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Cuidadores de crianças com câncer: aspectos da vida afetados pela atividade de cuidador

Caregivers of children with cancer: aspects of life affectcet by the caregiver role

Cuidantes de niños con cáncer: aspectos de la vida afectados por la actividad de cuidar

Resumos

Pretendeu-se, neste estudo, descrever como as atividades relacionadas ao cuidar afetam a vida de cuidadores de crianças com câncer, o grau de dependência da criança para desempenhar as atividades de vida diária (AVD), o grau de ajuda recebida de outros e o quanto alguns aspectos da vida do cuidador são afetados pela atividade de cuidar. O estudo foi descritivo, comparativo e transversal. Foram entrevistados 50 cuidadores de crianças entre três e dez anos num hospital infantil, referência no tratamento de doenças onco-hematológicas, em Campinas, SP. As atividades relacionadas ao cuidar ocasionaram sérios prejuízos na vida dos cuidadores. Portanto, avaliar estes aspectos pode auxiliar o enfermeiro a evidenciar, amenizar e planejar a assistência aos cuidadores de crianças com câncer.

família; cuidado da criança; neoplasias


This study aimed at demonstrating that the caregiving role affected the lives of caregivers of children with cancer, the child's degree of dependence regarding the performance of daily life activities (DLA), the degree of help offered by others and the degree to which some aspects of the caregiver's life were affected by caregiving activities. Interviews were held with fifty caregivers of children between the ages of three and ten in a children's hospital, a referral center for cancer and hematological disorders in Campinas, Sao Paulo. These caregiving activities seriously affect the lives of the caregivers and, therefore, an assessment of these aspects may help the nurse detect the problems and plan the healthcare needed by the caregivers of children with cancer.

Family; Child Care; Neoplasms


Se pretendió en este estudio describir de que forma las actividades relacionadas al cuidar afectan la vida de los cuidantes de niños con cáncer, el grado de dependencia del niño para desempeñar las actividades de la vida diaria (AVD), el grado de ayuda recibida de otros, y en que medida algunos aspectos da la vida del cuidante eran afectados por la actividad de cuidar. El estudio fué descriptivo, comparativo y transversal. Fueron entrevistados 50 cuidantes de niños entre 3 y 10 años en un hospital infantil modelo en el tratamiento de dolencias onco-hematológicas, en Campinas, SP. Las actividades relacionadas al cuidar ocasionaron serios daños en la vida de los cuidantes. Por lo tanto, evaluar estos aspectos puede auxiliar al enfermero a identificar, amenizar y planear la asistencia a los cuidantes de niños con cáncer.

Familia; Cuidado de Niños; Neoplasias


PESQUISA

Cuidantes de niños con cáncer: aspectos de la vida afectados por la actividad de cuidar

Ana Raquel Medeiros BeckI; Maria Helena Baena de Moraes LopesII

IEnfermeira. Mestre em Enfermagem. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas., SP. raquelmb@fcm.unicamp.br

IIEnfermeira. Livre-docente. Professora Associada da Área Materno-Infantil do Departamento de Enfermagem FCM/UNICAMP, Campinas, SP. mhbaena@fcm.unicamp.br

RESUMO

Pretendeu-se, neste estudo, descrever como as atividades relacionadas ao cuidar afetam a vida de cuidadores de crianças com câncer, o grau de dependência da criança para desempenhar as atividades de vida diária (AVD), o grau de ajuda recebida de outros e o quanto alguns aspectos da vida do cuidador são afetados pela atividade de cuidar. O estudo foi descritivo, comparativo e transversal. Foram entrevistados 50 cuidadores de crianças entre três e dez anos num hospital infantil, referência no tratamento de doenças onco-hematológicas, em Campinas, SP. As atividades relacionadas ao cuidar ocasionaram sérios prejuízos na vida dos cuidadores. Portanto, avaliar estes aspectos pode auxiliar o enfermeiro a evidenciar, amenizar e planejar a assistência aos cuidadores de crianças com câncer.

Descritores: família, cuidado da criança, neoplasias.

ABSTRACT

This study aimed at demonstrating that the caregiving role affected the lives of caregivers of children with cancer, the child's degree of dependence regarding the performance of daily life activities (DLA), the degree of help offered by others and the degree to which some aspects of the caregiver's life were affected by caregiving activities. Interviews were held with fifty caregivers of children between the ages of three and ten in a children's hospital, a referral center for cancer and hematological disorders in Campinas, Sao Paulo. These caregiving activities seriously affect the lives of the caregivers and, therefore, an assessment of these aspects may help the nurse detect the problems and plan the healthcare needed by the caregivers of children with cancer.

