 2011.).

A fim de constituir a presença ou o ser-aí originariamente, o filósofo concebe não a história e o tempo tradicionais, mas, sim, a historicidade radicada na temporalidade que fundamenta a cura - ser de cuidados consigo e com outros - e possibilita os modos de ser, onde futuro, presente e passado conjugam-se em temporalidade (ekstases), cujo denominador é "nivelado a uma pura sequência de agoras, sem começo nem fim"(1010 Heidegger M. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes; 2011.).

Desse modo, em Heidegger, a atualidade, o vigor de ter sido e o porvir são as ekstases que "mostram os caracteres fenomenais do para si mesma, de volta para e deixar vir ao encontro de", respectivamente, como fenômenos que revelam a temporalidade(1010 Heidegger M. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes; 2011.).

Após se submeterem à cirurgia cardíaca, terem alta e voltarem para casa, as mulheres vivenciam diversos comprometimentos. Na esfera física, a dor e a fadiga estão presentes em atividades simples, consideradas habituais antes da operação. Na esfera social, ocorre um impedimento para a volta ao trabalho ou até mesmo ao convívio em sociedade. E finalmente, no âmbito emocional, sentem-se desconfortáveis diante do que julgam ser inutilidade, permanecendo angustiadas pela dependência alheia e desejando a volta do tempo anterior ao diagnóstico, uma vez que ainda se sentem cardiopatas, apesar da intervenção cirúrgica(88 Amorim TV, Salimena AMO, Melo MCSC, Souza IEO, Silva LF. Sentidos do ser-aí-mulher-após-cirurgia-cardíaca à luz de Heidegger. Rev Rene[Internet]. 2013[cited 2014 Mar 10];14(5):988-95. Available from: Available from: http://www.revistarene.ufc.br/revista/index.php/revista/article/view/1360/pdf
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).

Nessa acepção, tem-se como objetivo desvelar o movimento existencial da mulher após a intervenção cirúrgica cardíaca, considerando que este é capaz de subsidiar propostas de atenção de saúde e de atuação profissional voltadas para a promoção em saúde e redução da morbimortalidade por doenças crônicas não transmissíveis.

MÉTODO

Pesquisa qualitativa de abordagem fenomenológica com analítica sustentada no referencial de Martin Heidegger. O cenário de estudo foi uma instituição hospitalar de médio porte em Minas Gerais. A etapa de campo ocorreu nos meses de dezembro e janeiro dos anos de 2011 e 2012, respectivamente.

Inicialmente foram coletados, no livro de registros cirúrgicos e nos respectivos prontuários da instituição hospitalar, os dados referentes às mulheres que haviam sido submetidas à intervenção cirúrgica cardíaca no primeiro semestre de 2011. Esse recorte temporal deveu-se ao fato de evitar que as mulheres estivessem ainda em fase de recuperação pós-operatória, uma vez que se pretendeu investigá-las na rotina diária do cotidiano após a cirurgia.

Os critérios de inclusão foram a faixa etária superior a 18 anos e estarem com mais de três meses da alta hospitalar. O critério de exclusão compreendeu mulheres portadoras de agravos mentais. Ressalta-se que a condução da pesquisa obedeceu aos preceitos éticos.

Realizaram-se contatos telefônicos com as possíveis depoentes, convidando-as à participação voluntária. Diante do aceite verbal, ocorreram os encontros individuais em seus domicílios. Após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, utilizou-se como técnica de coleta de dados a entrevista fenomenológica por meio de um roteiro com dados pessoais das participantes e a questão orientadora: "Como está sendo para você o dia a dia após a cirurgia cardíaca?".

Foram consideradas nos depoimentos tanto a linguagem verbal como a não verbal dos gestos, silêncios e outras expressões que denotaram o mostrar-se das participantes, sendo todos os dados registrados no diário de campo da pesquisadora. Suas identidades foram preservadas por pseudônimos florais, considerando a aproximação das flores ao universo feminino. Os depoimentos foram gravados em MP3 e transcritos na íntegra.

