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Amamentação continuada e trabalho: cenário de persistência e resiliência materna

RESUMO

Objetivos:

compreender os desafios do cotidiano materno e as estratégias adotadas para conciliação entre as atividades fora do lar e a amamentação continuada.

Métodos:

estudo transversal, qualitativo. Pressupostos teórico-metodológicos foram: práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano. Participaram 22 mulheres, de um grupo de mídia social específico, que amamentaram pelo menos um filho por > sete meses. Dados foram coletados entre novembro de 2020 e março de 2021.

Resultados:

temas: A volta ao mundo das atividades fora do lar; Ambiente no trabalho: rotinas, oportunidades e dificuldades para manter a amamentação.

Considerações Finais:

a vivência das mulheres revela um cotidiano com dificuldades de conciliar o desejo de amamentar e o cenário laboral. Rede de apoio e a adaptação na rotina alimentar da criança foram estratégias adotadas para minimizar os riscos de desmame. Os resultados mostram a necessidade de consolidação das políticas de incentivo ao aleitamento continuado no mercado de trabalho.

Descritores:
Aleitamento Materno; Trabalho; Resiliência Psicológica; Mulheres; Pesquisa Qualitativa.

ABSTRACT

Objectives:

to understand the challenges in mothers’ daily life and strategies adopted to reconcile activities outside the home and continued breastfeeding.

Methods:

a cross-sectional, qualitative study. Theoretical-methodological assumptions were discursive practices and production of meanings in everyday life. Participants were 22 women from a specific social media group who had breastfed at least one child for >7 months. Data were collected between November 2020 and March 2021.

Results:

themes: Around the world of activities outside the home; Work environment: routines, opportunities and difficulties to maintain breastfeeding.

Final Considerations:

women’s experiences reveal a daily life with difficulties in reconciling the desire to breastfeed and the work scenario. Support network and adaptation to children’s food routine were strategies adopted to minimize risks of weaning. The results show the need to consolidate policies to encourage continued breastfeeding in the labor market.

Descriptors:
Breast Feeding; Work; Resilience; Psychological; Women; Qualitative Research.

RESUMEN

Objetivos:

comprender los desafíos del cotidiano de la madre y las estrategias adoptadas para conciliar las actividades fuera del hogar y la continuación de la lactancia materna.

Métodos:

estudio transversal, cualitativo. Los supuestos teórico-metodológicos fueron: prácticas discursivas y producción de sentidos en la vida cotidiana. Las participantes fueron 22 mujeres, de un grupo específico de redes sociales, que habían amamantado al menos a un niño durante más de 7 meses. Los datos se recopilaron entre noviembre de 2020 y marzo de 2021.

Resultados:

temas: En torno al mundo de las actividades fuera del hogar; Ambiente de trabajo: rutinas, oportunidades y dificultades para mantener la lactancia materna.

Consideraciones Finales:

la experiencia de las mujeres revela un cotidiano con dificultades para conciliar el deseo de amamantar y el escenario laboral. La red de apoyo y la adaptación a la rutina alimentaria del niño fueron estrategias adoptadas para minimizar los riesgos del destete. Los resultados muestran la necesidad de consolidar políticas para incentivar la continuación de la lactancia materna en el mercado laboral.

Descriptores:
Lactancia Materna; Trabajo; Resiliencia Psicológica; Mujeres; Investigación Cualitativa.

INTRODUÇÃO

O aleitamento materno tem ocupado lugar significativo nas agendas política e científica, considerado um dos melhores investimentos da sociedade no desenvolvimento de potenciais humanos, capaz de contribuir para a melhoria da capacidade física, cognitiva e social de crianças na vida adulta(11 World Health Organization (WHO). Infant and Young child feeding [Internet]. Geneva: WHO; 2021[cited 2022 Feb 18]. Available from: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/infant-and-young-child-feeding
https://www.who.int/news-room/fact-sheet...
). A prática universalizada da amamentação até 2 anos ou mais é capaz de prevenir 12% de todas as mortes de crianças menores de 24 meses e economizar US$300 bilhões anualmente(22 Victora CG, Bahl R, Barros AJ, França GV, Horton S, Lancet Breastfeeding Series Group, et al. Breastfeeding in the 21st century: epidemiology, mechanisms, and lifelong effect. Lancet. 2016;387(10017):475-90. https://doi:10.1016/S0140-6736(15)01024-7
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).

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o aleitamento exclusivo até seis meses de vida e o aleitamento continuado até 24 meses ou mais, não indicando quando o desmame total deve ocorrer(11 World Health Organization (WHO). Infant and Young child feeding [Internet]. Geneva: WHO; 2021[cited 2022 Feb 18]. Available from: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/infant-and-young-child-feeding
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). A prevalência de aleitamento materno em crianças de até 12 meses é de 68%, e até 24 meses, não ultrapassa 44% das crianças em todo o mundo(33 World Health Organization (WHO). United Nations of Children`s Fund. Global breastfeeding scorecard 2021: protecting breastfeeding through bold national action during the COVID-19 pandemic and beyond [Internet]. Geneva: WHO; New York: UNICEF; 2021[cited 2022 Feb 18]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/WHO-HEP-NFS-21.45
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). O Brasil apresentou, nos últimos 34 anos, um aumento de 22,7 e 23,5 vezes na amamentação de crianças de até 12 e 24 meses, respectivamente(44 Ministério da Saúde (BR). Secretaria da Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde. Pesquisa inédita revela que índices de amamentação cresceram no Brasil - Notícia-UNA-SUS [Internet]. 2020[cited 2022 Feb 18]. Available from: https://www.unasus.gov.br/noticia/pesquisa-inedita-revela-que-indices-de-amamentacao-cresceram-no-brasil
https://www.unasus.gov.br/noticia/pesqui...
).

