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Olhar fenomenológico existencial das vivências de cuidado à saúde na perspectiva de sobreviventes ao câncer

RESUMO

Objetivos:

compreender a vivência do cuidado à saúde pós-alta do tratamento oncológico primário na perspectiva do sobrevivente.

Métodos:

estudo descritivo, de abordagem qualitativa, utilizando-se o referencial metodológico da Fenomenologia Existencial de Martin Heidegger. Análise das entrevistas semiestruturadas de 11 sobreviventes ao câncer, após tratamento primário, foi realizada por meio da compreensão vaga e mediana e hermenêutica.

Resultados:

surgiram três unidades de significado na busca pelo desvelamento do fenômeno: Respeitando as limitações físicas após o câncer; Transcendendo a si próprio após a doença; e Superando o fantasma do medo.

Considerações Finais:

o sobrevivente ao câncer vivencia o cuidado nas escolhas intencionais favoráveis à saúde, quando supera suas próprias limitações, medo de recidiva ou novo câncer. Ressalta-se a necessidade de aprimorar o acompanhamento profissional contínuo no intuito de sanar dúvidas, reforçar atitudes favoráveis e potencializar as chances de melhor qualidade de vida dos sobreviventes ao câncer.

Descritores:
Sobreviventes; Câncer; Saúde; Assistência; Enfermagem Oncológica

ABSTRACT

Objectives:

to understand the experience of post-discharge health care of primary cancer treatment from the perspective of survivors.

Methods:

a descriptive study with a qualitative approach, using Martin Heidegger’s Existential Phenomenology framework. Analysis of semi-structured interviews of 11 cancer survivors, after primary treatment, was carried out through vague and median and hermeneutic understanding.

Results:

three units of meaning emerged in the search for the unveiling of the phenomenon: Respecting physical limitations after cancer; Transcending themselves after illness; and Overcoming the ghost of fear.

Final Considerations:

cancer survivors experience care in intentional choices favorable to health, when they overcome their own limitations, fear of relapse or new cancer. The need to improve continuous professional monitoring in order to answer questions reinforce favorable attitudes and enhance the chances of better quality of life for cancer survivors.

Descriptors:
Survivors; Cancer; Health; Assistance; Oncology Nursing

RESUMEN

Objetivos:

comprender la experiencia de la atención médica después del alta del tratamiento primario contra el cáncer desde la perspectiva del sobreviviente.

Métodos:

estudio descriptivo, con enfoque cualitativo, utilizando el marco metodológico de la Fenomenología Existencial de Martin Heidegger. El análisis de las entrevistas semiestructuradas de 11 sobrevivientes de cáncer, después del tratamiento primario, se realizó a través de una comprensión vaga, mediana y hermenéutica.

Resultados:

surgieron tres unidades de significado en la búsqueda para revelar el fenómeno: Respetar las limitaciones físicas después del cáncer; Trascendirte después de la enfermedad; y Superar el fantasma del miedo.

Consideraciones finales:

el sobreviviente de cáncer experimenta atención en elecciones intencionales favorables para la salud, cuando supera sus propias limitaciones, miedo a la recurrencia o cáncer nuevo. Se enfatiza la necesidad de mejorar el monitoreo profesional continuo para responder preguntas, reforzar actitudes favorables y aumentar las posibilidades de una mejor calidad de vida para los sobrevivientes de cáncer.

Descriptores:
Sobrevivientes; Cáncer; Salud; Asistencia; Enfermería Oncológica

INTRODUÇÃO

O número de pessoas que sobrevivem ao câncer tem aumentado, e alguns fatores contribuem para isso, como o rastreamento precoce da doença, que favorece o diagnóstico em seu estadiamento mais inicial, somado ao acesso aos serviços de saúde e um adequado suporte após a descoberta(11 Genz N, Muniz Rm, Andrade Fp et al. Staging And Resilience Degree In Breast Cancer Survivors. Rev Pesqui: Cuid Fundam. 2016;8(4):4935-41. Doi: 10.9789/2175-5361.2016
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). Quanto a essa condição crescente do aumento do número de sobreviventes, estimativas americanas apontam, aproximadamente, 20,3 milhões de pessoas no país até o ano de 2026(22 American Cancer Society. Cancer Treatment & Survivorship Facts & Figures 2016-2017. Atlanta: American Cancer Society; 2016.). Entre os dados brasileiros, não são apresentadas informações específicas sobre sobreviventes, apenas existem estimativas anuais relacionadas aos novos casos de câncer(33 Instituto Nacional De Câncer José Alencar Gomes Da Silva. Coordenação De Prevenção E Vigilância Estimativa 2018: Incidência De Câncer No Brasil. Rio de Janeiro: INCA, 2017.).

No Brasil, também não há uma definição difundida quando ao termo “sobrevivente ao câncer”, e, consequentemente, esse termo é pouco usado e explorado nas pesquisas(44 Oliveira Raa, Zago Mmf. Patient, Cured, Victim Or Survivor Of Urological Cancer? A Qualitative Study. Rev Latino-Am Enfermagem. 2018;26:E3089. Doi: 10.1590/1518-8345.2715.3089
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). Estudo americano apresenta uma definição segundo a condição clínica dos pacientes. Assim, sobreviventes em fase aguda se encontram sob diagnóstico da doença ou em recidiva, passando por tratamento. Crônicos são aqueles que evoluem de forma lenta e se alternam entre remissão e recaída. Em remissão, estão aqueles que já estão por um longo tempo sem a doença, mas ainda podem apresentar riscos de retorno ou um novo câncer, ou, então, vivenciam as consequências físicas e emocionais relacionadas à doença ou ao tratamento. Por fim, o termo “curado” é designado àqueles que não mais apresentam a doença e possuem risco de morte e expectativa de vida igual à população em geral(55 Surbone A, Tralongo P. Categorization Of Cancer Survivors: Why We Need It. J. Clin. Oncol. 2016;34(28):3372-74. Doi: 10.1200/Jco.2016.68.3870
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).