No total foram realizadas dez entrevistas, as quais ocorreram até o limite em que os significados expressaram resposta ao objetivo e ao mesmo tempo evidenciavam a emersão do fenômeno em estudo. Esses foram considerados os motivos para a interrupção da etapa de campo da investigação. O movimento analítico-hermenêutico fundamentado no pensar de Martin Heidegger se iniciou com leituras atentivas dos depoimentos em busca dos significados expressos pelas mulheres. A redução fenomenológica permitiu a distinção das estruturas essenciais em detrimento das ocasionais, privilegiando as primeiras, uma vez que responderam ao objetivo da investigação(1010 Heidegger M. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes; 2011.).

A aproximação ou agrupamento das estruturas essenciais compõe as Unidades de Significação como categorias a posteriori, que são denominadas como compreensão vaga e mediana, sendo inerentes ao primeiro momento metódico em Heidegger. Essa etapa analítica expressa como as participantes se mostraram e se compreenderam sendo no dia a dia após a cirurgia cardíaca, revelando então a compreensão do vivido por elas significado. Essa compreensão de ser ainda na esfera dos fatos culminou no conceito vivido ser-aí-mulher-após-intervenção-cirúrgica. Esse conceito é o fio condutor que possibilita o segundo momento metódico denominado hermenêutica, em que se buscou a interpretação dos sentidos do ser-aí-mulher para alcançar o seu movimento que é a sua temporalidade, objetivo desta análise.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

RESULTADOS

A partir dos significados que descrevem a compreensão que a mulher tem de si mesma, notou-se a expressiva menção à questão temporal. Em fenomenologia, trata-se de um tempo que não é cronológico, mas, sim, fenomenal, que corresponde ao fenômeno que se vivencia, independente de quando ocorreu. Desse modo, emergiram três unidades de significação: Lembrando como era e o que podia fazer antes da cirurgia; O dia a dia depois da cirurgia é de dependência dos outros, discriminação, desorientação, dúvidas e muitas restrições; e Expressando suas necessidades, limitações e medos: a ameaça da morte a cada dia.

1. Lembrando como era e o que podia fazer antes da cirurgia

Para o ser-aí-mulher-após-cirurgia-cardíaca, o fenômeno revelou a cirurgia como um agora que permeia o seu dia a dia. No vigor de ter sido saudável, ela se projeta para um talvez voltar a ter saúde, o que se traduz em sua in-compreensão como querer não ser-mais-cardíaca, conforme os trechos dos depoimentos:

Minha vontade é de sentar na máquina e costurar; eu tenho vontade de fazer as coisas, mas não posso, tenho vontade de fazer algum serviço assim de casa, mas não consigo, entendeu? (Rosa)

Eu gostava muito de sair, mas não posso; eu saí poucos dias ali pra ir, quando cheguei aqui perto da minha casa eu caí, então não tem como sair. (Margarida)

Você não volta mais a ser aquilo que você era. Como o médico falou comigo, que eu não ia mais voltar a ter a energia que eu tinha, porque eu tinha um pique violento, eu trabalhava em três lugares, chegava em casa fazia minhas coisas todas. (Violeta)

Gosto de ter minha vida que eu tinha e não tenho mais. Quando eu quero fazer uma faxina do meu jeito, eu não posso pegar o peso; se eu pegar o peso eu sinto na hora aquele dolorimento aqui, é o lugar que fez a cirurgia. (Orquídea)

Eu não parava em casa, eu trabalhava muito, e agora eu fico aqui dentro de casa. Vou muito pra casa do meu filho, só, é aqui que eu fico, só nesse mundo. (Lírio)

Eu era faxineira na igreja mesmo, eu fazia limpeza lá, a gente sente falta, acostuma a trabalhar, depois você vê o serviço e não poder fazer? (Hortênsia)

Olha, eu tenho alegria sim, mas parece que saiu um pouco disso, não sei se é medo, mas não é como eu era antigamente não, estou mais retraída. Nada como a saúde. A cirurgia, a gente não pode fazer certas coisas. Então, quer dizer, a gente às vezes se sente inútil, mesmo em casa. (Ipê amarelo)