O aleitamento continuado não tem recebido a mesma atenção por parte de programas de promoção, incentivo e apoio que a prática do aleitamento materno exclusivo. A mesma limitação é observada entre os estudos científicos, que pouco têm explorado tal prática e seus fatores de proteção e risco, na população nacional e internacional(55 Gross TT, Davis M, Anderson AK, Hall J, Hilyard K. Long-Term Breastfeeding in African American Mothers: a positive deviance inquiry of WIC Participants. J Hum Lactat. 2017;33(1):128-39. https://doi:10.1177/0890334416680180
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).

Apesar de sua importância, as mulheres enfrentam dificuldade para a manutenção da amamentação após os seis meses da criança, sendo as atividades fora do lar, em especial as laborais, um dos elementos mais desafiadores para a continuidade dessa prática(66 Souza CB, Venancio SI, Silva RPGVC. Breastfeeding support rooms and their contribution to sustainable development goals: a qualitative study. Front Public Health. 2021;23(9)732061. https://doi:10.3389/fpubh.2021.732061
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). Nos últimos 20 anos, a participação da mulher no mercado de trabalho tem aumentado, atingindo 48% na década atual(77 Litwan K, Tran V, Nyhan K. How do breastfeeding workplace interventions work?: a realist review. Int J Equity Health. 2021;20:148. https://doi.org/10.1186/s12939-021-01490-71
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). A adoção de estratégias, como a garantia da licença-maternidade remunerada e o direito legal da nutriz gozar, nos primeiros seis meses após o parto, de dois descansos especiais (30 minutos cada), durante a jornada de trabalho (CLT), tem apresentado efeito positivo no incremento das taxas de aleitamento exclusivo, mas não impactam nos índices do aleitamento continuado(11 World Health Organization (WHO). Infant and Young child feeding [Internet]. Geneva: WHO; 2021[cited 2022 Feb 18]. Available from: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/infant-and-young-child-feeding
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).

Nesse cenário, faz-se importante a reflexão acerca da dissonância entre a demanda por melhorar as taxas de aleitamento materno, segundo as recomendações da OMS, e a base social e cultural que se oferece à mulher, para que a prática da amamentação continuada, e aqui também denominada prolongada, seja viabilizada(11 World Health Organization (WHO). Infant and Young child feeding [Internet]. Geneva: WHO; 2021[cited 2022 Feb 18]. Available from: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/infant-and-young-child-feeding
https://www.who.int/news-room/fact-sheet...
,33 World Health Organization (WHO). United Nations of Children`s Fund. Global breastfeeding scorecard 2021: protecting breastfeeding through bold national action during the COVID-19 pandemic and beyond [Internet]. Geneva: WHO; New York: UNICEF; 2021[cited 2022 Feb 18]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/WHO-HEP-NFS-21.45
https://www.who.int/publications/i/item/...
).

É preciso investigar, com maior profundidade, os desafios maternos em manter a amamentação continuada, conciliar suas atividades e conviver no entorno social sem constrangimentos.

OBJETIVOS

Compreender os desafios no cotidiano materno e as estratégias adotadas para a conciliação das atividades fora do lar e da amamentação continuada.

MÉTODOS

Aspectos éticos

A pesquisa foi submetida à análise do Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, sendo aprovada. Para garantir o anonimato, os enunciados estão identificados com a letra E, seguidos pelo número arábico, que corresponde à ordem de realização das sessões.

Tipo de estudos

Estudo transversal, qualitativo, com os pressupostos teórico-metodológicos: práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano(88 Spink MJ. A produção de sentidos na perspectiva da linguagem em ação. In: Spink MJ. Linguagem e produção de sentidos no cotidiano. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais; 2010. 41p. https://doi.org/10.7476/9788579820465
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). “As práticas discursivas representam a linguagem usada no cotidiano, são as maneiras pelas quais as pessoas, por meio da linguagem, produzem sentidos e se posicionam nas relações sociais cotidianas”(88 Spink MJ. A produção de sentidos na perspectiva da linguagem em ação. In: Spink MJ. Linguagem e produção de sentidos no cotidiano. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais; 2010. 41p. https://doi.org/10.7476/9788579820465
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).

Os sentidos são produzidos pela interação entre as pessoas sendo essencialmente uma prática social dialógica e discursiva, moldados a partir de repertórios linguísticos, criados em três tempos históricos: “O Tempo Longo é o domínio da construção dos conteúdos culturais que foram parte dos discursos de uma dada época (...); O Tempo Vivido é o tempo de ressignificação destes conteúdos históricos a partir dos processos de socialização (...); O Tempo Curto é o tempo da interanimação dialógica e da dinâmica da produção de sentidos”(88 Spink MJ. A produção de sentidos na perspectiva da linguagem em ação. In: Spink MJ. Linguagem e produção de sentidos no cotidiano. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais; 2010. 41p. https://doi.org/10.7476/9788579820465
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).

População

Definida pela saturação dos dados, a amostra foi constituída por 22 mulheres que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: idade igual ou maior de 18 anos, ter amamentado pelo menos um filho por mais de sete meses, ser membro de um grupo de mídia social específico, selecionada pela pesquisadora, independente do tempo de participação. Dentre as multíparas, foi considerada para este estudo a relação com o filho com maior tempo de amamentação.