Além das definições clínicas, ser sobrevivente ao câncer envolve questões subjetivas, pois se trata da vida humana que sofreu com mudanças, adaptações, tratamentos e ainda convive com as complicações da doença crônica e da reorganização da vida. Enfrentam, assim, um misto de sentimentos, ora de alegria pelo término do tratamento e, em outros momentos, ora envoltos nas incertezas e sequelas que marcam a sobrevivência(66 Oliveira Raa , Araujo Js , Conceição Vm, Zago Mmf. Cancer Survivorship: Unwrapping This Reality. Cienc Cuid Saude 2015;14(4):1602-08. Doi: 10.4025/Cienccuidsaude.v14i4.27445
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). Estudo realizado em Cuba, com mulheres que encerraram o tratamento oncológico, revela a presença de ansiedade relacionada a situações cotidianas e de ordem relacional, como sexualidade, abandono do companheiro, preocupação em contribuir para a renda familiar e o cuidado com os filhos(77 Castillo Vem Morales Vmg. Special Anxiety To Everyday Situations In Survivors Of Breast Câncer. Rev Cub Med Gen Int. [Internet]. 2016 [2019 Apr 10];35(2):202-214. Available From: Https://Www.medigraphic.com/Cgi-Bin/New/Resumeni.cgi?Idarticulo=70090).

Ainda, o paciente pode conviver com as consequências do próprio tratamento oncológico após anos do seu término(88 Jacobs La, Shulman Ln. Follow-Up Care Of Cancer Survivors: Challenges And Solutions. Lancet Oncol [Internet]. 2017 [2019 Apr 10]18(1):E19-E29. Available From: Https://Www.ncbi.nlm.nih.gov/Pubmed/28049574), exigindo dos profissionais de saúde um olhar amplo e integral voltado para o cuidado à saúde dessa população. Frente a essa realidade multifacetada de ser sobrevivente, os cuidados com a saúde física e emocional, envolvendo também o estilo de vida, devem ser contínuos e permanentes na vida do paciente. Porém, os fatores de inadequadas ou insuficientes informações, dificuldades no acesso aos serviços de saúde, especialmente aqueles que fornecem suporte após o tratamento, barreiras financeiras e, até mesmo, emocionais, como a própria disposição dos pacientes em aderir às estratégias de cuidado, interferem nessa continuidade(55 Surbone A, Tralongo P. Categorization Of Cancer Survivors: Why We Need It. J. Clin. Oncol. 2016;34(28):3372-74. Doi: 10.1200/Jco.2016.68.3870
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).

Estudo recente realizado no Brasil, com 100 mulheres sobreviventes ao câncer que terminaram o tratamento primário e estão, em sua maioria (71%), realizando terapia endócrina, aponta um dado importante: cerca de 5% dessas mulheres são fumantes e 6% são etilistas(99 Lopes Jv, Bergerot Cd, Barbosa Lr, Calux Nmct, Elias S, Ashing Kt et al. Impact Of Breast Cancer And Quality Of Life Of Women Survivors. Rev Bras Enferm. 2018;71(6):2916-21. Doi: 10.1590/0034-7167-2018-0081
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). Outro estudo, com sobreviventes chineses, evidencia mais um dado preocupante quanto aos hábitos de vida, em que apenas 12,8% dos entrevistados referem realizar atividade física pelo menos três vezes por semana(1010 Geng Z, Ogbolu Y, Wang J, Hinds Os, Qian H, Yuan C. Gauging The Effects Of Self-Efficacy, Social Support, And Coping Style On Self-Management Behaviors In Chinese Cancer Survivors. Cancer Nurs [Internet]. 2018 [2019 Apr 20];41(5):E1-E10. Available From: Https://Www.ncbi.nlm.nih.gov/Pubmed/29461285
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). Os dados reforçam que mesmo após o término do tratamento primário, permanece a necessidade de orientação e suporte.

Adentrar no mundo vivido pelos sobreviventes ao câncer e conhecer suas realidades de cuidado à saúde é imprescindível a fim de nortear a assistência de qualidade. Portanto, o estudo apresenta a inquietação: como o sobrevivente ao câncer vivencia o cuidado de si após a fase de tratamento primário? Assim, a fins de estudo, será adotado como sobrevivente ao câncer aqueles pacientes que encerraram o tratamento primário e estão em fase de acompanhamento. Ressalta-se que, apesar do crescimento da produção de pesquisas envolvendo a temática, são poucas as que exploram os aspectos subjetivos, de natureza qualitativa, relacionadas à percepção do paciente quanto ao cuidado de sua saúde.

OBJETIVOS

Compreender a vivência do cuidado à saúde pós-alta do tratamento oncológico primário na perspectiva do sobrevivente.

