Práticas integrativas e complementares: utilização por agentes comunitários de saúde no autocuidado

RESUMO

Objetivo:

Verificar a utilização de práticas integrativas e complementares (PICs) por agentes comunitários de saúde atuantes nas equipes de saúde da família.

Método:

Pesquisa transversal, quantitativa, realizada na cidade de Montes Claros, Minas Gerais. Utilizou-se formulário estruturado para caracterização dos participantes e do uso de PICs. Foram conduzidas análises descritiva e bivariada.

Resultados:

A utilização de PICs foi referida por 94 (40,7%) dos agentes. Predominou o uso de plantas medicinais (32,5%). Houve associações entre: PICs no geral e autopercepção negativa da saúde (p=0,032), homeopatia e ensino superior (p=0,015), massagem e viver com companheiro (p=0,024), quiropraxia e renda igual ou superior a quatro salários mínimos (p=0,031), relaxamento/meditação e ter religião (p=0,028).

Conclusão:

O uso de PICs foi verificado no cuidado em saúde dos agentes comunitários. É preciso fortalecer essas práticas para a promoção da saúde e prevenção de agravos.

Descritores:
Terapias Complementares; Agentes Comunitários de Saúde; Estratégia Saúde da Família; Atenção Primária à Saúde; Enfermagem em Saúde Comunitária

ABSTRACT

Objective:

To verify the use of integrative and complementary practices (ICPs) by community health agents working in family health teams.

Methods:

Cross-sectional, quantitative research, conducted in the city of Montes Claros, Minas Gerais. An structured form was used for the characterization of participants and use of ICPs. Descriptive and bivariate analyses were conducted.

Results:

Use of ICPs was referenced by 94 (40.7%) agents. The use of medicinal plants was predominant (32.5%). There were associations between: ICPs in general and negative self-perception of health (p=0.032), homeopathy and higher education (p=0.015), massage and living with partner(p=0.024), chiropractic care and income equal to or greater than four minimum wages (p=0.031), relaxation/meditation and religion (p=0.028).

Conclusion:

The use of ICPs was verified in the healthcare of community agents. It is necessary to strengthen these practices for the promotion of health and prevention of diseases.

Descriptors:
Complementary Therapies; Community Health Workers; Family Health; Primary Health Care; Community Health Nursing

RESUMEN

Objetivo:

Verificar la utilización de prácticas integradoras y complementarias (PICs) por agentes comunitarios de salud actuantes en los equipos de salud de la familia.

Método:

Investigación transversal, cuantitativa, realizada en la ciudad de Montes Claros, Minas Gerais. Se utilizó formulario estructurado para caracterización de los participantes y del uso de las PICs. Se realizaron análisis descriptivos y bivariados.

Resultados:

La utilización de las PICs fue referida por 94 (40,7%) de los agentes. Predominó el uso de las plantas medicinales (32,5%). Hubo asociaciones entre: las PICs en general y la autopercepción negativa para la salud (p=0,032), la homeopatía y la educación superior (p=0,015), el masaje y la vida en pareja (p=0,024), la quiropraxia y el ingreso igual o menor que cuatro salarios mínimos (p=0,031), la relajación/meditación y tener una religión (p=0,028).

Conclusión:

El uso de las PICs fue verificado en el cuidado en salud de los agentes comunitarios. Es necesario reforzar estas prácticas para la promoción de la salud y prevención de enfermedades.

Descriptores:
Terapias Complementarias; Agentes Comunitarios de Salud; Estrategia de Salud Familiar; Atención Primaria de Salud; Enfermería en Salud Comunitaria

INTRODUÇÃO

As práticas integrativas e complementares (PICs) contemplam sistemas e recursos que buscam estimular os mecanismos naturais de prevenção de agravos e recuperação da saúde por meio de tecnologias eficazes e seguras. Enfocam-se a escuta acolhedora, o desenvolvimento do vínculo terapêutico e a integração do ser humano com o meio ambiente e a sociedade. Outros pontos compartilhados pelas diversas abordagens oferecidas pelas PICs são a visão ampliada do processo saúde-doença e a promoção global do cuidado humano, especialmente do autocuidado⁽¹⁾. No contexto contemporâneo, paralelamente à medicina tradicional, as PICs representam diferentes formas de diagnóstico e de cuidado, em uma multiplicidade de práticas em saúde^(2-3). Em vários países tem-se observado aumento na demanda e no uso dessas práticas⁽⁴⁾.