Cenário da pesquisa

Pesquisa realizada em ambiente virtual, junto a um grupo de mídia social específico, espaço de encontro entre as mulheres que buscam apoio e orientações sobre o processo de aleitamento materno.

Identificação e acesso às participantes

As coordenadoras do grupo de mídia social convidaram os membros a integrar o estudo por meio de um convite eletrônico postado no grupo. À medida que as mulheres se inscreviam, eram contatadas pela pesquisadora responsável por meio de correio eletrônico, que encaminhava o link da plataforma Google Forms para acesso ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), esclarecendo os objetivos, critérios de inclusão e procedimentos de realização da pesquisa. Aquelas que concordaram em integrar o estudo registraram a anuência no próprio documento virtual.

A coleta de dados foi realizada pela pesquisadora sênior, responsável pelo estudo, entre novembro de 2020 e março de 2021, via sistema Google Meet. As sessões foram realizadas de maneira individual, sendo iniciada com a coleta de dados objetivos de caracterização da mãe, da criança, da família, história obstétrica e de amamentação. A seguir, a entrevista aberta, em profundidade, na perspectiva das práticas discursivas, começava com a questão norteadora: a senhora poderia me falar como foi ou como tem sido a sua experiência de amamentar seu filho por tempo prolongado? Todas as sessões foram gravadas, imagem e som, e, posteriormente, o conteúdo verbal foi transcrito na íntegra. Todo o material foi armazenado em ambiente virtual, Google Drive, protegido por senha, conhecida apenas pela pesquisadora principal.

Análise dos dados

Os dados quantitativos foram organizados em tabelas, sendo analisados descritiva e percentualmente. Já o processo de análise e interpretação dos dados qualitativos seguiu a proposição metodológica de Spink(88 Spink MJ. A produção de sentidos na perspectiva da linguagem em ação. In: Spink MJ. Linguagem e produção de sentidos no cotidiano. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais; 2010. 41p. https://doi.org/10.7476/9788579820465
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): leitura e apreensão global das falas da pesquisadora e das participantes, sistematização do processo de análise com a construção de mapas de associação de ideias e definição das categorias temáticas.

RESULTADOS

Apresentando as mulheres, seus filhos e suas histórias de amamentação

Vinte e quatro mulheres aceitaram fazer parte da pesquisa, no entanto duas não conseguiram conciliar os horários para a sessão, mesmo após várias tentativas de agendamento. Integraram o estudo 22 mulheres com idade média de 38 anos; 86% mantinham união conjugal estável; 100% apresentavam grau superior de escolaridade; 40% possuíam pós-graduação stricto sensu; e 45% eram primíparas. As investigadas consideraram que, dentre as atividades realizadas fora do lar, as laborais foram aquelas de maior impacto na amamentação continuada.

As características relacionadas à duração da prática do aleitamento materno no primeiro e no último filho, bem como a situação laboral e duração da licença-maternidade nos mesmos períodos, estão apresentadas no Quadro 1.

Quadro 1
Características das entrevistadas em termos de paridade, duração do aleitamento materno, situação laboral e tempo de licença-maternidade ao nascimento do primeiro e último filho, São Paulo, São Paulo, Brasil, 2021

Considerando a paridade entre as primíparas, a média de aleitamento materno foi de 33 meses e 15 dias de vida da criança, sendo que duas mulheres ainda estavam amamentando na época da entrevista. No que se refere às multíparas, a média foi de 33 meses e 03 dias e de 28 meses e 27 dias para o primeiro e o último filho, respectivamente. Não foram considerados para este cálculo as duas nutrizes com filhos menores de sete meses de vida.

A persistência e a resiliência em manter a amamentação por tempo indeterminado

Os primeiros seis meses de vida da criança implicaram superação de limites físicos e emocionais, estabelecimento de ritmo e empoderamento da prática de amamentar e, muitas vezes, uma prova de resistência frente às opiniões contrárias e contraditórias, vindas de seu contexto social e de profissionais que as assistem. O término desse período inclui, para a maioria das mulheres, novo elemento, que é o retorno às atividades fora do lar, em especial as profissionais, já que poucas têm a oportunidade ou condição de permanecer em casa com dedicação integral aos filhos.

Algumas mulheres, antes mesmo do bebê completar seis meses de idade, começam a planejar sua (re) adaptação ao ambiente fora do lar, visando conciliar a amamentação e as atividades profissionais. A primeira providência é como organizar uma rotina e um ambiente propício para a manutenção da lactação e da amamentação, seja nos arranjos do ambiente de trabalho, para ordenha e guarda do leite materno, ou nos arranjos domésticos, para garantir um cuidador e a oferta de seu leite, estocado para oferta ao bebê quando de sua ausência. Com as providências superadas, novo enfrentamento se faz presente com o passar do tempo de lactação, expondo-a ao juízo dos atores do seu entorno, pelo fato de estar amamentando uma criança acima da idade socialmente preconizada para o bebê.

T.1. A volta ao mundo das atividades fora do lar

O retorno às atividades laborais, escolares ou outras fora do lar lança a mulher ao desafio de manter a amamentação e, por conseguinte, o estímulo à lactação, nos longos períodos longe da criança.