Descriptors: Family, Child Care, Neoplasms

RESUMEN

Se pretendió en este estudio describir de que forma las actividades relacionadas al cuidar afectan la vida de los cuidantes de niños con cáncer, el grado de dependencia del niño para desempeñar las actividades de la vida diaria (AVD), el grado de ayuda recibida de otros, y en que medida algunos aspectos da la vida del cuidante eran afectados por la actividad de cuidar. El estudio fué descriptivo, comparativo y transversal. Fueron entrevistados 50 cuidantes de niños entre 3 y 10 años en un hospital infantil modelo en el tratamiento de dolencias onco-hematológicas, en Campinas, SP. Las actividades relacionadas al cuidar ocasionaron serios daños en la vida de los cuidantes. Por lo tanto, evaluar estos aspectos puede auxiliar al enfermero a identificar, amenizar y planear la asistencia a los cuidantes de niños con cáncer.

Descriptores: Familia, Cuidado de Niños, Neoplasias.

1. INTRODUÇÃO

Falar sobre família/cuidador permite-nos refletir sobre o quanto falhamos em pontos básicos da nossa assistência como enfermeiros. Em nossa experiência profissional, ao trabalharmos com crianças, passamos a observar a família nos seus mais diversos aspectos. Esta questão inquietou- nos, pois percebemos nitidamente os obstáculos e benefícios das relações entre equipe multiprofissional e família. O que nos chamava atenção era o relacionamento criança/cuidador, a maioria das vezes representada pela figura da mãe. Percebemos que essas mães dedicavam-se exclusivamente aos seus filhos, durante o período de internação, e que algumas apresentavam déficit de autocuidado, esquecendo de si próprias, no empenho de ajudarem na recuperação da criança. Estas percepções desencadearam inúmeros questionamentos. Quais são as suas angústias e ansiedades? Quais são as suas necessidades?

Na prática profissional, o foco de atenção, na maioria das vezes, é o indivíduo doente, cabendo à família/cuidador uma localização mais à margem dos acontecimentos. Ainda hoje, os cuidadores familiares são percebidos como recurso em benefício do indivíduo, mas não como um objeto de atenção da enfermagem(1). Os cuidadores, apesar de desempenharem um papel tão fundamental para minimizar o sofrimento e auxiliar no bem-estar, são marginalizados, seu trabalho não é valorizado e não são reconhecidos como pessoas que estão passando por um processo doloroso e que precisam de ajuda, apoio e orientação. O cuidador é um indivíduo "rotulado", para ajudar neste processo de cuidar. Espera-se que cuide "naturalmente", mas ele é uma pessoa que está necessitando de auxílio e apoio(2).

O diagnóstico do câncer acarreta interferências na vida do indivíduo doente, da família e da equipe de saúde(3). Para enfrentar essa doença e as suas conseqüências, a família tem sido uma fonte de apoio, uma vez que faz parte do contexto no qual o indivíduo está inserido. Quando a família presta solidariedade ao paciente a recuperação é mais eficaz(4).

Quando o enfermeiro tenta compreender a família e buscar conhecimentos para tentar entendê-la e cuidá-la é que ele percebe o quanto esta precisa ser incluída no cuidar, sobretudo o cuidador principal(5). Em se tratando de crianças, o cuidador principal é a mãe, que se define como a pessoa da família com o dever moral de ficar com a criança no hospital e se sente na obrigação de cuidar do filho, uma vez que a própria criança a elege como protetora dentre os outros familiares; ela acredita que ninguém está a altura de, como ela, cuidar e proteger o seu filho(6).

Há necessidade do profissional de enfermagem modificar suas atitudes frente ao cuidador/família, deixando de encará-los como empecilho à sua atuação e acredita-se que sua atitude mudaria à medida que convivesse com os familiares, tendo a intenção de aprender como ajudá-los(7). O enfermeiro precisa ir além da sua já reconhecida competência técnica para compreender o binômio indissociável que é o paciente-família(8).

