Acessibilidade / Reportar erro

Fatores associados ao estresse, ansiedade e depressão em profissionais de enfermagem no contexto hospitalar

RESUMO

Objetivo:

determinar os fatores associados ao estresse, ansiedade e depressão, concomitantemente, em profissionais de enfermagem que atuam no contexto hospitalar.

Métodos:

estudo quantitativo e transversal, com 353 profissionais de enfermagem de um hospital. Empregou-se um questionário sociodemográfico e a Escala de Depressão, Ansiedade e Estresse-21. Os dados foram submetidos à análise estatística descritiva, testes de diferença e correlação.

Resultados:

os principais fatores associados ao estresse, ansiedade e depressão, concomitantemente, foram sexo feminino, suporte familiar e social comprometidos, falta de autonomia no trabalho, relação hostil com os colegas, falta de reconhecimento e satisfação profissional, sentimento de estar sobrecarregado e insegurança. Conclusões: fatores demográficos, fisiológicos, sociais e laborais impactam os níveis de estresse, ansiedade e depressão nos profissionais de enfermagem. A adoção de estratégias de enfrentamento dos fatores modificáveis deve ser considerada, a fim de proporcional melhor qualidade de vida desses profissionais.

Descritores:
Estresse Psicológico; Ansiedade; Depressão; Hospitais; Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

to determine the factors associated with stress, anxiety and depression, concomitantly, in nursing professionals who work in the hospital context.

Methods:

a quantitative and cross-sectional study with 353 nursing professionals from a hospital. A sociodemographic questionnaire and the Depression, Anxiety and Stress Scale-21 were used. Data were subjected to descriptive statistical analysis, difference and correlation tests.

Results:

the main factors associated with stress, anxiety and depression, concomitantly, were being female, compromised family and social support, lack of autonomy at work, hostile relationship with colleagues, lack of professional recognition and satisfaction, feeling of being overwhelmed and insecurity.

Conclusions:

demographic, physiological, social and work factors impact the levels of stress, anxiety and depression in nursing professionals. The adoption of coping strategies for modifiable factors should be considered, in order to provide better quality of life for these professionals.

Descriptors:
Stress Psychological; Anxiety; Depression; Hospitals; Nursing

RESUMEN

Objetivo:

determinar los factores asociados al estrés, la ansiedad y la depresión, de forma concomitante, en los profesionales de enfermería que laboran en el contexto hospitalario.

Métodos:

estudio cuantitativo y transversal, con 353 profesionales de enfermería de un hospital. Se utilizó un cuestionario sociodemográfico y la Depression, Anxiety and Stress Scale-21. Los datos fueron sometidos a análisis estadístico descriptivo, pruebas de diferencia y correlación.

Resultados:

los principales factores asociados al estrés, la ansiedad y la depresión, concomitantemente, fueron el género femenino, el apoyo familiar y social comprometido, la falta de autonomía en el trabajo, la relación hostil con los compañeros, la falta de reconocimiento y satisfacción profesional, la sensación de abrumamiento e inseguridad.

Conclusiones:

factores demográficos, fisiológicos, sociales y laborales inciden en los niveles de estrés, ansiedad y depresión en los profesionales de enfermería. Se debe considerar la adopción de estrategias de afrontamiento de factores modificables, con el fin de brindar una mejor calidad de vida a estos profesionales.

Descriptores:
Estrés Psicológico; Ansiedad; Depresión; Hospitales; Enfermería

INTRODUÇÃO

Os profissionais da área da saúde, especialmente os da enfermagem(11 Zurlo MC, Vallone F, Smith AP. Effects of individual differences and job characteristics on the psychological health of Italian nurses. Eur J Psychol. 2018;14(1):159-75. https://doi.org/10.5964/ejop.v14i1.1478
https://doi.org/10.5964/ejop.v14i1.1478...
), são susceptíveis a níveis consideráveis de estresse(22 Gu B, Tan Q, Zhao S. The association between occupational stress and psychosomatic wellbeing among Chinese nurses: a cross-sectional survey. Medicine (Baltimore). 2019;98(22):e15836. https://doi.org/10.1097/MD.0000000000015836
https://doi.org/10.1097/MD.0000000000015...
), ansiedade(33 Huang CLC, Wu MP, Ho CH, Wang JJ. Risks of treated anxiety, depression, and insomnia among nurses: a nationwide longitudinal cohort study. PLoS One. 2018;13(9):e0204224. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0204224
https://doi.org/10.1371/journal.pone.020...
) e depressão(44 Creedy DK, Sidebotham M, Gamble J, Pallant J, Fenwick J. Prevalence of burnout, depression, anxiety and stress in Australian midwives: a cross‐sectional survey. BMC Pregnancy Childbirth. 2017;7(1):13. https://doi.org/10.1186/s12884-016-1212-5
https://doi.org/10.1186/s12884-016-1212-...
-55 Xie N, Qin Y, Wang T, Zeng Y, Deng X, Guan L. Prevalence of depressive symptoms among nurses in China: a systematic review and meta-analysis. PLoS One. 2020;15(7):e0235448. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0235448
https://doi.org/10.1371/journal.pone.023...
), sobretudo aqueles que atuam na atenção terciária à saúde, nível que concentra maior densidade tecnológica e cuidados especializados e críticos, e, por isso, o sofrimento psíquico tende a ser maior(22 Gu B, Tan Q, Zhao S. The association between occupational stress and psychosomatic wellbeing among Chinese nurses: a cross-sectional survey. Medicine (Baltimore). 2019;98(22):e15836. https://doi.org/10.1097/MD.0000000000015836
https://doi.org/10.1097/MD.0000000000015...
).

Estudos realizados em diversos países(66 Ghazwin MY, Kavian M, Ahmadloo M, Jarchi A, Javadi JS, Latifi S, et al. The association between life satisfaction and the extent of depression, anxiety and stress among Iranian nurses: a multicenter survey. Iran J Psychiatry [Internet]. 2016[cited 2021 Jan 20];11(2):120-7. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4947220/
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...