As PICs podem ser recursos valiosos para a promoção da saúde, notadamente por instituírem uma nova compreensão do processo saúde-doença, em uma concepção mais holística e empoderadora, com impactos positivos na vida cotidiana dos usuários. Entretanto, a fim de potencializá-las no cuidado no Sistema Único de Saúde (SUS) e na atenção integral à saúde da população, faz-se necessário superar os desafios da sua organização e expansão nos serviços, sobretudo a partir da Atenção Primária à Saúde (APS)⁽³⁾. No Brasil, só recentemente as PICs receberam uma normatização do setor público, com a aprovação da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC)⁽¹⁾. Ainda é escasso o conhecimento sobre o seu uso, sobretudo no que se refere aos profissionais de saúde.

Os agentes comunitários de saúde (ACS) representam um seguimento crescente de profissionais de saúde na APS. Assumem notável relevância, tendo em vista a sua dinâmica laboral de acompanhamento dos usuários cadastrados nas equipes da Estratégia de Saúde da Família (ESF). Os ACS atuam como elo entre as equipes de saúde e a população, focalizam um hiato entre o saber científico e o construído pela experiência, reduzindo as fronteiras entre o usuário e a equipe de saúde da família^(5-6). Na literatura nacional e internacional, o ACS é considerado como elemento nuclear das ações em saúde da família, e estudos o reconhecem como um profissional indispensável à reorientação e consolidação da APS^(7-13).

O cotidiano laboral do ACS e o seu processo de trabalho em saúde envolvem considerável complexidade e pressão advinda das exigências que o cercam, por parte da equipe, dos gestores e da comunidade⁽⁶⁾. Conforma-se um ambiente de risco de desenvolvimento de desgaste físico e mental, devido a situações que podem gerar insatisfação, desânimo, cansaço, fadiga, estresse, ansiedade e esgotamento^(6,14). Nesse sentido, os ACS deparam com a necessidade de desenvolver estratégias de enfrentamento das dificuldades de seu trabalho e, assim, podem vir a instituir medidas de autocuidado que lhes ajudem a manter e/ou promover sua saúde⁽¹⁵⁾. Entre tais mecanismos, pode-se incluir as PICs.

Nesse sentido, evidencia-se a necessidade e relevância do conhecimento de uso das PICs pelos ACS, pois além de representarem um importante grupo de profissionais de saúde, são disseminadores de informações em saúde e servem de modelo para a comunidade. Ademais, há carência de investigações prévias acerca da temática em questão. Tais lacunas de evidência científica ensejam a realização de mais pesquisas, a fim de obter conhecimento que possa subsidiar práticas de saúde direcionadas à inclusão do uso das PICs no cuidado em saúde.

OBJETIVO

Verificar a utilização de práticas integrativas e complementares por agentes comunitários de saúde atuantes nas equipes de saúde da família.

MÉTODO

Aspectos éticos

Todos os aspectos éticos foram seguidos conforme a Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa. Também se obteve a autorização da Chefia de Divisão de Atenção Básica. Os participantes leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Desenho, local do estudo e período

Trata-se de um estudo transversal, de natureza quantitativa. Foi conduzido na cidade de Montes Claros, situada na região norte do estado de Minas Gerais (MG) - Brasil, no período de dezembro de 2012 a maio de 2013.

População ou amostra; critérios de inclusão e exclusão

O município, em 2012, possuía um total de 450 ACS, atuantes em 76 equipes de saúde da família, sendo 10 na área rural, e 66 na zona urbana. A população alvo foi composta pelos 365 ACS que atuavam nas equipes de saúde da família da área urbana da cidade. O tamanho da amostra foi calculado considerando os parâmetros: prevalência de 0,10 de uso de PICs⁽¹⁶⁾, intervalo de confiança de 95% e nível de precisão de 5%. Foi adotado um fator de correção para o efeito de desenho (deff) igual a 1,5. Os cálculos evidenciaram a necessidade de se entrevistar no mínimo 192 ACS.

