A mobilização dos enfermeiros pela não interrupção da Residência em Enfermagem

La movilización de los enfermeros por la no interrupción de la Residencia de Enfermería

RESUMO

Objetivo:

analisar as estratégias dos enfermeiros para manutenção da Residência em Enfermagem do Hospital Ophir Loyola e discutir as repercussões da interrupção da Residência em Enfermagem desse Hospital para o Estado do Pará.

Método:

pesquisa histórico-social. A coleta se deu através de fontes primárias como documentos escritos e depoimentos orais. As fontes secundárias, foram manuais e artigos que abordavam o tema. Apoiou-se no pensamento do sociólogo Pierre Bourdieu no que concerne aos conceitos de capital cultural, social e simbólico, de habitus e de campo.

Resultados:

a despeito da mobilização dos enfermeiros, evidenciou-se a forte influência política-partidária no agravamento da crise e interrupção do Programa de Residência em Enfermagem no Hospital Ophir Loyola, com implicações para a qualificação de enfermeiros e para a saúde da sociedade paraense.

Conclusão:

evidenciou-se a predominância de interesses políticos partidários em detrimento dos interesses sociais, culminando com a interrupção da Residência em Enfermagem.

Descritores:
Enfermagem; História da Enfermagem; Educação de Pós-Graduação em Enfermagem

RESUMEN

Objetivo:

analizar las estrategias de los enfermeros para la manutención de la Residencia en Enfermería del Hospital Ophir Loyola y discutir las repercusiones de la interrupción de la Residencia de Enfermería de ese Hospital para el estado de Pará.

Método:

investigación de naturaleza histórica y social. La recogida se dio a través de fuentes primarias: documentos escritos y testimoniales orales y, las fuentes secundarias, manuales y artículos que abordaban el tema en cuestiones. Como referencia teórica se apoyó en el pensamiento del sociólogo francés Pierre Bourdieu en lo que concierne a los conceptos de capital cultural, social y simbólico, de habitus y de campo.

Resultados:

a despecho de la movilización de los enfermeros, se evidenció

la fuerte influencia política y partidaria en el agravamiento de la crisis y interrupción del Programa de Residencia en Enfermería en el Hospital Ophir Loyola, con implicaciones para la calificación de enfermeros y para la salud de la sociedad de Pará.

Conclusión:

demostró el predominio de los intereses políticos partidarios en detrimento de los intereses sociales, lo que resulta en la interrupción de la residencia de enfermería.

Palabras-Clave:
Enfermería; Historia de la Enfermería; Educación de Postgrado en Enfermería

ABSTRACT

Objective:

To analyze the strategies employed by nurses to maintain the nursing residence program at the Ophir Loyola Hospital and discuss the potential effects of this interruption on the state of Pará.

Method:

Social-historic research. Data were collected through primary sources, written documents, and oral testimonial; the secondary sources used were manuals and articles that approached the topic in question. The theoretical reference was based on the French sociologist Pierre Bourdieu's ideas about the concepts of cultural, social, and symbolic capital, in addition to the habitus and field concepts.

Results:

During the nurses' mobilization there was a strong political influence on the development of the crisis and the interruption of the nursing residence Program at the Ophir Loyola Hospital, with implications for the nurses' qualifications and the health care delivered to the societyof Pará.

Conclusion:

The analysis showed the prevalence of partisan political interests at the expense of social interests, culminating in the interruption of the nursing residency.

Key words:
Nursing; History of Nursing; Education, Nursing, Graduate

INTRODUÇÃO

O Pará é o segundo maior estado do Brasil em extensão territorial. Sua capital é Belém, situada na região metropolitana da Amazônia, com cerca de 1,8 milhões de habitantes. É a segunda cidade mais populosa da região Norte⁽¹⁾.

O serviço de saúde no Estado do Pará não difere do restante da Região Norte do país. O sistema de saúde é eminentemente público, constituído por rede hospitalar de alta e média complexidade®. Porém, é insuficiente para atender às demandas da população, carente de soluções para os seus problemas de saúde, desde os mais complexos aos mais simples⁽³⁾.

Acrescenta-se a essa condição, a crescente complexidade observada no campo da saúde, aliada aos avanços científicos e tecnológicos. Tal condição exige qualificação profissional⁽³⁾ de modo que a prática assistencial, no Estado do Pará, contemple as possibilidades técnicas e terapêuticas disponíveis no Brasil e no mundo⁽⁴⁾, relacionando a oferta de serviços à assistência prestada nos três níveis de atenção à saúde.

