Acessibilidade / Reportar erro

Hilda Anna Krisch: pioneira na enfermagem catarinense - formação e contribuição

Hilda Anna Krisch: pionera en la enfermería catarinense – formación y contribución

Hilda Anna Krisch: a nursing pioneer in Santa Catarina - education and contribution

Resumos

Trata-se de pesquisa sócio-histórica cujo objetivo é desvelar a historicidade da primeira enfermeira catarinense formada pela Escola de Enfermagem Anna Nery, com atuação de destaque no cenário nacional. Na coleta de dados foram utilizadas entrevistas arquivadas realizadas com Hilda Anna Krisch e com outras personagens que fizeram parte do cenário da época. Além destas, utilizou-se outras fontes documentais como: periódicos, livros, cartas, relatórios, histórico escolar e fotografias. Os dados permitiram identificar a origem e a trajetória da enfermeira, bem como os trabalhos desenvolvidos por esta, durante sua vida profissional. Os achados possibilitam inferir que a enfermeira Hilda Anna Krisch, foi um baluarte na enfermagem catarinense e brasileira por ter desempenhado relevante papel dentro e fora da profissão.

história da enfermagem; memória; Hilda Anna Krisch


La presente investigación es de abordaje socio-histórico que tiene por objetivo desvelar e historiar la narración mediante la historia de la primera enfermera catarinense formada por la Escuela de Enfermería Anna Nery, con una actuación de grande destaque profesional dentro del escenário nacional. Para la colecta de los datos se emplearon datos de las entrevistas las cuales fueron archivadas y realizadas según Hilda Anna Krisch y a través de otros personajes quienes formaron parte del escenário de aquella época. Además de esto, fueron utilizadas otras fuentes documentales como: cartas, relatos, certificados de estudios y de las fotografías. Los datos permitieron la identificación del origen y la trayectoria de la enfermera, asi como, los trabajos desenvueltos por la misma, durante toda su vida profesional. Consequentemente, estos datos permitieron deducir que la enfermera Hilda Anna Krisch, fue un ejemplo de fortaleza en la Enfermería Catarinense y Brasileña por haber desempeñado un papel distinguido e importante dentro y fuera de la profesión.

historia de la enfermería; memoria; Hilda Anna Krisch


This is a socio-historical research whose objective is to unveil the historicity of the first nurse in Santa Catarina who graduated at a Nursing School in the twentieth century, a character who had a prominent role in the national scene for her performance as a nurse. The data collection was carried out through the examination of many historical documents: interviews conducted with her and other people who had been part of the scene of the time, as well as other documentary sources, such as letters, school and professional reports, pictures, among others. To analyse the data, it was used an approach based on the social imagery. The data allowed us to identify her origins and path as a nurse, as well as the activities performed during her professional life. It can be concluded that Hilda Anna Krisch was a leader in the field not only in Santa Catarina but also in Brazil due to her role inside and outside her professional specialty.

nursing history; memory; Hilda Anna Krisch


HISTÓRIA DA ENFERMAGEM

Hilda Anna Krisch: pioneira na enfermagem catarinense - formação e contribuição

Hilda Anna Krisch: a nursing pioneer in Santa Catarina - education and contribution

Hilda Anna Krisch: pionera en la enfermería catarinense – formación y contribución

Miriam Süsskind BorensteinI; Maria Itayra Coelho de Souza PadilhaII; Tatiana Lúcia CaetanoIII; Joel Rolim ManciaIV

IEnfermeira. Professor Adjunto do Departamento de Enfermagem - UFSC. Doutora em Filosofia da Enfermagem - UFSC. Coordenadora do Grupo de Estudos de História da Enfermagem (GEHCE). Pesquisadora do CNPq

IIEnfermeira. Professor Adjunto do Departamento de Enfermagem - UFSC. Doutora em Enfermagem Escola Anna Nery - UFRJ - Coordenadora da PEN - UFSC. Sub - Coordenadora do GEHCE. Pesquisadora do CNPq

IIIAluna do Curso de Graduação em Enfermagem da UFSC. Bolsista de Iniciação Científica do GEHCE

IVEnfermeiro. Mestre em Enfermagem. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFSC.Membro do GEHCE

E-mail do autor: joelmancia@uol.co

RESUMO

Trata-se de pesquisa sócio-histórica cujo objetivo é desvelar a historicidade da primeira enfermeira catarinense formada pela Escola de Enfermagem Anna Nery, com atuação de destaque no cenário nacional. Na coleta de dados foram utilizadas entrevistas arquivadas realizadas com Hilda Anna Krisch e com outras personagens que fizeram parte do cenário da época. Além destas, utilizou-se outras fontes documentais como: periódicos, livros, cartas, relatórios, histórico escolar e fotografias. Os dados permitiram identificar a origem e a trajetória da enfermeira, bem como os trabalhos desenvolvidos por esta, durante sua vida profissional. Os achados possibilitam inferir que a enfermeira Hilda Anna Krisch, foi um baluarte na enfermagem catarinense e brasileira por ter desempenhado relevante papel dentro e fora da profissão.