A família deve participar do tratamento e receber suporte não apenas para aprender a cuidar do paciente, mas, sobretudo, para enfrentar, compreender e compartilhar a situação de doença e/ou deficiência, e conseguir lidar mais adequadamente com seus próprios problemas, conflitos, medo e aumento das responsabilidades(9). De fato, um estudo realizado em nosso meio, que envolveu cuidadores de doentes adultos com dor crônica, a maioria de origem oncológica, identificou prejuízos alarmantes na vida destes cuidadores(10).

Tendo em vista estes pressupostos, pretendeu-se, neste estudo, descrever como as atividades relacionadas ao cuidar afetam a vida dos cuidadores de crianças com câncer. Estes dados fazem parte da dissertação de mestrado "Tensão devida ao papel de cuidador entre cuidadores de crianças com câncer"(11) e contribuíram para a determinação dos diagnósticos de enfermagem 'tensão devida ao papel de cuidador' e 'risco para tensão devida ao papel de cuidador', relatada em outro artigo.

Os objetivos do presente estudo foram descrever o grau de dependência da criança portadora de câncer para desempenhar as atividades de vida diária (AVD), de acordo com sua faixa etária; verificar em que grau o cuidador recebia ajuda de outros, comparando-se o período antes e após a internação e o quanto alguns aspectos da vida do cuidador eram afetados pela atividade de cuidar.

2. MÉTODO

O estudo foi descritivo, comparativo e transversal. Foi realizado nas alas de internação de um hospital infantil do município de Campinas que é referência nacional para o tratamento de doenças onco-hematológicas. Foram entrevistados cuidadores de crianças entre 3 e 10 anos que relatassem ser os principais cuidadores da criança no lar e na instituição e estivessem cuidando da criança há no mínimo um mês, excluindo-se os casos fora de possibilidade terapêutica, amputações e cuidadores que não tinham vínculo familiar com a criança. Optou-se por estudar apenas cuidadores de crianças entre 3 e 10 anos a fim de excluir aquelas com alto grau de dependência em virtude da faixa etária, independente do seu estado de saúde. Os cuidadores de crianças acima de 10 anos foram excluídos porque o receptor de cuidados estaria na fase pré-puberal, iniciando a adolescência (12).

Os dados foram coletados por meio de formulário composto por questões estruturadas abertas e fechadas que visavam identificar dados que caracterizavam o grupo estudado, o grau de dependência da criança em relação às AVD, a ajuda recebida de outros e alguns aspectos da vida do cuidador que foram afetados pela atividade do cuidar.

As questões referentes à caracterização da amostra foram analisadas descritivamente. Os casos foram analisados pelas autoras, tendo uma delas experiência de cinco anos em pediatria, dois desses dedicados à assistência de portadores de câncer e outra, que possui mais de vinte anos de experiência no ensino, pesquisa e assistência na área materno-infantil.

A análise das AVD (banhar-se, vestir-se, arrumar-se, alimentar-se, ir ao banheiro, mover-se e tomar remédio) permitiu verificar o quanto o receptor de cuidados dependia do cuidador. Foram adotados os métodos utilizados em um estudo sobre cuidadores de pacientes com dor crônica(10). Os cuidadores deveriam classificar, em relação a cada AVD, o quanto a criança necessitava da sua ajuda, considerando as seguintes categorias de resposta: 'nenhuma', 'supervisão', 'ajuda' e 'execução'. A magnitude da dependência no conjunto das AVD foi estimada atribuindo escores às alternativas de respostas; sendo 'nenhuma': escore 0, 'supervisão': escore 1, 'ajuda': escore 2 e 'execução': escore 3. Com estes escores para cada alternativa de resposta, cada cuidador poderia ter um escore máximo de 21. Os escores foram calculados e proporcionalmente transformados em valores de 0 a 10, onde 0 era 'nenhuma dependência' e 10 'dependência total'. Esses valores foram agrupados nas seguintes faixas: igual a 0; maior que 0 e menor que 5; igual ou maior que 5 e menor que 8 e igual ou maior que 8 e menor ou igual a 10(10).

A comparação entre a intensidade de dependência de acordo com a faixa etária e a AVD foi realizada, utilizando-se o teste c2 (Qui-quadrado) ou teste Exato de Fisher, quando indicado. As crianças foram divididas em duas faixas etárias (3 a 6 e de 7 a 10 anos) em virtude das diferenças relacionadas ao grau de dependência para realizar as AVD.