O meu cotidiano não foi o que eu esperava, não, porque eu achei que eu fosse operar e que se tudo desse certo eu estava pronta pra vida, mas não fiquei. Eu quero ter minha vida, controlar minha casa, ir ao supermercado. Sair na rua, resolver alguma coisa, ter a minha independência. (Begônia)

2. O dia a dia depois da cirurgia é de dependência dos outros, discriminação, desorientação, dúvidas e muitas restrições

Na atualidade, a dependência alheia e a discriminação por ser cardíaca incomodam, e, por vezes, a depoente demonstra a necessidade de ter sido mais bem orientada para se compreender melhor no dia a dia. A mulher revela que, no dia a dia, não sabe como deve fazer para superar as limitações impostas pela intervenção cirúrgica, bem como o rótulo de ser cardíaca. Mostra-se deprimida e arrependida com as limitações impostas pelos outros e desorientada com a falta de esclarecimentos por parte dos profissionais de saúde.

Então eu estou uma mulher que, assim, não faço nada... eu acho que eu estou com depressão. (Rosa)

Às vezes eu acho assim, que as pessoas que eu convivo no dia a dia me discriminam, acham que eu não sou capaz de fazer aquilo mais que eu fazia antes. Me limitam. (Orquídea)

Nos primeiros meses fiquei um pouco depressiva, porque precisava de todo mundo... você depender dos outros é triste. (Bromélia)

Igual eu falei: "Gente do céu, se eu soubesse que ia ser assim, eu não tinha operado, de ficar parada e os outros fazendo as coisas para mim". Os outros me dando banho, eu senti aquilo horrível. (Lírio)

Eu vou mantendo, roupa eu não estou lavando, aí sinto falta, né? Porque é muito ruim ficar parada, você vê o serviço, quer fazer, mas não pode. Aí eu procuro, vou ali na minha mãe, vou no portão, aí distrai a cabeça para não ficar parada. (Hortênsia)

[...] por que que eu operei? Será que era pra operar? Ainda não tirei essa dúvida de mim, não conformei. Tudo: "ah, você não pode fazer isso, deixa que eu vou fazer isso pra você". A cirurgia, a gente não pode fazer certas coisas, safena, já sabe, já é taxada de cardíaca. (Ipê amarelo)

Isso me incomoda muito. As pessoas tentam me privar de coisas que elas não sabem, só porque eu tenho um corte no meio do peito e acham que eu estou restrita a tudo. (Ipê Roxo)

Eu acho que quando a gente vai mexer, tratar dessa história de cirurgia, eu acho que a gente devia ter uma preparação do que a gente vai precisar. E eu acho também que a pessoa precisa ser muito esclarecida no que pode ou não fazer depois da cirurgia; eu senti uma falta dessa orientação séria, eu não tive esse tipo de orientação ou à família ou ao acompanhante ou a mim mesma, isso faltou. (Begônia)

c. Expressando suas necessidades, limitações e medos: a ameaça da morte a cada dia

A mulher após a intervenção cirúrgica cardíaca tem necessidade de apoio e ajuda para vencer as limitações inerentes à doença cardíaca que não foram eliminadas com o procedimento operatório. O medo de engravidar, de infartar e de morrer, ou até mesmo da morte de alguém próximo, estão presentes, por mais que procure se distrair. As ameaças significadas impedem que a mulher pense em sua própria vida, a qual também é sua responsabilidade.

Penso muito em morrer, meu marido morrer, ficar sem ele, porque ele me ajuda muito. (Rosa)

O medo que eu vou infartar de novo, sabe, é medo que será que eu fiz tudo certinho, será que eu não estou tendo um problema aqui de novo [...]. Aí comecei a caminhar, ele mandou caminhar 5 km todo dia! Mas eu não aguento fazer isso tudo não. No voltar a ter uma atividade minha, eu comecei a melhorar, sabe? (Violeta)

Tenho medo de ter que fazer outra cirurgia, de ter que ficar no CTI. Às vezes eu arrancava tudo de mim, sem saber o que estava acontecendo [...]. (Orquídea)