Descritores: história da enfermagem; memória; Hilda Anna Krisch

ABSTRACT

This is a socio-historical research whose objective is to unveil the historicity of the first nurse in Santa Catarina who graduated at a Nursing School in the twentieth century, a character who had a prominent role in the national scene for her performance as a nurse. The data collection was carried out through the examination of many historical documents: interviews conducted with her and other people who had been part of the scene of the time, as well as other documentary sources, such as letters, school and professional reports, pictures, among others. To analyse the data, it was used an approach based on the social imagery. The data allowed us to identify her origins and path as a nurse, as well as the activities performed during her professional life. It can be concluded that Hilda Anna Krisch was a leader in the field not only in Santa Catarina but also in Brazil due to her role inside and outside her professional specialty.

Descriptors: nursing history; memory; Hilda Anna Krisch

RESUMEN

La presente investigación es de abordaje socio-histórico que tiene por objetivo desvelar e historiar la narración mediante la historia de la primera enfermera catarinense formada por la Escuela de Enfermería Anna Nery, con una actuación de grande destaque profesional dentro del escenário nacional. Para la colecta de los datos se emplearon datos de las entrevistas las cuales fueron archivadas y realizadas según Hilda Anna Krisch y a través de otros personajes quienes formaron parte del escenário de aquella época. Además de esto, fueron utilizadas otras fuentes documentales como: cartas, relatos, certificados de estudios y de las fotografías. Los datos permitieron la identificación del origen y la trayectoria de la enfermera, asi como, los trabajos desenvueltos por la misma, durante toda su vida profesional. Consequentemente, estos datos permitieron deducir que la enfermera Hilda Anna Krisch, fue un ejemplo de fortaleza en la Enfermería Catarinense y Brasileña por haber desempeñado un papel distinguido e importante dentro y fuera de la profesión.

Descriptores: historia de la enfermería; memoria; Hilda Anna Krisch

1 Introdução

[...] desta imensidão a que chamamos passado, nós é que escolhemos aquilo que será objeto de memória e conhecimento(1).

Um dos trabalhos mais conhecidos no Brasil sobre a história da enfermagem foi escrito por Waleska Paixão(2) que, mediante pesquisa bibliográfica, faz uma retrospectiva cronológica da enfermagem desde a idade antiga até o século XX, dando ênfase à influência religiosa sobre a profissão. Citado na maioria dos estudos sobre o assunto, vem servindo de livro texto nos cursos de graduação em enfermagem de todo o país. Estudos mais críticos foram publicados a partir da década de 80, com uma preocupação em compreender a enfermagem como parte de um processo histórico, social, cultural, político e educativo, analisando e denunciando de modo mais nítido a conduta humilde, conformista e dócil das enfermeiras nas relações com quem representa o poder, contrário à sua conduta autoritária, freqüentemente assumida nas relações com os demais membros da equipe de enfermagem(3).

Conhecer a história da Enfermagem moderna em Santa Catarina, também não é uma tarefa fácil. Isto porque durante muito tempo, não era uma prática das enfermeiras escrever sobre sua profissão e sobre aqueles que fizeram parte de sua história. Quando se tratava de escrever sobre a história da saúde, esta era efetuada pelos homens, geralmente historiadores e/ou médicos, apresentando a história da medicina, das práticas médicas e sobre os próprios médicos. Quando estes escreviam sobre a enfermagem, faziam pequenas referências "às enfermeiras", especialmente ressaltando as qualidades de docilidade e submissão, desempenhando excelentes serviços, entretanto sempre sob seu comando, ou acatando suas ordens(4,5).

Em face disso, o Grupo de Estudos de História do Conhecimento da Enfermagem (GEHCE) vinculado ao Programa de Pós Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina (PEN - UFSC) foi criado para resgatar a história da enfermagem brasileira e atualmente, vem realizando ampla investigação sobre a Enfermagem e sua atuação em diversas instituições de saúde da Grande Florianópolis/Santa Catarina, no período compreendido entre 1940 e 2000. Uma das finalidades do GEHCE é reconstruir a história de personagens que contribuíram para a construção do conhecimento da enfermagem em Santa Catarina a partir da inserção da enfermagem moderna brasileira.