O grau em que o cuidador tinha recebido ajuda de outros nas atividades domésticas, no cuidado com a criança e outros filhos foi avaliado, pedindo-se que o cuidador dissesse a intensidade da ajuda recebida, sendo que os escores poderiam variar de 0 (nenhuma ajuda) a 10 (ajuda total). A fim de comparar o grau em que o cuidador recebia ajuda de outros, considerando o período antes e após a internação, utilizou-se o teste de Wilcoxon para amostras relacionadas.

A intensidade do prejuízo que o cuidar provocou em áreas da vida pessoal do cuidador (sono, trabalho, estudo, lazer, humor, vida sexual, vida social, planos para o futuro, relacionamento familiar, saúde, apetite, cuidado pessoal e cuidado espiritual) foi avaliada, pedindo-se que o cuidador dissesse a intensidade do prejuízo, sendo que os valores poderiam variar de 0 (nenhum prejuízo) a 10 (prejuízo máximo). Também foi solicitado que cada cuidador fizesse um comentário sobre sua avaliação.

3. RESULTADOS

Foram entrevistados 50 cuidadores que atendiam aos critérios estabelecidos, 47 (96%) eram mulheres e três (4%), homens; sendo 45 mães, três pais e duas avós. A idade média dos cuidadores foi 33,6 anos (DP=7,5) e variou de 22 a 59 anos.

As crianças portadoras de câncer apresentavam idade média de 5,9 anos (DP=2,6). O diagnóstico médico de maior freqüência foi leucemia de baixo risco (16 casos ou 32%), seguido por leucemia de alto risco (12 casos ou 24%).

Quanto ao tempo de diagnóstico, a média foi de 11,2 meses (DP=12,9), com mediana de seis meses, sendo o menor tempo um mês e o maior, 48 meses. Apenas oito (16%) tinham o diagnóstico há dois ou mais anos. Em média, no momento da entrevista, o tempo de internação era de 4,3 dias (DP= 6,3), com mediana de dois dias, sendo o menor tempo um dia e o maior, 41 dias.

O grau de dependência para desempenho das AVD é apresentado na Tabela 1. Em ambas faixas etárias, as crianças eram mais independentes na atividade 'mover-se' e mais dependentes na atividade 'tomar remédio'.

Quanto à magnitude da dependência no conjunto das AVD, os escores transformados em valores de 0 a 10 foram agrupados em faixas conforme apresentado na Tabela 2. Na faixa etária de 3 a 6 anos, a faixa de escore com maior freqüência foi >=5 a <8, (21 ou 72,5%) e na faixa etária de 7 a 10 anos, foi >0 a < 5 (14 ou 66,5%). Portanto, quanto menor a faixa etária, maior é grau de dependência do cuidador.

A comparação entre a intensidade de dependência de acordo com a faixa etária e a AVD nas atividades 'banhar-se', 'vestir-se', 'arrumar-se', 'alimentar-se' e 'ir ao banheiro' as crianças da faixa etária de 3 a 6 anos tiveram maior grau de dependência (p<0,05), isto é, mais freqüentemente o cuidador ajudava ou executava estas atividades. Quanto a 'mover-se' e 'tomar remédio', os grupos de menor e maior faixa etária não diferiam quanto à intensidade de dependência.

Os cuidadores receberam maior ajuda nas atividades domésticas e de cuidado com outros filhos, após a internação (Tabela 3). No entanto, passaram a ter menor ajuda no cuidado com a criança doente. Evidencia-se ainda que, antes da internação, a ajuda recebida de outros foi percebida como parcial (escore em torno de 5,0 ou menos).

Os aspectos da vida do cuidador afetados pelo cuidar são apresentados na Tabela 4. Vale ressaltar que todos os cuidadores relataram algum grau de prejuízo, em pelo menos dois aspectos de sua vida, dentre os 13 analisados.

Foi referido prejuízo no trabalho pelos 17 cuidadores que tinham esta atividade quando a criança adoeceu e todos disseram que era muito difícil conciliar as atividades de cuidado e de trabalho. Todos os seis cuidadores que eram estudantes tiveram que parar de estudar, temporariamente. O sono foi o aspecto da vida ao qual mais freqüentemente foi atribuído algum grau de prejuízo, sendo que para 80,9% (38) o sono era mais prejudicado durante a internação. No que se referia às atividades de lazer, o comentário mais freqüente era que o prejuízo aumentava à medida que se tornavam mais freqüentes as internações e ou diminuíam as defesas imunológicas da criança, impedindo o contato social. O humor foi prejudicado porque aumentaram os problemas. A vida sexual foi afetada porque "não há clima para ter relação sexual".