Eu acho assim, a gente tem que pedir muita força a Deus, se você tem que passar por aquilo, não adianta desesperar, tem que conformar. (Hortênsia)

Tenho medo assim de deitar e morrer de uma hora pra outra. Porque eles mexem, tiram o coração. Parece que fiquei muito próxima da morte. (Ipê amarelo)

Então, o único medo era se eu podia um dia ter filho. já tenho consciência que o transtorno vai ser muito grande, o transtorno que eu vou ter pra engravidar. (Ipê roxo)

[...] medo de... será que eu vou chegar um dia do jeito que eu era, ou de ser independente pra tomar um banho, pra ir ao banheiro. Essas coisas me tocam muito fundo. Minha fé, graças a Deus, que me ajuda e muito. (Begônia)

DISCUSSÃO

A hermenêutica fenomenológica fundada no referencial teórico de Martin Heidegger é uma analítica existencial - é uma ontologia, assim estuda o ser enquanto ser sendo presença, Dasein. Na perspectiva heideggeriana, o ente que todos nós somos assume experiências na dimensão ôntica ou factual, sendo-no-mundo. E, por isso, o ser-todo possui uma história que pode ser revelada no aqui e agora presente, composta por momentos passados e vinculada ao futuro como abertura de possibilidades. Portanto, os conceitos tradicionais de passado, presente e futuro exprimem-se como "compreensão imprópria de tempo"(1010 Heidegger M. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes; 2011.).

Para o filósofo, ao ser-com-os-outros-entes-no-mundo, a presença, historicamente, é uma

sequência de vivências no tempo [...], só é propriamente real a vivência simplesmente dada em cada agora. Ela por assim dizer salta por cima da sequência dos agoras de seu tempo. É por isso que se diz que a presença é temporal(1010 Heidegger M. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes; 2011.).

Desse modo, a temporalidade pode ser compreendida por meio de ekstases, nas quais o ser se constitui a partir daquilo que projeta, estando aberto para poder-ser em sentido próprio. A isso, denomina-se decisão antecipadora. É por meio desta que o porvir se anuncia quando a presença antecede-a-si-mesma. O vigor de ter sido remonta ao ser que "possa ser o seu ter sido, pode vir-a-si de maneira a vir de volta". E, ocupando-se na dimensão fática, o ser apreende na ação a ekstase da atualidade, como o ser-junto-a. O "porvir que atualiza o vigor de ter sido" expressa a unidade fenomenal da temporalidade(1010 Heidegger M. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes; 2011.-1111 Capalbo C. Fenomenologia e Ciências humanas. São Paulo: Idéias e Letras; 2008.).

Na vivência da facticidade de ser cardiopata, a mulher expressa, significa e se vê limitada em suas possibilidades futuras. E, compreendendo-se afastada do projeto inicial de ficar curada após a cirurgia, sente-se vencida pelo cansaço psico-físico-emocional. No movimento de autocompreensão, ela se mostra à margem do sistema de saúde ao ter seu cuidado decidido por outras pessoas(88 Amorim TV, Salimena AMO, Melo MCSC, Souza IEO, Silva LF. Sentidos do ser-aí-mulher-após-cirurgia-cardíaca à luz de Heidegger. Rev Rene[Internet]. 2013[cited 2014 Mar 10];14(5):988-95. Available from: Available from: http://www.revistarene.ufc.br/revista/index.php/revista/article/view/1360/pdf
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). Dessa forma, manifesta-se arraigada a um temporal destituído de considerações com sua imagem corporal, com seus desejos e buscas íntimas de maior autonomia que fragiliza suas possibilidades de produzir o seu cuidado escolhendo o que fazer, como fazer e para que fazer. Assim, vive e sobrevive sem expectativas nem perspectivas.

A ausência de orientação profissional contribui para que a mulher esteja dominada pelo cotidiano que se impõe restritivo na (im)possibilidade de retomar o antes do diagnóstico, uma vez que a melhora da doença cardíaca não se deu no contexto pretendido por ela. Ela não é ela, não é quem ela pensou e imaginou que fosse passar a ser após a cirurgia. Desse modo, a inautenticidade em que se mostra revela-se na desconsideração da possibilidade de ser cardiopata. Para ela, a doença a acompanha, embora a causa dos sintomas tenha sido tratada cirurgicamente.