No entanto, ao lado de toda riqueza natural que dispõe, temos também um território marcado por conflitos sociais, com uma agricultura capitalizada, repercutindo no aumento das migrações intra-regionais em busca de melhores condições de serviço⁽⁴⁾. Tudo isso contribuiu para ocupação dos espaços urbanos de forma desordenada, sem saneamento básico, aumentando a pobreza. Este fenômeno é observado, sobretudo, nas grandes metrópoles como Manaus e Belém do Pará. É também responsável, em grande parte, pela manutenção do desajustes sociopolítico, econômico, cultural e sanitário na região⁽⁵⁾.

Considerando a relevância dos aspectos abordados e sua relação com a formação de profissionais bem preparados para atuar na região, cabe destacar a necessidade de se dar continuidade a uma política sócio-econômica e sanitária voltada destacadamente para as áreas da educação e da saúde. Isso nos leva à apreensão em relação à continuidade dos programas de Residência em Enfermagem, como uma medida importante para qualificação profissional na saúde, no Estado do Pará.

A Residência em Enfermagem, enquanto modalidade de ensino de pós-graduação lato sensu destinada aos enfermeiros, configurou-se como a possibilidade de qualificá-los para atender as demandas no Estado do Pará. A Residência em Enfermagem zela pelo desenvolvimento das competências técnico-científicas e éticas, decorrentes do treinamento em serviço, contribuindo para uma assistência mais qualificada e a serviço da cidadania⁽⁶⁾.

No entanto, a ascensão de um novo grupo político no estado, levou à uma crise que culminou com a interrupção, em 2007, da Residência em Enfermagem do Hospital Ophir Loyola (HOL), sob coordenação acadêmica do Curso de Enfermagem da Universidade do Estado do Pará. O investimento de enfermeiros não foi suficiente para garantir o processo de expansão das Residências de Enfermagem nessa instituição hospitalar, referência para a região em tratamentos de alta complexidade.

Diante disso, o presente estudo tem como objetivos: analisar as estratégias dos enfermeiros para manutenção da Residência em Enfermagem do Hospital Ophir Loyola e discutir as repercussões da interrupção da Residência em Enfermagem desse Hospital para o Estado do Pará.

A relevância social deste estudo consiste na possibilidade de divulgar a produção científica sobre a história da enfermagem do Pará, em especial, a mobilização dos enfermeiros pela não interrupção da Residência em Enfermagem do hospital Ophir Loyola. As justificativas se pautam tanto na pertinência da discussão sobre os limites e possibilidades das ações de profissionais da enfermagem e de autoridades do Estado do Pará, como na recuperação e valorização de preciosas fontes orais.

MÉTODO

O recorte temporal compreende o ano de 2005 a 2007. Nesse período mudanças na política substituiram as lideranças do Governo Estadual do Pará, culminando com o último ingresso de enfermeiros para a Residência em Enfermagem no HOL.

O estudo teve como referência teórica o pensamento do sociólogo francês Pierre Bourdieu no que concerne aos conceitos de capital cultural, social e simbólico, além dos conceitos de habi-tus e de campo. O argumento central de Bourdieu é o de que as práticas sociais são estruturadas, isto é, apresentam propriedades típicas da posição social de quem as produz. Tais práticas são expressas através do habitus. O habitus traduz as características intrínsecas e relacionais de uma posição em um estilo de vida unívoco, ou seja, em um conjunto unívoco de escolhas, de bens e de práticas⁽⁷⁾. Funciona como um conjunto de traços distintivos e separações diferenciais, constitutivas de um sistema mítico--ritual, que simbolizam os indivíduos nos espaços sociais.

Nesse estudo, o HOL, antigo Hospital dos Servidores do Estado, representa o espaço social onde se estabeleceram relações dialéticas entre os agentes (médicos, fisioterapeutas, psicólogos, assistentes sociais, técnicos de enfermagem e outros membros da equipe da área de saúde) e as estruturas deste espaço.