Para 36% (13), o apetite foi prejudicado porque não gostavam da comida do hospital. Quanto aos planos para o futuro, todos comentaram que o futuro "parou", porque "não se planeja mais o futuro, agora se vive o presente". A saúde dos cuidadores foi prejudicada, porque a doença da criança acarreta muito desgaste físico e mental. O cuidado pessoal foi afetado porque "o dia passa muito corrido" pelo grande número de atividades e não dá tempo e ou se perde a vontade de se arrumar. Quanto à vida social, durante a internação, diminui o contato com outras pessoas e apenas interagem com os outros cuidadores (mães e pais) e fora do período de internação, em decorrência das defesas imunológicas diminuídas, é necessário reduzir visitas, passeios e outras atividades. Quanto ao relacionamento familiar, embora se sentissem prejudicados quanto a este aspecto, afirmaram que melhorou o relacionamento e a família se "aproximou" mais. Por outro lado, o número elevado de internações prejudicava o contato com os familiares, acarretando saudade e preocupação. Para cinco deles (26,3%), aumentaram os conflitos na família. O cuidado espiritual foi o aspecto menos prejudicado, afirmaram que aumentou mais a fé e passaram a buscar mais a Deus.

4. DISCUSSÃO

Os resultados obtidos nesta pesquisa possibilitam uma ampla discussão sobre como as atividades de cuidar afetam a vida dos cuidadores de crianças com câncer.

Em relação ao grau de dependência do cuidador, a necessidade de cuidados pessoais e as atenções constantes estão vinculadas à relação de dependência com o paciente. É ele que está alerta para que todas as necessidades da criança sejam atendidas. O cuidador transmite segurança, proteção, bem-estar ao ser cuidado(13).

A fragilização e o sofrimento que o tratamento e a doença desencadeiam na criança tornam-na mais dependente(6).

A extrema dependência dos receptores de cuidado exige dos cuidadores um gasto muito grande de energia(14). O estresse do cuidador está relacionado com a quantidade de tarefas que envolvem o cuidado e os sentimentos envolvidos neste processo. Alguns autores ressaltam a relação existente entre as necessidades de cuidados do doente e as respostas que o cuidador atribui ao atender estas necessidades(15).

Constatou-se que a intensidade de dependência estava relacionada com a idade da criança. Sabe-se que, na faixa etária de 3 a 6 anos, a criança ainda é dependente para desempenhar as AVD. Quando somado a isso, há um quadro de doença grave, causa uma sobrecarga para o cuidador. A faixa etária do receptor de cuidados deve, portanto, ser considerada ao se avaliar as implicações do cuidar na vida do cuidador.

Os suportes informais aparecem como suportes afetivos e como ajuda nas tarefas domésticas e nas horas mais críticas. A ajuda dos familiares é maior, quando estes moram na propriedade ou próximos do paciente. Mesmo assim, o ônus de cuidar resta a quem, de fato, assumiu esta responsabilidade. O cuidador aceita passivamente a falta de disponibilidade dos familiares, porque considera que a responsabilidade do cuidar é exclusivamente sua, mas os familiares acabam opinando, quando ocorre a necessidade de alguma mudança no tratamento(16). Vários estudos enfatizam a importância de apoio para os cuidadores. Os cuidadores que receberam afeto possuem menos probabilidade de se "despersonalizar"(14). A falta de suporte familiar desencadeia esgotamento físico e mental no cuidado(16). No presente estudo, os cuidadores receberam mais ajuda nas tarefas durante o período da internação e a ajuda recebida foi nas atividades domésticas e cuidado com outros filhos. O cuidado com a criança doente poucas vezes era delegado e quando isto ocorria, era assumido pelo esposo (a) ou mãe do cuidador. Antes da internação, quando o cuidador estava em casa, a ajuda era parcial; ou seja, o cuidador acabava assumindo grande parte das tarefas domésticas, cuidados com outros filhos, além de cuidar da criança doente. Além disso, observou-se, durante as entrevistas, que os cuidadores, em particular as mulheres, mesmo recebendo ajuda continuavam a se sentir responsáveis por outras tarefas como o serviço doméstico e o cuidado com os outros filhos.