7 Ghawadra SF, Adbullan KL, Choo WY, Phang CK. Psychological distress and its association with job satisfaction among nurses in a teaching hospital. J Clin Nurs. 2019;28(21-22):4087-97. https://doi.org/10.1111/jocn.14993
https://doi.org/10.1111/jocn.14993...
-88 Saquib N, Zaghloul MS, Saquib J, Alhomaidan HT, Al-Mohaimeed A, Al-Mazrou A. Association of cumulative job dissatisfaction with depression, anxiety and stress among expatriate nurses in Saudi Arabia. J Nurs Manag. 2019;27(4):740-8. https://doi.org/10.1111/jonm.12762
https://doi.org/10.1111/jonm.12762...
) evidenciaram alta prevalência de ansiedade, depressão e estresse entre profissionais de enfermagem que desempenham suas atividades em contexto hospitalar. Entre enfermeiras australianas, as taxas de prevalência de depressão chegam a 32,4%, e de ansiedade e estresse, a 41,2%(99 Maharaj S, Lees T, Lal S. Prevalence and risk factors of depression, anxiety, and stress in a cohort of Australian nurses. Int J Environ Res Public Health. 2018;16(1):61. https://doi.org/10.3390/ijerph16010061
https://doi.org/10.3390/ijerph16010061...
). Outro estudo, realizado na Malásia, demonstrou que 14,4% dos profissionais apresentaram estresse(77 Ghawadra SF, Adbullan KL, Choo WY, Phang CK. Psychological distress and its association with job satisfaction among nurses in a teaching hospital. J Clin Nurs. 2019;28(21-22):4087-97. https://doi.org/10.1111/jocn.14993
https://doi.org/10.1111/jocn.14993...
), 39,3%, ansiedade e 18,8%, depressão. Na Itália, as taxas foram de 19,3% de ansiedade e 5,1% de depressão(11 Zurlo MC, Vallone F, Smith AP. Effects of individual differences and job characteristics on the psychological health of Italian nurses. Eur J Psychol. 2018;14(1):159-75. https://doi.org/10.5964/ejop.v14i1.1478
https://doi.org/10.5964/ejop.v14i1.1478...
).

As causas mais comuns dessas desordens emocionais em profissionais de enfermagem, neste nível de atenção à saúde, podem surgir devido a contextos adversos no ambiente de trabalho como: complexidade dos cuidados em saúde; falta de recursos humanos; sobrecarga de trabalho; necessidades de adaptação às constantes mudanças no tratamento e condução de cuidados aos pacientes(1010 Labrague LJ, McEnroe-Petitte DM, Leocadio MC, Van Bogaert P, Cummings GG. Stress and ways of coping among nurse managers: an integrative review. J Clin Nurs. 2018;27(7-8):1346-59. https://doi.org/10.1111/jocn.14165
https://doi.org/10.1111/jocn.14165...
-1111 Cohen J, Venter WDF. The integration of occupational- and household-based chronic stress among South African women employed as public hospital nurses. PLoS One. 2020;15(5):e0231693. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0231693
https://doi.org/10.1371/journal.pone.023...
); necessidade de lidar em maior frequência com o processo de morte e morrer; interações com pacientes e seus familiares; e alternância de turnos de trabalhos(1212 McVicar A. Scoping the common antecedents of job stress and job satisfaction for nurses (2000-2013) using the job demands-resources model of stress. J Nurs Manag. 2016;24(2):E112-36. https://doi.org/10.1111/jonm.12326
https://doi.org/10.1111/jonm.12326...
).

Diante disso, impactos, como o absenteísmo, licença-saúde e diminuição da produtividade, são comuns nos profissionais de enfermagem que apresentam ansiedade, depressão e estresse. Essas desordens emocionais prejudicam a função cognitiva, a memória e habilidades de atenção dos profissionais para lidarem com a carga de trabalho. Assim, é iminente a ocorrência de eventos adversos e comprometimento da qualidade do atendimento ao paciente(1313 Maharaj S, Lee T, Lal S. Negative mental states and their association to the cognitive function of nurses. J Psychophysiol. 2019:33(3):207-18. https://doi.org/10.1027/0269-8803/a000223
https://doi.org/10.1027/0269-8803/a00022...
).

Alguns fatores podem estar associados à maior probabilidade de os profissionais de enfermagem desencadearem ansiedade, depressão e estresse. A literatura aponta que o sexo(22 Gu B, Tan Q, Zhao S. The association between occupational stress and psychosomatic wellbeing among Chinese nurses: a cross-sectional survey. Medicine (Baltimore). 2019;98(22):e15836. https://doi.org/10.1097/MD.0000000000015836
https://doi.org/10.1097/MD.0000000000015...
,77 Ghawadra SF, Adbullan KL, Choo WY, Phang CK. Psychological distress and its association with job satisfaction among nurses in a teaching hospital. J Clin Nurs. 2019;28(21-22):4087-97. https://doi.org/10.1111/jocn.14993
https://doi.org/10.1111/jocn.14993...
), o estado civil(66 Ghazwin MY, Kavian M, Ahmadloo M, Jarchi A, Javadi JS, Latifi S, et al. The association between life satisfaction and the extent of depression, anxiety and stress among Iranian nurses: a multicenter survey. Iran J Psychiatry [Internet]. 2016[cited 2021 Jan 20];11(2):120-7. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4947220/
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
-77 Ghawadra SF, Adbullan KL, Choo WY, Phang CK. Psychological distress and its association with job satisfaction among nurses in a teaching hospital. J Clin Nurs. 2019;28(21-22):4087-97. https://doi.org/10.1111/jocn.14993
https://doi.org/10.1111/jocn.14993...
), a idade(22 Gu B, Tan Q, Zhao S. The association between occupational stress and psychosomatic wellbeing among Chinese nurses: a cross-sectional survey. Medicine (Baltimore). 2019;98(22):e15836. https://doi.org/10.1097/MD.0000000000015836
https://doi.org/10.1097/MD.0000000000015...
), o sono(22 Gu B, Tan Q, Zhao S. The association between occupational stress and psychosomatic wellbeing among Chinese nurses: a cross-sectional survey. Medicine (Baltimore). 2019;98(22):e15836. https://doi.org/10.1097/MD.0000000000015836
https://doi.org/10.1097/MD.0000000000015...
), o suporte familiar e social(22 Gu B, Tan Q, Zhao S. The association between occupational stress and psychosomatic wellbeing among Chinese nurses: a cross-sectional survey. Medicine (Baltimore). 2019;98(22):e15836. https://doi.org/10.1097/MD.0000000000015836
https://doi.org/10.1097/MD.0000000000015...
), o relacionamento multiprofissional(22 Gu B, Tan Q, Zhao S. The association between occupational stress and psychosomatic wellbeing among Chinese nurses: a cross-sectional survey. Medicine (Baltimore). 2019;98(22):e15836. https://doi.org/10.1097/MD.0000000000015836
https://doi.org/10.1097/MD.0000000000015...
,88 Saquib N, Zaghloul MS, Saquib J, Alhomaidan HT, Al-Mohaimeed A, Al-Mazrou A. Association of cumulative job dissatisfaction with depression, anxiety and stress among expatriate nurses in Saudi Arabia. J Nurs Manag. 2019;27(4):740-8. https://doi.org/10.1111/jonm.12762
https://doi.org/10.1111/jonm.12762...
) e a satisfação profissional(88 Saquib N, Zaghloul MS, Saquib J, Alhomaidan HT, Al-Mohaimeed A, Al-Mazrou A. Association of cumulative job dissatisfaction with depression, anxiety and stress among expatriate nurses in Saudi Arabia. J Nurs Manag. 2019;27(4):740-8. https://doi.org/10.1111/jonm.12762
https://doi.org/10.1111/jonm.12762...
) podem estar associadas ao estresse. A sobrecarga do trabalho também é mencionada como um possível fator associado à ansiedade(88 Saquib N, Zaghloul MS, Saquib J, Alhomaidan HT, Al-Mohaimeed A, Al-Mazrou A. Association of cumulative job dissatisfaction with depression, anxiety and stress among expatriate nurses in Saudi Arabia. J Nurs Manag. 2019;27(4):740-8. https://doi.org/10.1111/jonm.12762
https://doi.org/10.1111/jonm.12762...
). O relacionamento com os colegas de trabalho e o sexo também são referidos como fatores associados às taxas de depressão(22 Gu B, Tan Q, Zhao S. The association between occupational stress and psychosomatic wellbeing among Chinese nurses: a cross-sectional survey. Medicine (Baltimore). 2019;98(22):e15836. https://doi.org/10.1097/MD.0000000000015836
https://doi.org/10.1097/MD.0000000000015...
,77 Ghawadra SF, Adbullan KL, Choo WY, Phang CK. Psychological distress and its association with job satisfaction among nurses in a teaching hospital. J Clin Nurs. 2019;28(21-22):4087-97. https://doi.org/10.1111/jocn.14993
https://doi.org/10.1111/jocn.14993...
-88 Saquib N, Zaghloul MS, Saquib J, Alhomaidan HT, Al-Mohaimeed A, Al-Mazrou A. Association of cumulative job dissatisfaction with depression, anxiety and stress among expatriate nurses in Saudi Arabia. J Nurs Manag. 2019;27(4):740-8. https://doi.org/10.1111/jonm.12762
https://doi.org/10.1111/jonm.12762...
). No entanto, ainda é incipiente a abordagem com o propósito de avaliar as três desordens emocionais concomitantes, além de associá-las, simultaneamente, a fatores demográficos, fisiológicos, sociais e laborais entre os profissionais de enfermagem no contexto hospitalar.