Assim, este estudo tem como objetivo principal desvelar a historicidade da primeira enfermeira catarinense formada por uma escola de enfermagem brasileira, considerada padrão, analisando sua formação, trajetória e contribuição profissional no cenário nacional, no século passado.

A importância deste estudo fundamenta-se no fato de que a enfermeira Hilda Anna Krisch (HAK) pode ser considerada como uma figura representativa do seu grupo social e de sua época, e se destacou dentro da profissão por sua formação. E por ter assumido cargos que possibilitaram realizar importantes trabalhos, contribuindo no desenvolvimento da profissão e fazendo com que esta se tornasse mais visível e reconhecida no contexto social.

2 Metodologia

Trata-se um estudo qualitativo de natureza sócio-histórica. Na coleta de dados, foram utilizadas fontes como: dados de entrevistas realizadas com HAK, em 1994, na sua residência em Joinville/SC e com outras pessoas que atuaram na Enfermagem (enfermeiras, práticas de enfermagem e atendentes) que mantiveram um relacionamento mais estreito com ela. Estas entrevistadas foram orientadas quanto ao estudo e quanto ao direito de participarem ou não da pesquisa, conforme apregoado pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS)(6). Além destes dados, foram utilizadas outras fontes documentais escritas pertencentes ao acervo do GEHCE, tais como: relatórios, cartas, histórico escolar, artigos de revistas, de jornais, livros, capítulos de livros e fotografias, além de outros documentos originais doados pelo Centro de Documentação da Escola Anna Nery (EAN). Os dados foram organizados inicialmente, traçando-se a biografia da enfermeira Hilda. Posteriormente, estes foram analisados à luz do contexto da época vivenciada, distribuídos da seguinte forma: a origem e formação; e o trabalho como enfermeira.

2.1 A origem e a formação

Descendente de família austríaca que chegou ao Brasil, em 1863, Hilda nasceu em 06 de março de 1900, em Joinville, Santa Catarina. Filha de João e Anna Krisch. Seu pai era catarinense e sua mãe austríaca, que chegou ao país, aos dois anos de idade(5,7). Realizou seus estudos básicos em Joinville, na Deutsch Schule (Antiga Escola Alemã, atual Colégio Bom Jesus) e no Curso complementar na Escola Conselheiro Mafra, num total de oito anos(8). A Escola Alemã, segundo carta do diretor desta Instituição para a diretora da EAN, Sra. Bertha Lucile Pullen, era considerada de "alto nível", dentro dos padrões germânicos (Realschule), que dava direito ao aluno, o de ingressar em uma Universidade alemã, após a conclusão do curso(9).

Após concluir seus estudos básicos, Hilda passou a trabalhar na Casa de Saúde Dona Helena, em Joinville. Na época, era muito comum, que famílias alemãs, enviassem suas filhas para conhecerem e trabalharem em instituições de saúde, assim como nas de ensino. Desta forma, estas moças tinham a oportunidade de aprender algum ofício profissionalizante, e também de adquirir conhecimentos que pudessem futuramente, utilizar na sua vida familiar, quando viessem a contrair matrimônio(10).

Se analisarmos o contexto da época, verificamos que nas famílias tradicionais brasileiras, ainda subsistia a idéia de que a mulher deveria ser condicionada a assumir os papéis de esposa e mãe, colocando-os à frente de seus interesses pessoais. Sendo assim, deveria procurar uma carreira condizente com a sua posição feminina como: ser professora primária, secretária, enfermeira, entre outros. Profissões consideradas menos qualificadas e competitivas no mercado de trabalho. Quanto ao homem, sua socialização era feita, visando dar-lhe uma profissão, afinal era destinado a ele, a responsabilidade pelo sustento familiar(11).

Concordamos com a idéia de que romper com a cadeia de condicionamentos, que é transmitida de uma geração à outra, não é uma tarefa simples, mas existem momentos históricos em que tais operações podem resultar mais fáceis que em outros. Estes momentos surgem de grandes crises, como as que enfrentamos ainda hoje, como o mito da natural superioridade masculina em contraposição à natural inferioridade feminina(12). Embora com estes condicionamentos, muito fortes na época, Hilda, no período em que atuou na Casa de Saúde Dona Helena, conheceu o então diretor, Dr. Norberto Bachmann, que sugeriu, que fosse fazer um Curso de Bacterioscopia em São Paulo. Ela concordou, teve apoio familiar e seguiu para a capital paulista, em 1927, a fim de realizar o referido curso.