Para a seleção dos participantes, foi realizado um sorteio aleatório de setores censitários urbanos de Montes Claros. Posteriormente, foram convidados a participar do estudo os ACS das equipes que pertenciam a cada setor sorteado. Foram realizados sorteios sucessivos até que o número de ACS fosse atingido. Conforme sorteios efetuados, foram visitadas 61 das 66 equipes de saúde da família localizadas na zona urbana do município. Participaram da pesquisa aqueles que atuavam na ESF selecionada havendo no mínimo seis meses. Foram excluídos da coleta de dados os ACS que estivessem de férias, atestado, licença-saúde ou maternidade.

Protocolo do estudo

A coleta de dados foi realizada por acadêmicos da área da saúde entre os meses de dezembro de 2012 e maio de 2013, nas próprias unidades de saúde onde atuavam os participantes da pesquisa, em ambiente reservado. Foram agendados os dias e horários mais convenientes para os entrevistados conforme a disponibilidade das equipes e autorização da coordenação.

Para a coleta de dados, utilizou-se um questionário que contemplava as variáveis sociodemográficas (sexo, idade, estado civil, cor autodeclarada, religião, escolaridade, renda familiar mensal, arranjo familiar), ocupacionais (tempo de atuação como ACS, faltas ao trabalho no último ano), relacionadas à saúde (impacto do trabalho na saúde, autopercepção do estado de saúde) e o uso de PICs. As PICs investigadas incluíram: uso de acupuntura, homeopatia, plantas medicinais, massagem, medicina ortomolecular, quiropraxia e relaxamento/meditação⁽¹⁾.

Análise dos resultados e estatística

Os dados foram organizados em um banco de dados no programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) para Windows, versão 18.0. Foi realizada a análise descritiva das variáveis por meio de frequência absoluta e relativa. Na análise de associação, foram consideradas como variáveis dependentes: uso de PICs (uso de pelo menos uma das práticas investigadas foi considerado como "sim", enquanto o autorrelato de não uso de nenhuma dessas práticas foi considerado como "não"); uso de acupuntura (sim e não); de homeopatia (sim e não); de plantas medicinais (sim e não); de massagem (sim e não); de medicina ortomecular (sim e não); de quiropraxia; e de relaxamento/meditação (sim e não).

As variáveis independentes foram as sociodemográficas, ocupacionais e de saúde, assim categorizadas: cor autodeclarada (branca e não branca); religião (possui religião e não possui religião); escolaridade (superior incompleto/completo e até o ensino médio); e renda familiar mensal (≥ quatro salários mínimos e < quatro salários mínimos). Foram conduzidas as análises bivariadas por meio do teste qui-quadrado, para aferir associação entre cada uma das variáveis dependentes e as variáveis independentes, considerando o nível de significância p ≤ 0,05.

RESULTADOS

Participaram do estudo 231 ACS, sendo a maioria do sexo feminino (85,3%), com idade média de 33,39 anos (± 8,98) e escolaridade até o ensino médio (61,9%). Quanto à atuação como ACS, a maioria (64,5%) exercia essa função havia mais de três anos. Prevaleceu o autorrelato de que o trabalho impacta na saúde (81,4%) e a autopercepção negativa do estado de saúde foi referida por grande parte dos participantes (48,9%) (Tabela 1).

Tabela 1
Caracterização dos agentes comunitários de saúde, Montes Claros, Minas Gerais, Brasil, 2013 (N=231)

Variáveis	n	%
Sociodemográficas
Sexo
Feminino	197	85,3
Masculino	34	14,7
Idade*
Menor de 40 anos	173	74,9
40 anos ou mais	58	25,1
Estado Civil
Vive sem companheiro	109	47,2
Vive com companheiro	122	52,8
Cor autodeclarada
Branca	42	18,2
Parda	140	60,6
Negra	45	19,5
Amarela	04	1,7
Religião
Católico	148	64,1
Evangélico	68	29,4
Outra	06	2,6
Sem religião	09	3,9
Escolaridade
Ensino fundamental completo ou incompleto	07	3,1
Ensino médio incompleto	05	2,2
Ensino médio completo	131	56,7
Ensino superior incompleto	53	22,9
Ensino superior completo	35	15,1
Renda familiar mensal**
Inferior a 1 salário mínimo	03	1,3
De 1 a 3 salários mínimos	183	80,6
Superior a 4 salários mínimos	41	18,1
Arranjo Familiar
Reside com 4 ou mais pessoas	96	41,6
Reside com 0 a 3 pessoas	135	58,4
Ocupacionais
Tempo de atuação como ACS***
1 a 3 anos	82	35,5
> 3 anos	149	64,5
Faltas ao trabalho no último ano
Nenhuma falta	122	52,8
Ao menos uma falta	109	47,2
Relacionadas à saúde
Impacto do trabalho na saúde
Não	43	18,6
Sim	188	81,4
Autopercepção do estado de saúde
Positiva	118	51,1
Negativa	103	48,9

• Nota:
• ^*
  Presença de missing (n=221);
• ^**
  Presença de missing (n=227);
• ^***
  ACS: Agente Comunitário de Saúde.