MÉTODO

Aspectos éticos

Trata-se de um recorte extraído da tese “Olhar Fenomenológico ao cuidado à saúde em sobreviventes ao câncer”, a ser apresentada no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Estadual de Maringá. Houve aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa da referida Universidade, sob Parecer 3.229.447/2019. Observaram-se os aspectos éticos da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. Para garantir o anonimato dos participantes, todos receberam nomes de flores, observando as características captadas pela pesquisadora durante os encontros e foram relacionadas às respectivas flores, conforme embasamento contido em livro especializado na área(1111 Soares Cblv. O Livro De Ouro Das Flores. Rio De Janeiro: Ediouro, 2002.).

Referencial teórico-metodológico

Adotou-se o referencial teórico-metodológico e filosófico da Fenomenologia Existencial, alicerçado nos pressupostos de Martin Heidegger, os quais possibilitam a busca e a compreensão do sentido do Ser, diante dos fenômenos vivenciados no contexto do cuidar, sempre partindo da dimensão ôntica (significados) e caminhando em direção à dimensão ontológica (sentidos)(1212 Amorim Tv, Souza Ieo, Salimena Amo, Padoin Smm, Melo Rcj. Operationality Of Concepts In Heideggerian Phenomenological Investigation: Epistemological Reflection On Nursing. Rev Bras Enferm. 2019;72(1):304-8. Doi: 10.1590/0034-7167-2017-0941
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).

Tipo de estudo

Trata-se de uma pesquisa desenvolvida nos princípios do método fenomenológico heideggeriano em que foram, também, considerados os critérios propostos para a pesquisa de abordagem qualitativa no guia COREQ(1313 Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated Criteria For Reporting Qualitative Research (Coreq): A 32-Item Checklist For Interviews And Focus Groups. Int J Qual Health Care. 2007;19(6):349-357. Doi: 10.1093/Intqhc/Mzm042
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).

Procedimentos metodológicos

Cenário do estudo

O cenário do estudo constituiu-se no próprio âmbito do lar, onde os sujeitos vivenciam a maior parte do cuidado à saúde, e também onde receberam cuidados e continuam sendo amparados pelo cuidador familiar.

Fonte de dados

Participaram do estudo 11 sobreviventes ao câncer, que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: ser maior de 18 anos e ter encerrado o tratamento primário oncológico, recebendo apenas terapia endócrina. Não fizeram parte do estudo aqueles pacientes que receberam novo diagnóstico de câncer ou recidiva da doença.

Coleta e organização dos dados

Como recurso para a coleta de dados, utilizou-se um instrumento criado pelas pesquisadoras composto por três partes: a primeira parte continha a caracterização sociodemográfica; a segunda continha a caracterização da doença e do cuidado; e a terceira continha a questão norteadora do estudo: “Como você cuida de si após o tratamento do câncer?”. As entrevistas ocorreram no lar em ambiente silencioso e privativo, sem interrupções e duraram, em média, de 45 minutos a uma hora, com permissão dos participantes para que fossem gravadas por meio de gravador digital. Ainda, registraram-se observações, como gestos, expressões faciais e demais informações pertinentes em um diário de campo.

O caminho percorrido até o encontro dos participantes ocorreu por meio de uma instituição filantrópica no Noroeste do Paraná, que presta atendimento a pacientes e familiares com câncer e também possui grupos socioeducativos de pacientes que já passaram pelo tratamento oncológico. A assistente social da instituição selecionou os possíveis participantes segundo os critérios mencionados e realizou contato inicial com os mesmos, encaminhando-os à pesquisadora responsável pelas entrevistas. Houve agendamento telefônico para uma primeira visita domiciliar, a qual favoreceu a aproximação, criação de vínculo e apresentação do estudo como parte da pesquisa de doutorado da entrevistadora. Aqueles que consentiram em participar foram visitados em um segundo momento para realização da entrevista privativa em profundidade, salvo aqueles que solicitaram a entrevista no mesmo dia, em virtude de compromissos pessoais e rotina de trabalho.

Esclarece-se que da relação de 16 sobreviventes encaminhada pela assistente social, houve a tentativa de contato com todos, porém não foi possível localizar duas mulheres, e outras três, em virtude de compromissos pessoais, não conseguiram participar. Assim, a coleta de dados foi realizada no período de março a maio de 2019, totalizando 11 sobreviventes entrevistados.

Análise dos dados

O percurso de análise dos dados seguiu por dois momentos embasados no referencial heideggeriano(1414 Heidegger M. Ser E Tempo, Martin Heidegger; Tradução, Organização, Nota Prévia, Anexos E Notas: Fausto Castilho. Campinas, Sp: Editora Da Unicamp; Petrópolis, Rj: Editora Vozes, 2012.), constituídos da análise compreensiva por meio da compreensão vaga e mediana, e, o segundo, da análise hermenêutica. Assim, no primeiro momento da análise, deu-se a compreensão vaga e mediana através de leituras atentas e exaustivas por ambas as pesquisadoras, a fim de apreender como os sobreviventes ao câncer percebem as suas vivências de cuidado à saúde. Foi-se ao encontro dos fatos e do que revela a consciência, possibilitando o encontro dos significados expressos nos depoimentos, dimensão ôntica do fenômeno.

Por meio da análise hermenêutica, no segundo momento, a partir dos significados encontrados, procedeu-se a interpretação com novas leituras e análise, direcionadas à essência do fenômeno e ao subjetivo. Permitiu-se, assim, o desvelamento do que estava oculto, os sentidos, caracterizando a dimensão ontológica do fenômeno.

