Resumos
Desenvolvido nas capitais Recife, Salvador e Aracaju, em três maternidades públicas, este estudo quantitativo objetivou identificar as manifestações da violência doméstica e institucional na mulher assistida em sub-programas do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher. Para coleta dos dados, foi utilizado um formulário semi-estruturado. A amostra caracterizou-se por mulheres jovens, domésticas, dependentes economicamente dos companheiros. A maioria das mulheres vivencia a violência conjugal, sendo a dependência financeira o motivo mais mencionado para suportá-la. A falta de vagas caracterizou a violência institucional por omissão. A pesquisa demonstrou que a vivência destas violências traz problemas de saúde para as mulheres, ou os agrava.
saúde da mulher; violência doméstica; violência institucional
Developed in state capitals Recife, Salvador and Aracaju, in three state maternity hospitals, this quantitative study aimed at identifying the manifestations of domestic and institutional violence suffered by women assisted in subprograms of the Program of Integral Assistance to the Woman's Health. Data collection was performed by using a semi-structured form. The sample featured young women, housewives, and those that are economically dependant on their significant others. Most women experience matrimonial violence, and financial dependency is the most often mentioned reason to bear it. The lack of vacancies characterized institutional violence due to omission. Research showed that experiencing such violence brings health problems to women, or aggravates them.
women's health; domestic violence; institutional violence
Desarrollado en las capitales Recife, Salvador y Aracaju, en tres maternidades públicas, este estudio cuantitativo buscó identificar las manifestaciones de la violencia doméstica e institucional en mujeres asistidas en subprogramas del programa de asistencia integral a la salud de la mujer. Para colecta de los datos, se utilizó un formulario semiestructurado. La muestra se caracterizó por mujeres jóvenes, domesticas y dependientes económicamente de los compañeros. La mayoría de las mujeres vivencia la violencia conyugal, siendo la dependencia financiera el motivo más mencionado para soportarla. La falta de plazas caracterizó la violencia institucional por omisión. La investigación demostró que la experiencia de estas violencias trae problemas de salud para las mujeres, o los agrava.
salud de la mujer; violencia doméstica; violencia institucional
PESQUISA
Violência doméstica e institucional em serviços de saúde: experiências de mulheres
Domestic and institutional violence in health services: women's experiences
Violencia doméstica e institucional en servicios de salud: experiencias de mujeres
Normélia Maria Freire DinizI; Regina Lúcia Mendonça LopesII; Laura Susana Duque ArrazolaIII; Solange Maria dos Anjos GesteiraIV; Sandra Lúcia Belo AlvesV
IEnfermeira. Professora Adjunta do DECOM. Doutora em Enfermagem - UNIFESP. Pesquisadora do GEM. Coordenadora do Projeto
IIEnfermeira. Professora Titular do DECOM. Doutora em Enfermagem - UFRJ. Pesquisadora do CNPq
IIIEnfermeira. Professora Assistente do Departamento de Ciências Domésticas da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Doutoranda de Serviço Social da UFPE
IVEnfermeira. Doutoranda de Enfermagem da UNIFESP. Profª Adjunta do DECOM. Pesquisadora do GEM
VEnfermeira Obstétrica. Mestre em Enfermagem - UFBA- Bolsista do CNPq pelo Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde
E-mail do autor:normelia@lognet.com.br
RESUMO
Desenvolvido nas capitais Recife, Salvador e Aracaju, em três maternidades públicas, este estudo quantitativo objetivou identificar as manifestações da violência doméstica e institucional na mulher assistida em sub-programas do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher. Para coleta dos dados, foi utilizado um formulário semi-estruturado. A amostra caracterizou-se por mulheres jovens, domésticas, dependentes economicamente dos companheiros. A maioria das mulheres vivencia a violência conjugal, sendo a dependência financeira o motivo mais mencionado para suportá-la. A falta de vagas caracterizou a violência institucional por omissão. A pesquisa demonstrou que a vivência destas violências traz problemas de saúde para as mulheres, ou os agrava.