T.1.1. A saga para manter a amamentação: necessidade de rede de apoio e adaptação

Apesar de ser este o desejo da maioria, nem todas as mulheres têm a opção ou a condição de não trabalhar e de permanecer voluntariamente em casa para cuidar dos filhos. Assim, a identificação de uma rede de apoio é necessária para que a mulher tenha certeza de que seu leite será ofertado ao filho de forma adequada e sem provocar interferências ou vícios de sucção, seja oferecido na escola, creche ou em casa por pessoas treinadas e instrumentalizadas para esse fim. Para muitos cuidadores, é difícil se adaptar ao novo padrão de oferta do leite materno, em copinhos ou colher, o que dificulta, muitas vezes, encontrar pessoas que executem a tarefa a contento materno.

[...] fui desenhar um cronograma de atividades e de rede de apoio de quem que ia estar com a minha filha, quem ia oferecer o leite na minha ausência. Mas eu tive facilidade até para isso, apesar de muito medo e ansiedade com relação a como ela ia ficar, como o aleitamento ia continuar. Mas eu sinto que eu tomei todos os cuidados para que isso transcorresse da melhor forma possível. [...] eu levei minha mãe para uma oficina de amamentação, [...] a gente viu juntas uma palestra e era voltada para cuidadores [...] e depois mostrou ali na cozinha da clínica como aquecia o leite na água, para a minha mãe, como que se colocava no copinho, como oferecer. Cada bebê também [...]. (E0)

Algumas situações são mais favoráveis às mulheres e aos bebês, quando há creche ou berçário no local de trabalho, ou próximo a este, o que facilita a amamentação durante a jornada de trabalho ou em horários estabelecidos, mas não deixando quebrar o ritmo de amamentação da criança. Para algumas mulheres, a depender do contexto de trabalho ou atividade escolar, é possível levar o filho consigo e amamentar, ou ainda implementar uma dinâmica de atividade que permita amamentar antes de sair de casa e no retorno ao lar.

Acho que eu tive uma sorte danada. Fui muito privilegiada, porque ele ficou no berçário da empresa que meu marido trabalhava e era a 2 km de onde eu estava. A gente parava no escritório que meu marido trabalhava, eu tinha acesso à sala [...] ao berçário. Entrava ali, amamentava, deixava ele na salinha dele, pegava o carro e ia trabalhar. Na hora do almoço, eu voltava. Nesse intervalo, né? Entre [...] nesse intervalo de manhã, eu fazia uma ordenha. (E8)

T.1.2. Combinando peito, leite extraído e comida

A meta inicial para manter a amamentação é a de prover o maior volume de leite possível para substituir as mamadas dos horários em que a mãe se encontra longe da criança. Com esse intuito, a condição de extrair o leite antes do retorno ao trabalho para deixar um estoque pronto a ser usado seria o ideal, porém nem sempre é possível. A continuidade do processo de amamentar exige que a extração de leite seja diária, para o consumo da criança.

Então, acabava ficando cinco meses e meio de licença. Quando eu retornava [...] dos dois primeiros, eu não cheguei a fazer banco de leite, mas eu tirava diariamente no trabalho e levava para casa e eles mamavam aquele leite do dia. Caso faltasse, complementava com fórmula [...] o terceiro e o quarto, eu fiz banco. Congelei com antecedência. Antes de voltar ao trabalho, já fiz um belo banco [...] estoque de leite em casa [...]. (E3)

Algumas mulheres conseguem atrasar o tempo de retomada das atividades externas com acréscimo de tempo de férias ou licenças especiais. Assim, quando retornam ao trabalho, a criança já começa a se alimentar de outros alimentos, e algumas das refeições são as mamadas, nos momentos em que a nutriz se encontra em casa. Mesmo quando há predomínio de outros alimentos e o leite materno extraído não é a principal refeição da criança, a extração láctea ainda é necessária, mesmo que seja com intuito de alívio materno ou manter a estimulação da lactação para ter leite nas mamadas feitas nos períodos que está junto à criança.

Então, eu trabalho na rua o tempo todo. E eu já tinha, para mim, que eu ia tirar leite. Um: porque me incomodava a quantidade. Dois: para oferecer para o meu filho, né? Então, ele ficou até praticamente os dois anos [...] desses sete meses até os dois anos, ele ficava com a minha mãe. E daí o que eu fazia era: amamentava em casa antes de ir à minha mãe. Daí, lá na minha mãe [...] eu não introduzi café da manhã. Ele ficava à base de frutas de manhã, comia almoço e daí, à tarde, eu sempre deixava o leite para uma mamada, que era esse leite que eu tinha congelado no trabalho. Daí eu pegava ele [...] ele mamava, e daí praticamente não desgrudava do peito. (E11)

T.2. Ambiente no trabalho: rotinas, oportunidades e dificuldades para manter a amamentação

A prática de extração do leite pelas lactantes pode ser vivenciada de formas muito diferentes em seu ambiente de trabalho. A extração e o acondicionamento do leite materno demandam local e condições mínimas de privacidade, higiene e acolhimento por parte de colegas. O apoio pode vir da própria instituição, ao oferecer logística pertinente, e dos arranjos de atividades, que podem ser flexibilizadas para dar oportunidade para as mulheres realizarem, em especial, a extração do leite de forma pertinente e eficiente. Porém, progressivamente, o ritmo da rotina de trabalho absorve o tempo da nutriz, diminui as oportunidades de extração e os colegas passam a se ressentir e interpretar como privilégio da mulher se ausentar nos períodos de atenção à lactação.

T.2.1. Local adequado, flexibilidade de horários e parceria dos colegas

A mulher precisa se sentir aceita em sua condição de lactante e em seu desejo de manter a lactação. Isso vai exigir parceria de colegas de trabalho para que ela tenha a condição de se ausentar do posto de trabalho em períodos regulares, além de um local apropriado e do uso de utensílios e equipamentos para a extração e guarda do leite.