RESULTADOS

Entre os 11 pacientes sobreviventes ao câncer, predominou o diagnóstico de câncer de mama (nove mulheres); outra mulher teve mieloma múltiplo; e o único homem participante enfrentou câncer na orofaringe. Quanto ao retorno às atividades laborais, apenas cinco exercem alguma atividade remunerada, sendo que dois executam tais atividades no próprio lar. Em relação à questão laboral, pode-se referir à própria idade dos participantes, que varia entre 45 e 70 anos. O tempo de término do tratamento primário e início da terapia endócrina varia entre um e nove anos.

Seguindo o percurso metodológico, foram elaboradas a posteriori as unidades de significado que respondem ao objetivo e auxiliam no desvelamento do fenômeno vivenciado pelos sobreviventes: Respeitando as limitações físicas após o câncer; Transcendendo a si próprio após a doença; e Superando o fantasma do medo.

Respeitando as limitações físicas após o câncer

No cotidiano do sobrevivente ao câncer, o cuidado à saúde é entendido e realizado mediante algumas ações que retratam a necessidade de mudanças e ajustes nessa etapa pós-tratamento. Entre essas, destaca-se o respeito aos limites físicos do corpo que norteiam e restringem as ações do dia a dia a serem realizadas ou adaptadas.

Hoje, que eu tenho problema no meu braço, tive que abrir mão de fazer muita coisa aqui dentro de casa, foi uma decisão difícil. Então, eu botei na minha cabeça que não posso, não vou fazer e tenho que aceitar. (Calêndula).

[…] eu não posso erguer o braço para estender a roupa, então, agora, meu marido que lava a roupa. O serviço de casa, eu faço, mas antes, eu fazia todos os dias […] então, é uma coisa que eu não faço mais diária como eu fazia. Depois, não durmo a noite, com dor. Eu tenho que me preservar de muita coisa. (Amarílis)

Eu não faço como fazia, pois, antigamente, ia para a chácara e ficava lá o dia inteiro, carpia de baixo do solão. Nem dá para você fazer, você não consegue! Começa a sentir que está forçando, começa a sentir dor. [...] eu trabalhava o dia inteiro [...] era limpar parede, limpar vidro, limpar tudo. Hoje, não faço mais, está abandonada minha casa! (Gardênia)

Se você pega muito peso, prejudica! Se eu tenho que pegar, eu pego desse lado, do direito. Esse aqui [mostra o esquerdo], fiquei isolada. Se eu vou passar um pano, eu passo um pouquinho e sento, não aguento! (Edelweiss)

Não faço faxina na minha casa para não inchar meu braço. Não passo roupa, [...] quem varre é meu marido, ele faz tudo! Nada disso eu faço, porque se eu fazer, vai me prejudicar! Já não tenho cortina, tapete,porque eu não consigo [limpar]. (Hortência)

Com o intuito de preservar-se, além da diminuição na intensidade das atividades que antes eram realizadas naturalmente nos afazeres domésticos, agora, até mesmo atividades que proporcionam prazer e bem-estar, como hobbies, são realizadas em uma rotina diferente. Tais cuidados são percebidos pelas sobreviventes como fundamentais, a fim de não comprometer o braço afetado pelo esvaziamento axilar.

Quando eu faço muito exercício, como o crochê, costura, exercício repetitivo, aí tem que dar um tempo. [...] é um hobby, uma terapia, eu acho que faz bem, só que eu não faço como antes. Eu faço devagarzinho, dou um tempinho, vou lá fora, vou ver uma televisão, depois eu volto e faço mais um pouquinho, já não me sinto mais como antes. (Bela Emília)

Frente aos episódios de dor, edema e inúmeras restrições físicas, quando escolhem atitudes que preservam o corpo e evitam essas complicações já vivenciadas antes, os sobreviventes também escolhem assumir uma identidade de luta pela vida, transcendendo a si próprios.

Transcendendo a si próprio após a doença

Na trajetória repleta de escolhas relacionadas ao cuidar de si, há mudanças intencionais relacionadas à alimentação, envolvendo um exercício próprio de abstenção de hábitos que faziam parte da vida antes do câncer.

Agora, procuro escolher as verduras mais verdes escuras, mais vermelhas. A gente vai ouvir, ser obediente e comer. Mudou mais os alimentos, coisa que a gente comia mais enrolado e agora define mais a alimentação. Três, quatro vezes na semana come a carne, e a salada, todo dia. (Bela Emília)

Antes, eu gostava muito de doces, agora eu procuro melhorar, se eu como doce hoje, na próxima semana, eu cuido! Me alimento menos, como um pedaço menor. Hoje, eu procuro cuidar na alimentação, evito a fritura! Controla no açúcar, tudo moderado [...]. (Calêndula)

Há aqueles sobreviventes que se destacam por alcançar mudanças ainda mais profundas e íntimas, pois se referem à maneira de pensar, de enxergar a si próprios e o mundo, e, também, de se reinventarem diante das circunstâncias que lhes são impostas, além de se manterem firmes mesmo convivendo com a presença constante da dor.