Descritores: saúde da mulher; violência doméstica; violência institucional
ABSTRACT
Developed in state capitals Recife, Salvador and Aracaju, in three state maternity hospitals, this quantitative study aimed at identifying the manifestations of domestic and institutional violence suffered by women assisted in subprograms of the Program of Integral Assistance to the Woman's Health. Data collection was performed by using a semi-structured form. The sample featured young women, housewives, and those that are economically dependant on their significant others. Most women experience matrimonial violence, and financial dependency is the most often mentioned reason to bear it. The lack of vacancies characterized institutional violence due to omission. Research showed that experiencing such violence brings health problems to women, or aggravates them.
Descriptors: women's health, domestic violence, institutional violence
RESUMEN
Desarrollado en las capitales Recife, Salvador y Aracaju, en tres maternidades públicas, este estudio cuantitativo buscó identificar las manifestaciones de la violencia doméstica e institucional en mujeres asistidas en subprogramas del programa de asistencia integral a la salud de la mujer. Para colecta de los datos, se utilizó un formulario semiestructurado. La muestra se caracterizó por mujeres jóvenes, domesticas y dependientes económicamente de los compañeros. La mayoría de las mujeres vivencia la violencia conyugal, siendo la dependencia financiera el motivo más mencionado para soportarla. La falta de plazas caracterizó la violencia institucional por omisión. La investigación demostró que la experiencia de estas violencias trae problemas de salud para las mujeres, o los agrava.
Descriptores: salud de la mujer, violencia doméstica, violencia institucional
1 Introdução
A violência não é objeto específico da área de saúde, mas está a ela intrinsecamente ligado. O papel desta área tem sido não apenas o de cuidar das seqüelas deixadas pelos conflitos entre os indivíduos, mas também de preveni-los, promovendo a saúde em seu conceito mais amplo, o que envolve o bem-estar individual e o coletivo.
Desta maneira,
a violência afeta a saúde porque ela representa um risco maior para a realização do processo vital humano: ameaça a vida, altera a saúde, produz enfermidades e provoca a morte como realidade ou como possibilidade próxima(1:3).
Tal afirmativa demonstra o quão é importante incluir esta questão nos diversos espaços do setor da saúde.
Isoladamente, os modelos epidemiológicos não resolvem todas as questões que envolvem a violência, pois não são considerados os casos em que a violência não deixa marcas corporais visíveis, e que dependem, para serem detectados, do bom senso e da sensibilidade, fato que, tradicionalmente, não acontece na assistência baseada em modelos de saúde unicamente voltados para a doença e pautados na racionalidade assistencial positivista.
Nem mesmo a psicologia, isoladamente, pode dar conta do fenômeno da violência. Assim, apontamos para a dificuldade que esta área tem de se aproximar teoricamente do fenômeno da violência, ficando patente a complexidade do tema, o que determina a fragilidade de uma análise isolada por qualquer que seja a ciência(2).
Contudo, apesar da violência, de um modo geral, já ter sido muito discutida, a verdade é que até bem pouco tempo a que incidia contra a mulher, nas formas de violência conjugal e doméstica, foi menos discutida e valorizada do que aquela ocorrida no espaço público, a chamada violência por causas externas, que inclui mortes por acidentes, eventos violentos, homicídios, suicídio, etc.
De fato, a violência contra a mulher somente começou a ser discutida nos idos dos anos 70 e 80, a partir das feministas que saíram às ruas clamando contra a impunidade dos agressores. O movimento feminista não só coloca o problema do reconhecimento dos direitos das mulheres em tal ou qual contexto profissional ou doméstico, como é portador de um devir feminino, que diz respeito a todas as engrenagens da sociedade. Em resumo, tal movimento coloca em xeque o mundo dominado pelo masculino, onde justamente não há espaço para o surgimento de um devir feminino. Em outras palavras, não há simetria entre uma sociedade masculina, masculinizada e um devir feminino(3).