Ao considerar, então, os níveis elevados de estresse, ansiedade e depressão nesta população, questiona-se: quais são os fatores associados ao estresse, à ansiedade e à depressão, concomitantemente, em profissionais de enfermagem que atuam no contexto hospitalar? Tendo em vista que o agravamento dessas condições pode impactar negativamente na qualidade de vida, a resposta a esse questionamento auxiliará no estabelecimento de condutas terapêuticas que promovam a melhoria da saúde mental desses profissionais e a prevenção de agravos.

OBJETIVO

Determinar os fatores associados ao estresse, à ansiedade e à depressão, concomitantemente, em profissionais de enfermagem que atuam no contexto hospitalar.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O estudo está em conformidade com as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa envolvendo Seres Humanos (Resolução CNS 466/12) e obteve aprovação da instituição preponente em 12 de abril de 2018.

Todos os participantes que concordaram em participar do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) em duas vias, sendo uma retida pelo participante, e outra, pelo pesquisador. Os questionários respondidos foram devidamente arquivados em local seguro pelos pesquisadores e ficarão arquivados por cinco anos.

Delineamento, período e local do estudo

Estudo quantitativo e transversal, desenvolvido entre setembro e novembro de 2019 em um hospital público de Minas Gerais, Brasil. Para direcionar a apresentação das informações, consideraram-se as diretrizes para estudos observacionais (Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology - STROBE)(1414 Von EE, Altman DG, Egger M, Pocock SJ, Gøtzche PC, Vandenbroucke JP; STROB Iniciative. The strengthening the reporting of observational studies in epidemiology (STROBE) statement: guidelines for reporting observational studies. PLoS Med. 2007;4(10):e296. https://doi.org/10.1371/journal.pmed.0040296
https://doi.org/10.1371/journal.pmed.004...
).

População e amostra; critérios de inclusão e exclusão

A amostra foi estabelecida por amostragem aleatória simples para população finita, com estimativa de 41,2% de estresse, ansiedade e depressão em população de interesse(99 Maharaj S, Lees T, Lal S. Prevalence and risk factors of depression, anxiety, and stress in a cohort of Australian nurses. Int J Environ Res Public Health. 2018;16(1):61. https://doi.org/10.3390/ijerph16010061
https://doi.org/10.3390/ijerph16010061...
). A partir da população de 872 profissionais de enfermagem, poder de 95% e margem de erro de 0,05, obteve-se uma amostra mínima de 260 indivíduos.

Os participantes foram selecionados de acordo com os seguintes critérios: ser membro da equipe de enfermagem do hospital; atuar na assistência ao paciente ou nos serviços de gerenciamento de enfermagem; e disponibilidade de tempo de, aproximadamente, 30 minutos, para preencher os instrumentos da pesquisa durante o turno de trabalho. Essa estratégia foi adotada, a fim de abordar o maior quantitativo de profissionais, mas sem que houvesse comprometimento do trabalho. Foram excluídos os indivíduos que estivessem gozando de qualquer tipo de licença durante o período de coleta de dados e aqueles que não preencheram integralmente os dados dos instrumentos de coleta de dados.

Protocolo do estudo

O protocolo de pesquisa utilizado compreendeu a aplicação de um instrumento com informações sociodemográficas, elaborado pelos pesquisadores a partir da literatura(1515 Oliveira CMC, Assis BB, Mendes PG, Lemos IC, Sousa ALC, Chianca TCM. Auriculotherapy in nursing professionals during the coronavirus pandemic: a multiple case study. Rev Eletron Enferm. 2021;23:65678. https://doi.org/10.5216/ree.v23.65678
https://doi.org/10.5216/ree.v23.65678...
), que subsidiou a definição das variáveis: sexo; idade; escolaridade; estado civil; se tem filhos; hábitos de vida (sono, uso de bebida alcoólica, tabagismo, suporte familiar e social); renda mensal; tempo de serviço na instituição; setor de atuação; turno de trabalho; número de empregos; percepção de autonomia no trabalho; relacionamento interpessoal; reconhecimento profissional; satisfação profissional; sobrecarga; e insegurança no trabalho. A variável idade foi processada como contínua, e as demais, como categóricas. Tal instrumento passou por um processo de refinamento por três enfermeiras doutoras em enfermagem, e todas as sugestões propostas foram acatadas.

Utilizou-se também a Escala de Depressão, Ansiedade e Estresse-21 (DASS-21), para avaliar os níveis de depressão, ansiedade e estresse(1616 Vignola RCB, Tucci AM. Adaptation and validation of the depression, anxiety and stress scale (DASS) to Brazilian Portuguese. J Affect Disord. 2014;155:104-9. https://doi.org/10.1016/j.jad.2013.10.031
https://doi.org/10.1016/j.jad.2013.10.03...
) dos profissionais. Este instrumento foi selecionado, pois permite avaliação simultânea dos três construtos de interesse, por apresentar consistência interna adequada(1717 McNeish D. Thanks coefficient alpha, we'll take it from here. Psychol Methods. 2018;23(3):412-33. https://doi.org/10.1037/met0000144
https://doi.org/10.1037/met0000144...
) e por se tratar de um instrumento de fácil e rápida aplicação.