Agora, depois do tratamento, eu comecei a cuidar de mim. Antes, eu não cuidava, eu tinha tempo só para minhas filhas, meu esposo e irmãos. Depois que eu tive a doença, parei para pensar que se eu morresse aquele ano, não tinha o que contar. [...] aí, eu comecei a olhar para mim, a fazer o que eu gostava! [...] porque eu não dizia “não” para ninguém, por mais que não gostasse, que aquilo não fazia bem para mim, eu acolhia todo mundo. (Crisântemo)

[...] então, é uma redescoberta de tudo que faz bem para gente e é constante essa luta! Agora, estou aprendendo a administrar muito mais esse lado emocional e cuidando do físico. Tentando levar uma vida mais saudável possível, mais feliz! Tentando ver simplicidade nas coisas, que a gente só dá valor mesmo quando está passando por uma dificuldade muito grande, assim, uma doença! [...] você percebe que não existe problemão [...] é um novo jeito de viver e de pensar. (Girassol)

Graças a Deus, estou enfrentando! Sinto as dores, ele falou que vou ficar com essa dor para sempre, mas eu estou viva, estou andando por todo canto! Eu sinto tudo! Eu estou aqui e grito sozinha de dor, daqui um pouco passa! Passa, assim, a dor forte, mas eu estou aqui. (Edelweiss)

Na condição de sobreviventes, transcender também envolve encarar a vida e suas possibilidades, pois, considerando-se que as lembranças do câncer não podem ser apagadas, elas fazem parte do processo de crescimento e superação daqueles que enfrentaram tal vicissitude.

[...] não deixo de viver minha vida, não deixo de sair de casa, não me escondo! Se alguém perguntar alguma coisa, eu conto o que passei, pois aquilo ali faz parte e faz bem. Mas elas falam “quem vê você nunca vai dizer, só quem te viu! Ninguém diz que você teve isso e ainda por duas vezes!”. Eu falo que tem que encarar a vida como ela é, jogar o ruim que passou para trás e seguir em frente buscando as coisas boas. (Brinco-de-Princesa)

Envoltos no processo de constante superação das circunstâncias que os acompanham nessa nova fase, os sobreviventes continuam alcançando vitórias quanto ao cuidado de si, relacionadas à saúde e também ao íntimo do ser, quando descobrem que são capazes de transcender a si próprios diante das adversidades que lhes sobrevêm.

Superando o fantasma do medo

Mesmo após terem vencido o tratamento oncológico, os pacientes convivem com a presença do medo. Com o objetivo de amenizar tal condição, criam estratégias para afastar as lembranças da doença vivida, envolvendo-se com os entes queridos, afazeres do lar e atividades que proporcionam bem-estar.

Porque a gente sempre fica com um pé atrás. Cada vez que vai chegando a hora de fazer o exame, fico preocupada, dá um pouquinho de medo! Quando estou sozinha, eu vou lá buscar minha neta, ela fica aí fazendo arte, eu fico com ela e passa o dia e nem penso, esqueço! Vou lá no mato e vou carpir, vou lá atrás e mexo com minhas flores, vou ali na calçada e varro! Quando você está mexendo com uma coisa e outra você não pensa! (Margarida)

Eu me preocupo em não voltar de novo! O médico disse: “quem está vivo pode morrer”, e é verdade! Eu acho que a pessoa ficar pensando na doença ela vem dobrado! Tenho as minhas atividades, tenho artesanato, mexo lá na obra e não estou pensando nada disso, eu ligo o radinho lá e acabou. (Gerânio)

O medo se apresenta como um fantasma, cercando-os a todo instante. Surge em uma alteração corporal percebida, na morte por câncer de algum conhecido ou companheiro de tratamento, e em qualquer outra situação que lhes tragam de volta as memórias de seu sofrimento.

[…] se de repente sai um carocinho aqui, eu já falo para as minhas meninas e elas ficam bravas ‘para de pensar nisso, qualquer coisinha você vive pensando, será que é? Será que não é?’ Como tem amiga minha: ‘fulano já morreu, fez tratamento junto comigo e já morreu!’ Meu Deus depois de tanto tempo fulano morreu! Então pode voltar em mim e eu também posso morrer! [...] você procura não pensar, mas, quando aparece uma coisa, um caroço, pronto! Aquilo vem com tudo, não tem como não pensar. (Hortência)

Ainda, as marcas deixadas pelo câncer contribuem para que situações do cotidiano sejam evitadas e novos cuidados surjam, em virtude do medo de adoecer e estar vulnerável novamente.

Eu brincava na chuva! hoje não, porque eu tenho medo de gripe, pneumonia! Não facilito na friagem mais, coisa que eu não fazia antes [do câncer]. Se a chuva está lá, já saio com sombrinha! Não quero pegar chuva, friagem, porque eu tenho medo da minha imunidade baixar. (Bela Emília)

Assim, o cuidado à saúde na sobrevivência ao câncer requer um esforço constante em seguir a jornada sem que o passado da doença assombre e diminua as perspectivas de um futuro. Para tanto, são necessárias as tomadas de decisão, as mudanças e as superações diárias, tornando-os guerreiros enquanto houver vida.

DISCUSSÃO

O cuidado é inerente à existência humana e ocorre por meio das relações com o outro e consigo mesmo. Nessas relações, a vulnerabilidade do homem, que é associada à fragilidade e risco, pode ser considerada um modo de manifestação do Ser, não sendo necessariamente pejorativa. Ao se encontrar vulnerável, o homem tem a sua autonomia limitada, pois está sujeito a doenças e a outros percalços, mas isso não significa que esteja inerte, sem poder decidir ou fazer algo a respeito(44 Oliveira Raa, Zago Mmf. Patient, Cured, Victim Or Survivor Of Urological Cancer? A Qualitative Study. Rev Latino-Am Enfermagem. 2018;26:E3089. Doi: 10.1590/1518-8345.2715.3089
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). Assim, em sua condição existencial, o sobrevivente ao câncer também se mostra vulnerável, mas busca, na relação de cuidado consigo, sobressair-se a tal condição.