Entre os elementos que constituem a "rede" de violência e que orientaram este trabalho, destacaremos primeiramente a violência estrutural e, posteriormente, a violência cultural, com ênfase na violência de gênero. No tipo estrutural, podemos considerar duas modalidades: a violência por omissão e a violência por comissão, sendo a primeira conceituada como:
a negação total ou parcial de ações médico-sanitárias, bem como a debilidade institucional observada através da desnormatização, do descaso, da negligência e até mesmo, num grau máximo, da omissão, da inexistência de um serviço público de saúde(4:35).
Já a violência por comissão,
Compreende a violência técnica inerente à teoria e à prática dentro dos serviços de saúde. Trata-se da violência embutida nas práticas de saúde e nos procedimentos indesejáveis e/ou desnecessários e a conseqüente repercussão sobre a saúde e a vida da população usuária(4:35).
Ao mesmo tempo, a mulher é vítima da violência institucional, tanto por omissão quanto por comissão, e da violência de gênero, que ela traz do espaço doméstico para as instituições de saúde. Entra-se em um círculo vicioso. A mulher que chega aos serviços de saúde traz em si marcas, ora "invisíveis" ora "visíveis", da violência de que é vítima. No entanto, mesmo "visíveis", essas marcas não são contempladas pelos modelos de atendimento utilizados pelos profissionais de saúde, já que estes baseiam suas atitudes em um padrão preestabelecido norteado pelo saber e pelo poder.
Ao analisarmos o sistema de saúde observamos que:
A relação que se estabelece é aquela em que o técnico sabe o que faz, determina o que fazer. O poder exercido pela imposição caracteriza-se como um espaço de violência não física, mas uma violência que despreza a subjetividade daqueles que procuram esse serviço. É uma violência silenciosa, que traduz a cumplicidade entre saber e poder (5:148).
Portanto, a comunicação, só predominará se a mulher puder expressar suas necessidades através da subjetividade. Quer dizer, a relação entre o profissional de saúde e a paciente é. Para romper com essa situação de desigualdade, o caminho do diálogo é o único possível e capaz de conduzir à ética, à liberdade e à expressão da cidadania.
2 Metodologia
Estudo de natureza quantitativa, desenvolvido em três maternidades públicas das capitais Recife, Salvador e Aracaju, tendo como objetivo identificar as manifestações da violência doméstica e institucional na mulher assistida em sub-programas do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM). Estes sub-programas foram aqui considerados como assistência ginecológica, em planejamento familiar, no período gravídico-puerperal e em abortamento. O projeto foi apreciado e aprovado pelas instituições, bem como, dos participantes se obteve o consentimento livre e esclarecido(6).
Em Recife, os dados foram coletados com 138 mulheres, em Aracaju com 398 mulheres e em Salvador com 497 mulheres, perfazendo um total de 1033. Utilizamos, como instrumento de coleta de dados um formulário elaborado com quarenta questões abertas e fechadas. A amostra foi composta por mulheres que procuravam esses serviços na busca por um atendimento nos sub-programas do PAISM já referidos.
O tratamento e a análise dos dados foi realizado em Salvador, através do programa EPI-INFO 6.0. Sendo os dados organizados em percentuais, que foram comparados entre as capitais. Para a fundamentação da parte teórica, nos baseamos em autores que trabalham com violência e gênero.
3 Apresentação e discussão dos resultados
Em relação ao perfil das mulheres que compuseram a amostra, a média de idade foi de 25 anos, caracterizando uma população jovem. No que se refere à cor, percebe-se que é em Salvador que a população negra é a maioria (64%), se comparada com Aracaju (21%) e Recife (14%). Já a população mestiça predomina em Salvador (52%) e Aracaju (68%). Em Recife, a população branca (42%) constitui a maior parte.