O uso de PICs foi referido por 94 (40,7%) dos ACS. Registrou-se predomínio da utilização de plantas medicinais (32,5%), seguido por massagem (9,1%), e relaxamento e meditação (5,6%) (Tabela 2).

Tabela 2
Descrição da utilização de práticas integrativas e complementares por agentes comunitários de saúde, Montes Claros, Minas Gerais, Brasil, 2013 (N=231)

Uso de prática integrativa e complementar	n	%
Práticas integrativas e complementares
Sim	94	40,7
Não	137	59,3
Acupuntura*
Sim	5	2,2
Não	225	97,8
Homeopatia
Sim	11	4,8
Não	220	95,2
Plantas medicinais
Sim	75	32,5
Não	156	67,5
Massagem
Sim	21	9,1
Não	210	90,9
Medicina ortomolecular
Sim	3	1,3
Não	228	98,7
Quiropraxia
Sim	3	1,3
Não	228	98,7
Relaxamento/Meditação
Sim	13	5,6
Não	218	94,4

• Nota:
• ^*
  Presença de missing (n=230).

No que concerne à associação entre o uso de prática integrativa complementar de forma geral e de cada prática em específico e as características dos ACS, verificaram-se na análise bivariada as seguintes associações estatisticamente significantes: PICs e autopercepção negativa do estado de saúde (p=0,032), homeopatia e ensino superior (p=0,015), massagem e viver com companheiro (p=0,024), quiropraxia e renda igual ou superior a quatro salários mínimos (p=0,031), relaxamento/meditação e ter religião (p=0,028) (Tabela 3).

Tabela 3
Resultado da análise bivariada entre práticas integrativas e complementares e variáveis independentes, entre agentes comunitários de saúde, Montes Claros, Minas Gerais, Brasil, 2013 (N=231)