A partir da sua permanência no Hospital Samaritano para a realização do Curso de Bacterioscopia, Hilda intensificou o seu interesse pela enfermagem e passou a freqüentar um curso de curta duração, oferecido pelo próprio Hospital. Após a conclusão do mesmo, permaneceu por mais seis anos, trabalhando na instituição. Posteriormente, resolveu aprofundar seus estudos, fazendo o exame de admissão e ingressando na EAN, em agosto de 1933. Ao ser questionada sobre o seu desejo de ingressar nesta Escola, se expressou do seguinte modo:

Em 1926, devido a uma machucadura, tinha que ir no Hospital Helenetiff Joinville,passei a conhecer e gostar das irmãs, assim que logo mais pratiquei lá um pouco. Fiquei gostando tanto, que vim em 1927 para São Paulo para fazer um curso no Samaritano, e fiquei. Achei paz e satisfação na arte de ser enfermeira(8).

A Escola no início de sua criação, "era procurada por jovens com hábitos e comportamentos com algum condicionamento ou modelação, distintivos de boas maneiras e de conseqüente respeitabilidade"(13:170). O processo de seleção incluía o preenchimento de uma ficha de inscrição, onde eram avaliadas as condições físicas e de saúde da aluna, o estado civil, a religião e o motivo de interesse pela profissão. As alunas que não possuíam o curso normal ou equivalente, submetiam-se a um exame, que constava de questões de biologia elementar, português e aritmética. Estas informações estão registradas nos documentos da Escola, e redigidos da seguinte forma:

[...] ser mulher; ser diplomada por uma Escola Normal ou ter estudos equivalentes; apresentar um atestado firmado por médico de Saúde Pública avalizando as condições de saúde física, mental e ausência de defeitos físicos da candidata: ter entre 20 e 35 anos; apresentar referências de boa conduta, sendo que seria levado em consideração a experiência da candidata em direção de casa, no serviço educativo e comercial(14:131).

Hilda foi aprovada e após três anos de curso, recebeu seu diploma em 01 de outubro de 1936. Por ter se destacado como aluna e possuir um perfil que se caracterizava por ser vivaz, alegre, interessada, pontual, organizada, precisa, simpática, conscienciosa, ter iniciativa, ser culta, falar três idiomas e possuir uma excelente saúde física e mental, recebeu uma Bolsa de Estudos da Fundação Rockfeller, para estudar nos Estados Unidos(15).

Hilda durante dois anos, realizou vários cursos, dentre eles: Cirurgia; Saúde Pública em East Harlen; Administração Hospitalar, Psicologia Educacional e Legislação de Enfermagem na Universidade de Columbia, em Nova York. E finalmente realizou o Curso de Psiquiatria no Butler Hospital, em Road Island(15).

O perfil de Hilda vem ao encontro de algumas idéias largamente difundidas quando se fala da profissão Enfermagem, ou seja, as enfermeiras nascem, não se fazem, já que a enfermagem é uma vocação nata. Florence Nightingale refletindo sobre o significado de sentir vocação para alguma coisa, diz que

[...] ser enfermeira é executar o trabalho conforme o seu próprio e elevado conceito do que é certo e o melhor para o doente, não apenas para cumprir ordens, mas para sua própria satisfação. Porque, se a enfermeira não o fizer para sua satisfação pessoal, de nada adiantará ensiná-la a dizer-lhe que o faça(16:163).

Florence Nightingale dizia que utilizou a palavra enfermagem por falta de outra melhor, considerando-a como arte e devendo incluir condições tais que, por si mesmas, tornassem possível assistir em enfermagem(16). Quanto ao trabalho da enfermeira, incorporamos três elementos principais: Espírito de Serviço (ou ideal), Habilidade (arte) e Ciência(1). Estes elementos já haviam sido sustentados por Florence quando colocava a idéia da enfermagem como arte, com motivação religiosa, exigindo estudos e aperfeiçoamentos constantes, exercendo influência moral pelo que delas emana, quase sem perceberem(17).

Nas Notas sobre Enfermagem, há uma referência quanto aos aspectos que a enfermagem "deve ser" e facilmente podemos correlacionar com o mesmo "espera-se" da mulher. Então vejamos "toda enfermeira deve ser uma pessoa com quem se pode contar, isto é, capaz de ser uma enfermeira 'de confiança'.(.....) deve ser estritamente sóbria, honesta e, mais do que isso, ser uma mulher religiosa e devotada. (....) deve ser uma observadora segura, direta e rápida, e ser uma mulher de sentimentos delicados e modestos"(16:138). Para Nightingale, a enfermagem era tanto uma vocação como uma profissão e os dois aspectos deviam estar unidos, sendo que a seu ver qualquer mulher poderia vir a ser uma boa enfermeira.