No concernente à religião, temos uma maioria de católicas, sendo o maior índice o de Aracaju (70%), seguido por Salvador (55%) e Recife (50%). Nas três capitais, o nível médio de escolaridade corresponde ao primeiro grau. Em Salvador, 59% das mulheres possuem apenas o primeiro grau incompleto, Recife 53% e Aracaju 47%. O maior índice de analfabetas fica com a cidade de Aracaju (7%).
Verificamos, também, que boa parte das mulheres entrevistadas mora com o companheiro/marido ou com o companheiro/marido e filhos. Somando-se essas duas categorias, temos: 70% em Salvador, 64% em Recife e 73% em Aracaju. Em Salvador, a maioria das mulheres entrevistadas mora com o marido/companheiro e filhos (44%), o mesmo ocorrendo em Recife (42%) e em Aracaju (54%).
Com relação à variável trabalho, é interessante perceber que a maioria das mulheres não trabalha fora de casa (66% em Salvador e Recife, contra 71% em Aracaju).
Observando a variável ocupação, verificamos que, das mulheres que trabalham fora, a maioria da amostra estudada é composta por domésticas (43% em Salvador, 30% em Recife, 34% em Aracaju e 38% no geral).
As mulheres que compõem o estudo são, na sua maioria, economicamente dependentes, sendo que 64% da amostra de Salvador, 64% em Recife e 67% em Aracaju o são totalmente. Na busca de identificar quem as ajudava financeiramente, verificamos que um grande percentual é apoiado pelo marido (79% em Aracaju, 67% em Salvador e 57% em Recife).
No que diz respeito ao conceito que as entrevistadas tinham da violência percebemos que a maioria define a violência enquanto agressão física, esta exercida pelo marido. Em Salvador e em Aracaju esses índices se equivalem (37% e 35%, respectivamente), enquanto que em Recife o percentual é bem superior (50%). Tomemos como exemplo estes depoimentos:
É o homem escravizar a mulher, ser dona de casa, sem carinho, sem lazer e ainda espancada (M160). É o homem querer que a mulher se acabe, ser escrava, fazer tudo, ser responsável e servir sexualmente quando ele quiser (M80). É quando o marido quebra a casa da gente, quer fazer sexo quando não pode; meu marido só quer me usar dormindo (M700).
Procuramos ainda investigar os possíveis motivos que as levariam a suportar a violência. O que mais se destacou foi o fato dessas mulheres serem dependentes financeiramente (22% no geral, 24% em Salvador, 30% em Recife e 16% em Aracaju).
O índice da violência conjugal vivenciada pelas mulheres entrevistadas correspondeu em Salvador a 73%, em Recife a 60% e em Aracaju a 69%, sendo que na primeira capital, 73% das mulheres sofreram esta violência por parte de um companheiro e 5% com três. Os dados da pesquisa mostram que essas mulheres sofreram violência na infância e na adolescência, sendo o índice de 24% em Salvador, 36% em Recife e 32% em Aracaju. Dados de centros de atendimento a vítimas de estupro, em 7 países, mostram que entre 36 e 58% das vítimas de estupro ou de tentativa de estupro têm menos de 16 anos; entre 18 e 32% têm menos de 11 anos; e o agressor, em 60 e 78% dos casos é um conhecido. Quanto aos tipos de violência, foram mencionados bolinagem, tentativa de estupro e estupro. A menor idade média mencionada foi de 14 anos.
Em relação à violência sexual sofrida por parte dos maridos ou dos companheiros, 47% das mulheres (índice geral), 48% em Salvador, 69% em Recife e 41% em Aracaju, disseram que eram forçadas a ter relações sexuais.