A situação de doença crônica que vivencia a afasta dos labores domésticos, do cuidado com o lar e familiares(1212 Sales CA, Almeida CSL, Silva JDD, Sila VA, Waidman MAP. Qualidade de vida sob a ótica de pessoas em tratamento anineoplásico: uma análise fenomenológica. Rev Eletrônica Enferm[Internet]. 2011[cited 2013 Jun 18];13(2):250-8. Available from: Available from: https://www.fen.ufg.br/fen_revista/v13/n2/v13n2a11.htm
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). Nessa singularidade de ter-sido e na atualidade se ver impedida pelas restrições dos profissionais e de familiares, movimenta-se "em seu talvez não, ou por fim sim"(1010 Heidegger M. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes; 2011.) de melhores possibilidades para si, desvelando-se impropriamente. Isso a torna impotente para decidir como cuidar de si ou como promover sua saúde sob o rótulo ou preconceito de que é cardiopata.

Na acepção da mulher, o desejo de vir-a-ser saudável sem ser cardíaca pauta-se como ideal imaginário, uma vez que está inserida na dinâmica do sistema de saúde como ente portadora de doença crônica não transmissível sob "vigilância, prevenção e controle", com vistas a contribuir para um desenvolvimento sustentável em termos sociopolíticos, com diminuição da morbimortalidade por agravos cronificados(11 Ministério da Saúde. Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis no Brasil 2011-2022. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2011.). E, após a cirurgia, não se mostrou como ser de possibilidades, Dasein. Expressou-se como ente e de fato ela se sentiu controlada pelos atores do sistema, velando-se na cronologia e na quantificação dos exercícios, liberação para atividades, medicamentos, consultas e exames que são os mesmos para todas. Esse contexto de cuidados se mostra em um reducionismo que vai ao encontro do conceito de integralidade da assistência em saúde, o qual tem por base a valorização dos sujeitos em detrimento dos objetos(77 Mattos RA. Princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e a humanização das práticas de saúde. Interface (Botucatu) [Internet]. 2009[cited 2014 Feb 18];13(1):771-80. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/icse/v13s1/a28v13s1.pdf
http://www.scielo.br/pdf/icse/v13s1/a28v...
).

As ekstases significadas e denotadas no depoimento da mulher promovem discussões em torno da temporalidade do enfermeiro no cuidado. Em sua intencionalidade, o enfermeiro cuida na atualidade a fim de promover o vigor de ter sido e favorecer o porvir. Entretanto, ele o faz de modo incipiente ao colocar no centro do processo a dimensão biológica, deixando à margem o ser dotado de subjetividades. No tempo cronológico que se mostra como aquele que permeia o cuidado de enfermagem ao ser-aí-mulher-após-cirurgia-cardíaca, a atenção está voltada aos protocolos, às rotinas técnicas em um fazer contínuo e ao objetivo que conduz o profissional ao distanciamento do ser(88 Amorim TV, Salimena AMO, Melo MCSC, Souza IEO, Silva LF. Sentidos do ser-aí-mulher-após-cirurgia-cardíaca à luz de Heidegger. Rev Rene[Internet]. 2013[cited 2014 Mar 10];14(5):988-95. Available from: Available from: http://www.revistarene.ufc.br/revista/index.php/revista/article/view/1360/pdf
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,1010 Heidegger M. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes; 2011.).

No cotidiano assistencial, é comum ao enfermeiro menções relativas à falta de tempo para o estabelecimento de maior vínculo com o paciente(1313 Sales CA, Schuli PAP, Santos EM, Tironi NM, D'Artibale EF, Salci MA. [Family feelings about the future of a schizophrenic being: perspectives for nursing care]. Rev Bras Enferm [Internet]. 2011[cited 2013 Jun 18];64(3):551-7. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v64n3/v64n3a20.pdf Portuguese.
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) no acolhimento que implica a escuta empática capaz de proporcionar a abertura para as possibilidades de cuidado autênticas que deveriam partir da necessidade do outro em seu poder-cuidar-mais-próprio.