2.2 A Associação Brasileira de Enfermagem e o seu trabalho como Enfermeira

A criação de uma Associação Brasileira de Enfermagem, surgiu a partir das idéias de ex-alunas da EAN. Pois era conveniente tanto à Escola, que manteria um certo controle sobre o conjunto das enfermeiras por ela diplomadas, como às próprias ex-alunas, que teriam agregado ao seu diploma, o capital cultural referente às credenciais de membro de uma associação profissional ligada a uma instituição de prestígio como a EAN(18).

A tradição reconhece como 12 de agosto de 1926, a data de fundação da Associação, ainda que se tenha poucos registros do período inicial da Associação. Em 1927, quando foi eleita a 1ª diretoria da Associação Nacional de Enfermeiras Diplomadas (ANED), tendo como presidente Edith Magalhães Fraenckel (EMF). No período compreendido entre 1927 e 1929, as condições de funcionamento da ANED não estão muito claras nos documentos analisados, parece haver entretanto, forte influência das enfermeiras norte americanas, integrantes da Missão Parsons. Neste ano, EMF reorganizou a ANED, porque queria solicitar sua filiação ao Conselho Internacional de Enfermeiras (CIE), tendo sido atendida no 8º Congresso Internacional do CIE, realizado em Montreal em 1929. Ainda nesse mesmo ano, providenciou o registro da ANED em cartório e comprou um terreno na Ilha do Governador, Rio de Janeiro destinado à construção da Casa da Enfermeiraa(19).

Em Montreal, onde ocorreu o Congresso do CIE, Edith Magalhães Fraenckel participou da reunião de editoras de revistas das organizações membros da entidade. Neste momento surgiam as primeiras discussões para criar uma revista de enfermagem brasileira. Nascia assim, no Canadá a idéia de publicar Annaes de Enfermagemb, primeira revista da Enfermagem Brasileira. Isto acontece em 1929 e, no próprio hotel em que estavam hospedadas as Enfermeiras brasileiras. Estas reúnem-se e delineiam como deveria ser o periódico, que teria seu primeiro exemplar publicado em 1932. A Publicação se viabiliza com a doação do papel para impressão feita por Rachel Haddock Lobo, primeira editora da revista(20).

No final de 1938, EMF sai da presidência da ABEn, depois de quase doze anos a sua frente. Em seu lugar, deixa uma nova liderança, Hilda Anna Krisch.

Ao assumir a presidência da Associação em 03 de novembro de 1938, Hilda passa a implementar algumas mudanças e inovações como: a transferência da sede da Associação para o internato da Escola Anna Nery; a transferência da biblioteca para o pavilhão de aulas; a criação de algumas comissões para integrar a Associação como: Educação, Legislação, Social, História da Enfermagem, Instalação da sede e de Estatuto; o levantamento de informações sobre a situação da Enfermagem no país; a elaboração de um anteprojeto regulamentando a profissão a fim de evitar que o Ministério do Trabalho nomeasse pessoas que não tivessem qualificação para assumir chefias de serviço, cargos de direção, entre outros, que por direito deveriam ser ocupados somente por enfermeiras. Estas foram algumas das importantes obras, realizadas por Hilda Anna Krisch frente à Associação. Esta permaneceu como presidente até 1941, quando Edith foi reeleita para presidir a Associação Nacional de Enfermeiras Diplomadas (ABED) por mais dois anos (1941-1943). A sede da entidade é levada então, para São Paulo(20).

Observa-se como um fato bastante comum à época, o de que as primeiras enfermeiras brasileiras, passaram a assumir a liderança da profissão, atuando em espaços diversos: associativos, hospitalares e até mesmos governamentais. Em todos estes, tornavam-se responsáveis por construir um perfil profissional de qualidade e reconhecimento.

É o caso das contemporâneas Edith Magalhães Fraenckel, Rachel Haddock Lobo, Hilda Anna Krisch, dentre outras. Esta última, como professora da EAN, passou a atuar em 1939, no Pavilhão Miguel Couto do Hospital São Sebastião, na cidade do Rio de Janeiro. Nesse período, Hilda foi solicitada pela Escola, a fazer uma análise do campo de estágio, onde as alunas realizavam estágio referente à disciplina de Enfermagem nas Doenças Transmissíveis. Depois de um período de três meses de análise, ela descreve as precárias condições que tanto os doentes viviam (falta de roupas, de materiais de higiene e limpeza), como as condições em que os médicos, as enfermeiras e as alunas vinham atuando(21).

