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Organização associativa da enfermagem: lutas pelo reconhecimento social da profissão (1943-1946)

RESUMO

Objetivos:

Descrever as circunstâncias que determinam a criação da Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas Seção do Distrito Federal e analisar as implicações dessa criação para a reorganização do campo da enfermagem.

Método:

Estudo qualitativo, sócio-histórico, documental. A análise gerou a seguinte categoria: Criação de um novo grupo para garantir a unidade: Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas Seção do Distrito Federal.

Resultados:

A crise econômica, decorrente da Segunda Guerra Mundial, a criação da Associação Paulista de Enfermeiras Diplomadas e o aumento do número de escolas de enfermagem no país foram determinantes para que a Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas reformulasse seu estatuto, de modo a garantir sua unidade.

Considerações finais:

A criação da Seção do Distrito Federal consistiu em uma das estratégias da associação para reorganizar o campo da enfermagem, de modo a assegurar o reconhecimento da profissão pela sociedade.

Descritores:
História da Enfermagem; Sociedades; Associações; Educação; Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

To describe the circumstances that determine the creation of the Brazilian Association of Graduate Nurses of the Federal District Section and analyze its implications for the reorganization of the field of nursing.

Method:

Qualitative, socio-historical, documentary study. The analysis generated the following category: Creation of a new group to guarantee unity: Brazilian Association of Graduate Nurses in the Federal District Section.

Results:

The economic crisis resulting from the Second World War, the creation of the Paulista Association of Graduate Nurses and the increase in the number of Schools of Nursing in the country were decisive for the Brazilian Association of Graduate Nurses to reformulate its statute as to guarantee its unit.

Final considerations:

The creation of the Federal District Section consisted of one of the strategies of the Association to reorganize the field of nursing, in order to ensure the recognition of the profession by the society.

Descriptors:
History of Nursing; Societies; Associations; Education; Nursing

RESUMEN

Objetivos:

Describir las circunstancias que determinaron la creación de la Asociación Brasileña de Enfermeras Diplomadas Sección del Distrito Federal, y analizar las implicaciones del acto en la reorganización del área de enfermería.

Método:

Estudio cualitativo, sociohistórico, documental. El análisis generó la siguiente categoría: Creación de un nuevo grupo para garantizar la unidad: Asociación Brasileña de Enfermeras Diplomadas Sección del Distrito Federal.

Resultados:

La crisis económica determinada por la Segunda Guerra Mundial, la creación de la Asociación Paulista de Enfermeras Diplomadas y el incremento del número de escuelas de enfermería fueron determinantes para que la Asociación Brasileña de Enfermeras Diplomadas reformulase su estatuto, apuntando a garantizar su unidad.

Consideraciones finales:

La creación de la Sección del Distrito Federal consistió en una de las estrategias de la asociación para reorganizar el área de enfermería, de manera de asegurar el reconocimiento de la profesión por parte de la sociedad.

Descriptores:
Historia de la Enfermería; Sociedades; Asociaciones; Educación; Enfermería

INTRODUÇÃO

O objeto do presente estudo consiste na luta simbólica pela unidade da Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas (ABED), mediante a criação da Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas Seção do Distrito Federal, que era um núcleo da Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas, ambas, à época, localizadas na cidade do Rio de Janeiro. A Seção do Distrito Federal recebeu essa denominação porque, no período de sua criação, o Rio de Janeiro era a capital federal. O recorte temporal abrange o período de 1943 a 1946. O ano de 1943 corresponde ao início da gestão (1943-1945) da presidente, da então denominada ABED, Zaíra Cintra Vidal(11 Vidal ZC. Atividades da Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas, no período de 1 de setembro de 1943 a 31 de agosto de 1945. Relatório. Rio de Janeiro, 1945. Relatório. Mimeografado. In: Centro de Memória da Associação Brasileira de Enfermagem: Caixa 4. Data Limite: 1943-1945. Gestão Zaíra Cintra Vidal (1º gestão). 001 Organização e Funcionamento.). O marco final, 1946, representa o ano de criação da Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas Seção do Distrito Federal, resultado das lutas havidas na gestão da mencionada presidente.

O movimento para criação de uma associação se deu por iniciativa das primeiras diplomadas (1925 e 1926) da Escola de Enfermeiras Dona Ana Neri (EAN), que desejavam criar uma associação de antigas alunas da Escola(22 Carvalho AC. Associação Brasileira de Enfermagem: 1926-1976: documentário. 2 ed. Brasília: ABEn Nacional; 2008.

3 Silva NAR, Santos RMS, Macedo AC, Costa LMC, Santos JFE. [The struggle for civil organization of nursing of the Alagoas: the creation of Brazilian Association of Nursing-AL (1962-1965)]. Hist enferm Rev Eletron[Internet]. 2015 [cited 2015 Oct 22];6(1):21-36. Available from: http://here.abennacional.org.br/here/2_AO_05015_MM.pdf Portuguese.
http://here.abennacional.org.b...
-44 Malta DV, Santos TCF, Pereira LA, Gomes MLB, Lopes GT, Oliveira AB. Survey of resources and needs of the professional nursing practice in Brazil: strategies for its implementation. Esc Anna Nery Rev Enferm[Internet]. 2014[cited 2015 Jul 12];18(3):472-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v18n3/en_1414-8145-ean-18-03-0472.pdf.
http://www.scielo.br/pdf/ean/v18n3/en_14...
). Durante o curso, as alunas participavam da Associação do Governo Interno de Alunas (AGIA), onde, provavelmente, a ideia da criação de uma associação de ex-alunas foi germinada, pois, quando elas se formassem, não poderiam mais participar da AGIA(22 Carvalho AC. Associação Brasileira de Enfermagem: 1926-1976: documentário. 2 ed. Brasília: ABEn Nacional; 2008.,55 Cabral IE, Almeida Filho AJ. 85 years of ABEn® and 80 of REBEn® promoting the scientific and professional development of Brazilian Nursing. Rev Bras Enferm[Internet]. 2013[cited 2015 Nov 03];66(spe):13-23. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v66nspe/v66nspea02.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reben/v66nspe/v...
). Então, a ideia foi concretizada em 12 de agosto de 1926, quando a Associação foi fundada no Rio de Janeiro, então capital federal, com a denominação de Associação Nacional de Enfermeiras Diplomadas (ANED)(22 Carvalho AC. Associação Brasileira de Enfermagem: 1926-1976: documentário. 2 ed. Brasília: ABEn Nacional; 2008.), ampliando o intuito inicial de criação de uma associação de ex-alunas da escola para uma associação de enfermeiras e, portanto, de âmbito nacional(66 Carvalho V. Sobre a Associação Brasileira de enfermagem: 85 anos de história: pontuais avanços e conquistas, contribuições marcantes, e desafios. Rev Bras Enferm[Internet]. 2012[cited 2014 Oct 15];65(2):207-14. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v65n2/v65n2a02.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reben/v65n2/v65...
).