A DASS-21 se baseia no modelo tripartite, no qual a desordem do afeto é causada pela ansiedade, depressão e estresse contínuos(1616 Vignola RCB, Tucci AM. Adaptation and validation of the depression, anxiety and stress scale (DASS) to Brazilian Portuguese. J Affect Disord. 2014;155:104-9. https://doi.org/10.1016/j.jad.2013.10.031
https://doi.org/10.1016/j.jad.2013.10.03...
). Trata-se de um questionário autoaplicável, que foi traduzido e validado para o português do Brasil(1616 Vignola RCB, Tucci AM. Adaptation and validation of the depression, anxiety and stress scale (DASS) to Brazilian Portuguese. J Affect Disord. 2014;155:104-9. https://doi.org/10.1016/j.jad.2013.10.031
https://doi.org/10.1016/j.jad.2013.10.03...
). Cada uma das três subescalas avalia sintomas na última semana por meio de sete perguntas, com quatro opções de respostas (0 = não se aplicou de maneira alguma; 1 = aplicou-se em algum grau, ou por pouco tempo; 2 = aplicou-se em um grau considerável ou por uma boa parte do tempo; 3 = aplicou-se muito ou na maioria do tempo). O somatório de cada subescala, multiplicado por dois, fornece o escore total de cada construto(1616 Vignola RCB, Tucci AM. Adaptation and validation of the depression, anxiety and stress scale (DASS) to Brazilian Portuguese. J Affect Disord. 2014;155:104-9. https://doi.org/10.1016/j.jad.2013.10.031
https://doi.org/10.1016/j.jad.2013.10.03...
). O Alfa de Cronbach foi de 0,945 na presente amostra, indicando uma alta confiabilidade do instrumento(1717 McNeish D. Thanks coefficient alpha, we'll take it from here. Psychol Methods. 2018;23(3):412-33. https://doi.org/10.1037/met0000144
https://doi.org/10.1037/met0000144...
).

Por meio da escala, o estresse, a ansiedade e a depressão podem ser classificados em normal, baixo(a), moderado(a), severo(a) e extremamente severo(a). Os pontos de corte para depressão são: 0-9 (normal); 10-13 (baixo); 14-20 (moderado); 15-19 (severo); e ≥ 20 (extremamente severo). A ansiedade pode ser classificada como normal (0-7), baixa (8-9), moderada (10-14), severa (15-19) e extremamente severa (≥20). O estresse é considerado normal entre 0 e 14, baixo, entre 15 e 18, moderado, entre 19 e 25, severo, entre 26 e 33 e extremamente severo, a partir de 33 pontos(1616 Vignola RCB, Tucci AM. Adaptation and validation of the depression, anxiety and stress scale (DASS) to Brazilian Portuguese. J Affect Disord. 2014;155:104-9. https://doi.org/10.1016/j.jad.2013.10.031
https://doi.org/10.1016/j.jad.2013.10.03...
).

Para a coleta de dados, os instrumentos impressos foram entregues a cada profissional em seu setor de trabalho, quando eram também orientados a responder às questões nos próximos 30 minutos, de forma a garantir a participação.

Análise dos resultados e estatística

O software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS - versão 20.0) foi utilizado para a análise estatística dos dados. Para verificar a distribuição dos dados, foi empregado o Teste de Shapiro-Wilk, o qual evidenciou a presença de distribuição não normal das variáveis escalares. Dessa forma, as variáveis quantitativas foram descritas por meio de medianas e intervalos interquartis (p25-p75). A frequência relativa foi utilizada para a descrição das variáveis categóricas. Na análise bivariada, a existência de associação foi verificada por meio dos Testes de Mann-Whitney, Kruskal-Wallis e coeficiente de correlação de Spearman. As forças das correlações foram analisadas considerando coeficientes de correlação < 0,4 (correlação de fraca magnitude), > 0,4 a < 0,7 (de moderada magnitude) e > 0,7 (de forte magnitude)(1818 Schober P, Boer C, Schwarte LA. Correlation coefficients: appropriate use and interpretation. Anesth Analg. 2018;126(5):1763-8. https://doi.org/10.1213/ANE.0000000000002864
https://doi.org/10.1213/ANE.000000000000...
). Em todas as análises, foi considerado o nível de significância de 0,05.

RESULTADOS

A amostra elegível para o estudo foi de 842 profissionais de enfermagem, pois 30 indivíduos estavam em período de licença ou afastamento de suas atividades. Ao considerar o número mínimo adequado pelo cálculo amostral, foi realizada a coleta de dados com 372 sujeitos, no qual 19 indivíduos não preencheram devidamente os instrumentos, e, por isso, não compuseram a amostra do estudo. Assim, a amostra final foi composta por 353 profissionais de enfermagem.

A maioria dos profissionais eram técnicos de enfermagem (75,9%), do sexo feminino (89,2%) e casados (52,1%). A mediana de idade foi de 37 anos (32-43) (Tabela 1).

Tabela 1
Características sociodemográficas (N=353), Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 2019

A Tabela 2 apresenta as características psicossociais e laborais dos profissionais de enfermagem.

Tabela 2
Características psicossociais e laborais dos profissionais de enfermagem que atuam em contexto hospitalar (N=353), Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 2019

A prevalência de depressão foi de 47,02%, de ansiedade, 49,61% e de estresse, 56,66% entre os profissionais de enfermagem no contexto hospitalar (Tabela 3).

Tabela 3
Prevalência de profissionais de enfermagem em cada subescala da Escala de Depressão, Ansiedade e Estresse-21 (N=353), Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 2019

A Tabela 4 apresenta a associação dos fatores sociodemográficos, fisiológicos, sociais e laborais com os níveis de estresse, ansiedade e depressão. Observa-se que o sexo feminino, a pior qualidade do sono, o suporte familiar e social comprometido, a falta de autonomia no trabalho, a relação hostil com os colegas, a falta de reconhecimento e satisfação profissional, o sentimento de sobrecarga e a insegurança no trabalho foram associadas estatisticamente e concomitantemente à tríade investigada.

Tabela 4
Associação dos fatores sociodemográficos, fisiológicos, sociais e laborais com os níveis de estresse, ansiedade e depressão em profissionais de enfermagem que atuam em contexto hospitalar (N=353), Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 2019

Na análise de correlação, identificou-se correlação negativa de fraca magnitude apenas entre o estresse e as variáveis idade e número de emprego, conforme evidenciado pela Tabela 5. Não houve significância de correlação entre idade, número de empregos e horas trabalhadas com o estresse, ansiedade e depressão, concomitantemente.