Também, o que me facilitava é que, lá no meu trabalho, eu tinha uma sala privativa que eu conseguia tirar o leite, armazenar no congelador próprio - que era só para as mães que tiravam o leite - e depois, no final do dia, eu levava o meu leite lá para a escolinha. Então, isso facilitou muito a minha logística, a minha rotina de conseguir amamentar minha filha. (E4)

A empresa era super aberta. Mesmo depois dos seis meses, né? Porque, na época, eu nem tinha vínculo CLT. Minha contratação era PJ. Ainda assim, a empresa me deu o benefício da licença-maternidade e nunca fez reclamação às pausas que eu fazia para ordenhar, mesmo após os seis meses, né? Porque a legislação trabalhista exige, digamos assim, que a empresa permita que a mãe faça as pausas para a ordenha até os seis meses. Eu continuei [...]. A minha mais velha, como ela ia para a escola [...]. E depois a gente entrou super num ritmo [...]. Eu mandei leite para ela, para a escola além de um ano. (E13)

A solidariedade e a parceria de mulheres no ambiente de trabalho aparecem como elementos sociais que sustentam a meta de amamentação prolongada de nutrizes. A rede de apoio se mostra estendida nos locais onde outras mulheres já passaram ou estão passando pelo mesmo tipo de experiência. São vozes acolhedoras e protetoras que mostram a produção de sentidos de tempo vivido no ambiente de trabalho dessas mulheres como uma inauguração positiva onde ainda não havia essa experiência, mas que um movimento coletivo reiterado, de continuidade de cuidados vindos de outras mulheres que passaram pela mesma situação, pode construir a receptividade de todos para propiciar a experiência de mulheres em manter sua lactação e amamentação.

E também eu tive o apoio do colega. Quando eu voltei a trabalhar, na primeira filha, ela estava voltando a trabalhar. Ela teve filhos gêmeos, aí ela chegou no escritório onde a gente trabalha e falou com o chefe. Pediu uma sala de reunião para extrair o leite e eu acho que eu jamais teria pedido por mim, mas como ela pediu e ela conseguiu, ela me avisou. Então, eu já usei aquela sala de reunião no primeiro e já usei no segundo. Foi ótimo, porque eu acho que, se eu estivesse num banheiro coletivo, eu não ia tirar, entendeu? Tanto tempo. Então, acho que foi isso também. Essa ajuda dela contribuiu para eu continuar extraindo leite para dar para ela e para ele. (E19)

T.2.2. A rotina do trabalho compete com a amamentação

Ao longo do tempo, a demanda e a dinâmica do trabalho nem sempre se mantêm com as condições mínimas desejáveis de flexibilidade e aceitação para que a rotina de extração se mantenha, impondo, progressivamente, limites na liberdade da mulher se ausentar da atividade laboral para aliviar a mama lactante. Aos poucos, a rotina de trabalho se impõe, limita e restringe as oportunidades de a mulher manter a lactação, causando frustração, ressentimento com o contexto laboral e provocando desistência de manter uma atividade produtiva de leite.

Mas eu nunca achava que era um problema que eu tinha que resolver. Achava que era um problema que o trabalho tinha que resolver. Como assim? Não é uma coisa normal. Às vezes, eu entrava em reuniões que duravam quatro, cinco horas. Era insuportável para mim. Insuportável. Uma coisa normal antes da gravidez e tal, mas começou a ficar insuportável por causa disso, de ter que sair e tal. Esse foi um obstáculo. (E18)

Eu parei de ordenhar ele já tinha quase um ano, porque a ordenha, depois de um tempo, eu fiquei bem cansada de continuar ordenhando no trabalho [...] pela dinâmica. O trabalho é isso, tem muita demanda. Não conseguia mais parar, e aí você via o estoque de leite diminuindo e isso me deixava muito estressada. (E1)

T.2.3. Nem sempre todos ajudam: o limite da tolerância do contexto de trabalho

Mesmo em contextos profissionais onde há boas condições logísticas e de acolhimento para as lactantes, as relações interpessoais podem não ser compatíveis com o ambiente estrutural e o operacional facilitador. A falta de colaboração e de empatia por companheiros do trabalho e a maneira como os questionamentos são feitos causam constrangimentos à nutriz.

Mas eu tive problema, como mudarem a temperatura da geladeira, porque achavam que estava gelando demais, e aí eu perdia o leite porque ele tinha congelado e ele chegou a descongelar [...] tive problemas nesse sentido e alguns comentários que a gente fica sabendo ali, né? De que um ou outro comentou: “Poxa, mas ela para duas vezes no dia, mais o almoço, para ir na salinha de reuniões”. (E8)

Tinha a questão de quando eu voltei a trabalhar, que era bem chata. Era da coisa do respeito dos profissionais de entenderem que você precisa ordenhar, né? Isso aí foi bem difícil, porque, no meu meio, eu nunca tinha visto outra mulher amamentar. Nenhuma amamentou. No meu meio de trabalho, também não era uma coisa [...] eu nunca tinha visto uma mulher falando: “Dá licença, eu vou ordenhar”. Não tinha isso. Não sei. Acho que as pessoas dão mamadeira mesmo, então era uma coisa meio incômoda de se fazer [...] de ter que sair [...]. (E18)