Variáveis independentes	Prática integrativa e complementar utilizada n (%)
	PICs*	Acupuntura	Homeopatia	Plantas medicinais	Massagem	Medicina ortomolecular	Quiropraxia	Relaxamento/ Meditação
Sexo
Feminino	81 (86,2)	50 (100,0)	10 (90,9)	65 (86,7)	20 (95,2)	3 (100,0)	3 (100,0)	11 (84,6)
Masculino	13 (13,8)	0 (0,0)	1 (9,1)	10 (13,3)	1 (4,8)	0 (0,0)	0 (0,0)	2 (15,4)
Valor de p	0,752	0,588	0,589	0,680	0,177	0,469	0,469	0,944
Idade
< 40 anos	72 (76,6)	3 (60,0)	9 (81,8)	58 (77,3)	15 (71,4)	2 (66,7)	3 (100,0)	11 (84,6)
≥ 40 anos ou mais	22 (23,4)	2 (40,0)	2 (18,2)	17 (22,7)	6 (28,6)	1 (33,3)	0 (0,0)	2 (15,4)
Valor de p	0,621	0,628	0,587	0,553	0,701	0,741	0,313	0,405
Estado Civil
Vive sem companheiro	41 (43,6)	2 (40,0)	5 (45,5)	34 (45,3)	5 (23,8)	1 (33,3)	1 (33,3)	7 (53,8)
Vive com companheiro	53 (56,4)	5 (60,0)	6 (54,5)	41 (54,7)	16 (76,2)	2 (66,7)	2 (66,7)	6 (46,2)
Valor de p	0,368	0,604	0,906	0,696	0,024	0,629	0,629	0,620
Cor autodeclarada
Branca	18 (19,1)	0 (0,0)	1 (9,1)	17 (22,7)	1 (4,8)	1 (33,3)	1 (33,3)	1 (7,7)
Não branca	76 (80,9)	5 (100,0)	10 (90,9)	58 (77,3)	20 (95,2)	2 (66,7)	2 (66,7)	12 (92,3)
Valor de p	0,752	0,504	0,423	0,220	0,094	0,493	0,493	0,313
Religião
Possui religião	89 (94,7)	5 (100)	11 (100)	71 (94,7)	20 (95,2)	3 (100,0)	3 (100,0)	11 (84,6)
Não possui religião	5 (5,3)	0 (0)	0 (0)	4 (5,3)	1 (4,8)	0 (0,0)	0 (0,0)	2 (15,4)
Valor de p	0,355	0,883	0,494	0,434	0,830	0,726	0,726	0,028
Escolaridade
Superior incompleto/ completo	36 (38,3)	4 (80)	8 (72,7)	30 (40,0)	8 (38,1)	2 (66,7)	2 (66,7)	6 (46,2)
Até o ensino médio	58 (61,7)	1 (20)	3 (27,3)	45 (60,0)	13 (61,9)	1 (33,3)	1 (33,3)	7 (53,8)
Valor de p	0,958	0,111	0,015	0,679	1,000	0,305	0,305	0,538
Renda mensal
≥ 4 salários mínimos	18 (19,1)	1 (20,0)	3 (27,3)	15 (20,0)	3 (14,3)	1 (33,3)	2 (66,7)	4 (30,8)
< 4 salários mínimos	76 (80,9)	4 (80,0)	8 (72,7)	60 (80,0)	18 (85,7)	2 (66,7)	1 (33,3)	9 (69,2)
Valor de p	0,863	0,889	0,450	0,708	0,593	0,510	0,031	0,246
Tempo de trabalho como ACS**
1-3 anos	35 (37,2)	3 (60,0)	4 (36,4)	32 (42,7)	8 (38,1)	2 (66,7)	2 (66,7)	6 (46,2)
> 3 anos	59 (62,8)	2 (40,0)	7 (63,6)	43 (57,3)	13 (61,9)	1 (33,3)	1 (33,3)	7 (53,8)
Valor de p	0,648	0,391	0,951	0,114	0,794	0,256	0,256	0,409
Impacto do trabalho na saúde
Não	16 (17,0)	0 (0,0)	0 (0,0)	12 (16,0)	3 (14,3)	1 (33,3)	0 (0,0)	2 (15,4)
Sim	78 (83,0)	5 (100,0)	11 (100,0)	63 (84,0)	18 (85,7)	2 (66,7)	3 (100,0)	11 (84,6)
Valor de p	0,606	0,494	0,104	0,479	0,593	0,510	0,404	0,758
Faltas ao trabalho no último ano
Nenhuma falta	43 (45,7)	2 (40,0)	4 (36,4)	33 (44,0)	11 (52,4)	2 (66,7)	3 (100,0)	5 (38,5)
Ao menos uma falta	51 (54,3)	3 (60,0)	7 (63,6)	42 (56,0)	10 (47,6)	1 (33,3)	0 (0,0)	8 (61,5)
Valor de p	0,075	0,479	0,263	0,063	0,967	0,629	0,099	0,286
Autopercepção do estado de saúde
Positiva	40 (42,6)	1 (20,0)	4 (36,4)	35 (46,7)	7 (33,3)	1 (33,3)	2 (66,7)	6 (46,2)
Negativa	54 (57,4)	4 (80,0)	7 (63,6)	40 (53,3)	14 (66,7)	2 (66,7)	1 (33,3)	7 (53,8)
Valor de p	0,032	0,217	0,317	0,352	0,088	0,536	0,587	0,714

• Nota:
• ^*
  PICs: práticas integrativas e complementares;
• ^**
  ACS: Agente Comunitário de Saúde.

DISCUSSÃO

O presente estudo evidenciou a utilização de PICs entre ACS no município de Montes Claros-MG. O uso de pelo menos uma destas práticas foi referido por quase metade destes trabalhadores. Ao se considerar isoladamente o uso de cada uma das PICs, percebeu-se menor adesão à maioria, exceto plantas medicinais, utilizadas por quase um terço dos pesquisados.