Tabela 5
Correlação entre as variáveis de idade, número de empregos e horas trabalhadas em 24 horas por dia e os níveis de estresse, ansiedade e depressão em profissionais de enfermagem que atuam em contexto hospitalar (N=353), Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 2019

DISCUSSÃO

Evidenciamos, por meio da realização deste estudo, fatores demográficos (sexo feminino), fisiológicos (sono prejudicado), sociais (suporte familiar e social comprometidos) e laborais (falta de autonomia no trabalho, relação hostil com os colegas, falta de reconhecimento e satisfação profissional, sentimento de sobrecarga, insegurança no trabalho) associados aos níveis de estresse, ansiedade e depressão, concomitantemente, em profissionais de enfermagem que atuam no nível terciário de atenção à saúde. Tais achados denotam a importância de se pensar em estratégias que possam atuar sobre os fatores modificáveis, a fim de melhorar os níveis de estresse, ansiedade e depressão nessa população.

A prevalência de estresse, ansiedade e depressão encontrada neste estudo, nos profissionais de enfermagem no contexto hospitalar, foi de 56,66%, 49,61% e 47,02%, respectivamente.

Quanto à severidade das desordens emocionais, identificamos que mais de 50% dos profissionais apresentaram níveis normal e baixo das três desordens emocionais investigadas. No entanto, estudo na China identificou alto nível de estresse ocupacional em 68,3% dos enfermeiros que trabalhavam em hospitais(22 Gu B, Tan Q, Zhao S. The association between occupational stress and psychosomatic wellbeing among Chinese nurses: a cross-sectional survey. Medicine (Baltimore). 2019;98(22):e15836. https://doi.org/10.1097/MD.0000000000015836
https://doi.org/10.1097/MD.0000000000015...
). Este fato pode estar relacionado à sobrecarga do trabalho exercido na cultura chinesa, em que os profissionais demandam maior tempo com aprimoramento da educação, condução de pesquisas e orientação de estagiários(22 Gu B, Tan Q, Zhao S. The association between occupational stress and psychosomatic wellbeing among Chinese nurses: a cross-sectional survey. Medicine (Baltimore). 2019;98(22):e15836. https://doi.org/10.1097/MD.0000000000015836
https://doi.org/10.1097/MD.0000000000015...
).

No tangente à depressão, a literatura apresenta uma variação entre 8%(44 Creedy DK, Sidebotham M, Gamble J, Pallant J, Fenwick J. Prevalence of burnout, depression, anxiety and stress in Australian midwives: a cross‐sectional survey. BMC Pregnancy Childbirth. 2017;7(1):13. https://doi.org/10.1186/s12884-016-1212-5
https://doi.org/10.1186/s12884-016-1212-...
) e 13%(88 Saquib N, Zaghloul MS, Saquib J, Alhomaidan HT, Al-Mohaimeed A, Al-Mazrou A. Association of cumulative job dissatisfaction with depression, anxiety and stress among expatriate nurses in Saudi Arabia. J Nurs Manag. 2019;27(4):740-8. https://doi.org/10.1111/jonm.12762
https://doi.org/10.1111/jonm.12762...
) de severidade na investigação de depressão entre os profissionais de enfermagem, enquanto que nossos achados evidenciaram 19,83% de nível severo e extremamente severo de depressão. A diferença entre a menor taxa(44 Creedy DK, Sidebotham M, Gamble J, Pallant J, Fenwick J. Prevalence of burnout, depression, anxiety and stress in Australian midwives: a cross‐sectional survey. BMC Pregnancy Childbirth. 2017;7(1):13. https://doi.org/10.1186/s12884-016-1212-5
https://doi.org/10.1186/s12884-016-1212-...
) para aquela encontrada em nosso estudo pode ser explicada pela diferença do setor de trabalho. Enquanto a nossa investigação se deu em todos os setores do âmbito hospitalar, a do estudo australiano(44 Creedy DK, Sidebotham M, Gamble J, Pallant J, Fenwick J. Prevalence of burnout, depression, anxiety and stress in Australian midwives: a cross‐sectional survey. BMC Pregnancy Childbirth. 2017;7(1):13. https://doi.org/10.1186/s12884-016-1212-5
https://doi.org/10.1186/s12884-016-1212-...
) foi realizada apenas com enfermeiras parteiras, as quais podem apresentar índices menores quando comparadas a outros setores.

Diante dos resultados obtidos, é preciso destacar o impacto que a alta prevalência de estresse, ansiedade e depressão pode causar no sistema de saúde. A principal consequência é a taxa de absenteísmo, a qual pode comprometer tanto a segurança do paciente como a nível organizacional, predispondo à perda de qualidade da gestão e de recursos financeiros para a instituição(1919 Kurcgant P, Passos AR, Oliveira JML, Pereira IM, Costa TF. Absenteeism of nursing staff: decisions and actions of nurse managers. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(spe2):35-41. https://doi.org/10.1590/S0080-623420150000800005
https://doi.org/10.1590/S0080-6234201500...
).

No que se refere à avaliação dos fatores demográficos investigados, o sexo dos participantes mostrou associação significativa com os níveis de depressão, ansiedade e estresse, demonstrando que as mulheres possuem maior risco de apresentar alterações emocionais. Tal achado vai ao encontro de resultados de demais pesquisas sobre a mesma temática(33 Huang CLC, Wu MP, Ho CH, Wang JJ. Risks of treated anxiety, depression, and insomnia among nurses: a nationwide longitudinal cohort study. PLoS One. 2018;13(9):e0204224. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0204224
https://doi.org/10.1371/journal.pone.020...
,1111 Cohen J, Venter WDF. The integration of occupational- and household-based chronic stress among South African women employed as public hospital nurses. PLoS One. 2020;15(5):e0231693. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0231693
https://doi.org/10.1371/journal.pone.023...
,2020 Voskou P, Bougea A, Economou M, Douzenis A, Ginieri-Coccossis M. Relationship of quality of life, psychopathologic symptoms and ways of coping in Greek nursing staff. Enferm Clin (England Ed) 2020;30(1):23-30. https://doi.org/10.1016/j.enfcli.2018.10.006
https://doi.org/10.1016/j.enfcli.2018.10...
).

Diversos fatores podem ser elucidados como desencadeadores do estresse no sexo feminino, como o fato de que as mulheres desempenham atividades tanto laborais quanto domésticas. A assistência aos idosos, o cuidado com familiares doentes ou deficientes, o cuidado com os filhos associado à escassez de instituições/creches com disponibilidade de horário de atendimento compatível com aqueles que trabalham por turnos de 12 horas(1111 Cohen J, Venter WDF. The integration of occupational- and household-based chronic stress among South African women employed as public hospital nurses. PLoS One. 2020;15(5):e0231693. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0231693
https://doi.org/10.1371/journal.pone.023...
,2020 Voskou P, Bougea A, Economou M, Douzenis A, Ginieri-Coccossis M. Relationship of quality of life, psychopathologic symptoms and ways of coping in Greek nursing staff. Enferm Clin (England Ed) 2020;30(1):23-30. https://doi.org/10.1016/j.enfcli.2018.10.006
https://doi.org/10.1016/j.enfcli.2018.10...
) são alguns exemplos de demandas extras laborais que muitas mulheres vivenciam.