As fontes primárias do estudo foram obtidas junto a sete enfermeiras. Dentre estas, uma era representante de entidade de classe (D1), duas egressas da Residência em Enfermagem (D2, D3), uma atuou na função de gestora (D4) e duas precepto-ras (D5, D6). Estas agentes foram incluídas no estudo porque participaram da trajetória da Residência em Enfermagem no HOL, no período de 1998 a 2007. Os demais integrantes da equipe de saúde foram excluídos porque não tiveram participação direta ou indireta no processo. Os sujeitos foram identificados com a designação de entrevistada, seguido do número ordinal conforme o uso das entrevistas no texto.

A coleta de dados se realizou por meio de entrevista semi--estruturada, auxiliada por um roteiro com perguntas abertas, permitindo discorrer sobre o tema sem perder de vista a indagação formulada⁽⁸⁾. As entrevistas foram realizadas nos meses de outubro e dezembro de 2009 e nos meses de janeiro, fevereiro e março de 2010. Foram norteadas pela questão: como os enfermeiros se organizaram frente a possibilidade de interrupção da Residência de Enfermagem no Hospital Ophir Loyola? Aconteceram em dia, hora e local de acordo com o agendamento das entrevistadas. Foram realizadas mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

As fontes secundárias foram constituídas por artigos, teses, dissertações e livros. Consubstanciaram a análise dos dados derivados das fontes primárias do estudo, constituindo o cor-pus documental. Estas fontes foram localizadas em bibliotecas públicas e virtuais, como: Bib1lioteca Dr. Orlando Costa, Biblioteca Virtual de Saúde Pública do Estado do Pará, Biblioteca Digital de Tese e Dissertação de Mestrado da Universidade do Estado do Pará (UEPA) e Biblioteca Paulo Freire - Centro de Ciências Sociais e Educação - Campus I - UEPA.

Como preconizado pelo método histórico, o estudo comportou as três etapas essenciais: levantamento dos dados, análise crítica e conclusões. Após a etapa de seleção e classificação das fontes documentais, procedeu-se à determinação da qualidade e relevância da informação contida nas fontes para o trabalho historiográfico proposto. Este processo de validação de fontes denomina-se crítica externa e crítica interna⁽⁸⁾.

Na etapa de análise dos dados, foi considerado o conjunto de fatos políticos e sociais para a interpretação dos dados históricos, permitindo a exposição histórica a partir da documentação selecionada.

É importante ressaltar que, em cumprimento à Resolução n° 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, o estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery/ Hospital Escola São Francisco de Assis e aprovado através do parecer contido no protocolo de número 087/2009, em 30 de novembro de 2009.

RESULTADOS

A Luta dos enfermeiros para manutenção da Residência em Enfermagem no HOL

Em 1º de Janeiro de 2007 tomou posse a governadora do Estado do Pará, Ana Júlia Carepa, do Partido dos Trabalhadores (PT), sucessora do então Governador Simão Robson Jatene, do PSDB.

Com a transição para o novo governo estadual, várias foram as acomodações políticas envolvendo os cargos de confiança nas diferentes instâncias da estrutura estadual, considerando que a gestão anterior foi liderada por um grupo opositor. Houve entrada de novos agentes no campo, substituindo gestores de várias unidades da área da saúde.

O HOL não ficou imune a essas mudanças e teve o Diretor Geral, Nilo Alves de Almeida, substituído pela médica Laura de Nazareth de Azevedo Rossetti. Logo, muitos responsáveis pelos diferentes Serviços também foram substituídos. No bojo dessas rearticulações internas, houve na Diretoria de Ensino e Pesquisa (DEP) do Hospital, a substituição de Luís Cláudio Chaves, Médico do HOL e docente da UEPA, por Acácio Augusto Centeno Neto, também Médico do HOL e docente da UEPA.

Neste mesmo período, precisamente em 24 de janeiro de 2007, o Reitor da Universidade do Estado do Pará, Fernando Antônio Colares Palácios, encaminhou a nova Diretora do HOL, o oficio n°45 GAB/UEPA informando da impossibilidade de manter a execução financeira do convênio entre a UEPA e o Hospital, importante para manutenção da Residência em Enfermagem. O argumento apresentado se baseava nos frequentes questionamentos da Auditoria do Tribunal de Contas do Estado acerca do que considerava duplicidade de pagamento de serviços com vínculo com o estado, em função da existência de docentes da UEPA também pertencentes ao quadro funcional do HOL. O reitor explicitou sua preocupação com a manutenção dos termos do convênio, uma vez que poderia causar sérios transtornos institucionais e pessoais, inclusive com devolução de valores aos cofres públicos.