Em pesquisa de base populacional, quando incluídas todas as práticas arguidas, a frequência encontrada foi de 8,93%⁽¹⁶⁾, bem inferior à verificada na atual investigação. No entanto, entre os profissionais dos serviços públicos de saúde dos municípios brasileiros de Itumbiara e Panamá (Goiás) e Araporã (Minas Gerais), 99,2% relataram já ter feito uso de alguma prática⁽¹⁷⁾, resultado superior ao deste trabalho. Na tendência nacional, pesquisa sobre oferta e produção de atendimentos de PICs no SUS nos municípios de Campinas (São Paulo), Florianópolis (Santa Catarina) e Recife (Pernambuco) revelou crescimento ainda gradativo do uso e da inserção nos sistemas públicos de saúde locais⁽¹⁸⁾. Ao se analisar separadamente cada uma das PICs, o percentual de uso das plantas medicinais, massagem, relaxamento/meditação, homeopatia, medicina ortomolecular e acupuntura foi superior a estudo prévio realizado com a população do município de Montes Claros-MG⁽¹⁶⁾. Em pesquisa realizada com profissionais de serviços públicos de saúde, o uso da acupuntura foi superior⁽¹⁷⁾.

O amplo uso de plantas medicinais pelos ACS verificado neste estudo pode ser justificado em parte devido ao emprego tradicional e popular dessa prática no Brasil, com origens históricas e que conseguiram perdurar no tempo⁽¹⁷⁾. Outra explicação seria o seu baixo custo⁽¹⁶⁾. Há também que se considerar que a região norte de MG se caracteriza por uma cultura e tradição de uso das plantas medicinais, com fácil acesso a diferentes tipos de plantas cultivadas no local⁽¹⁹⁾. A utilização de plantas medicinais está em consonância com as proposições da Organização Mundial da Saúde (OMS)⁽²⁰⁾.

Entretanto, deve-se considerar que essa prática tem sido subvalorizada no país, devido à supremacia de um paradigma que vê o cuidado em saúde centrado nas tecnologias biomédicas. Isso faz com que o uso de plantas medicinais pareça um resquício de uma forma de cuidado de tempos subdesenvolvidos, primitivos e arcaicos, e não como um futuro possível de novas tecnologias sustentáveis⁽²¹⁾.

Apesar de a OMS incentivar a valorização das PICs e reconhecê-las como recursos terapêuticos úteis, que podem contribuir para o sistema público de saúde local^(4,20), no Brasil o incremento na utilização das PICs pela população esbarra nos seguintes desafios: reduzido número de recursos humanos capacitados; insuficiente financiamento para a maioria das práticas; pouca divulgação na mídia, para a população e nos serviços de saúde; e escassos espaços institucionais para o seu desenvolvimento nos serviços⁽¹⁶⁾.

Por outro lado, em âmbito internacional há aumento na demanda observado em vários países: pode-se afirmar que a crescente popularidade de tais práticas é uma realidade mundial^(4,16). A OMS publicou recentemente o documento WHO traditional medicine strategy 2014-2023, que mostrou o substancial crescimento na utilização das PICs na última década. Apresentou a estimativa de que mais de 100 milhões de europeus, e um número ainda maior de pessoas concentradas na África, Ásia, Austrália e nos Estados Unidos, são usuárias de PICs⁽⁴⁾.

Os motivos para tal crescimento abrangem diversos fatores: aumento da demanda causado pelas doenças crônicas; altos custos dos serviços de saúde, levando à procura de outras formas de cuidado; insatisfação com os serviços de saúde existentes e com a medicina convencional; ressurgimento do interesse por um cuidado holístico e preventivo às doenças; tratamentos que ofereçam qualidade de vida quando não é possível a cura; empoderamento do usuário no seu processo saúde-doença-cuidado; e mudança para um modelo de saúde centrado no bem-estar do indivíduo e das coletividades^(4,22-24).

Entre os ACS participantes desta pesquisa, os resultados relevaram maior uso de PICs por aqueles que apresentaram autopercepção negativa do estado de saúde. Os profissionais que avaliam negativamente a sua saúde podem ter as PICs como alternativa eficaz para a promoção do autocuidado e do bem-estar. Sendo assim, deve-se reconhecer a autopercepção de saúde como instrumento útil, com consequente aplicação em ações de promoção da saúde dos ACS^(25-27).

Observou-se neste estudo que o uso de homeopatia se associou a possuir ensino superior, enquanto a quiropraxia foi significativamente mais praticada por ACS com maior renda. Estudo anterior também verificou associação entre maior escolaridade e maior utilização de homeopatia⁽²⁾. Os custos da homeopatia e da quiropraxia no Brasil e o fato de o sistema de saúde pública ainda não oferecer amplamente essas práticas podem limitar seu uso. Dessa forma, geralmente são práticas restritas à pequena parcela da população que tem os recursos financeiros necessários para pagar o tratamento⁽²⁾. É pertinente salientar que melhores níveis de escolaridade e renda podem promover maior conhecimento sobre questões relativas à saúde e ao autocuidado, o que pode propiciar maior uso e acesso às PICs. Ampliar tal acesso poderia incrementar a utilização de práticas com maiores custos^(16,23).