Na segunda seção do tratado de Ser e Tempo(1414 Heidegger M. Ser E Tempo, Martin Heidegger; Tradução, Organização, Nota Prévia, Anexos E Notas: Fausto Castilho. Campinas, Sp: Editora Da Unicamp; Petrópolis, Rj: Editora Vozes, 2012.), as meditações heideggerianas falam acerca do sentido do Ser, mas partindo de sua totalidade. Isto é, o Ser-aí autenticamente existente, considerando-se que se, em seu cotidiano, o Ser-aí se desvela envolto em obscuridade(1515 Cardinalli Ie. Heidegger: O Estudo Dos Fenômenos Humanos Baseados Na Existência Humana Como Ser-Aí (Dasein). Psicologia Usp. [Internet]. 2015 [2019 Jun 15];26(2):249-258. Available From: Http://Www.scielo.br/Pdf/Pusp/V26n2/0103-6564-Pusp-26-02-00249.Pdf
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), na temporalidade da decisão antecipativa da morte, ele mostra seu verdadeiro Ser(1414 Heidegger M. Ser E Tempo, Martin Heidegger; Tradução, Organização, Nota Prévia, Anexos E Notas: Fausto Castilho. Campinas, Sp: Editora Da Unicamp; Petrópolis, Rj: Editora Vozes, 2012.). De tal maneira, ao assumir o cuidado de si, respeitando as suas próprias limitações, o Ser-sobrevivente-ao-câncer assume a autenticidade do seu Ser e, consequentemente, realiza um cuidado autêntico destituído da impessoalidade, pois assume suas escolhas e riscos. Pode-se considerar que ele adentra um movimento que promove a emancipação de si, resultando em um imergir em sua existencialidade(1616 Cestari Vrf, Moreira Tmm, Pessoa Vlmp, Florêncio Rs, Silva Mrf, Torres Ram. The Essence Of Care In Health Vulnerability: A Heideggerian Construction. Rev Bras Enferm. 2017;70(5):1112-6. Doi: 10.1590/0034-7167-2016-0570
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).

O alicerce ontológico da existencialidade do Ser-aí é a temporalidade. Nessa temporalidade, o Ser-aí desvela ao mundo seu estado de abertura ou claridade, e, nesse estado, apreende os significados daquilo que surge ao seu redor, seja dos outros entes no mundo ou de si para si mesmo(1414 Heidegger M. Ser E Tempo, Martin Heidegger; Tradução, Organização, Nota Prévia, Anexos E Notas: Fausto Castilho. Campinas, Sp: Editora Da Unicamp; Petrópolis, Rj: Editora Vozes, 2012.). […] “É a temporalidade que mostra o movimento ek-stático da existência, isto é, o movimento para fora de si e para si mesmo”(1515 Cardinalli Ie. Heidegger: O Estudo Dos Fenômenos Humanos Baseados Na Existência Humana Como Ser-Aí (Dasein). Psicologia Usp. [Internet]. 2015 [2019 Jun 15];26(2):249-258. Available From: Http://Www.scielo.br/Pdf/Pusp/V26n2/0103-6564-Pusp-26-02-00249.Pdf
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). O filosofo diz, ainda, que, na decisão antecipativa, ou seja, na forma originária e autêntica do cuidar, o homem desvela todo o seu poder-ser, sendo que esse poder-ser se manifesta em uma constituição temporal. É uma temporalidade primitiva que se temporaliza conforme três ek-stases, ou etapas; o porvir (futuro), o vigor de ter sido (passado) e a atualidade (presente)(1414 Heidegger M. Ser E Tempo, Martin Heidegger; Tradução, Organização, Nota Prévia, Anexos E Notas: Fausto Castilho. Campinas, Sp: Editora Da Unicamp; Petrópolis, Rj: Editora Vozes, 2012.).

Ainda na segunda seção, no quarto capítulo, o filosofo retoma a análise do cuidado realizada na primeira seção, mas, desta vez, à luz da temporalidade. Nessa análise, ele expõe a compreensão, a disposição e o discurso. A compreensão funda-se no futuro, ou seja, compreendendo, o Ser-aí se lança para frente de si próprio sempre atento às suas preocupações. A disposição se reporta ao passado, ou seja, ao modo do esquecimento de ter sido. O discurso diz respeito ao presente, isto é, ao se manifestar ao mundo, o Ser-aí presentifica o ente que vem ao seu encontro(1414 Heidegger M. Ser E Tempo, Martin Heidegger; Tradução, Organização, Nota Prévia, Anexos E Notas: Fausto Castilho. Campinas, Sp: Editora Da Unicamp; Petrópolis, Rj: Editora Vozes, 2012.).

A temporalidade do cuidado pode ser observada quando os sobreviventes resgatam o vigor de terem sido, relembrando como a vida era antes do câncer ou da cirurgia, e todos os afazeres que realizavam naturalmente. Reforçam e assumem as vicissitudes do presente, explicando as adaptações para realizar os afazeres na cotidianidade, onde compreendem a responsabilidade do cuidado consigo e, a partir de então, tomam suas decisões. É através dessa compreensão que agem pensando em evitar o mal futuro, que, nessas circunstâncias, foi enfatizado quando mencionam o edema e a dor.