A alternativa encontrada pelo diretor da DEP-HOL foi suspender todas as atividades relacionadas à Residência em Enfermagem que gerassem custos para o hospital. A impossibilidade de manutenção da Residência foi objeto de intensa discussão envolvendo o próprio diretor da DEP- HOL, a Chefe da Divisão de Ensino do HOL, enfermeira Zandra da Silva e Mota, e as demais Coordenadoras.

Diante desse fato, a Enfermeira Zandra da Silva e Mota, sentindo-se ofendida com a condução da discussão, enviou em 29 de agosto de 2007, um memorando à médica Laura de Nazareth de Azevedo Rossetti, diretora Geral do HOL. Neste ofício sugeria a abertura de auditoria para apuração do que considerou injúrias a ela dirigidas pelo diretor do DEP- HOL. Esta iniciativa culminou, em 19 de setembro de 2007, com a exoneração da enfermeira do cargo de Chefe daquela Divisão de Ensino.

Diante da emergência dos conflitos apresentados, os enfermeiros residentes se mobilizaram no intuito de buscar apoio em diferentes frentes, como o Conselho Regional de Enfermagem, o Ministério Público e a própria Universidade do Estado do Pará. Isto pode ser ilustrado por fragmentos de depoimentos:

A discussão sobre a Residência em Enfermagem começou com alguns residentes que procuraram o COREn para manifestar a sua insatisfação com relação ao andamento do Curso de Especialização em Enfermagem Modalidade Residência, [...] este grito foi iniciado pelos enfermeiros residentes e acabou refletindo na Instituição. (D1)

[...], na época os residentes se reuniram, todos ficaram revoltados [...], e alguns alunos se juntaram e foram até o COREn. (D2)

Além disso, entre outras implicações, cumpre sublinhar que a mudança da diretoria não foi bem aceita. Ficaram evidentes dificuldades entre os envolvidos com ensino e a pesquisa no âmbito daquela instituição, sobretudo no que se refere ao desenvolvimento da Residência em Enfermagem:

A interrupção [...], deveu-se às questões políticas. [...], foi troca de governo, com troca de partido, logo, entrou outro Diretor para o Hospital que já não viu a Residência com bons olhos como era vista antes, então estas questões políticas interferiram negativamente na área da saúde. (D3)

[...]. Eu acredito que houve uma falta de compromisso, falta de compromisso dos gestores, falta de compromisso político com a causa e é uma pena constatarmos isto, realmente, porque não foram só estes cursos de Residência que acabaram [...]. (D4)

Repercussão da interrupção da Residência em Enfermagem no HOL no Estado do Pará

A não priorização da manutenção das Residências em Enfermagem, por parte do governo estadual que acabava de assumir, colocou em situação crítica a continuidade do Projeto no Hospital. Isso provocou grande impacto nas pessoas que estavam à frente do processo, tais como coordenadores, preceptores, egressos da Residência em Enfermagem, representantes de entidade de classe e para a sociedade paraense em geral.

[...]. O abalo ocorreu na assistência prestada aos nossos pacientes oncológicos. Porque na época da existência da Residência éramos realmente obrigadas a estudar, querendo ou não tínhamos que nos capacitar. Acredito que existiram significativas perdas em se tratando da assistência em detrimento à paralisação do Programa de Residência. (D5)

[...] foi um momento doloroso quando percebemos que havíamos retrocedido no tempo, a triste constatação de ter perdido algo extremamente valioso [...]. Sem mencionar os prejuízos em relação à ausência de recursos humanos especializados para atuar nas áreas estratégicas do estado, onde a presença desses profissionais se faz cada dia mais necessário. (D6)

Como se depreende dos depoimentos transcritos, parte expressiva dos participantes do estudo mencionaram que a interrupção dos Programas de Residência em Enfermagem estava impregnada de forte cunho político-partidário, com muitas implicações, sobretudo para a saúde da sociedade paraense.

Para ilustrar o impacto desse contexto para a saúde no Estado do Pará, consultamos o Caderno de Informações em Saúde Publicado de julho de 2007 do Ministério da Saúde. Nesse documento, fica claro que o Estado do Pará é responsável por 25,7% dos óbitos por causas mal-definidas na região da Amazônia Legal. Isso indica deficiências no preenchimento das declarações de óbitos e precariedade dos recursos médico-assistenciais.