Ao longo de sua trajetória, a Associação passou por algumas modificações em sua denominação. Em 1928, a ANED, no intuito de atender as exigências necessárias à filiação ao Conselho Internacional de Enfermeiras (CIE), alterou sua denominação para Associação Nacional de Enfermeiras Diplomadas Brasileiras (ANEDB)(77 Santos TCF. [The ABEn and the professional memory preserving: the Brazilian Nursing Memory Centre implantation]. Rev Bras Enferm [Internet]. 2013[cited 2015 Oct 15];66(spe):165-70. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v66nspe/v66nspea21.pdf Portuguese.
http://www.scielo.br/pdf/reben/v66nspe/v...
). Em 1944, houve uma reorganização na Associação, quando esta teve seu nome novamente modificado, passando a denominar-se Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas (ABED), sendo este o nome da Associação no período compreendido pelo recorte temporal desse estudo; por esse motivo, doravante a Associação será tratada por essa denominação. Em 1954, a ABED passou a denominar-se Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn), sendo esta sua denominação atual.

Com a eclosão da segunda guerra mundial, em 1939, e seu desenvolvimento nos anos posteriores, a ABED não esteve imune às suas repercussões e enfrentou dificuldades como o baixo número de associadas e também com a sua revista, Annaes de Enfermagem, criada em 1932(88 Pereira LA, Santos TCF. The pioneering role of the brazilian nursing association in research development: from the journal to the research center. Esc Anna Nery Rev Enferm[Internet]. 2013[cited 2015 Oct 15];17(3):526-33. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v17n3/en_1414-8145-ean-17-03-0526.pdf
http://www.scielo.br/pdf/ean/v17n3/en_14...
-99 Garcia TR. Conquistas da REBEn. Rev Bras Enferm [Internet]. 2011[cited 2015 Oct 18];64(5):807-7. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v64n5/en_a01v64n5.pdf
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), a qual teve sua publicação interrompida(22 Carvalho AC. Associação Brasileira de Enfermagem: 1926-1976: documentário. 2 ed. Brasília: ABEn Nacional; 2008.). A revista Annaes de Enfermagem, em 1946, passou a ser denominada Anais de Enfermagem e, em 1955, Revista Brasileira de Enfermagem, atual denominação.

Diante dessas dificuldades a presidente Zaíra Cintra Vidal juntamente com as enfermeiras Marina Bandeira de Oliveira e Rosaly Rodrigues Taborda apresentaram, em 1944, propostas que viabilizassem a reorganização e o reerguimento da associação. Tais propostas culminaram na elaboração de um novo estatuto nesse mesmo ano. Não obstante, as mudanças em prol da reorganização da associação continuaram mesmo após a elaboração desse estatuto(22 Carvalho AC. Associação Brasileira de Enfermagem: 1926-1976: documentário. 2 ed. Brasília: ABEn Nacional; 2008.), pois as discussões sobre a criação de seções da Associação, iniciadas anteriormente, continuaram e intensificaram, conforme evidenciadas no relatório de gestão de Zaíra Cintra Vidal.

Zaíra Cintra Vidal, em viagem aos Estados Unidos, entre 1943 e 1944, para realização de curso de aperfeiçoamento, teve a oportunidade de visitar a American Nurses Association (ANA) e, por meio da observação do modelo de associação americano, que contava com associações estaduais, percebeu que seria impossível congregar todos os enfermeiros em uma só associação, como era o caso do Brasil. Entretanto, antes que a proposta de criação de seções fosse discutida e entrasse em vigor oficialmente no estatuto da ABED — o que viria a acontecer somente em 1946 —, um grupo de enfermeiras mobilizou-se para a criação de uma seção estadual autônoma, lideradas pela Escola de Enfermagem de São Paulo, atual Escola de Enfermagem da USP (EEUSP), criada pelo Decreto-Lei Estadual nº 13.040, de 31 de outubro de 1942(22 Carvalho AC. Associação Brasileira de Enfermagem: 1926-1976: documentário. 2 ed. Brasília: ABEn Nacional; 2008.).

Em São Paulo, os primeiros movimentos para criação de uma associação estadual se deram em 1942, porém a ideia não foi concretizada nesse momento, sendo as atividades nesse sentido retomadas em 1944. Nesse mesmo ano, foi enviado à ABED uma proposta de estatuto da Associação Paulista de Enfermeiras Diplomadas. Segundo Carvalho(22 Carvalho AC. Associação Brasileira de Enfermagem: 1926-1976: documentário. 2 ed. Brasília: ABEn Nacional; 2008.), esse estatuto foi aprovado, não especificando o local de aprovação, e as atividades dessa associação se iniciaramno ano seguinte, em 1945.

O movimento das enfermeiras paulistas, lideradas por Edith de Magalhães Fraenkel, supunha a intenção dessas enfermeiras de criar uma Associação independente da ABED, que nesse momento vinha apresentando sérias dificuldades; e, como demonstrado nas palavras e ações de sua Presidente, Zaíra Cintra Vidal, a associação precisava de um reerguimento. No entanto, nem todas as enfermeiras paulistas pensavam dessa forma, a exemplo de Haydée Guanais Dourado, que defendeu a criação de uma seção da ABED em São Paulo, e não uma “Associação de Enfermeiras Paulistas” filiada à ABED(22 Carvalho AC. Associação Brasileira de Enfermagem: 1926-1976: documentário. 2 ed. Brasília: ABEn Nacional; 2008.,1010 Mancia JR, Padilha MICS. [The trajectory of Edith Magalhães Fraenkel]. Rev Bras Enferm[Internet]. 2006 [cited 2014 Aug 12];59(esp):432-7. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v59nspe/v59nspea09.pdf Portuguese.
http://www.scielo.br/pdf/reben/v59nspe/v...
).

Diante dessa situação, a diretoria da ABED percebeu a necessidade de uma nova modificação no estatuto no intuito de acrescentar as disposições acerca da criação de seções, sendo as mesmas incorporadas em 1946. Como resultado das discussões, a proposta aprovada e incluída no estatuto da ABED, em 1946, foi a defendida por Haydée Guanais Dourado, à época, sócia-fundadora da Seção de São Paulo e docente da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo (EEUSP), em defesa de se manter o nome da Associação acrescido das seções correspondentes ao estado, para que, desse modo, fosse assegurada a unidade da ABED(22 Carvalho AC. Associação Brasileira de Enfermagem: 1926-1976: documentário. 2 ed. Brasília: ABEn Nacional; 2008.,1111 Arone EM, Ferreira ETR, Canavezzi R, Chaccur MIB. Associação Brasileira de Enfermagem: seção São Paulo notas sobre as contribuições para a enfermagem brasileira. Rev Bras Enferm[Internet]. 2001[cited 2015 Oct 15];54(2):364-81. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v54n2/v54n2a25.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reben/v54n2/v54...
-1212 Barreira IA, Baptista SS. [Haydée Guanais Dourado: charisma and personality towards an ideal]. Rev Bras Enferm[Internet]. 2002[cited 2015 Jun 23];55(3):275-92. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v55n3/v55n3a07.pdf Portuguese.
http://www.scielo.br/pdf/reben/v55n3/v55...
).