Percebeu-se que foram afetadas diversas áreas da vida do cuidador, pois, para cuidar da criança, ele acabava abrindo mão do trabalho, estudo, das horas de sono, da vida social, do seu lazer, prazer, da vida familiar e do seu cuidado pessoal.

Os prejuízos na vida profissional relatados foram o medo de perder o emprego e o fato de não poder mais ajudar na renda familiar, no momento em que os gastos da família aumentaram muito. Os cuidadores manifestaram muita preocupação referente a este aspecto, em razão das dificuldades de conciliar as atividades do cuidar com o trabalho fora do lar. Dos 17 cuidadores que trabalhavam fora, seis (35,3%) deles representavam a principal fonte de renda da família.

No presente estudo, a maioria relatou prejuízo no sono e lazer (94 e 90% respectivamente). Pesquisas demonstram que administrar o tempo e reduzir a tensão são as principais preocupações dos cuidadores, porque as atividades de cuidar impedem o cuidado pessoal e o lazer ou acarretam dificuldades em aceitar o lazer sem sentir culpa, pois renunciar às responsabilidades de cuidado para realizar seus interesses próprios é intolerável(17) .

O relacionamento conjugal também foi afetado. Muitos relataram que quase não se encontravam com seus companheiros (as). Alguns conflitos em decorrência disto foram citados: dois casos de separação do casal depois do surgimento da doença; muitas cobranças, tanto pelos acontecimentos com a criança, como pela falta de atenção dedicada ao companheiro.

O relacionamento sexual foi afetado para 80% dos cuidadores que relataram não ter tempo para pensar em sexo, não ter clima nem vontade para ter relações sexuais. Durante as entrevistas,percebeu-se uma relação de culpa como se pensar em sexo fosse proibido: como ter prazer se o filho estava doente? Outros autores também citam estas questões de interferência no relacionamento conjugal e afirmam a importância de aconselhamentos para quebra destes tabus(17). Estas questões são relevantes e devem ser mais bem investigadas.

Os dois homens que possuíam companheiras neste estudo, quando questionados sobre o relacionamento sexual, confirmaram ser muito importante. Um deles relatou que não afetou em nada e que, quando estava em casa para ele estava "tudo normal". O outro afirmou que prejudicou muito e reclamou pelo fato de estar longe da esposa e que, mesmo com as preocupações da doença, se ela estivesse perto isto não seria problema. Talvez este fato seja em decorrência das diferentes formas do homem e da mulher encararem a sexualidade: percebe-se que as mulheres deixaram os problemas externos afetarem estas questões, já os homens não.

O surgimento da doença altera também os projetos de vida da família, principalmente quando o indivíduo atingido é a criança, pois é nesta criança que os pais apostam seu futuro, os seus sonhos. Os casais depositam em seus filhos expectativas de realizarem aquilo que não conseguiram, buscam oferecer condições a que não tiveram acesso, enfim, é como se acreditassem que tudo pode ser diferente.

Um estudo realizado com cuidadores de pessoas que tiveram acidente vascular cerebral demonstrou que os projetos de vida destes cuidadores, no trabalho e na vida pessoal, foram adiados ou modificados, o que levou o autor a concluir que o cuidar absorve subjetivamente e objetivamente o cotidiano do cuidador(16).

No presente estudo, estas questões ficaram bem evidentes. A vida se transformou e novos contextos e conceitos passaram a fazer parte do cotidiano destes cuidadores. Isto se torna evidente através dos relatos, quando questionados sobre os prejuízos que o tratamento da criança com câncer ocasionou em suas vidas.

... A minha vida parou. Os planos continuam. O mais difícil é esta fase. (C1)

... não tem mais planos, a gente está vivendo cada dia, cada momento, não pode fazer planos, o futuro vai levando. (C7)

... Eu não consigo mais planejar nada. Será que ela vai reagir? Será que ela vai andar? O tempo todo é só cuidando dela. (C14)

... Tudo isto que a gente passa faz a gente aprender muito, passa a dar mais valor à vida, às coisas. Ter isto ou aquilo passou a ser menos importante. (C29)

... Pretendia trabalhar, ter uma casa e dar condição melhor de vida para minha família. Só que tudo foi por água abaixo, hoje eu perdi meu emprego. (C.36)

Quanto aos prejuízos na saúde dos cuidadores causados pela atividade de cuidar, os cuidadores citaram como maiores complicações na saúde: pele descamando (1), distúrbios hormonais (2), varizes (1), hérnia de disco (1), gastrite nervosa (2), anemia (2), dores no corpo (3), hipertensão (4), dores de cabeça (2), depressão (2), reumatismo (1), labirintite (1), sinusite (1), rinite alérgica (1), arritmia cardíaca (1), sopro cardíaco (1) e trombose (1).