Se considerarmos apenas os nove estados que integram a região da Amazônia Legal, observaremos que o estado do Pará apresenta indicadores de saúde bastante comprometedores, colocando-o em desvantagem na própria região. Como principais agravos referentes ao fato podem ser citados: Doenças do aparelho respiratório (2° lugar); Afecções originadas no período perinatal (2° lugar); Incidência de malária (2° lugar); Doenças infecciosas e parasitárias (3° lugar); Incidência de hanseníase (5° lugar); Causas externas (6° lugar); Neoplasias (7° lugar). Alguns desses problemas de saúde eram estudados pelos enfermeiros no Projeto de Residência em Enfermagem.

Esses indicadores expressavam a gravidade em que se encontrava o campo da saúde no Estado do Pará. Ignorá-los representava contribuir para a sua manutenção. A interrupção da Residência em Enfermagem contribuía para a escassez de recursos humanos de enfermagem especializados para o en-frentamento das questões complexas de saúde no Estado.

DISCUSSÃO

A ameaça à continuidade da Residência em Enfermagem no HOL era eminente. Através de um ofício, o reitor da Universidade do Estado do Pará sugeriu que o HOL adotasse alternativas para a execução financeira da Residência em Enfermagem tal como acontecia com outros órgãos, com a efetivação de contratos com fundações ou instituições congêneres, mantendo, no entanto, as parcerias de natureza acadêmica^(9-10).

No entendimento dos profissionais envolvidos com o Projeto da Residência em Enfermagem, a crise foi influenciada muito mais por questões ideológicas e partidárias do que por razões referentes ao Curso de Residência em si. Em parte, acreditavam que isso se deveu às dificuldades de valorização da Residência em Enfermagem pelo grupo que assumiu funções decisórias na administração do HOL.

Neste estudo, o HOL, cenário da Residência em Enfermagem constitui um campo científico representando um campo de forças e, portanto, um espaço social de lutas de seus agentes para conservar ou transformá-lo⁽¹¹⁾. Logo, o grupo manifesto une-se e define suas estratégias de luta, cujo interesse era o de reverter um movimento avançado para a interrupção da Residência em Enfermagem naquela instituição.

A Enfermagem se mostrou determinada e adotou estratégias importantes que muito contribuiriam para "a qualificação de enfermeiros, considerando, dentre outros aspectos, o fortalecimento da identidade profissional; a expressão política do conhecimento, pelas articulações dos profissionais e pela sua inserção nos diferentes movimentos da sociedade civil [...]"⁽¹²⁾.

É interessante registrar que na administração pública ou privada, mudança de pessoas que exercem função de poder institucional se faz acompanhar por alterações de ações administrativas. Isto pode gerar problema classificado como descontinuidade do planejamento e da política institucional. Esse fenômeno ganha contornos mais expressivos, à medida que agrega disputas político-partidárias e, muito mais, quando isso significa a ruptura de um modelo intensamente contestado por longo tempo. Para que se obtenha êxito, é importante ser cuidadoso no encaminhamento dos projetos políticos e preenchimento de vagas nos chamados postos de confiança.

Esse cuidado, no entanto, deve ser baseado em critérios, uma vez que pode imobilizar o fluxo administrativo, comprometendo o funcionamento de diferentes setores da administração pública, incluindo-se aí algumas atividades nevrálgicas ao bem-estar social. Embora haja distinção entre o que se entende como crescimento, associado a aspecto apenas econômico, e o desenvolvimento, associado a crescimento comprometido com o social, nos dias atuais, este último ganha dimensões "múltiplas e matizadas". Isso reforça nosso entendimento acerca da complexidade no tratamento desse tema⁽¹³⁾.

O interesse social deve contar com ações que atendam às necessidades de grupos vulneráveis, indo para além de medidas superficiais e de fins político-partidários⁽¹⁴⁾. Desse modo, podem contribuir verdadeiramente para produzir efeitos bastante reais na área social, particularmente, no campo da saúde, cujo discurso científico é, por vezes, ignorado. Não é prudente negligenciar os danos causados pelas ações políticas, perder de vista que estas teriam reflexos diretos ou indiretos no cuidado de enfermagem à sociedade paraense.