Assim, juntamente à aprovação dessas decisões no estatuto, foi criada, em reunião no dia 7 de novembro de 1946, a Seção do Distrito Federal (Rio de Janeiro), portanto a segunda seção a ser criada da ABED. Diferentemente da Seção de São Paulo, a Seção do Distrito Federal se deu como consequência da proposta de criação de seções, que vinha sendo estudada durante a gestão da Presidente Zaíra Cintra Vidal e que, finalmente, transformou-se em realidade por meio do estatuto de 1946(22 Carvalho AC. Associação Brasileira de Enfermagem: 1926-1976: documentário. 2 ed. Brasília: ABEn Nacional; 2008.).

Dessa forma, no âmbito da reunião de criação da Seção do Distrito Federal, foi eleita a primeira diretoria, composta por: Rosaly Rodrigues Taborda, presidente; Maria de Castro Pamphiro, vice-presidente; Lizelotte Hischel, secretária e; Annita Dourado Teixeira, tesoureira. Ainda em 1946, foi criada outra seção da ABED, a Seção da Amazônia, com sua sede em Belém do Pará. Essa seção abrangia os estados do Amazonas, Pará, Maranhão e territórios do Norte (Amapá, Acre e Guaporé)(22 Carvalho AC. Associação Brasileira de Enfermagem: 1926-1976: documentário. 2 ed. Brasília: ABEn Nacional; 2008.).

Diante da situação apresentada os objetivos do estudo são: descrever as circunstâncias que determinam a criação da Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas Seção do Distrito Federal e analisar as implicações dessa criação para a reorganização do campo da enfermagem.

Vale ressaltar que o estudo se justifica pela importância da Associação Brasileira de Enfermagem não somente por sua relevante contribuição ao desenvolvimento da enfermagem, mas também pelo reconhecimento desta entidade como lugar de memória da enfermagem brasileira.

MÉTODO

Aspectos éticos

No que concerne aos aspectos éticos, o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery/Hospital Escola São Francisco de Assis (EEAN/HESFA), em 28 de abril de 2015, atendendo ao previsto na Resolução nº 466 de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde.

Tipo de estudo

Trata-se de um estudo qualitativo, sócio-histórico do tipo documental. As fontes primárias estão constituídas de documentos escritos como: o Estatuto da ABED (1947), Relatórios de Atividades de gestões da ABED e Seção do Distrito Federal, cópia do Regimento Interno da Seção do Distrito Federal e exemplares de Anais de Enfermagem das décadas de 1940 e 1950. Ainda faz parte do corpus documental do estudo o Documentário da ABEn (1926-1976), produzido por Anayde Correia de Carvalho, que apresenta informações de relação direta com o objeto de estudo.

Procedimentos metodológicos

Acervos históricos

A produção dos dados ocorreu no período de maio a novembro de 2015. O universo documental referente ao tema em estudo foi localizado nos seguintes acervos: Centro de Documentação (CDOC) da Escola de Enfermagem Anna Nery da Escola de Enfermagem Anna Nery / Universidade Federal do Rio de Janeiro; Centro de Memória da Enfermagem Brasileira, localizado na sede da ABEn Nacional, em Brasília; e nos arquivos da Associação Brasileira de Enfermagem Seção Rio de Janeiro. Nesses acervos, a escolha do universo documental foi orientada pelos objetivos da pesquisa.

Devido ao fato de que cada pesquisa em especial possibilita ao pesquisador fazer escolhas diante de alternativas de universos documentais(1313 Barros JD. A fonte histórica e seu lugar de produção. Cad Pesq. Cdhis, Uberlândia [Internet]. 2012 [cited 2016 Oct 2];25(2):407-29. Available from: http://www.seer.ufu.br/index.php/cdhis/article/view/15209/11834
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), o conjunto de documentos identificados foi submetido a análise de adequação, com vistas a verificar se tais documentos estão sintonizados com o problema histórico proposto e os objetivos traçados. Posteriormente, procedeu-se à constituição do corpus documental, ou seja, à seleção das fontes históricas aptas a fornecerem informações e evidências passíveis de interpretação historiográfica. A constituição do corpus documental atendeu aos seguintes critérios: pertinência, suficiência, exaustividade, representatividade e homogeneidade.

Após a constituição do corpus documental, os documentos foram submetidos à análise interna e externa. A análise externa voltou-se ao exame da autenticidade do documento, examinando se o texto era original ou cópia, verificando sua procedência ou autoria, excluindo-se qualquer fonte cuja legitimidade fosse duvidosa. Já a análise interna cuidou da avaliação do peso e valor das provas, sob o ponto de vista do conteúdo, de modo a apreender o significado da informação contida no documento, a fim de determinar sua autenticidade e fidedignidade(1414 Padilha MICS, Borenstein MS. O método de pesquisa histórica na enfermagem. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2005[cited 2014 Apr 17];14(4):575-584. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v14n4/a15v14n4.pdf
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15 Abreu MSA, Haddad VCN, Costa LMC, Teixeira KRB, Peres MAA, Santos TCF. First officer nurses of the military police of the state of Rio de Janeiro (1994-1995): incorporation of military habitus. Esc Anna Nery Rev Enferm[Internet]. 2015[cited 2015 Dec 20];19(4):535-41. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v19n4/en_1414-8145-ean-19-04-0535.pdf
http://www.scielo.br/pdf/ean/v19n4/en_14...
-1616 Teixeira KRB, Peres MAA, Pereira LA, Costa LMC, Haddad VCN, Santos TCF. Segundo seminário nacional de pesquisa em enfermagem: prioridades de linhas de pesquisa na área (1982). Hist Enferm Rev Eletron[Internet]. 2016 [cited 2017 Jan 15];7(2):440-8. Available from: http://here.abennacional.org.br/here/2a06.pdf
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). Vale dizer que, por meio desse processo, “o historiador determina as evidências históricas nas quais se apoiará para interpretar ou comprovar suas hipóteses”(1414 Padilha MICS, Borenstein MS. O método de pesquisa histórica na enfermagem. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2005[cited 2014 Apr 17];14(4):575-584. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v14n4/a15v14n4.pdf
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).

Análise de dados

Na análise dos dados, o primeiro passo considerado foi o lugar de produção relacionado à fonte histórica, “um contexto complexo que produz o documento em sua monumentalidade”(1313 Barros JD. A fonte histórica e seu lugar de produção. Cad Pesq. Cdhis, Uberlândia [Internet]. 2012 [cited 2016 Oct 2];25(2):407-29. Available from: http://www.seer.ufu.br/index.php/cdhis/article/view/15209/11834
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), e para tal consideração, a contextualização do documento foi aspecto fundamental para a análise das evidências oriundas dos dados. Na compreensão desse contexto em todas as suas implicações, foi adotada a concepção de que “todo texto, seja qual ele for, tem um emissor (aquele que produz o texto), um objeto (a mensagem que é transmitida) e um receptor (aquele a quem a mensagem se destina)”(1313 Barros JD. A fonte histórica e seu lugar de produção. Cad Pesq. Cdhis, Uberlândia [Internet]. 2012 [cited 2016 Oct 2];25(2):407-29. Available from: http://www.seer.ufu.br/index.php/cdhis/article/view/15209/11834
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).