Claro que, no trabalho, houve um questionamento, porque existe na CLT que lactantes não poderem ir para campo de estágio e [...] eu fui questionada sobre estar amamentando ou não. [...] então, eu devia escrever uma carta me declarando lactante. A minha filha nessa época tinha abaixo de 9 meses. [...] o RH [...] me fez o questionamento sobre a necessidade de alimentar com leite materno a lactente [...] e pediram um relatório médico da pediatra, né? [...] o RH perguntou até quando poderia ser liberada uma mulher por ser lactante, até quando poderia ficar afastada [...] e aí rolou um certo conflito, como assim o meu direito de amamentar tem que ser questionado ou precisa de um papel, de um relatório médico? (E0)

T.2.4. Lugar inapropriado/sem condições de extração e estocagem do leite materno

A falta de locais privativos e apropriados, para essa finalidade, faz com que a nutriz utilize locais improvisados. Geralmente, utiliza os sanitários ou algum outro espaço que, embora tenha outra destinação, possa lhe dar momentos de privacidade. A falta de condições minimamente adequadas pode dificultar muito ou inviabilizar o processo de extração do leite.

Mas eu não ordenhava num local específico, arrumadinho para mim para isso. O espaço que me foi cedido para eu poder fazer ordenha com privacidade [...] ainda tive sorte, porque não foi banheiro. Tinha uma sala onde o pessoal da limpeza, da manutenção [...] vez ou outra entrava o rapaz da manutenção ou o segurança. Então, nesses momentos que eu ia ordenhar nessa sala, eu podia trancar. Me permitiram trancar a sala por dentro, e aí, se algum deles precisasse entrar, eles batiam na porta. Eu me cobria, abria e estava tudo bem. Aí depois teve uma mudança toda do espaço na empresa e essa sala não ia mais estar disponível para mim, e eu continuei ordenhando na sala dos servidores que era um cubículo assim. E aí tinha uma cadeira e uma tomada que estava ali livre e eu entrava nessa salinha, trancava a porta e ficava ali. (E13)

Porque, no trabalho, eu achava muito anti-higiênico. Não tinha condições. Cada hora eu estava num banheiro. Sei lá [...] eu ficava meio tensa. Como é que eu ia armazenar? Aquela coisa [...] tinha mil esquemas, né? Não sei [...] eu não sabia [...] aí vai ficar dez horas na minha bolsa e depois eu ponho na geladeira? Fica meio estranho, né? Não sei [...] não tinha condições. (E18)

DISCUSSÃO

A compreensão da produção de sentidos no cotidiano materno, acerca da prática da amamentação continuada, mostra que o retorno às atividades fora do lar, em especial ao trabalho, constitui-se grande desafio à manutenção do aleitamento prolongado e prova de resiliência materna. Apesar da escassez de estudos acerca da relação entre o trabalho materno e a duração do aleitamento prolongado, os achados do presente estudo revelam que a experiência de manter o aleitamento por um tempo ainda maior, atendendo às recomendações oficiais de saúde, também precisa ser incorporada na agenda pública e na perspectiva da sociedade, seja pela saúde física e emocional da criança, seja pelo respeito à mulher que opta por esse estilo de alimentação e relação com seus filhos.

O trabalho materno fora do lar é uma importante barreira para a manutenção da lactação e da amamentação, revelando-se fator inquestionável de promoção ao desmame(99 Almeida LMN, Goulart MCL, Góes FGB, Ávila FMVP, Pinto CB, Naslausky SG. A influência do retorno ao trabalho no aleitamento materno de trabalhadoras da enfermagem. Esc Anna Nery 2022;26:e20210183. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2021-0183
https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-20...

10 Lima IMSO, Leão TM, Alcântara MAR. Proteção legal à amamentação, na perspectiva da responsabilidade da família e do estado no Brasil. Rev Dir Sanit. 2014;14(3):66-90. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9044
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-1111 Abekah-Nkrumah G, Antwi MY, Nkrumah J, Gbagbo FY. Examining working mothers’ experience of exclusive breastfeeding in Ghana. Int Breastfeed J. 2020;15(1):56. https://doi:10.1186/s13006-020-00300-0.
https://doi:10.1186/s13006-020-00300-0...
). Existem leis de proteção à nutriz no Brasil, no entanto a separação entre mãe e filho tem impacto direto na rotina das mamadas e, consequentemente, na manutenção da lactação(99 Almeida LMN, Goulart MCL, Góes FGB, Ávila FMVP, Pinto CB, Naslausky SG. A influência do retorno ao trabalho no aleitamento materno de trabalhadoras da enfermagem. Esc Anna Nery 2022;26:e20210183. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2021-0183
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-1010 Lima IMSO, Leão TM, Alcântara MAR. Proteção legal à amamentação, na perspectiva da responsabilidade da família e do estado no Brasil. Rev Dir Sanit. 2014;14(3):66-90. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9044
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).

Com o término da licença maternidade, as mulheres buscam meios para manter o aleitamento materno. A providência de encontrar cuidadores, a extração e a guarda do leite e a oferta desse à criança são elementos de um planejamento organizado para garantir estoque de leite e de sua oferta. Cada mulher, a depender de seus contextos, além do leite extraído e oferecido de diversas formas, organiza uma rotina que também inclui os momentos de mamada quando junto à criança(55 Gross TT, Davis M, Anderson AK, Hall J, Hilyard K. Long-Term Breastfeeding in African American Mothers: a positive deviance inquiry of WIC Participants. J Hum Lactat. 2017;33(1):128-39. https://doi:10.1177/0890334416680180
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).