Assim, permanecem entrelaçados ao câncer, pois vivem em um limiar entre a doença e a cura, ou seja, a sobrevivência. Isso ocorre porque não estão doentes, mas sob o acompanhamento médico, apresentando alterações físicas decorrentes do percurso de tratamento outrora vivido(44 Oliveira Raa, Zago Mmf. Patient, Cured, Victim Or Survivor Of Urological Cancer? A Qualitative Study. Rev Latino-Am Enfermagem. 2018;26:E3089. Doi: 10.1590/1518-8345.2715.3089
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). As queixas referidas pelos sobreviventes deste estudo são, em sua maioria, decorrentes das limitações e sequelas no braço advindas do tratamento oncológico do câncer de mama, que ocasionou um linfedema secundário. A literatura também aponta outras queixas comuns, como rigidez, formigamento, limitação de movimentos do braço, dedos e cotovelo, além de alterações na sensibilidade e presença de dor(1717 Fu Mr, Axelrod, Cleland Cm, Qiu Z, Guth Aa, Kleinman R, Scagliola J, Haber J. Symptom Report In Detecting Breast Cancer-Related Lymphedema. Breast Cancer (Dove Med Press). [Internet]. 2015 [2019 Jun 10]; 15(7):345-52. Available From: Https://Www.ncbi.nlm.nih.gov/Pubmed/26527899
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).

Essas alterações acabam influenciando a qualidade e o modo de viver, pois limitam não apenas os afazeres domésticos, mas também outras atividades que produzem bem-estar e são terapêuticas, como o crochê, citado por uma das sobreviventes. Dessa forma, se veem diante da escolha de suas possibilidades de ser, escolhendo um cuidado autêntico ao respeitar tais limitações físicas.

A segunda seção de Ser e Tempo(1414 Heidegger M. Ser E Tempo, Martin Heidegger; Tradução, Organização, Nota Prévia, Anexos E Notas: Fausto Castilho. Campinas, Sp: Editora Da Unicamp; Petrópolis, Rj: Editora Vozes, 2012.) também traz o conceito de angústia no pensar heideggeriano. Para o pensador, a angústia […] “não é um sintoma ou uma condição patológica, é um estado fundamental da existência humana, que aproxima do ser humano a sua condição de precariedade e provisoriedade”(1515 Cardinalli Ie. Heidegger: O Estudo Dos Fenômenos Humanos Baseados Na Existência Humana Como Ser-Aí (Dasein). Psicologia Usp. [Internet]. 2015 [2019 Jun 15];26(2):249-258. Available From: Http://Www.scielo.br/Pdf/Pusp/V26n2/0103-6564-Pusp-26-02-00249.Pdf
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). […] “Só na angústia subsiste a possibilidade de uma abertura privilegiada na medida em que ela singulariza. Essa singularização retira o ser-aí de sua decadência, e lhe revela a autenticidade e inautenticidade como possibilidades de seu ser”(1818 Guimarães Oo, Dias C. A Angústia De (Ser) E Sua Interface Com A Existência E A Morte. Psicol Saúde Debate. 2017;2(2):42-57. Doi: 10.22289/2446-922X. v2n2a3
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).

Mediante a abertura existencial que a angústia possibilita ao Ser, lhe é possível […] “transcender o mundo e a si mesmo”(1616 Cestari Vrf, Moreira Tmm, Pessoa Vlmp, Florêncio Rs, Silva Mrf, Torres Ram. The Essence Of Care In Health Vulnerability: A Heideggerian Construction. Rev Bras Enferm. 2017;70(5):1112-6. Doi: 10.1590/0034-7167-2016-0570
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). É por meio da transcendência mediada pela angústia que o sobrevivente ao câncer assume novas atitudes no cuidado de si, revelando o modo de ser autêntico, desde escolhas cotidianas a mudanças mais íntimas relacionadas ao seu modo de ser.

As mudanças no estilo de vida após o câncer podem ser impulsionadas pela própria doença, pelo desejo de assumir o domínio da saúde, amenizar os efeitos pós-tratamento e o reconhecimento da importância de evitar a recidiva(1919 Pugh G, Hough Bscr, Gravestock Mdh, Ma Jessica B, Haddrell Msc, Rebecca J, Beeken Fisher A. The Lifestyle Information And Intervention Preferences Of Teenage And Young Adult Cancer Survivors. Cancer Nurs [Internet]. 2018 [2019 Jun 10];41(5):389-98. Available From: Https://Www.ncbi.nlm.nih.gov/Pubmed/28622193
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). Diante das escolhas corriqueiras, mas não menos importantes, percebe-se que os sobreviventes assumem com responsabilidade mudanças na maneira de alimentar-se, cuidado imprescindível, pois a adoção de comportamentos saudáveis influencia positivamente a sobrevida e a qualidade de vida, diminuindo, também, as chances de recidiva.