Interessante observar-se nos seus escritos, o cuidado minucioso do relato, demonstrando a preocupação de descrever detalhadamente as condições físicas, estruturais da instituição, dos equipamentos, dos materiais de consumo, bem como, o reduzido quadro de pessoal em todos os níveis. Posteriormente, Hilda encaminha o relatório para a Direção da Escola, justificando inclusive a demora na entrega do Relatório, por falta de uma secretária que datilografasse.

Percebe-se uma preocupação com a profissão e com a qualidade da assistência prestada à população, pois fazia muitos questionamentos acerca da atuação das enfermeiras e da enfermagem de um modo geral. Esta maneira de ser e se comportar, estava diretamente relacionado aos moldes estabelecidos para a enfermagem da época, ou seja, de que as enfermeiras assumissem o trabalho administrativo nas instituições de saúde, enquanto que o cuidado ministrado aos pacientes era basicamente realizado pelos práticos e outros exercentes da enfermagem.

A Escola Anna Nery na época impunha sobre as alunas uma rígida disciplina, um excesso de horas de estudo/ trabalho, plantões noturnos diários, sem dispensa de freqüência às aulas, atividades extra-curriculares e penalidades quando ocorriam falhas ou quando transgrediam normas. As alunas deveriam ter controle sobre suas emoções e buscar a perfeição no que faziam(22).

Entendemos que no momento em que o saber técnico (procedimentos) e o saber científico são departamentalizados, há uma tendência na prática em aplicar os "rituais de Enfermagem" de forma técnica com procedimentos absolutamente idênticos a sujeitos diferentes, fazendo com que na relação existencial com as pessoas doentes sejam omitidos seus saberes individuais. Por outro lado, quando há um predomínio do conhecimento científico de enfermagem, este também é isolado, transformando alguns grupos sociais em objetos sociais (clientes, usuários, alunas, etc) e outros grupos, em sujeitos sociais (professoras, enfermeiros, supervisoras, etc)(23).

Em 1942, o Governo do estado de São Paulo solicita a Direção da EAN, algumas professoras para atuarem na organização do Hospital de Clínicas que estava sendo construído, Hilda como enfermeira classe F, funcionária pública do Ministério da Educação e Saúde e outras colegas da EAN, são solicitadas para servirem junto a Faculdade de Medicina daquele estado, no sentido de organizarem o referido Hospital.

Hilda então, passa a atuar novamente com a Edith, com quem já tinha uma relação anterior na Associação e na própria EAN. EMF já vinha atuando como organizadora da Escola de Enfermagem de São Paulo junto com Odair Pedroso (Chefe da Comissão organizadora do Hospital de Clínicas). O grupo passa a planejar, organizar e equipar o primeiro Hospital de Clínicas do País. No período de agosto de 1942 a outubro de 1944, Hilda assumiu o cargo de Assistente da Sub-Divisão de Enfermagem e posteriormente através da determinação do Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, assumiu o cargo de Chefe da Sub-Divisão de Enfermagem.

No período em que atuou no Hospital, assumiu a organização do espaço físico, das enfermarias, a compra de materiais e equipamentos, a contratação de pessoal e o treinamento dos mesmos. Após dois anos de um trabalho intensivo e exaustivo, conseguiu juntamente com a equipe, ampliar o número de leitos do Hospital para quinhentos e contratar mais de trezentos funcionários na Sub-Divisão de Enfermagem. Conseguiu, ainda, fazer com que o Hospital de Clínicas fosse totalmente equipado, aparelhado e organizado para fazê-lo funcionar futuramente com um total de 1.200 leitos. Praticamente todo o trabalho de planejamento de pessoal, material e equipamentos fora feito(24).

Após o término desse trabalho, o Ministério da Educação e Saúde resolveu lotá-la na Delegacia Federal da Saúde em Porto Alegre, para atuar nos três Estados do Sul. Entretanto, podendo escolher, optou em fixar-se no seu Estado natal, Santa Catarina, onde passou a realizar muitas atividades, desde o planejamento de inúmeros hospitais que estavam sendo pensados, a organização destes, a compra de material e equipamentos, até o treinamento de pessoal de enfermagem que na época, era constituído basicamente por práticos de enfermagem. Segundo o depoimento de uma das funcionárias da época:

O trabalho de Hilda consistia em: Ensinar até lavar o chão, dar banho de leito. Com a Hilda Krisch aprendemos a economizar, mas não deixar faltar nada para o paciente. Ela sabia tudo(25).