Esses resultados estão de acordo com o que é relatado na literatura. É preciso avaliar os cuidadores de pessoas com câncer, principalmente quando muitas tarefas de cuidado estão envolvidas, porque isto pode afetar tanto a saúde física como a emocional de ambos. Tem sido relatada associação do estado de saúde do cuidador com o curso da doença do paciente, e que este fato torna o cuidador vulnerável e, portanto, necessitado de apoio(16).

A fé, a religiosidade, a busca de um Ser superior foi o hábito menos prejudicado no presente estudo. Apenas dois cuidadores relataram ter sua fé abalada, quando seus filhos tiveram recaída da doença. Os comentários mais freqüentes foram que, com o surgimento da doença, a fé aumentou e que passaram a buscar mais a presença de Deus em suas vidas por meio de orações, independente de religião ou crença. Também atribuíram a Deus as forças que estavam tendo.

As questões da religiosidade e da fé estão muito presentes na vida das pessoas, principalmente nos momentos mais difíceis. Vários estudos relatam a importância da espiritualidade, os cuidadores entrevistados "agarram-se a Deus" para superar suas dificuldades(16). Um estudo sobre o cuidado espiritual para a criança com câncer, descreve os benefícios da espiritualidade para a criança e para os familiares e os autores afirmam que a espiritualidade deveria ser experimentada quanto mais cedo possível nas relações entre criança e familiares, porque a espiritualidade se embasa nos sentimentos de confiança e amor, que são pré-requisitos para o desenvolvimento de uma relação com o Ser supremo(18).

Esses fatos levam- nos a refletir quão amplo é nosso papel na detecção das necessidades espirituais dos cuidadores. Alguns autores pontuam a necessidade de apoio espiritual ao cuidador, para permitir expressar frustrações, preocupações, tristeza, raiva e sentimentos de culpa e enfatizam a importância do enfermeiro em indagar os cuidadores sobre estas questões, bem como implementar apoio aos pacientes e familiares(18).

5. CONCLUSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que os cuidadores de crianças com câncer demonstram sérios prejuízos na sua vida.

Frente aos resultados encontrados neste estudo recomenda-se que:

- As instituições que acompanham pacientes com câncer tenham grupos de suporte para familiares, acompanhados por equipe multiprofissional. Estes grupos poderiam realizar atividades de terapia ocupacional; apoio espiritual; orientações sobre a doença, tratamento e cuidados; e incluir depoimentos de pessoas que superaram seus problemas e troca de experiências entre os cuidadores. Promover reuniões sobre questões relativas ao cuidado e educação de crianças, como a necessidade de impor limites, de demonstrar afeto e promover estímulo, para que os efeitos negativos do tratamento possam ser superados ou, ao menos, amenizados.

- A equipe multiprofissional deve assistir o cuidador no sentido de conscientizá-lo sobre a importância de dividir responsabilidades, de aceitar apoio da família, amigos e vizinhos para diminuir a sobrecarga que ele assume. Também é essencial orientar os integrantes do núcleo familiar sobre a necessidade de revezamento. É importante ainda, enfatizar a necessidade do lazer e de vivência da sexualidade sem sentimentos de culpa.

- Seja utilizada para determinação do diagnóstico de 'tensão devida ao papel de cuidador' e 'risco para tensão devida ao papel de cuidador' a avaliação dos aspectos de vida do cuidador, pois estes podem contribuir na confirmação da presença ou não destes diagnósticos.

Submissão: 13/12/2006

Aprovação: 21/08/2007

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  • Cuidadores de crianças com câncer: aspectos da vida afetados pela atividade de cuidador

    Caregivers of children with cancer: aspects of life affectcet by the caregiver role
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Jan 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Aceito
      21 Ago 2007
    • Recebido
      13 Dez 2006
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