Em continuidade, as fontes foram lidas, e, com base na interpretação dos achados, foram elaborados textos explicativos a partir de análise da unidade de contexto, situando o acontecimento social (ABED) no contexto sociocultural, tendo em vista superar a mera descrição, para alcançar nível analítico. Nesse intuito, procurou-se fazer a triangulação do contexto histórico, das estruturas sociais dominantes no campo e das fontes. Especificamente, a análise das lutas simbólicas empreendidas pelas enfermeiras da ABED pelo reconhecimento da profissão na sociedade envolveu a triangulação entre o contexto histórico, as estratégias de luta empreendidas por elas e as estruturas da associação.

Considerando também que o presente estudo está imbricado com o processo sócio-histórico de constituição de grupos sociais de enfermeiras, a análise dos dados foi fundamentada no entendimento do campo sociológico a partir dos conceitos de habitus, campo, capital, poder e luta simbólica desenvolvidos por Pierre Bourdieu. Tais conceitos foram úteis ao entendimento do processo de constituição de um novo grupo cujas enfermeiras receberam de um grupo instituído, qual seja o grupo da ABED, o poder de criá-lo e de falar em nome dele. O referencial metodológico se compõe de fundamentos teóricos oriundos de autores que tratam, em seus estudos, da aplicação do método histórico, consoante os preceitos da História Nova.

Da análise dos achados, emergiram duas categorias: Criação de um novo grupo: Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas Seção do Distrito Federal e Implantação da Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas.

Critérios de inclusão

Os critérios de inclusão das fontes históricas do estudo comportam a seleção de documentos escritos pertencentes ao recorte temporal do estudo cujos conteúdos contemplaram as estratégias da ABED em prol da criação das seções, o funcionamento da Seção do Distrito Federal e suas realizações em prol da enfermagem.

RESULTADOS

Criação de um novo grupo para garantir a unidade: Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas Seção Distrito Federal

A década de 1940 foi muito importante para a organização do ensino da enfermagem no Brasil, pois houve um aumento no número de escolas de enfermagem como consequência da migração de enfermeiras diplomadas, em maior quantidade na região Sudeste do país, e também de grandes investimentos, principalmente os realizados pelo Serviço Especial de Saúde Pública (SESP). Dentre as escolas criadas nesse período, uma viria a se destacar no cenário da enfermagem brasileira, a atual EEUSP, então denominada Escola de Enfermagem de São Paulo(1717 Barreira IA, Sauthier J, Baptista SS. O movimento associativo das enfermeiras diplomadas brasileiras na 1ª metade do século 20. Rev Bras Enferm[Internet]. 2001[cited 2015 Jun 23];54(2)157-73. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v54n2/v54n2a02.pdf
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).

No processo de criação da atual EEUSP, estiveram envolvidas a enfermeira norte-americana Ella Hansejaeger, representante do SESP, e Edith M. Fraenkel. O corpo docente era composto por enfermeiras brasileiras que haviam realizado suas graduações nos Estados Unidos e em escolas nacionais como a EAN; porém, embora enfermeiras diplomadas pela EAN também tenham participado do corpo docente da nova escola, o que de fato ocorreu foi o surgimento de outro modelo de ensino de enfermagem, fora da liderança da “escola-padrão”(66 Carvalho V. Sobre a Associação Brasileira de enfermagem: 85 anos de história: pontuais avanços e conquistas, contribuições marcantes, e desafios. Rev Bras Enferm[Internet]. 2012[cited 2014 Oct 15];65(2):207-14. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v65n2/v65n2a02.pdf
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).

A EEUSP foi a escola que mais recebeu investimentos do SESP devido a fatores como: a localização em um estado de expressivo desenvolvimento econômico e o auxílio da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em se dispor a participar da criação da nova escola de enfermagem(1212 Barreira IA, Baptista SS. [Haydée Guanais Dourado: charisma and personality towards an ideal]. Rev Bras Enferm[Internet]. 2002[cited 2015 Jun 23];55(3):275-92. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v55n3/v55n3a07.pdf Portuguese.
http://www.scielo.br/pdf/reben/v55n3/v55...
). Esse movimento dotava a EEUSP de importante capital simbólico, convertido do capital econômico investido.

Ainda no bojo da expansão de escolas de enfermagem no Brasil, ocorreu, em 1944, na cidade de Niterói, RJ, a criação da Escola de Enfermagem do Estado do Rio de Janeiro (EEERJ), atual Escola de Enfermagem Aurora Afonso Costa, pertencente à Universidade Federal Fluminense; e, em 1948, a criação da Escola de Enfermagem da Prefeitura do Distrito Federal (EEPDF), atual Faculdade de Enfermagem da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

O Rio de Janeiro era o espaço onde “se davam as lutas simbólicas por posições estratégicas dos vários grupos concorrentes” da enfermagem. Nesse espaço, a EAN foi organizada pela Missão Parsons/Fundação Rockfeller, com o intuito de tornar-se um “núcleo de difusão dos ideais americanos”(1717 Barreira IA, Sauthier J, Baptista SS. O movimento associativo das enfermeiras diplomadas brasileiras na 1ª metade do século 20. Rev Bras Enferm[Internet]. 2001[cited 2015 Jun 23];54(2)157-73. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v54n2/v54n2a02.pdf
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). Entretanto, no início do Estado Novo, a Escola mudou de posição, aliando-se àIgreja e ao Governo Vargas. Ademais, as três primeiras escolas criadas após a EAN e a ela equiparadas, em 1942, eram todas de orientação católica(1717 Barreira IA, Sauthier J, Baptista SS. O movimento associativo das enfermeiras diplomadas brasileiras na 1ª metade do século 20. Rev Bras Enferm[Internet]. 2001[cited 2015 Jun 23];54(2)157-73. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v54n2/v54n2a02.pdf
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).

Os grupos de enfermagem, então, eram caracterizados, principalmente, por dois grupos de escolas de enfermagem. Um grupo que adotava “as diretrizes da Igreja de cunho nacionalista e cristão” e o outro “favorável à uma estreita cooperação Brasil–EUA”(1717 Barreira IA, Sauthier J, Baptista SS. O movimento associativo das enfermeiras diplomadas brasileiras na 1ª metade do século 20. Rev Bras Enferm[Internet]. 2001[cited 2015 Jun 23];54(2)157-73. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v54n2/v54n2a02.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reben/v54n2/v54...
). Nessa divisão, encontravam-se Laís Netto dos Reys, diretora da EAN, enquadrada no primeiro grupo; e Edith de Magalhães Fraenkel, diretora da EEUSP, enquadrada no segundo(1717 Barreira IA, Sauthier J, Baptista SS. O movimento associativo das enfermeiras diplomadas brasileiras na 1ª metade do século 20. Rev Bras Enferm[Internet]. 2001[cited 2015 Jun 23];54(2)157-73. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v54n2/v54n2a02.pdf
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). Como resultado dessa divisão, os grupos se dispuseram em oposição no eixo Rio–São Paulo, apresentando posições políticas diferentes.