O forte cunho político-partidário que repercutia no futuro da Residência em Enfermagem no Estado do Pará trazia implicações, nomeadamente, para a saúde da sociedade paraense. Isso significava a negação de "pensar a construção da cidadania e do sujeito político no processo de ensinar a cuidar da saúde, a partir do processo educativo"⁽¹⁵⁾. Este modo de pensar compreende os espaços macroestruturais e os microestruturais que influenciam tanto o mundo da saúde como o da educação.

O Estado do Pará convivia com indicadores de saúde considerados preocupantes, dentre as quais as doenças do aparelho respiratório, as causas externas e neoplásicas⁽¹⁶⁾. Esses problemas de saúde eram objeto de estudo dos enfermeiros no Projeto de Residência em Enfermagem do HOL.

Esses dados revelam também que o perfil epidemiológico da população é pontuado pela sobreposição de indicadores de naturezas distintas. Por um lado, prevalecem como causas de óbitos as doenças crônicas não transmissíveis e agravos como causas externas, próprias do processo de transição epidemiológica e do processo de urbanização crescente. Por outro, evidenciam-se as doenças decorrentes de precárias condições de vida e do baixo acesso às medidas de prevenção e controle e aos serviços de saúde⁽¹⁷⁾.

É diante desse contexto social que se instalou a crise acerca da manutenção da Residência em Enfermagem. Os profissionais envolvidos com a criação da Residência em Enfermagem tinham conhecimento dos indicadores epidemiológicos de saúde no Estado do Pará e na região norte do Brasil. Isso os permitia prever o impacto que teria, a médio prazo, a interrupção da Residência em Enfermagem no HOL e, portanto, justificando o sentimento de repúdio daquele grupo.

Além disso, a interrupção da Residência em Enfermagem eliminaria à possibilidade de atualização do habitus profissional dos enfermeiros recém-formados, uma vez que limitava a ampliação de conhecimentos teórico-práticos, a partir de indicadores epidemiológicos regionais. A especialização do enfermeiro recém-formado ficaria restrita ao financiamento de Cursos de Especialização, em quantidade limitada no estado. Ainda assim, serviriam muito mais à incorporação de conhecimentos teóricos do que propriamente à incorporação de habilidades práticas, em determinada área de conhecimento.

Cabe, portanto, enfatizar que a inserção dos novos agentes na Direção Geral e na Diretoria de Ensino e Pesquisa do HOL evidenciou um jogo de poder, onde o capital político foi decisivo para a interrupção da Residência em Enfermagem, abrindo uma lacuna na especialização dos profissionais de enfermagem no Estado do Pará.

O poder simbólico enunciado pelos dirigentes recém-nomea-dos para os principais cargos do HOL prevaleceu sob os demais agentes da instituição, em especial aqueles envolvidos com o Projeto da Residência. Tal condição se deu mediante a imposição de uma nova ordem pelos detentores da violência simbólica legítima, representados pelos novos dirigentes do HOL. Nesse jogo, gestos e palavras foram utilizados como instrumentos simbólicos para extorquir o reconhecimento daqueles que não ocupavam posições de poder no mesmo espaço. Isso porque as palavras de ordem possuem poder de manter a ordem ou de subvertê-la, em função da crença na legitimidade das manifestações daqueles que as pronuncia; ou seja, quem fala e de onde fala⁽⁷⁾.

A nomeação oficial de autoridades públicas tem a seu favor a força do coletivo, do consenso, do senso comum, porque se faz operada por um mandatário do Estado e, nessa condição, detentor de uma violência simbólica legítima. E, assim, podendo influenciar ou determinar políticas internas capazes de interromper ações políticas, como o Projeto de Residência em Enfermagem, de reconhecida relevância por enfermeiros residentes, preceptores e representantes de entidade de classe da categoria, e outros⁽⁷⁾.

Por outro lado, não se pode ignorar que a interrupção da possibilidade de qualificação dos enfermeiros implicava impedimento a esse grupo de acesso a um título profissional, que representava espécie de regra jurídica de percepção social como um direito, que funciona como distinção social, capaz de lhe conferir outras espécies de ganhos simbólicos⁽⁷⁾. Esse aspecto explica em parte o inconformismo daqueles que muito tinham a perder com a interrupção do referido curso.