Em face disso, ao reconhecer que a assistência pautada no biologicismo não tem sido suficiente na contemplação da integralidade pretendida(1414 Lima MM, Reibinitz KS, Kloh D, Wosny AM. Concepções de estudantes de enfermagem sobre a integralidade do cuidado à saúde. Ciênc Cuid Saude [Internet]. 2012[cited 2013 Jul 25];11(2):259-66. Available from: Available from: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/CiencCuidSaude/article/view/12822/pdf
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), surge desafiadora a perspectiva de o enfermeiro transcender o cuidado buscando a esfera ontológica, ou seja, os fundamentos do que na aparência se mostra terapeuticamente alcançado, embora não apareça assim para o ser cuidado.

No contexto terciário, o cuidado de enfermagem no perioperatório cardíaco está voltado para o atendimento das necessidades de alta complexidade que fundamentam a participação ativa do enfermeiro durante todo o processo(1515 Torrati FG, Gois CFL, Dantas RAS. Strategy in the care of cardiac surgical patients: evaluation of the Sense of Coherence. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2010[cited 2013 Aug 30];44(3):728-33. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v44n3/en_27.pdf
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). Foi possível compreender pelo discurso da mulher que esse profissional por vezes se mostrou distanciado do agir autêntico que privilegia o ser humano em detrimento de sua doença(1616 Boemer MR. A fenomenologia do cuidar; uma perspectiva de enfermagem. In: Peixoto AJ, Holanda AF. Fenomenologia do cuidado e do cuidar: Perspectivas multidisciplinares. Curitiba: Juruá; 2011. p. 61-6.).

Com base na relação interpessoal que considera a abertura para que o outro se exponha sem receios e com liberdade, o enfermeiro deve buscar o ser-aí-mulher-após-cirurgia-cardíaca que, diante dele, demanda atos de cuidado(1717 Graças EM, Santos GF. Nursing care methodology in the phenomenological approach. Rev Esc Enferm USP[Internet]. 2009[cited 2013 Aug 30];43(1):195-9. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v43n1/en_26.pdf
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). Oferecendo-se terapeuticamente, acolhe, possibilitando a exposição das aspirações e limitações de que a paciente se faz portadora, o que, por sua vez, configura-se como pistas indicativas de qual(is) caminho(s) o profissional deve percorrer a fim de promover a mulher para o cuidado-de-si-mesma.

Além da não adesão ao plano de alta hospitalar, foi pontual a observação da não referência à atenção primária, quebrando desde aí o elo de integração que deveria estar presente no Sistema de Saúde. A comunicação entre os enfermeiros a partir da continuidade assistencial nos cenários de prática permitiria a efetivação do princípio da integralidade no que tange ao cuidado com a vida, ao conceber a dinamização dos processos de enfermagem.

No aqui e agora, a indagação deve ser em torno do que já se faz possível no horizonte de potenciais saudáveis. E, nesse sentido, a Educação para a Saúde é alternativa da qual o enfermeiro não deve prescindir em quaisquer dos níveis de atenção que atue, na orientação para a adoção de estilos de vida mais saudáveis e na prática de exercícios orientada(1818 Guedes NG, Moreira RP, Cavalcante TF, Araujo TL, Lopes MVO, Ximenes LB, Vieira NFC. Nursing interventions related to health promotion in hypertensive patients. Acta Paul Enferm [Internet]. 2012[cited 2013 Aug 30];25(1):151-6. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/ape/v25n1/en_v25n1a26.pdf
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). A família também deve ser inserida nesse processo, considerando o fator hereditariedade para o desenvolvimento das cardiopatias.

Ressalta-se a importância de valorizar o momento educativo como estação de troca de saberes e aprendizados em uma perspectiva dialógica e de comunicação real em que os sujeitos envolvidos no processo compreendam-se mutuamente(1919 Bicudo MAV. A fenomenologia do cuidar na educação. In: Peixoto AJ, Holanda AF.. Fenomenologia do cuidado e do cuidar: Perspectivas multidisciplinares; Curitiba: Juruá2011. p. 85-92.). Isso implica para o enfermeiro pensar no objetivo maior do educar no contexto da promoção em saúde sendo capaz de atingir a finalidade a que ela se propõe.