A reconfiguração do campo da educação em enfermagem ensejada pelo apoio do SESP ameaçou a liderança da EAN, e, certamente, a convocação do Fórum de Diretoras por Laís Netto dos Reys representou uma estratégia de reforçar o status da EAN; isso porque todo campo consiste é um campo de forças e um campo de luta para conservar ou transformar esse campo de força(1818 Bourdieu, P. O Poder Simbólico. São Paulo: Bertrand Brasil; 2006.), ou seja, Laís buscava a conservação da posição de poder da EAN no campo da Enfermagem.

O fórum denominado Reunião de Diretoras de Escolas de Enfermagem aconteceu entre os anos de 1943 e 1946. A intenção era ampliar a participação das enfermeiras brasileiras no processo de reorganização do ensino de enfermagem. O principal ponto de divergência era a questão da equiparação de escolas de enfermagem. Madre Domineuc, da Escola de Enfermagem do Hospital São Paulo, e Edith de Magalhães Fraenkel foram as principais críticas desse processo, corroborando a posição do SESP, que tinha como um de seus objetivos analisar e modificar os critérios adotados para o reconhecimento oficial das escolas de enfermagem, ou seja, a equiparação, até este momento atribuída à EAN pelo Decreto n. 20.109 de 1931(1919 Almeida Filho AJ, Santos TCF, Baptista SS, Lourenço LHSC. Reunião de diretoras de escolas de enfermagem: um cenário de lutas simbólicas no campo da educação em enfermagem (1943-1945). Texto Contexto Enferm[Internet]. 2005 [cited 2015 Mar 23];14(4):528-36. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v14n4/a09v14n4.pdf
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-2020 Santos TCF, Oliveira AB, Gomes MLB, Peres MAA, Almeida Filho AJ, Abrão FMS. Patriotic and religious rituals: contribution to Brazilian and Spanish identity of nurses (1937-1945). Esc Anna Nery Rev Enferm[Internet]. 2013 [cited 2015 Oct 15];17(1):104-10. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v17n1/15.pdf
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).

As oposições manifestadas no campo da educação em enfermagem reverberavam na ABED, pois tanto Laís Netto dos Reys como Edith de Magalhães Fraenkel ocupavam posições de poder e prestígio em importantes instituições de ensino e eram reconhecidas na ABED, cuja presidente, à época, era Edith Fraenkel; e Laís Netto dos Reys, diretora da EAN, berço da ABED. Nesse contexto, a ABED, que havia nascido e mantido seu funcionamento na EAN, deixou suas dependências em 1941, quando se mudou, inicialmente, para o Serviço de Obras Sociais, no centro da cidade do Rio de Janeiro, fundada pela Enfermeira Edith de Magalhães Fraenkel. A saída da Associação das dependências da EAN foi motivo de protesto por parte de Laís Netto dos Reys(22 Carvalho AC. Associação Brasileira de Enfermagem: 1926-1976: documentário. 2 ed. Brasília: ABEn Nacional; 2008.).

Outras mudanças de endereço aconteceram nos anos posteriores, mas, em nenhum momento, a sede deixou a cidade do Rio de Janeiro, como determinava o Estatuto, em seu Artigo 3º, que a ABED deveria ter “sede e foro jurídico na Capital Federal e de duração indeterminada(2121 Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas. Estatuto da Associação Brasileira de Enfermagem, 1947. In: Centro de Memória da Associação Brasileira de Enfermagem: Caixa 03, Estatutos da ABEn (Cópias). Versões anteriores.).

A crise financeira no âmbito da ABED se deu principalmente pelo baixo quantitativo de associadas, que foi agravada durante a Segunda Guerra Mundial. A Presidente Zaíra Cintra Vidal, em reunião realizada em 1944, informou que naquele momento a Associação contava com somente 60 enfermeiras associadas quites com a tesouraria, e que esse baixo número poderia acarretar sua desvinculação do CIE(22 Carvalho AC. Associação Brasileira de Enfermagem: 1926-1976: documentário. 2 ed. Brasília: ABEn Nacional; 2008.). Vale ressaltar que não foi encontrado o número de associadas correspondente ao ano de 1944, porém, no relatório das atividades da ABED apresentado pela Presidente Zaíra ao fim de sua primeira gestão (1943-1945), esse número era de 172 enfermeiras(11 Vidal ZC. Atividades da Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas, no período de 1 de setembro de 1943 a 31 de agosto de 1945. Relatório. Rio de Janeiro, 1945. Relatório. Mimeografado. In: Centro de Memória da Associação Brasileira de Enfermagem: Caixa 4. Data Limite: 1943-1945. Gestão Zaíra Cintra Vidal (1º gestão). 001 Organização e Funcionamento.).

A crise financeira também se refletiu na revista da ABED, a qual apresentava dificuldades na publicação, principalmente devido ao custo do papel para a impressão das edições. Esse papel era importado e representava um custo muito alto para a revista, que, desde sua criação, apresentava irregularidade na publicação. Em 1941, as publicações foram interrompidas, sendo retomadas somente em 1946 e, novamente, com certa irregularidade. Somente em 1948, a revista viria a ser publicada em três edições anuais e regularmente(22 Carvalho AC. Associação Brasileira de Enfermagem: 1926-1976: documentário. 2 ed. Brasília: ABEn Nacional; 2008.).

Em face desse cenário, no ano de 1944, a presidente juntamente com as enfermeiras Marina Bandeira de Oliveira e Rosaly Rodrigues Taborda iniciaram um planejamento no intuito de reorganizar a ABED e fortalecê-la. Tal planejamento culminou na elaboração de um novo estatuto, em 1944, o qual incorporou disposições acerca da criação oficial das divisões de Ensino de Enfermagem e de Enfermagem de Saúde Pública “no intuito de facilitar o estudo e a participação das enfermeiras nos diversos ramos da enfermagem”(22 Carvalho AC. Associação Brasileira de Enfermagem: 1926-1976: documentário. 2 ed. Brasília: ABEn Nacional; 2008.).

As disposições acerca da criação das seções não fizeram parte das modificações incorporadas ao estatuto de 1944. Por isso, dois anos depois, em 1946, no âmbito da segunda gestão de Zaíra Cintra Vidal (1945-1947) na ABED, uma nova reforma no estatuto foi necessária para incorporar, ao principal documento da Associação, uma importante modificação, que seria a inserção das seções. Sendo assim, “o assunto ‘criação de seções ou núcleos’ na ABED foi discutido pela primeira vez ao ser criado o ‘Núcleo do Distrito Federal’, a 7 de novembro de 1946”(22 Carvalho AC. Associação Brasileira de Enfermagem: 1926-1976: documentário. 2 ed. Brasília: ABEn Nacional; 2008.).