A qualidade do sono considerado como insatisfatório é um fator fisiológico apontado como um dos agentes determinantes das desordens emocionais e que também foi evidenciada no presente estudo, corroborando achados semelhantes de outros autores. Em estudo chinês(22 Gu B, Tan Q, Zhao S. The association between occupational stress and psychosomatic wellbeing among Chinese nurses: a cross-sectional survey. Medicine (Baltimore). 2019;98(22):e15836. https://doi.org/10.1097/MD.0000000000015836
https://doi.org/10.1097/MD.0000000000015...
), associaram-se os quadros de depressão, apresentados pelas enfermeiras, à má qualidade do sono, sendo verificado que elas estavam também mais predisponentes aos sintomas de ansiedade(22 Gu B, Tan Q, Zhao S. The association between occupational stress and psychosomatic wellbeing among Chinese nurses: a cross-sectional survey. Medicine (Baltimore). 2019;98(22):e15836. https://doi.org/10.1097/MD.0000000000015836
https://doi.org/10.1097/MD.0000000000015...
). Essa circunstância pode estar relacionada ao trabalho por turnos, principalmente o noturno(22 Gu B, Tan Q, Zhao S. The association between occupational stress and psychosomatic wellbeing among Chinese nurses: a cross-sectional survey. Medicine (Baltimore). 2019;98(22):e15836. https://doi.org/10.1097/MD.0000000000015836
https://doi.org/10.1097/MD.0000000000015...
), o qual compromete a qualidade do sono e a quantidade de horas dormidas por noite. Cabe ressaltar que, na presente amostra, 41,9% dos participantes possuem turno de trabalho noturno.

O suporte social é um fator que foi associado à manifestação da ansiedade, depressão e estresse. Destaca-se a importância de se ter e aumentar a rede de apoio social no âmbito de trabalho. Entretanto, neste contexto, é fundamental o reconhecimento das funções assistenciais e gerenciais desempenhadas pela equipe de enfermagem, bem como suas características individuais e, a partir delas, a adoção de intervenções para promover a melhora da rede de apoio social(11 Zurlo MC, Vallone F, Smith AP. Effects of individual differences and job characteristics on the psychological health of Italian nurses. Eur J Psychol. 2018;14(1):159-75. https://doi.org/10.5964/ejop.v14i1.1478
https://doi.org/10.5964/ejop.v14i1.1478...
).

Como importante fator laboral, a ausência de autonomia profissional também se mostrou associada às desordens emocionais. Nesse âmbito, em uma profissão que detém altas responsabilidades no cuidado do outro, limitar a autonomia do enfermeiro pode reduzir a capacidade de decisão e ação em momentos em que se exigem resoluções eminentes e importantes(2121 Abdolmaleki M, Lakdizaji S, Ghahramanian A, Allahbakhshian A, Behshid M. Relationship between autonomy and moral distress in emergency nurses. Indian J Med Ethics. 2019;4(1):20-5. https://doi.org/10.20529/IJME.2018.076
https://doi.org/10.20529/IJME.2018.076...
). O favorecimento da autonomia no trabalho deve ser considerado em discussões entre os gestores nas instituições, a fim de que políticas com vistas a garantir apoio e liberdade para tomadas de decisão sejam adotadas e beneficiem os profissionais de enfermagem(1010 Labrague LJ, McEnroe-Petitte DM, Leocadio MC, Van Bogaert P, Cummings GG. Stress and ways of coping among nurse managers: an integrative review. J Clin Nurs. 2018;27(7-8):1346-59. https://doi.org/10.1111/jocn.14165
https://doi.org/10.1111/jocn.14165...
,2121 Abdolmaleki M, Lakdizaji S, Ghahramanian A, Allahbakhshian A, Behshid M. Relationship between autonomy and moral distress in emergency nurses. Indian J Med Ethics. 2019;4(1):20-5. https://doi.org/10.20529/IJME.2018.076
https://doi.org/10.20529/IJME.2018.076...
).

No que concerne à satisfação profissional, sabe-se que este é outro fator laboral importante que está relacionado às desordens emocionais nos profissionais de enfermagem(66 Ghazwin MY, Kavian M, Ahmadloo M, Jarchi A, Javadi JS, Latifi S, et al. The association between life satisfaction and the extent of depression, anxiety and stress among Iranian nurses: a multicenter survey. Iran J Psychiatry [Internet]. 2016[cited 2021 Jan 20];11(2):120-7. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4947220/
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
-77 Ghawadra SF, Adbullan KL, Choo WY, Phang CK. Psychological distress and its association with job satisfaction among nurses in a teaching hospital. J Clin Nurs. 2019;28(21-22):4087-97. https://doi.org/10.1111/jocn.14993
https://doi.org/10.1111/jocn.14993...
). A literatura aponta que é necessário atuar na melhoria de recursos pessoais e laborais para a satisfação no trabalho. A promoção de relações interpessoais e profissionais, o desenvolvimento de rede de apoio social e de gestão são fatores primordiais para reduzir as cargas emocionais da maioria dos funcionários e, assim, promover melhor satisfação profissional(1212 McVicar A. Scoping the common antecedents of job stress and job satisfaction for nurses (2000-2013) using the job demands-resources model of stress. J Nurs Manag. 2016;24(2):E112-36. https://doi.org/10.1111/jonm.12326
https://doi.org/10.1111/jonm.12326...
).

Da mesma forma, sentimento de insegurança, sobrecarga de trabalho e não possuir boa relação com os colegas foram fatores laborais apresentados pelos profissionais e que estão associados às desordens emocionais investigadas. A literatura corrobora esses achados e evidencia que a insegurança profissional(2222 Zhang J, Wang S, Wang W, Shan G, Guo S, Li Y. Nurses' job insecurity and emotional exhaustion: the mediating effect of presenteeism and the moderating effect of supervisor support. Front Psychol. 2020;11:2239. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2020.02239
https://doi.org/10.3389/fpsyg.2020.02239...
), a sobrecarga de trabalho, devido à quantidade de horas extras para melhoria da renda mensal(1111 Cohen J, Venter WDF. The integration of occupational- and household-based chronic stress among South African women employed as public hospital nurses. PLoS One. 2020;15(5):e0231693. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0231693
https://doi.org/10.1371/journal.pone.023...
), associadas à relação conflituosa com os colegas de trabalho(1111 Cohen J, Venter WDF. The integration of occupational- and household-based chronic stress among South African women employed as public hospital nurses. PLoS One. 2020;15(5):e0231693. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0231693
https://doi.org/10.1371/journal.pone.023...
) e com a falta de reconhecimento dos familiares e pacientes(1111 Cohen J, Venter WDF. The integration of occupational- and household-based chronic stress among South African women employed as public hospital nurses. PLoS One. 2020;15(5):e0231693. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0231693
https://doi.org/10.1371/journal.pone.023...
), são fatores que também estão relacionados a maiores níveis das desordens emocionais.