Com relação à violência emocional, os maiores índices estão representados pela proibição, por parte do companheiro, da mulher fazer amizades (18% no geral), pelo xingamento a ela (18% no geral) ou a sua família (14% no geral), de trabalhar (14% no geral), pela acusação por parte do marido ou companheiro de ter amantes (11% no geral), pela obrigação de ouvir as aventuras amorosas deles (11% no geral), e pela humilhação pública (10% no geral), entre outros.
Outro dado importante, diz respeito à violência por atos destrutivos, nos quais 24% das mulheres entrevistadas (índice geral) disseram que os seus companheiros quebram os móveis para atemorizá-las; destroem suas roupas (19%); reviram a casa (18%) e destroem objetos pessoais (8%).
Procuramos também conhecer de que modo às mulheres eram agredidas fisicamente pelos companheiros, sendo a resposta mais freqüente a agressão através de empurrão (39% no geral), sendo os seguintes mais citados: agressão física por tapa/murro (29%) e chute (15%).
Mas nenhuma violência pode-se dizer que é mais grave que aquela praticada durante a gravidez, e nem por isso ocorre com menor freqüência. Em Aracaju, 43% das mulheres foram agredidas fisicamente durante tal fase. Em Recife e Salvador, os índices se equivalem a 35% e 34%, respectivamente. A violência, na forma de estupro, pode levar à gravidez: os dados nos mostram que 17% das mulheres que sofreram estupro engravidaram. Nas ocorrências durante a infância e a adolescência, o agressor geralmente foi um elemento da família, sendo o pai biológico responsável por mais de metade dos casos. Segue-se a agressão pelo padrasto, tio, avô e primo. Percebemos, também, que as mulheres que foram violentadas referiram sentir vergonha, humilhação e nojo do próprio corpo.
Percebemos que a maioria das mulheres também não procura nenhuma instituição como forma de apoio (73%), sendo tal fato confirmado pelo índice de mulheres que procurou ajuda (25% em Salvador, 29% em Recife e 31% em Aracaju). A instituição mais procurada nas três capitais foi a delegacia comum (41%), onde os procedimentos mais comuns foram a queixa e o exame de corpo delito (24% no geral). Apenas em Salvador o registro de queixa levou à prisão (14%).
Toda essa violência que sofre a mulher tem conseqüências funestas para a sua saúde. A cidade onde esses problemas ocorrem com maior freqüência é a de Recife (33%), seguido de Aracaju (31%) e Salvador (22%). Os problemas mais freqüentes são as dores de cabeça constantes (que correspondem a 17% na amostra geral). A capital onde esse problema é mais comum é Salvador (19%), seguido de Recife e Aracaju onde a ocorrência é de 16%. A depressão é o segundo sintoma mais apresentado, 15% no total das capitais, apresentando também Salvador a maior freqüência (17%), contra 15% em Recife e 13% em Aracaju. A insônia representa 14% dos problemas de saúde citados. Em Recife, a ocorrência é a maior (16%), seguida por Salvador (14%) e Aracaju (13%). A frigidez ocorre em 9% dos casos, sendo 10% em Aracaju, 8% em Salvador e 6% no Recife.
O aborto, como decorrência da violência, também não pode deixar de ser considerado. Os abortos espontâneos podem decorrer de violência durante a gravidez e 23% das mulheres que abortaram espontaneamente, associaram-no à violência vivenciada. Entre as capitais, a maior incidência ficou com Salvador, depois Recife e por último Aracaju. A principal causa dos abortos espontâneos ficou com a agressão física (39%), seguida de ameaça de separação (25% das mulheres em Salvador). Com relação aos abortos voluntários, 16% das mulheres abortaram por conta da agressão sofrida, mas predominaram, em nosso estudo, aquelas que não quiseram o aborto. Em 31% dos casos, a causa foi o medo. Em 18%, amor pelo bebê, em 20%, falta de apoio da família para levar adiante o aborto, e em 33% dos casos o aborto foi mal sucedido.