No entanto, Zaíra Cintra Vidal, em seu relatório intitulado “Atividades da Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas, no período de 1º de setembro de 1943 a 31 de agosto de 1945” lista os trabalhos que foram executados, ao retornar dos EUA, em março de 1944, e dentre eles, o 11º era “Organizações de Seções Estaduais”(11 Vidal ZC. Atividades da Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas, no período de 1 de setembro de 1943 a 31 de agosto de 1945. Relatório. Rio de Janeiro, 1945. Relatório. Mimeografado. In: Centro de Memória da Associação Brasileira de Enfermagem: Caixa 4. Data Limite: 1943-1945. Gestão Zaíra Cintra Vidal (1º gestão). 001 Organização e Funcionamento.), demonstrando que, mesmo antes de a proposta ser apresentada na reunião de 1946, o assunto já estava sendo estudado dentro da ABED.

A ANA, desde a sua criação em 1896, já apresentava uma preocupação crescente em aumentar o número de enfermeiras licenciadas, já que estas, à época, representavam apenas 10% das enfermeiras atuantes na prática. Nesse sentido, e no intuito de trabalhar de acordo com as leis estaduais para que houvesse um maior controle da prática de enfermagem, foram organizadas as associações estaduais de enfermeiras. As primeiras, em 1901; e, em 1921, a ANA já contava com 43 associações estaduais(2222 American Nurses Association. Historical Review. [Internet]. 2014 [cited 2014 Nov 13]. Available from: http://nursingworld.org/FunctionalMenuCategories/AboutANA/History/BasicHistoricalReview.pdf
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).

É interessante observar que, ao exemplo da ANA, a ABED, que havia sido criada nos moldes americanos, só admitia em seu quadro social enfermeiras diplomadas — portanto, portadoras de títulos de propriedade simbólica, ou seja, de títulos de distinção, os quais representam um capital simbólico. Essa estratégia, utilizada pelas duas associações, caracterizava a formação de uma elite dentro do campo da Enfermagem, que traria mais prestígio e vantagens de reconhecimento, benefícios que são dados aos portadores desse capital simbólico(1818 Bourdieu, P. O Poder Simbólico. São Paulo: Bertrand Brasil; 2006.).

Ao ter contato com essa experiência, Zaíra percebeu a dificuldade de reunir as enfermeiras de todo Brasil em uma só associação, localizada na capital, sobretudo considerando a dimensão territorial do país. Vale ressaltar que, em 1942, um grupo de enfermeiras engajadas com a EEUSP e com o Hospital das Clínicas, em São Paulo, já se articulava para organizar uma Associação de Enfermagem em São Paulo(22 Carvalho AC. Associação Brasileira de Enfermagem: 1926-1976: documentário. 2 ed. Brasília: ABEn Nacional; 2008.). A primeira tentativa data do ano de 1943, como consta no documento da seção “Notas para histórico da ABEn – Seção São Paulo”, porém em nenhuma das duas datas a ideia foi concretizada(1111 Arone EM, Ferreira ETR, Canavezzi R, Chaccur MIB. Associação Brasileira de Enfermagem: seção São Paulo notas sobre as contribuições para a enfermagem brasileira. Rev Bras Enferm[Internet]. 2001[cited 2015 Oct 15];54(2):364-81. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v54n2/v54n2a25.pdf
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).

Esse movimento foi retomado em 1944, quando foi elaborado um estatuto da Associação Paulista de Enfermeiras Diplomadas, o qual foi enviado à ABED para aprovação. A data de aprovação do estatuto da Associação Paulista de Enfermeiras Diplomadas apresenta divergência. Segundo Carvalho(22 Carvalho AC. Associação Brasileira de Enfermagem: 1926-1976: documentário. 2 ed. Brasília: ABEn Nacional; 2008.), Edith Fraenkel, em relatório apresentado por ocasião do I Congresso Nacional de Enfermagem (CNE), informou que o estatuto havia sido aprovado em 1945, sendo as atividades iniciadas em outubro desse ano; entretanto, em publicação da revista Anais de Enfermagem, a data de aprovação do estatuto consta como 18 de setembro de 1946.

No primeiro capítulo do registro do estatuto da Associação Paulista de Enfermeiras Diplomadas, publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo nº 62, no dia 20 de março de 1946, página 26, consta que a Associação Paulista era uma “entidade jurídica filiada à Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas do Rio de Janeiro, mas completamente autônoma e com patrimônio próprio”(22 Carvalho AC. Associação Brasileira de Enfermagem: 1926-1976: documentário. 2 ed. Brasília: ABEn Nacional; 2008.). A ideia de filiação àABED evidencia a disposição de criar uma associação independente, pois “várias vezes na história da Seção aparece a sugestão de transformá-la em associação independente”(1111 Arone EM, Ferreira ETR, Canavezzi R, Chaccur MIB. Associação Brasileira de Enfermagem: seção São Paulo notas sobre as contribuições para a enfermagem brasileira. Rev Bras Enferm[Internet]. 2001[cited 2015 Oct 15];54(2):364-81. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v54n2/v54n2a25.pdf
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).

A denominação da seção, qual seja, “Associação Paulista de Enfermeiras Diplomadas”, também foi objeto de discussão. Essa denominação foi escolhida por Edith de Magalhães Fraenkel, mas Haydée Guanais Dourado, em reunião específica realizada para esse fim, em 1945, mesmo contra a maioria dos presentes, defendeu a denominação de ABED para as seções estaduais. Haydée defendeu que as seções que fossem criadas mantivessem o nome ABED acrescido da palavra “seção” e do nome do estado onde fossem criadas(22 Carvalho AC. Associação Brasileira de Enfermagem: 1926-1976: documentário. 2 ed. Brasília: ABEn Nacional; 2008.).

Dessa forma, segundo Haydée, mediante o nome, isto é, por meio das seções, a Associação teria sua união mantida e sua força aumentada: “foi o uso do nome uno que manteve a força da ABED e sua unidade no trabalho”(22 Carvalho AC. Associação Brasileira de Enfermagem: 1926-1976: documentário. 2 ed. Brasília: ABEn Nacional; 2008.). A manutenção de uma associação estadual independente representava uma ameaça à união das enfermeiras brasileiras, como apresentado pela enfermeira Haydée Guanais Dourado, que corriam o risco de ficar divididas em diferentes associações; então, diante dessa situação, tornava-se necessária uma mudança na estrutura da ABED, para não haver essa divisão.

O acatamento da sugestão de Haydée operou como uma espécie de chamamento à ordem, isso porque a entonação de sua presença, bem como a eficácia simbólica de suas palavras, em face de seu capital simbólico, simbolizava a estrutura social da qual derivava a eficiência de suas próprias palavras. Dito de outra maneira, a força ilocucionária consiste na eficácia simbólica das palavras, mediante a posição relativa do emissor e do receptor na hierarquia do volume e do peso dos diferentes capitais, bem como dos limites inscritos na própria relação(1818 Bourdieu, P. O Poder Simbólico. São Paulo: Bertrand Brasil; 2006.), isso porque o poder que os indivíduos ou grupos detêm é proporcional ao seu capital, ou seja, é conforme ao reconhecimento que recebe do grupo.