Diante disso, torna-se aconselhável intervir, por meio de iniciativas pautadas em grupos operativos e apoio psicológico, para promover a resiliência. A adoção dessas medidas tem o objetivo de auxiliar os enfermeiros a lidarem melhor com as demandas excessivas e reduzir a fadiga emocional no âmbito profissional(1212 McVicar A. Scoping the common antecedents of job stress and job satisfaction for nurses (2000-2013) using the job demands-resources model of stress. J Nurs Manag. 2016;24(2):E112-36. https://doi.org/10.1111/jonm.12326
https://doi.org/10.1111/jonm.12326...
).

Não houve associação significativa e concomitante entre a tríade investigada e a idade, número de empregos e horas trabalhadas por dia. No entanto, identificamos associação entre a idade e o nível do estresse dos profissionais, evidenciando que, quanto maior a idade, menor o índice de estresse. Embora não tenha sido encontrado nenhum estudo sobre essa associação, esse resultado pode ser justificado pelo fato que os profissionais com maior idade tendem a possuir mais experiência e, com isso, adquirem maior confiança sobre as atividades que desempenham, sendo esse, portanto, um fator de proteção contra o estresse.

Da mesma forma, evidenciou-se associação negativa entre o número de empregos e o nível de estresse. Esse resultado pode ser justificado pelo fato de que ter mais de um emprego proporciona melhor situação financeira e, consequentemente, menor índice de estresse. Esse achado pode ser comparado a estudo realizado no Irã, o qual evidenciou que a inadequação salarial estava associada ao surgimento de estresse ocupacional entre enfermeiros(2323 Kakemam E, Raeissi P, Raoofi S, Soltani A, Sokhanvar M, Visentin D, Cleary M. Occupational stress and associated risk factors among nurses: a cross-sectional study. Contemp Nurse. 2019;55(2-3):237-49. https://doi.org/10.1080/10376178.2019.1647791
https://doi.org/10.1080/10376178.2019.16...
).

Limitações do estudo

Como limitação deste estudo, evidenciamos o recrutamento de profissionais em uma única instituição, o que pode não refletir os níveis de prevalência e os fatores associados em aspecto global, principalmente por se tratar de desordens emocionais fortemente impactadas pelas características laborais dos trabalhadores de cada instituição.

Entretanto, os resultados aqui apresentados trazem um panorama abrangente, que pode auxiliar no desenvolvimento de estratégias de prevenção e manejo dessas desordens emocionais, de forma que um importante passo seria trabalhar nos fatores modificáveis, como os fisiológicos e os laborais.

Para estudos futuros, sugere-se, portanto, realizar acompanhamento longitudinal desses profissionais, para saber como os níveis de estresse, ansiedade e depressão se comportam ao longo do tempo, identificar em quais momentos há intensificação ou melhora das desordens emocionais, além de quantificar a magnitude do impacto dos fatores sociodemográficos, fisiológicos e laborais nos níveis de estresse, ansiedade e depressão. Tais respostas poderão auxiliar no estabelecimento de medidas terapêuticas que promovam a melhoria da saúde mental desses profissionais.

Contribuições para a área da enfermagem

As altas taxas de prevalência de depressão, ansiedade e estresse evidenciadas neste estudo apontam para a necessidade de avaliação clínica constante dos profissionais de enfermagem atuantes em instituições hospitalares. Acredita-se que o monitoramento dessas desordens emocionais e fatores associados poderá subsidiar mudanças sociais, políticas e assistenciais na atenção à saúde do trabalhador no cenário brasileiro, com intuito de favorecer ações que respaldem um processo de trabalho mais saudável.

Por outro lado, cabe ressaltar que a presença e o agravamento dessas desordens emocionais também demandam intervenções específicas para esse público, como a adoção de medidas de monitoramento, prevenção e tratamento dessas sintomatologias. Para a prevenção e tratamento, técnicas não farmacológicas podem ser oferecidas nas instituições hospitalares de forma a proporcionar aos trabalhadores maior acolhimento e cuidado à sua saúde. Ademais, a adoção de medidas, como a diminuição da sobrecarga de trabalho e a melhora da relação multiprofissional, devem ser consideradas na política institucional como estratégias na redução de agentes estressores, otimizando a assistência oferecida e proporcionando melhor qualidade de vida aos profissionais de enfermagem.

CONCLUSÕES

Fatores demográficos, fisiológicos, sociais e laborais desempenham importante papel nos níveis de estresse, ansiedade e depressão, concomitantemente, em profissionais de enfermagem que atuam no nível terciário de atenção à saúde. Especificamente, o sexo feminino, o sono prejudicado, as relações familiares e sociais comprometidas, a falta de autonomia no trabalho, a relação hostil com os colegas, a falta de reconhecimento e satisfação profissional, o sentimento de estar sobrecarregado e a insegurança foram fatores associados ao estresse, à ansiedade e à depressão, simultaneamente, nesta população. Acreditamos, portanto, que a adoção de estratégias de enfrentamento que possam atuar sobre os fatores modificáveis investigados deve ser considerada, a fim de proporcionar melhor qualidade de vida a esta população.

MATERIAL SUPLEMENTAR

Em conformidade com a Ciência Aberta, o banco de dados para visualização está disponível em: https://doi.org/10.48331/scielodata.NJEQXN

  • FOMENTO
    Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) (APQ-01681-18).

AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - Processo 311425/2020-8.