Nesse cenário, a rede de apoio formada pela família, amigos e, principalmente, pelo(a) parceiro(a) desempenha um papel de suma importância no suporte e na compreensão das tomadas de decisão dessa mulher trabalhadora, visando ao êxito no desejo e meta de amamentação(99 Almeida LMN, Goulart MCL, Góes FGB, Ávila FMVP, Pinto CB, Naslausky SG. A influência do retorno ao trabalho no aleitamento materno de trabalhadoras da enfermagem. Esc Anna Nery 2022;26:e20210183. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2021-0183
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).

O ambiente de trabalho deve oferecer condições objetivas para a extração, acondicionamento e refrigeração do leite materno. Implica também um espaço social no qual a nutriz encontre o acolhimento e a solidariedade compreensiva para exercer a prática da manutenção da lactação, ou horários de mamadas, quando há creches no local(1010 Lima IMSO, Leão TM, Alcântara MAR. Proteção legal à amamentação, na perspectiva da responsabilidade da família e do estado no Brasil. Rev Dir Sanit. 2014;14(3):66-90. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9044
https://doi.org/10.11606/issn.2316-9044...
). Um ambiente de trabalho que reconhece, valoriza e apoia o aleitamento materno promove maior comprometimento e índices menores de absenteísmo entre suas trabalhadoras(1212 Gebrekidan K, Plummer V, Fooladi E, Hall H. Attitudes and experiences of employed women when combining exclusive breastfeeding and work: a qualitative study among office workers in Northern Ethiopia. Matern Child Nutr. 2021;17(4):e13190. https://doi:10.1111/mcn.13190
https://doi:10.1111/mcn.13190...
).

As mulheres deste estudo tiveram experiências diversas quanto às condições para manter a lactação desde creches incorporadas à empresa, ambientes privativos e equipamentos apropriados para a extração e guarda do leite, e outras não conseguiram ter a mesma sorte, tendo de improvisar locais e equipamentos para essa finalidade. Porém, para além das condições materiais, as inter-relações do cotidiano mostraram que a intolerância às flexibilidades de horários, como a possibilidade de concluir antecipadamente sua jornada de trabalho após o cumprimento das tarefas diárias ou de escolher turnos de trabalho mais convenientes e ausências esporádicas maternas para as mamadas ou extração de leite e a retomada do ritmo da dinâmica do trabalho, podem dificultar as possibilidades de dar continuidade a esse processo por muito tempo(99 Almeida LMN, Goulart MCL, Góes FGB, Ávila FMVP, Pinto CB, Naslausky SG. A influência do retorno ao trabalho no aleitamento materno de trabalhadoras da enfermagem. Esc Anna Nery 2022;26:e20210183. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2021-0183
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,1111 Abekah-Nkrumah G, Antwi MY, Nkrumah J, Gbagbo FY. Examining working mothers’ experience of exclusive breastfeeding in Ghana. Int Breastfeed J. 2020;15(1):56. https://doi:10.1186/s13006-020-00300-0.
https://doi:10.1186/s13006-020-00300-0...
).

Nas palavras dessas mulheres, o trabalho acaba provocando sobrecarga e cansaço. A falta de tempo na rotina de trabalho impede a extração de leite materno, favorecendo a redução gradual da produção láctea, aumentando o risco de intercorrências mamárias e gerando frustração e desistência em manter a lactação(1111 Abekah-Nkrumah G, Antwi MY, Nkrumah J, Gbagbo FY. Examining working mothers’ experience of exclusive breastfeeding in Ghana. Int Breastfeed J. 2020;15(1):56. https://doi:10.1186/s13006-020-00300-0.
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,1313 Ahmad RS, Sulaiman Z, Nik Hussain NH, Mohd Noor N. Working mothers’ breastfeeding experience: a phenomenology qualitative approach. BMC Pregnancy Childbirth. 2022;22(1):85. https://doi:10.1186/s12884-021-04304-4
https://doi:10.1186/s12884-021-04304-4...
). A necessidade de extração diária para garantir a reserva de leite a ser ofertado para a criança na ausência materna, condição essa que parece ser comum em diferentes cenários, é outra fonte de estresse e ansiedade, acrescido à privação de sono materno experimentada desde o início da amamentação(99 Almeida LMN, Goulart MCL, Góes FGB, Ávila FMVP, Pinto CB, Naslausky SG. A influência do retorno ao trabalho no aleitamento materno de trabalhadoras da enfermagem. Esc Anna Nery 2022;26:e20210183. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2021-0183
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,1111 Abekah-Nkrumah G, Antwi MY, Nkrumah J, Gbagbo FY. Examining working mothers’ experience of exclusive breastfeeding in Ghana. Int Breastfeed J. 2020;15(1):56. https://doi:10.1186/s13006-020-00300-0.
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). A rotina de amamentação passa a ser desempenhada quando ela está junto à criança em mamadas matutinas, vespertinas e noturnas, na tentativa de manter o aleitamento por maior tempo possível ou como planejado.

As nutrizes percebem atitudes de julgamento e reprovação, por manterem a amamentação por um tempo além do esperado pela sociedade, por volta dos seis a sete meses. O sentimento de intolerância e de reprovação aumenta. Quanto maior for a criança, aponta-se que a aprovação e o incentivo ao aleitamento materno têm prazo de validade para os primeiros seis meses da criança(1111 Abekah-Nkrumah G, Antwi MY, Nkrumah J, Gbagbo FY. Examining working mothers’ experience of exclusive breastfeeding in Ghana. Int Breastfeed J. 2020;15(1):56. https://doi:10.1186/s13006-020-00300-0.
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,1414 Baranowska B, Malinowska M, Stanaszek E, Sys D, Bączek G, Doroszewska A, et al. Extended breastfeeeding in Poland: knowledge of health care providers and attitudes on breastfeeding beyond infancy. J Hum Lact. 2019;35(2):371-80. https://doi.org/10.1177/0890334418819448
https://doi.org/10.1177/0890334418819448...
-1515 Zhuang J, Hitt R, Goldbort J, Gonzalez M, Rodriguez A. Too Old to Be Breastfed? examination of pre-healthcare professionals’ beliefs about, and emotional and behavioral responses toward extended breastfeeding. Health Commun. 2020;35(6):707-15. https://doi:10.1080/10410236.2019.1584739
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).