É interessante o posto de Zaíra Cintra Vidal, o desócia-fundadora da“Associação Paulista de Enfermeiras Diplomadas”, pois, à época, era presidente da ABED. Esse fato corrobora ainda mais a constatação do pesoda posição que Edith de Magalhães Fraenkel ocupava, no campo da Enfermagem, e mais precisamente dentro da ABED, e isso devido ao acúmulo de seus capitais, bem como de seu habitus adquirido ao longo de sua trajetória na ABED, iniciada no cargo de primeira presidente da Associação.

Em reunião da ABED, realizada em 4 de setembro de 1946, a qual contou com a presença de 27 associadas, o nome da Associação Paulista de Enfermeiras Diplomadas já havia sido mudado para Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas Seção de São Paulo. Entretanto, levando-se em consideração as datas que apontam para mais de um ano de funcionamento dessa entidade, desde 1945, evidencia-se um tempo significativo em relação à sua autonomia diante da ABED.

Vale ressaltar que a criação de uma associação em São Paulo, em 1945, impulsionou a ABED a acelerar o processo de criação de seções, que já vinha sendo cogitada anteriormente por sua presidente, Zaíra Cintra Vidal (1943-1947), como resultado da observação do modelo americano de associação, como visto anteriormente em seu relatório.

Assim, o movimento de criação da Seção do Distrito Federal, segunda seção a ser criada, se deu em concomitância com o de inserção das disposições acerca das seções do estatuto da ABED de 1946, representando, como parte do mesmo processo, uma estratégia empreendida pela Associação para manter sua unidade.

DISCUSSÃO

As primeiras tentativas em relação ao desenvolvimento técnico-científico e contribuição à organização do campo da profissão de que se tem notícia estão ligados aos empreendimentos realizados por sua primeira entidade de classe, a saber: a Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn). Essa associação representou a profissão, quase que exclusivamente, até meados dos anos de 1970(2323 Santos JFE, Santos RM, Costa LMC, Almeida LMWS, Macêdo AC, Santos TCF. The importance of civilian nursing organizations: integrative literature review. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016 [cited 2017 Jan 18];69(3):610-18. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v69n3/en_0034-7167-reben-69-03-0610.pdf
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).

Ethel Parsons, líder da Missão de Cooperação Técnica para o Desenvolvimento da Enfermagem Americana no Brasil (Missão Parsons) e responsável pela criação da Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública (em 1922), esforçou-se no sentido de ajudar as primeiras enfermeiras diplomadas a pensarem na organização de uma entidade de classe, com a finalidade de zelar pelos interesses da profissão e consolidar a construção do patrimônio histórico e cultural da enfermagem brasileira.

Na década de 1930, especificamente em 1932, uma das primeiras iniciativas da Associação Brasileira de Enfermagem foi a criação de uma revista, em atendimento às propostas das enfermeiras americanas no tocante ao reconhecimento social da profissão. O lançamento do primeiro número ocorreu no dia 20 de maio de 1932. Essa importante iniciativa, além de incrementar a comunicação entre as enfermeiras: representou o primeiro espaço em que elas tornaram visíveis os seus enunciados no cenário brasileiro, abordando temas relativos à prática da enfermeira; ao mesmo tempo que contribuiu ao longo dos anos para a formação de uma futura comunidade científica de enfermagem e para a estruturação do seu campo científico. Vale sublinhar que a revista juntamente com o CNE, criado na década seguinte (1947)(2424 Santos TM, Silva BT, Miranda JS, Guimarães JCS, Aparibense PGGS, Peres MAA. Contribuições da Associação Brasileira de Enfermagem para a Enfermagem Psiquiátrica: um olhar sobre os Congressos Brasileiros de Enfermagem (1947-1981). Hist Enferm Rev Eletron[Internet]. 2016 [cited 2017 Jan 15];7(2):406-22. Available from: http://here.abennacional.org.br/here/2a04.pdf
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), foram as primeiras estratégias adotadas pela Associação para intercâmbio de conhecimentos e propostas de aprimoramento da atuação dos enfermeiros.

A comunicação científica (mediante revistas, eventos, congressos) é vital para o desenvolvimento de uma profissão e uma ciência, pois, por seu intermédio, ocorre a disseminação do saber, a interação entre profissionais e pesquisadores e a legitimação da produção pelos pares, induzindo à geração de novos conhecimentos. Ainda que de forma incipiente, a ABEn inaugura espaços de comunicação entre profissionais de enfermagem em prol do desenvolvimento técnico-científico da profissão, num contexto de influência direta das concepções e ações norte-americanas no transcurso da primeira metade do século XX.

Portanto, a revista, ao tempo em que representava importante canal de comunicação, também dava visibilidade às realizações da ABED em favor da enfermagem brasileira, porquanto as relações de comunicação são sempre relações de poder que dependem, na forma e no conteúdo, do poder material ou simbólico acumulado pelos indivíduos ou instituições no e pelo campo(1818 Bourdieu, P. O Poder Simbólico. São Paulo: Bertrand Brasil; 2006.). Para corroborar essa assertiva, a edição nº 21 da referida revista é exemplar quando apresenta as justificativas da reorganização da ABED para a criação das seções: “A fim de poder trabalhar com maior eficiência, e, portanto, produzir mais, sofreu a A.B.E.D. uma reorganização completa, fragmentando-se em grupos menores”(2525 Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas. Anais de Enfermagem. 1946;15(21):35. In: Centro de Documentação da Escola de Enfermagem Anna Nery. Universidade Federal do Rio de Janeiro: Módulo PU, Caixa 03, Ano Déc. 40, Origem: Publicação, Conteúdo: Anais de Enfermagem.). Tais justificativas estão detalhadas, como segue:

a) Criação de novas escolas de enfermagem. Todos os serviços, quer de saúde pública, quer hospitalares, clamam por enfermeiras bem formadas, e em grande número; b) Distribuição de maior número de enfermeiras por Estados; c) Dificuldade de Transporte e Alto custo de Passagens tornaram impossível o comparecimento das enfermeiras às reuniões do Distrito Federal, ficando elas isoladas, sem informações sobre as atividades da Associação(2525 Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas. Anais de Enfermagem. 1946;15(21):35. In: Centro de Documentação da Escola de Enfermagem Anna Nery. Universidade Federal do Rio de Janeiro: Módulo PU, Caixa 03, Ano Déc. 40, Origem: Publicação, Conteúdo: Anais de Enfermagem.).