Além do trabalho realizado nos hospitais e serviços de saúde, Hilda tinha a preocupação com a atualização do pessoal de enfermagem e com os aspectos científicos e culturais da profissão, por esse motivo, promoveu juntamente com outros membros da enfermagem e dirigentes de instituições de saúde do Estado, em 1956, a Primeira Semana de Estudos de Enfermagem. Esta, foi considerada um sucesso por todos os participantes, tendo inclusive, a presença do Secretário da Saúde e Assistência Social do Estado da época, Senhor Paulo de Tarso da Luz Fontes, e de inúmeras pessoas que atuavam na enfermagem na capital e no interior do estado, num total aproximado de 150 participantes. Nesta ocasião, foi sugerido pelo então Secretário, Senhor Paulo Fontes à Superiora da Congregação da Divina Providência e a Hilda, a criação de uma escola de enfermagem, uma vez que a capital carecia de escolas de formação do pessoal(26).

A criação de uma escola num curto espaço de tempo, veio acontecer em 1959, quando foi criada pela Congregação Divina Providência a Escola de Auxiliares de Enfermagem Madre Benvenutta, que passou a funcionar, no centro da capital - Florianópolis(26). Esta pode ser considerada o passo inicial para o investimento na formação profissional da enfermagem.

Neste ínterim, mais uma vez, Hilda recebe uma Bolsa de Estudos, desta vez da Organização Mundial de Saúde (OMS) e viaja aos EUA, onde permanece durante cinco meses. No seu retorno, adoece gravemente, é operada e se aposenta aos 55 anos.

A partir de 1961, depois de aposentada, ingressou no Museu da Imigração e Colonização em Joinville, onde trabalhou por aproximadamente trinta anos. Embora estando aposentada, nunca se desligou da enfermagem, mantendo freqüentes contatos com as enfermeiras que chegavam para trabalhar em Santa Catarina, proveniente de outros estados. Foi também, uma das fundadoras da Associação Brasileira de Enfermagem - Seção Santa Catarina, em 1962. Além disso, recebeu inúmeras homenagens de colegas enfermeiras, alunas e autoridades políticas, tendo recebido inclusive o título de Cidadã Benemérita de Joinville e tem seu nome em diversas escolas e centros acadêmicos. Em 24 de junho de 1995, ocorre o seu desaparecimento.

3 Considerações finais

Podemos concluir a partir da sua formação e trajetória profissional que a enfermeira Hilda Anna Krisch caracterizou-se por ser um marco na história da Enfermagem Brasileira, devido aos importantes trabalhos realizados na enfermagem, tanto à nível de associação, como na sua atuação na escola e formação de alunos, como na assessoria de hospitais de grande porte nacional, assim também em nível estadual, onde imprimiu sua marca na formação de pessoal e na organização e implementação de serviços hospitalares. Além disso, teve importante participação fora da profissão, quando foi responsável durante longo tempo pela organização e manutenção de museu alemão em Joinvile.