Por outro ângulo de análise, a reação do grupo pode ser também explicada pela consciência desenvolvida durante a Residência em Enfermagem acerca do que seja política social, pois não se restringia à ajuda, piedade ou voluntariado. Tratava-se de um processo social, por meio do qual "o necessitado gesta consciência política de sua necessidade". Em função disso, emergia como sujeito de seu próprio destino, tendo sua própria atuação organizada como condição fundamental para o enfrentamento da desigualdade. A "política social emancipatória" é aquela na qual se pavimenta a cidadania organizada dos interessados, onde os sujeitos são coparticipantes e codecisores⁽¹³⁾.

As descontinuidades no andamento de projetos políticos no Estado do Pará, sobretudo aqueles de natureza social, poderiam levar ao agravamento do cenário crítico no Estado. No que se refere aos indicadores na área da saúde, em 2007, pode-se constatar que as principais causas de mortalidade entre as doenças do Aparelho Circulatório eram: Acidente Vascular Cerebral, Infarto Agudo do Miocárdio, Hipertensão Arterial, Insuficiência Cardíaca Congestiva e Hemorragia Intracerebral.

Todas essas complicações exigem intervenção altamente especializada e em unidades de tratamento e reabilitação de alta complexidade tecnológica, portanto, de elevado custo financeiro. Mais uma vez, fica evidenciada a necessidade de profissionais preparados, com domínio científico e habilidades técnicas, muito bem incorporados ao longo da formação.

Cabe acrescentar que as doenças do Aparelho Circulatório atingem, principalmente, a parcela da população de maior faixa etária. Assim, devemos considerar o crescimento da população idosa brasileira, com perspectivas de ocupar o sexto lugar no mundo até o ano de 2025. Esse fenômeno é responsável por importantes alterações na sociedade, podendo agravar-se no futuro, com impacto na economia, no mercado de trabalho e no sistema de saúde, o que requer a adoção de políticas sociais bem ajustadas às demandas resultantes do envelhecimento da população⁽¹⁸⁾. Nesse sentido, algumas medidas têm sido adotadas, como a Política Nacional do Idoso, regulamentada pela lei no 8.842, de 04 de janeiro de 1994 - Cap. IV, art. 10, dispondo sobre os cuidados de saúde direcionados a este grupo populacional, e o Estatuto do Idoso, lei n° 10.741 de 1° de outubro de 2003, que prescreve diretrizes para o cuidado, com objetivos de prevenção e manutenção da saúde deste mesmo grupo.

Outras preocupações envolvem políticas públicas, como por exemplo, no que se refere ao aumento da taxa de doenças cardiovasculares, responsáveis por mais de 40% das mortes no país. O Brasil passou, em menos de 40 anos, de um perfil de mortalidade próprio de uma população jovem para um desenho caracterizado por doenças complexas e mais onerosas, associadas às faixas etárias mais avançadas⁽¹⁹⁾.

No contexto das Doenças Crônico Degenerativas, também podemos incluir as neoplasias. Para melhor compreensão da magnitude dessa patologia, destacamos alguns aspectos tratados em um evento realizado nos dias 12 e 13 de março de 2009, na cidade do Rio de Janeiro. Trata-se do Seminário de Avaliação Final do Edital de Neoplasias - 2005, apoiado pelo Departamento de Ciência e Tecnologia (DECIT). Na oportunidade, o representante da Coordenação de Prevenção e Vigilância do INCA, Cláudio Noronha, teceu comentários gerais, com relevantes esclarecimentos sobre dados epidemiológicos do câncer no Brasil. Na oportunidade, apresentou estimativas, incidência e mortalidade da doença. De acordo com a explanação, o Brasil é considerado um país de média para alta incidência de câncer. Apenas em 2008, por exemplo, registraram-se 352 mil novos casos no país, situando-se as taxas mais elevadas nas cidades mais desenvolvidas⁽¹⁹⁾.

Esses indicadores reforçam a magnitude do desafio de articular as políticas públicas em todas as áreas à mudança no perfil demográfico da população brasileira e suas repercussões, em particular, para a saúde dos idosos.

Esse é mais um argumento a reforçar a abrangência do retrocesso que significaria a interrupção da Residência em Enfermagem, uma vez que qualificava enfermeiros para atuação nessa especialidade, em um Hospital de referência no tratamento oncológico para as regiões norte e nordeste do país.