Também foi observada associação entre maior frequência de relaxamento/meditação e possuir religião. A relação entre religiosidade e o processo saúde-doença-cuidado assume considerável relevância nesse contexto, sobretudo no cenário deste estudo, onde a maioria das pessoas pratica alguma religião. O relaxamento e a meditação são de baixo custo e podem ser uma opção para aqueles que não têm acesso a práticas integrativas de valor mais elevado⁽¹⁶⁾.

Por sua vez, a procura por apoio religioso pode ser explicada, pois ter uma religião advém de uma prática institucionalizada, aceita histórica e culturalmente no Brasil, podendo ser até mesmo um importante recurso terapêutico. As pessoas procuram maior apoio na religião quando se encontram em situações de estresse^(23,27), quadro bem frequente no cotidiano do ACS⁽²⁷⁾. Desse modo, para esses ACS a religião pode representar suporte afetivo e social, oriundo do relacionamento com pessoas com as quais é possível compartilhar preocupações, angústias e esperanças, de modo que seja possível propiciar sentimentos de segurança, conforto e confiança⁽¹⁵⁾.

Diante da realidade constatada nesta investigação, convém ressaltar que as PICs podem contribuir para a busca de melhorias na atenção à saúde: o conhecimento e a incorporação de outros saberes e práticas contribuem para a construção de um cuidado integral. Ações que fomentem o uso e a inserção das PICs nos serviços públicos de saúde, sobretudo os da APS, são fundamentais. A criação de espaços de discussão acerca de formas de incluir essas práticas no cotidiano dos serviços também são relevantes, para que se busquem maiores possibilidades na produção do cuidado e aproximação das políticas de saúde ao contexto da população⁽²²⁾. Para tanto, os ACS podem contribuir substancialmente, sobretudo na disseminação de informações sobre as PICs entre os usuários da APS.

Limitações do estudo

Embora este estudo possua caráter pioneiro, é válido informar que seus resultados devem ser considerados à luz de certas limitações. O delineamento transversal impossibilita definir uma relação de causalidade para as associações identificadas. A amostra, apesar de representativa, foi restrita aos profissionais de uma única cidade. Destaca-se também que as variáveis foram aferidas por autorrelato e, embora esse seja um procedimento válido e utilizado em diversos trabalhos, possui a limitação da memória. Deve-se ainda considerar que nesta pesquisa não foi realizada a análise ajustada dos dados no uso das PICs.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

O presente trabalho ratificou a necessidade de que as PICs sejam devidamente reconhecidas como formas efetivas de cuidado, considerando que requerem uma visão holística do processo saúde-doença e integralidade da assistência ao usuário do sistema de saúde. Nesse sentido, espera-se que esta investigação agregue novo conhecimento sobre a implementação da PNPIC para a população brasileira, e possa contribuir em específico quanto à inserção dessas práticas como estratégia de promoção da saúde dos ACS.

CONCLUSÃO

O estudo evidenciou a utilização de PICs por ACS como formas de autocuidado, destacando-se elevado uso de plantas medicinais. A ampla frequência do emprego de plantas medicinais apresenta explicações pelo fato de ser uma prática com raízes culturais na população e que, assim, deve ser reconhecida com um relevante recurso para o cuidado em saúde. Contudo, é preciso impulsionar a utilização de PICs e sua inserção no SUS.

Ademais, é importante salientar que fatores sociodemográficos e de saúde estiveram associados à prática de homeopatia, massagem, quiropraxia, relaxamento/meditação e práticas integrativas no geral. As associações constatadas requerem atenção, uma vez que demonstraram que maior uso de homeopatia e de quiropraxia está circunscrito àqueles indivíduos com maior escolaridade e renda. A autopercepção negativa da saúde esteve associada à utilização de PICs, sinalizando que os ACS possivelmente procuram nas práticas integrativas uma forma de melhor lidar com seu bem-estar.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  2018

Histórico

• Recebido
  22 Fev 2018
• Aceito
  21 Abr 2018