Data de Recebimento: 22/02/2004

Data de Aprovação: 28/08/2004

  • 1. Barreira IA, Baptista SS. Nexos entre pesquisa em história da Enfermagem e o processo de cientifização da profissão. In: CBEn. Anais do 51º Congresso Brasileiro de Enfermagem/10º Congreso Panamericano de Enfermería; Situando-se no mundo e construindo o futuro; 1999 out 2-7; Florianópolis (SC), Brasil. Florianópolis (SC): ABEn; 2000. 571p.p.295-311.
  • 2. Paixão,W. História da enfermagem. 5Ş ed. Rio de Janeiro: Júlio C. Reis Livro; 1979. 142p.
  • 3. Padilha, MICS. A mística do silêncio: a enfermagem na Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro no século XIX. Pelotas (RS): Palotti; 1998. 240p.
  • 4. São Thiago PE. A medicina que aprendi, exerci e ensinei. Florianópolis: UFSC, 1996. 355p.
  • 5. Valentim L. Joinville, seus médicos e sua história. Florianópolis: UFSC; 1997. 307p
  • 6
    Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº196, de 10 de outubro de 1996: diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Brasília (DF); 199.24p.
  • 7. Borenstein MS, entrevistadora. Hilda Anna Krisch [entrevistada]. Joinville (SC), 1994 nov 14. 1 fita cassete (60 min). Entrevista concedida ao acervo do Grupo de Estudos de História do Conhecimento da Enfermagem - GEHCE/UFSC, Florianópolis (SC).
  • 8
    Escola de Enfermagem Anna Nery. Ficha de pedido de inscrição da Escola de Enfermeiras Anna Nery. 1933. Rio de Janeiro; 1933. 1p.
  • 9
    Escola Alemã. Carta do Diretor Fritz Enderling à Diretora da Escola de Enfermagem Anna Nery. 1933. Joinville; 1933. 1p.
  • 10. Borenstein MS, entrevistadora. Irmgard Roza [entrevistada]. Florianópolis (SC), 1994 jan 23. 1 fita cassete (60 min). Entrevista concedida ao acervo do Grupo de estudos de História do Conhecimento da Enfermagem - GEHCE/UFSC, Florianópolis (SC).
  • 11. Michel A. Não aos estereótipos. Vencer o sexismo nos livros para crianças e nos manuais escolares. São Paulo: UNESCO; 1989.
  • 12. Belotti EG. Educar para a submissão. 6. ed. Petrópolis (RJ): Vozes; 1987.
  • 13. Santos NLP, Santos TCF, Barreira IA. Estilo de vida e saúde: o cotidiano das alunas da Escola de Enfermagem Anna Nery na década de 20. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília (DF) 1998 jan/mar; 51 (1): 165-76.
  • 14. Pires D. Hegemonia Médica na Saúde e a Enfermagem. São Paulo: Cortez; l989. 160p.
  • 15. Escola de Enfermagem Anna Nery. Avaliação médica e de ensino. 1936. Rio de Janeiro;1936. 2p.
  • 16. Nighingale F.Notas sobre enfermagem. São Paulo: Cortez; 1983. 178p.
  • 17. Nash R. Um esboço da vida de Florence Nightingale. Rio de Janeiro: EEAN/UFRJ; 1997.
  • 18. Barreira IA, Sauthier J, Baptista SS. O movimento associativo das enfermeiras na primeira metade do século XX. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília (DF) 2001 abr/jun; 54(2): 157-173.
  • 19. Carvalho AC. Associação Brasileira de Enfermagem-1926-1976-Documentário. Rio de Janeiro: ABEn; 1976. 516p.
  • 20. Mancia J, Padilha MICS. Trajetória da Revista Brasileira de Enfermagem - REBEn 70 anos. In: CBEn. Anais do 54º Congresso Brasileiro de Enfermagem: Enfermagem: Convergência da arte, ética, estética e ciência; 2003 nov 9-14; Fortaleza (CE), Brasil [trabalhos em CD-ROM]. Fortaleza (CE): ABEn; 2003.
  • 21. Krisch AH. Relatório de estudos e observações pessoais do Hospital Miguel Couto.1939. Rio de Janeiro; 1939. 20p.
  • 22. Sauthier J. A missão das enfermeiras norte-americanas na Capital da República 1921- 1931 [tese de Doutorado em enfermagem]. Rio de janeiro. Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ; 1996. 258f.
  • 23. Padilha MICS.O resgate das raízes: A influencia da formação familiar e social na escolha e exercício da Enfermagem. [tese de Livre-Docência]
  • 24. Krisch AH. Relatório das atividades profissionais de Hilda Ana Krisch durante o seu comissionamento junto ao governo do Estado de são Paulo em exercício no Hospital de Clínicas no período de agosto de 1942 até abril de 1945. 1945. São Paulo; 1945. 10p.
  • 25. Borenstein MS, entrevistadora. Alice Emília Verbinenn [entrevistada]. Florianópolis (SC), 1995 jan 25. 1 fita cassete (60 min). Entrevista concedida ao acervo do Grupo de Estudos de História do Conhecimento da Enfermagem - GEHCE/UFSC, Florianópolis.
  • 26. Krisch HA. Relatório da 1Ş. Semana de Estudos de Enfermagem. 1956. Florianópolis (SC): 1956, 111p.
  • 27. Borenstein MS, Althoff CR. Projetando e conquistando um caminho para a formação profissional do enfermeiro. In: Borenstein ML, Althoff CR, Souza ML, organizadoras. Enfermagem da UFSC: recortes de caminhos construídos e memórias. Florianópolis (SC): Insular; 1999. 346 p. p.25-64.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Fev 2011
  • Data do Fascículo
    Jun 2004

Histórico

  • Aceito
    28 Ago 2004
  • Recebido
    22 Fev 2004
Associação Brasileira de Enfermagem SGA Norte Quadra 603 Conj. "B" - Av. L2 Norte 70830-102 Brasília, DF, Brasil, Tel.: (55 61) 3226-0653, Fax: (55 61) 3225-4473 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: reben@abennacional.org.br