Contudo, as violências doméstica e conjugal não são as únicas a acontecer na vida das mulheres. Em nosso estudo, 58% das participantes não conseguiram vaga nas instituições (53% em Salvador, 62% em Recife e 64% em Aracaju), tendo que passar por duas ou mais instituições antes de serem atendidas (24% em Salvador, 38% no Recife e 19% em Aracaju). O motivo mais comum para não serem atendidas (39% dos casos no geral) foi a falta de vagas (em Salvador, 44% dos casos, em Recife, 61% e em Aracaju, 17%). Outros motivos foram à falta de profissionais (29% em geral, 47% em Aracaju, 30% em Recife e 21% em Salvador) e a falta de material (18% dos casos, Aracaju ficando com o maior índice, de 34%), o que constitui a violência dita por omissão, o que as levou a uma peregrinação em busca de leitos.
O processo de violência, como já o dissemos, não ocorre apenas por omissão, mas também, por comissão. No caso do nosso estudo, vale salientar que as mulheres, antes de serem encaminhadas a uma outra instituição, não foram informadas quanto aos diagnósticos (45%) e mesmo quando foram encaminhadas, isso foi feito, na maioria das vezes, apenas verbalmente, sem um documento escrito, ficando patente a não organização no sistema de referência, o que caracteriza a violência por comissão.
O problema da relação paciente/profissional de saúde torna-se um encontro empobrecido, que não constitui um diálogo. Além disso, há que se considerar que não está em jogo apenas a adequação comunicacional, mas a efetividade da própria consulta ou a orientação com perdas, não apenas na relação humana, mas também na técnica.
4 Considerações finais
Consideramos que os resultados aqui apresentados deixam claro que as marcas das diversas formas de violência incididas sobre as mulheres estão, de tal forma, arraigadas a seus corpos e subjetividade, embora passem desapercebidas pelos profissionais de saúde, cujo olhar não consegue enxergar além dos sinais e sintomas clínicos que se acham inegavelmente presentes, situação determinada pela formação profissional, que leva a limitação do entendimento sobre saúde.
Nem as próprias mulheres estão conscientes de que o espaço de atendimento à saúde deve ser igualmente um espaço de criação de diálogo, que rompa com os limites impostos na investigação de aspectos puramente ligados às doenças. Assim, o silêncio que se instala é o mesmo no espaço privado e no da saúde, o que naturaliza a situação da violência vivida pela mulher, tornando tal vivência solitária.
Não se pode mais esconder que a violência existe e tem que ser notificada e tratada como uma questão de saúde, embora o problema seja a sua não valorização pelos profissionais envolvidos, que não estimulam o compartilhamento do problema.
Defendemos a capacitação da equipe de saúde e de profissionais de áreas afins, visto a abrangência e complexidade do tema violência. Tal proposta reduziria a reprodução de relações desiguais e violentas, como as apresentadas nos lócus desta pesquisa.
Data de Recebimento: 19/11/2003
Data de Aprovação: 24/08/2004
Referências bibliográficas
- 1. Agudelo SF. La Violencia: un problema de salud publica que se agrava en la región. BoletinEpidemiológico de la OPS, Washington (DC) 1990; 11:1-7.
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- 4. Nogueira MI. Assistência pré-natal: prática da saúde a serviço da vida. São Paulo: Hucitec; 1994. p. 35-7.
- 5. Faria EM. O diálogo entre as intersubjetividades na saúde. In: Leopardi MT, organizadora. O processo de trabalho em saúde: organização e subjetividade. Florianópolis (SC): Papa-Livros; 1999. p.121-49.
- 6 Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Diretrizes e normas regulamentadoras da pesquisa envolvendo seres humanos: Resolução n. 196/96. Brasília (DF); 1996.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
04 Fev 2011 -
Data do Fascículo
Jun 2004
Histórico
-
Recebido
19 Nov 2003 -
Aceito
24 Ago 2004