Nesse ínterim, é valorosa a contribuição da Consulta de Enfermagem como importante instrumento de trabalho para o enfermeiro no âmbito da assistência primária e secundária ao ser-aí-mulher-após-cirurgia-cardíaca. Nesse momento, a promoção à saúde estrategicamente projeta-se por meio de metas individualizadas e exequíveis avaliadas em conjunto pelo binômio mulher-enfermeiro a cada encontro existencial(1717 Graças EM, Santos GF. Nursing care methodology in the phenomenological approach. Rev Esc Enferm USP[Internet]. 2009[cited 2013 Aug 30];43(1):195-9. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v43n1/en_26.pdf
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). Oportunizando o porvir a partir da decisão da mulher, a consulta de enfermagem anuncia-se como possibilidade genuína de cuidado ao outro.

Assim como em outros agravos crônicos, o comportamento ativo do enfermeiro com a mulher portadora de cardiopatia possibilita a

modificação do panorama de magnitude da doença pela sua participação na criação, desenvolvimento, divulgação e avaliação de estratégias para a clientela feminina; oferta e efetivação das práticas preconizadas, formação de profissionais; e contribuição com avanços no campo da pesquisa(2020 Melo MCSC, Souza IEO. [Ambiguity - woman's manner of being in the secondary prevention of the breast cancer]. Esc Anna Nery [Internet]. 2012[cited 2013 Oct 12];16(1):41-8. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v16n1/v16n1a06.pdf Portuguese.
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).

Todavia, apesar da atitude proativa do enfermeiro engajado nos programas e estratégias promotoras, há que se buscar certamente a efetividade da promoção à saúde da mulher cardio-pata compreendida pelo alcance do cuidado-consigo-mesma nas multidimensões que a constituem. Logo, ao atender às suas demandas na perspectiva de ser mais saudável, o profissional deve oferecer de si, permitindo o espaço necessário para que a abertura do outro aconteça nos âmbitos biopsicossocioespirituais, valorizando as crenças, concepções de mundo e modos-de-ser adotados no cotidiano com vistas a projetar o ser-mulher-cardíaca para o ser-mulher que (re)conhece suas possibilidades de ser-no-mundo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desvelar o movimento existencial da mulher após a intervenção cirúrgica cardíaca permitiu compreender como o tempo fenomenológico interfere na recuperação do ente rotulado pelo sistema como alguém que é considerado por sua patologia crônica não transmissível. A temporalidade como modo de ser de quem vivencia uma situação de doença possibilita refletir acerca do cuidado de enfermagem que resgate potenciais saudáveis para além da queixa principal, valorizando o outro em sua totalidade.

Desse modo, na disposição de ser-com a mulher, o enfermeiro deve promover a saúde, considerando as facetas que a paciente mostra nos momentos de cuidado, entendendo que estes se revelam como encontros existenciais únicos e permeados por subjetividades.

A fenomenologia heideggeriana amplia o leque de possibilidades de atuação profissional ao dimensionar para além da esfera ôntica o ser-que-cuida e o ser-de-quem-se-cuida, entes dotados do ser da presença, participantes que podem se inter-relacionar ontologicamente. Nesse sentido, ambos se promovem: o enfermeiro na aquisição de maior autonomia, e a mulher, que passa a ser cuidada a partir daquilo que sendo significa como próprio e singular.

Assim, as lacunas da ciência objetiva fundada na tradição apontam possibilidades de estudos para a enfermagem que delineiem saberes mais condizentes com práticas que apresentam em seu escopo o ser do humano como sujeito de cuidado.

  • Como citar este artigo:
    Amorim TV, Salimena AMO, Souza IEO, Melo MCSC, Silva LF, Cadete MMM. Women's temporality after cardiac surgery: contributions to nursing care. Rev Bras Enferm. 2015;68(6):748-54.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    14 Fev 2015
  • Aceito
    27 Jul 2015
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