Outro indicador de mortalidade no Estado do Pará referia-se às causas externas. Em matéria publicada no Jornal "O Liberal", em 25 de fevereiro de 2011, intitulada "Pará é o 4° em Violência no País", o jornalista Thiago Vilarins descreve o mapa da violência no território nacional. Com apoio em dados fornecidos pelo Ministério da Justiça, revela que na Região Metropolitana de Belém, ocorriam 97 homicídios por mês, representando uma taxa de 47 homicídios para cada 100 mil habitantes. Análise mais detalhada da informação permitiu constatar que, entre as 6 cidades mais violentas do país, três são do Pará (Itupiranga - 1° lugar; Marabá - 4° lugar e Goianésia do Pará - 6° lugar), o que situava o estado como o 4° mais violento do país⁽²⁰⁾.

Estes indicadores precisavam ser considerados ao se analisar as causas de morte no país, principalmente porque em determinadas áreas ou regiões a violência se transforma em fenômeno generalizado, atingindo, sobremaneira, jovens e adultos-jovens (15 a 39 anos) do sexo masculino⁽¹⁹⁾.

Diante do exposto, fica evidente a importância da manutenção da Residência em Enfermagem no Pará. Não valorizar estes indicadores revela a predominância de interesses políticos em detrimento do interesse social daquela população.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar dos investimentos realizados nos últimos anos, a região Norte do país carece ainda de medidas que acelerem seu desenvolvimento. Dentre elas, destacamos o incremento técnico-científico na formação de recursos humanos em saúde, onde os Cursos de Residência se destacam como eficiente estratégia.

A Residência em Enfermagem, criada no Hospital Ophir Loyola, representou uma conquista para a Enfermagem, por propiciar aos Enfermeiros do Estado do Pará um nível a mais de formação, dando aos mesmos a oportunidade de adquirirem uma especialização já consolidada nas demais regiões do país.

O impacto da interrupção da Residência em Enfermagem do HOL para a assistência à saúde se faz evidente quando relacionamos as necessidades de saúde no Estado do Pará com a necessidade de qualificação profissional in locu, dadas as especificidades regionais que interferem no processo saúde-doença da população.

O movimento político de democracia deve procurar dar continuidade ao desenvolvimento social, a partir da manutenção, transformação e melhorias dos projetos implantados por gestões anteriores. Os fatos históricos que envolveram a Residência em Enfermagem do HOL, trazidos neste estudo, nos levam a refletir sobre os movimentos políticos que promovem rupturas e causam danos à população por impedir avanços na formação de recursos humanos em saúde.

O quadro da saúde na região Amazônica revela desigualdades marcantes, produto de um processo histórico, econômico e social que impactou, sobremaneira, seus recursos florestais e culminou com um quadro epidemiológico, no qual recrudescem doenças infecto-parasitárias endêmicas e outras tidas como erradicadas: febre amarela, dengue, leishmaniose. Além disso, a expansão das atividades minerais favoreceu o surgimento de doenças ocupacionais, com importantes manifestações clínicas. Por tudo isso, ignorar a importância da Residência em Enfermagem no HOL, nomeadamente por motivação político-partidária, é também negligenciar o contexto social, sanitário e epidemiológico próprios à região norte do país e, particularmente, no Estado do Pará.

• Como citar este artigo:
  Silva LB, Peres MAA, Martins GCS, Almeida-Filho AJ. The mobilization of nurses for the non-interruption of nursing residence. Rev Bras Enferm. 2015;68(5):640-6.

REFERÊNCIAS

• ¹
  Ministério da Saúde (BR). Saúde Amazônia 2004. Relatório de processo, pressuposto, diretrizes e perspectivas de trabalho para 2004. 2.ed. Brasília (DF): MS; 2004.
• ²
  Secretaria Especial de Estado de Proteção Social (Pará). Relatório Trajetória de saúde: oito anos de Governo (1995 a 2002). Humanizar sempre. Pará (PA): Secretaria Especial de Estado de Proteção; 2002.
• ³
  Rosa IM, Cestari ME. [The relationship with learning of nursing students and nurses]. Online Braz J of Nurs [Internet]. 2007 [cited 2012 May 18];6(2). Available from: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/j.1 676-4285.2007.752/193 Portuguese.
  » http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/j.1 676-4285.2007.752/193
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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  Sep-Oct 2015

Histórico

• Recebido
  25 Mar 2015
• Aceito
  29 Jun 2015