REFERENCES

  • 1
    Zurlo MC, Vallone F, Smith AP. Effects of individual differences and job characteristics on the psychological health of Italian nurses. Eur J Psychol. 2018;14(1):159-75. https://doi.org/10.5964/ejop.v14i1.1478
    » https://doi.org/10.5964/ejop.v14i1.1478
  • 2
    Gu B, Tan Q, Zhao S. The association between occupational stress and psychosomatic wellbeing among Chinese nurses: a cross-sectional survey. Medicine (Baltimore). 2019;98(22):e15836. https://doi.org/10.1097/MD.0000000000015836
    » https://doi.org/10.1097/MD.0000000000015836
  • 3
    Huang CLC, Wu MP, Ho CH, Wang JJ. Risks of treated anxiety, depression, and insomnia among nurses: a nationwide longitudinal cohort study. PLoS One. 2018;13(9):e0204224. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0204224
    » https://doi.org/10.1371/journal.pone.0204224
  • 4
    Creedy DK, Sidebotham M, Gamble J, Pallant J, Fenwick J. Prevalence of burnout, depression, anxiety and stress in Australian midwives: a cross‐sectional survey. BMC Pregnancy Childbirth. 2017;7(1):13. https://doi.org/10.1186/s12884-016-1212-5
    » https://doi.org/10.1186/s12884-016-1212-5
  • 5
    Xie N, Qin Y, Wang T, Zeng Y, Deng X, Guan L. Prevalence of depressive symptoms among nurses in China: a systematic review and meta-analysis. PLoS One. 2020;15(7):e0235448. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0235448
    » https://doi.org/10.1371/journal.pone.0235448
  • 6
    Ghazwin MY, Kavian M, Ahmadloo M, Jarchi A, Javadi JS, Latifi S, et al. The association between life satisfaction and the extent of depression, anxiety and stress among Iranian nurses: a multicenter survey. Iran J Psychiatry [Internet]. 2016[cited 2021 Jan 20];11(2):120-7. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4947220/
    » https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4947220/
  • 7
    Ghawadra SF, Adbullan KL, Choo WY, Phang CK. Psychological distress and its association with job satisfaction among nurses in a teaching hospital. J Clin Nurs. 2019;28(21-22):4087-97. https://doi.org/10.1111/jocn.14993
    » https://doi.org/10.1111/jocn.14993
  • 8
    Saquib N, Zaghloul MS, Saquib J, Alhomaidan HT, Al-Mohaimeed A, Al-Mazrou A. Association of cumulative job dissatisfaction with depression, anxiety and stress among expatriate nurses in Saudi Arabia. J Nurs Manag. 2019;27(4):740-8. https://doi.org/10.1111/jonm.12762
    » https://doi.org/10.1111/jonm.12762
  • 9
    Maharaj S, Lees T, Lal S. Prevalence and risk factors of depression, anxiety, and stress in a cohort of Australian nurses. Int J Environ Res Public Health. 2018;16(1):61. https://doi.org/10.3390/ijerph16010061
    » https://doi.org/10.3390/ijerph16010061
  • 10
    Labrague LJ, McEnroe-Petitte DM, Leocadio MC, Van Bogaert P, Cummings GG. Stress and ways of coping among nurse managers: an integrative review. J Clin Nurs. 2018;27(7-8):1346-59. https://doi.org/10.1111/jocn.14165
    » https://doi.org/10.1111/jocn.14165
  • 11
    Cohen J, Venter WDF. The integration of occupational- and household-based chronic stress among South African women employed as public hospital nurses. PLoS One. 2020;15(5):e0231693. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0231693
    » https://doi.org/10.1371/journal.pone.0231693
  • 12
    McVicar A. Scoping the common antecedents of job stress and job satisfaction for nurses (2000-2013) using the job demands-resources model of stress. J Nurs Manag. 2016;24(2):E112-36. https://doi.org/10.1111/jonm.12326
    » https://doi.org/10.1111/jonm.12326
  • 13
    Maharaj S, Lee T, Lal S. Negative mental states and their association to the cognitive function of nurses. J Psychophysiol. 2019:33(3):207-18. https://doi.org/10.1027/0269-8803/a000223
    » https://doi.org/10.1027/0269-8803/a000223
  • 14
    Von EE, Altman DG, Egger M, Pocock SJ, Gøtzche PC, Vandenbroucke JP; STROB Iniciative. The strengthening the reporting of observational studies in epidemiology (STROBE) statement: guidelines for reporting observational studies. PLoS Med. 2007;4(10):e296. https://doi.org/10.1371/journal.pmed.0040296
    » https://doi.org/10.1371/journal.pmed.0040296
  • 15
    Oliveira CMC, Assis BB, Mendes PG, Lemos IC, Sousa ALC, Chianca TCM. Auriculotherapy in nursing professionals during the coronavirus pandemic: a multiple case study. Rev Eletron Enferm. 2021;23:65678. https://doi.org/10.5216/ree.v23.65678
    » https://doi.org/10.5216/ree.v23.65678
  • 16
    Vignola RCB, Tucci AM. Adaptation and validation of the depression, anxiety and stress scale (DASS) to Brazilian Portuguese. J Affect Disord. 2014;155:104-9. https://doi.org/10.1016/j.jad.2013.10.031
    » https://doi.org/10.1016/j.jad.2013.10.031
  • 17
    McNeish D. Thanks coefficient alpha, we'll take it from here. Psychol Methods. 2018;23(3):412-33. https://doi.org/10.1037/met0000144
    » https://doi.org/10.1037/met0000144
  • 18
    Schober P, Boer C, Schwarte LA. Correlation coefficients: appropriate use and interpretation. Anesth Analg. 2018;126(5):1763-8. https://doi.org/10.1213/ANE.0000000000002864
    » https://doi.org/10.1213/ANE.0000000000002864
  • 19
    Kurcgant P, Passos AR, Oliveira JML, Pereira IM, Costa TF. Absenteeism of nursing staff: decisions and actions of nurse managers. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(spe2):35-41. https://doi.org/10.1590/S0080-623420150000800005
    » https://doi.org/10.1590/S0080-623420150000800005
  • 20
    Voskou P, Bougea A, Economou M, Douzenis A, Ginieri-Coccossis M. Relationship of quality of life, psychopathologic symptoms and ways of coping in Greek nursing staff. Enferm Clin (England Ed) 2020;30(1):23-30. https://doi.org/10.1016/j.enfcli.2018.10.006
    » https://doi.org/10.1016/j.enfcli.2018.10.006
  • 21
    Abdolmaleki M, Lakdizaji S, Ghahramanian A, Allahbakhshian A, Behshid M. Relationship between autonomy and moral distress in emergency nurses. Indian J Med Ethics. 2019;4(1):20-5. https://doi.org/10.20529/IJME.2018.076
    » https://doi.org/10.20529/IJME.2018.076
  • 22
    Zhang J, Wang S, Wang W, Shan G, Guo S, Li Y. Nurses' job insecurity and emotional exhaustion: the mediating effect of presenteeism and the moderating effect of supervisor support. Front Psychol. 2020;11:2239. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2020.02239
    » https://doi.org/10.3389/fpsyg.2020.02239
  • 23
    Kakemam E, Raeissi P, Raoofi S, Soltani A, Sokhanvar M, Visentin D, Cleary M. Occupational stress and associated risk factors among nurses: a cross-sectional study. Contemp Nurse. 2019;55(2-3):237-49. https://doi.org/10.1080/10376178.2019.1647791
    » https://doi.org/10.1080/10376178.2019.1647791

Editado por

EDITOR CHEFE: Álvaro Sousa
EDITOR ASSOCIADO: Hugo Fernandes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    20 Maio 2021
  • Aceito
    28 Set 2021
Associação Brasileira de Enfermagem SGA Norte Quadra 603 Conj. "B" - Av. L2 Norte 70830-102 Brasília, DF, Brasil, Tel.: (55 61) 3226-0653, Fax: (55 61) 3225-4473 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: reben@abennacional.org.br