Mesmo tendo a determinação em dar continuidade à amamentação e tendo apoio e conhecimento, a nutriz relata o enfrentamento de situações difíceis, as quais têm de superar. Quando ela decide não desistir, nem sempre o faz apenas por si, mas em geral porque encontra benefícios para si ou para o filho, ou para ambos, mesmo que em dimensões diferentes.

Assim, para que as trabalhadoras lactantes consigam amamentar por dois anos ou mais, sendo o aleitamento exclusivo nos primeiros seis meses, é primordial que, após a licença-maternidade, elas tenham o apoio dos empregadores. Além desse suporte, é necessário que a mulher possua uma rede social de apoio, facilitando o processo, ao levar a criança até o local de trabalho, por exemplo, e outros aspectos que contribuam para o estímulo à continuidade da amamentação. As mães que usufruem do apoio emocional e prático da família tendem a encontrar um equilíbrio entre o trabalho e a prática do aleitamento(99 Almeida LMN, Goulart MCL, Góes FGB, Ávila FMVP, Pinto CB, Naslausky SG. A influência do retorno ao trabalho no aleitamento materno de trabalhadoras da enfermagem. Esc Anna Nery 2022;26:e20210183. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2021-0183
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,1111 Abekah-Nkrumah G, Antwi MY, Nkrumah J, Gbagbo FY. Examining working mothers’ experience of exclusive breastfeeding in Ghana. Int Breastfeed J. 2020;15(1):56. https://doi:10.1186/s13006-020-00300-0.
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,1616 Chang YS, Harger L, Beake S, Bick D. Women’s and employers’ experiences and views of combining breastfeeding with a return to paid employment: a systematic review of qualitative studies. J Midwifery Womens Health. 2021;66(5):641-55. https://doi:10.1111/jmwh.13243
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).

Uma política e legislação transparente no local de trabalho favorável à amamentação que incorpore a legislação trabalhista local e seja bem comunicada à força de trabalho pode ajudar as mulheres a planejar a continuidade da amamentação(1717 Mendes MS, Schorn M, Espírito Santo LC, Oliveira LD, Giugliani ERJ. Fatores associados à continuidade do aleitamento materno por 12 meses ou mais em mulheres trabalhadoras de um hospital geral. Ciênc Saúde Coletiva. 2021;26(11):5851-60. https://doi.org/10.1590/1413-812320212611.12882020
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). No entanto, a política institucional, bem como a legislação trabalhista, por si, não garante as mudanças necessárias para o acolhimento a continuidade da amamentação. É essencial a realização de abordagens contínuas de apoio e comunicação eficaz entre as mulheres, seus gerentes e todos os atores do entorno da nutriz para esclarecer as possibilidades de atender às expectativas acerca do retorno ao trabalho e à manutenção da amamentação pelo tempo que fizer sentido para a mãe e a criança. Estratégias mais amplas de divulgação, melhor informação e publicidade dessas políticas também são necessárias para que existam locais de trabalho favoráveis à amamentação prolongada(1616 Chang YS, Harger L, Beake S, Bick D. Women’s and employers’ experiences and views of combining breastfeeding with a return to paid employment: a systematic review of qualitative studies. J Midwifery Womens Health. 2021;66(5):641-55. https://doi:10.1111/jmwh.13243
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). É necessário esforço coletivo no contexto social das nutrizes, para que se abram espaços de ressignificação dos sentidos observados de limitação de duração do aleitamento materno e uma nova identidade da nutriz de amamentação de longa duração.

Limitações do estudo e contribuições para a enfermagem

A maioria das mulheres possuía parceiro, nível de escolaridade elevado, gestações anteriores e experiência prévia e atual de aleitamento materno prolongado, o que não garante a representação da diversidade social. Tal situação suscita a necessidade de replicação do estudo em outros grupos sociais, para entendimento da realidade vivenciada pelas trabalhadoras, no cenário mundial, que almejam a amamentação continuada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A vivência das trabalhadoras nutrizes em seus reais desafios e estratégias necessárias para conciliar e lograr êxito na amamentação continuada revela que o cotidiano das atividades laborais e a incompreensão da maioria dos colegas podem trazer dificuldades no intento de amamentar por tempo indeterminado, levando a mulher a buscar meios, mesmo que solitários, de manter a lactação. Por outro lado, a busca por uma rede de apoio e a adaptação na rotina alimentar da criança são estratégias adotadas para minimizar os riscos de desmame. Tal compreensão traz luz a encaminhamentos úteis e necessários para ajudar mulheres que desejam conciliar as atividades laborais, com a amamentação de seus filhos pelo tempo almejado. Assim, é necessário um esforço da sociedade em garantir o cumprimento das recomendações oficiais da amamentação por dois anos ou mais, uma vez que se evidencia que as iniciativas atuais garantem parcialmente a manutenção dessa prática.

  • FOMENTO
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Processo n. 308797 / 2017-5.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Priscilla Valladares Broca

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    26 Abr 2022
  • Aceito
    03 Set 2022
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