A mesma publicação também apresentava as seções já criadas até aquele ano, eram elas: São Paulo, Distrito Federal e Amazônia. Sobre a criação de novas seções, havia a seguinte recomendação: “Em qualquer Estado, onde se encontrem cinco enfermeiras diplomadas, pode ser formada uma ‘Seção’ desde que se submeta o seu regimento interno à aprovação da A.B.E.D(2525 Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas. Anais de Enfermagem. 1946;15(21):35. In: Centro de Documentação da Escola de Enfermagem Anna Nery. Universidade Federal do Rio de Janeiro: Módulo PU, Caixa 03, Ano Déc. 40, Origem: Publicação, Conteúdo: Anais de Enfermagem.). A estratégia de divulgação dessa recomendação evidencia como as relações de comunicação estão imbricadas com as interações simbólicas, ou seja, com o reconhecimento do porta-voz autorizado a falar em nome do grupo, e, por isso mesmo, são relações de poder, porque a ABED ao publicar tal recomendação atualiza as relações de força entre suas integrantes e os demais grupos(1818 Bourdieu, P. O Poder Simbólico. São Paulo: Bertrand Brasil; 2006.).

Ademais, essas mesmas determinações passaram a constar no Estatuto da ABED, elaborado em 1946(2121 Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas. Estatuto da Associação Brasileira de Enfermagem, 1947. In: Centro de Memória da Associação Brasileira de Enfermagem: Caixa 03, Estatutos da ABEn (Cópias). Versões anteriores.). Entretanto, não houve registro desse estatuto, e o mesmo não foi encontrado(22 Carvalho AC. Associação Brasileira de Enfermagem: 1926-1976: documentário. 2 ed. Brasília: ABEn Nacional; 2008.). Apesar disso, as alterações realizadas pela ABED sobre as seções foram encontradas no estatuto de 1947, no qual constava em seu segundo capítulo: Art. 5º – As seções, são núcleos da A.B.E.D. funcionando nos Estados onde existam mais de cinco (5) enfermeiras e cujos regimentos internos foram previamente aprovados por esta Associação(2121 Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas. Estatuto da Associação Brasileira de Enfermagem, 1947. In: Centro de Memória da Associação Brasileira de Enfermagem: Caixa 03, Estatutos da ABEn (Cópias). Versões anteriores.). A necessidade de aprovação do Regimento Interno das seções pela ABED, contida na mencionada informação dos Anais de Enfermagem e no artigo 5º do estatuto de 1947, ratifica a dependência das seções à ABED, refletindo a união entre elas.

No estatuto de 1947, no qual as disposições acerca das seções da ABED já haviam sido incorporadas, estava descrito no artigo 6º, parágrafo único: As enfermeiras que se acharem em estados ou municípios nos quais não exista ainda um núcleo desta Associação, poderão se afiliar à Seção do Distrito Federal ou àquela que estiver mais próxima(2121 Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas. Estatuto da Associação Brasileira de Enfermagem, 1947. In: Centro de Memória da Associação Brasileira de Enfermagem: Caixa 03, Estatutos da ABEn (Cópias). Versões anteriores.). Essa determinação constante no artigo denota a importância da seção no âmbito da ABED, pois, em um momento no qualjáse contava com quatro seções, as associadas de outros Estados que não tivessem seções poderiam se vincular à recém-criada seção no Distrito Federal, onde também estava a sede da ABED. Tal estratégia evidencia a importância de uma associação na capital federal, isso porque a capital é o lugar do capital, ou seja, é o espaço físico onde se concentra a maioria dos agentes que ocupam posições dominantes, funcionando como uma espécie de simbolização espontânea do espaço social(1818 Bourdieu, P. O Poder Simbólico. São Paulo: Bertrand Brasil; 2006.).

Vale ainda pontuar que, embora a presidente da ABED já planejasse a criação de núcleos da Associação, influenciada pelo modelo norte-americano de associação, a iniciativa de São Paulo, indicando uma possível fragmentação, como fora observado pela enfermeira Haydée Guanais Dourado, certamente acelerou o processo de criação das seções. Sendo assim, tal iniciativa evidencia a ruptura com a ordem estabelecida, ou seja, a ocorrência de uma subversão herética por meio do rompimento com as estruturas incorporadas e com as estruturas objetivas das quais as primeiras são o produto(1818 Bourdieu, P. O Poder Simbólico. São Paulo: Bertrand Brasil; 2006.). Essas situações heréticas surgem em tempos de crise, ou seja, em situações extraordinárias, o que representa bem o período de criação dessa associação filiada, o qual tinha como pano de fundo o fim da Segunda Guerra Mundial e a crise financeira instalada na própria ABED.

Ademais, a criação de seções da Associação Brasileira de Enfermagem nos estados foi uma estratégia bem-sucedida da associação, a qual contribuiu para a organização do campo da enfermagem, pois, no ambiente das profissões coexistem correlações de forças específicas (devido ao poder simbólico de cada agente). Nesse sentido, as lideranças da enfermagem, fazendo uso de seu capital simbólico e a partir de um habitus (interiorização de determinações externas), precisaram empreender uma luta simbólica para transformar a realidade com vistas a impor uma organização do mundo social mais conforme aos interesses da enfermagem.

Limitações do estudo

O estudo teve como limitações a impossibilidade de entrevistar as enfermeiras que participaram do processo de criação e implantação da Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas Seção do Distrito Federal em face do tempo decorrido, qual seja, 70 anos, devido já terem falecido. Essa impossibilidade impediu a triangulação com as demais fontes do estudo.

Contribuições do estudo para a enfermagem

À guisa de considerações finais, cabe ressaltar as contribuições do estudo para a enfermagem, em especial para a História da Enfermagem e da Saúde, uma vez que o conhecimento sobre a trajetória histórica das entidades organizativas da enfermagem permite reafirmar sua importância político-social, bem como sua relevância para a população brasileira, que faz uso dos serviços de saúde, nos quais a enfermagem tem papel protagonista.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A criação de uma escola de enfermagem concorrente à EAN, somada a crise que a ABED atravessava, no bojo da Segunda Guerra Mundial, certamente ensejou um movimento para a criação de uma associação com a pretensão de ser afiliada à ABED, porém autônoma. Esse movimento coincidiu com a gestão de Edith de Magalhães Fraenkel na direção da EEUSP e com sua saída da presidência da ABED, após a sua segunda gestão, em 1943.

Se por um lado a crise da Associação influenciou esse processo, por outro, o processo de criação da “Associação Paulista de Enfermeiras Diplomadas” acarretou uma importante mudança no cenário da ABED, impulsionando-a para uma reação, com o objetivo de unificar a enfermagem brasileira e garantir a sua existência como entidade representativa da profissão.

Assim, diante da criação de uma associação estadual, a ABED, visando garantir sua unidade e por conseguinte assegurar sua posição de poder e prestígio no campo da enfermagem, envidou estratégias no sentido de realizar a revisão de seu Estatuto, no tocante à inserção das seções estaduais bem como à criação de uma seção no Distrito Federal. Nesse contexto, num mesmo espaço geográfico que traduz um espaço social, passaram a existir duas associações, a ABED e a ABED Seção Distrito Federal. Esse esforço de líderes da enfermagem brasileira e fluminense refletia, mesmo em um momento de conflito mundial, a contribuição da Associação Brasileira de Enfermagem na construção de uma sociedade democrática.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2017

Histórico

  • Recebido
    13 Mar 2017
  • Aceito
    17 Abr 2017
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