A literatura evidencia que a proporção de sobreviventes com estilo de vida que inclua a prática de mais de um hábito saudável ainda é relativamente baixa (23%), porém vem apresentando crescimento na última década(2020 Tollosa Dn, Tavener M, Hure A. Adherence To Multiple Health Behaviours In Cancer Survivors: A Systematic Review And Meta-Analysis. J Cancer Surviv 2019;13:327. Doi: 10.1007/S11764-019-00754-0
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). Outro estudo, de origem holandesa, com questionários autoaplicados, destaca, entre seus resultados, a adesão à atividade física entre a maior parte dos sobreviventes (87,4%); mas, quanto ao tabagismo, há um índice de 18% de fumantes. Em relação à ingestão de bebida alcoólica, 18,7% dos sobreviventes relatam o consumo compulsivo(2121 Kanera Im, Bolman Ca, Mesters I, Willems Ra, Beaulen Aa, Lechner L. Prevalence And Correlates Of Healthy Lifestyle Behaviors Among Early Cancer Survivors. Bmc Cancer. 2016 [2019 Jun 15];16:4. Available From: Https://Www.ncbi.nlm.nih.gov/Pmc/Articles/Pmc4702377/
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).

Esses dados, mesmo provenientes de países mais desenvolvidos, reafirmam a necessidade de investir no acompanhamento ao cuidado à saúde desse grupo, considerando que a maneira como o sobrevivente enfrenta sua condição, somado a fatores motivacionais, pode auxiliá-lo na adequação de seu estilo de vida, para hábitos mais saudáveis(2121 Kanera Im, Bolman Ca, Mesters I, Willems Ra, Beaulen Aa, Lechner L. Prevalence And Correlates Of Healthy Lifestyle Behaviors Among Early Cancer Survivors. Bmc Cancer. 2016 [2019 Jun 15];16:4. Available From: Https://Www.ncbi.nlm.nih.gov/Pmc/Articles/Pmc4702377/
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).

Além desses aspectos relacionados à alimentação e ao estilo de vida, transcender a si próprio após o câncer também envolve adentrar em um processo de autoconhecimento, iniciado por uma sobrevivente após perceber, durante sua trajetória, que ela havia vivido por muito tempo em condição de abandono de si, como observado em seu depoimento. O pensar heideggeriano afirma que é na angústia que se revela o abandono do homem a si mesmo. Encontrando-se face a face com sua terrível liberdade de ser ou não ser e de permanecer na inautenticidade ou lutar pela posse de si mesmo(1414 Heidegger M. Ser E Tempo, Martin Heidegger; Tradução, Organização, Nota Prévia, Anexos E Notas: Fausto Castilho. Campinas, Sp: Editora Da Unicamp; Petrópolis, Rj: Editora Vozes, 2012.).

A angústia revela ao ser o poder-ser mais próprio, ou seja, o ser-livre para a liberdade de escolher e acolher a si mesmo. A angústia arrasta a pre-sença para o ser-livre para … [propensio in…], para a propriedade de seu ser enquanto possibilidade de ser aquilo que já sempre é. A pre-sença como ser-no-mundo entrega-se, ao mesmo tempo, à responsabilidade desse ser(1414 Heidegger M. Ser E Tempo, Martin Heidegger; Tradução, Organização, Nota Prévia, Anexos E Notas: Fausto Castilho. Campinas, Sp: Editora Da Unicamp; Petrópolis, Rj: Editora Vozes, 2012.).

Seguindo esse pensamento, a angústia enfrentada por alguns sobreviventes os aproximou de seu Ser-mais-próprio, onde se redescobriram mais intimamente, e, agora, assumem novas posturas. Posturas essas que ressaltam a ruptura do sobrevivente com a decadência existencial vivida antes da doença, como reforçado nas palavras de Crisântemo. Em seu despertar para a liberdade de ser quem realmente é, a sobrevivente se volta para si, envolvendo-se em um processo de conhecer-se melhor, suas preferências e o que lhe traz alegria. A partir disso, aprende a dizer “não” aos outros entes que lhe são próximos e a pensar mais em seu próprio bem-estar.

Outro depoente revela que se encontra em “um novo jeito de pensar e viver a vida”, e conseguiu se apropriar do cuidado emocional, físico e também fortalecer sua dimensão espiritual. Nesse sentido, aqueles pacientes que buscam o fortalecimento espiritual geralmente encontram mais esperança. Através da fé, conseguem forças para continuar a jornada em busca da sobrevivência e cura(44 Oliveira Raa, Zago Mmf. Patient, Cured, Victim Or Survivor Of Urological Cancer? A Qualitative Study. Rev Latino-Am Enfermagem. 2018;26:E3089. Doi: 10.1590/1518-8345.2715.3089
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). Em virtude disso, a sobrevivente trouxe novas perspectivas e um olhar diferente para a vida; ela agora valoriza a simplicidade, as pequenas coisas e as vitórias do dia a dia.

Infelizmente, esse depoimento nem sempre é uma realidade, pois, em decorrência do percurso de tratamento, a vida sofre alterações significativas que podem afetar os planos e a identidade do indivíduo. Isso produz um conflito de sentimentos, alternando o sentir-se bem, por razão de ter encerrado o tratamento, e a tristeza de ainda conviver com as repercussões físicas(66 Oliveira Raa , Araujo Js , Conceição Vm, Zago Mmf. Cancer Survivorship: Unwrapping This Reality. Cienc Cuid Saude 2015;14(4):1602-08. Doi: 10.4025/Cienccuidsaude.v14i4.27445
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). Percebemos isto quando Edelweiss ressalta a convivência constante com a dor, mas, apesar disto, dá ênfase e demonstra alegria pelo fato de estar viva, e, assim, segue superando a sua condição existencial.

Os depoimentos também revelam que o sobrevivente ao câncer cuida de si quando se apropria das lembranças, tornando-as suporte para o crescimento, superação e guia para seu modo de viver na trajetória da sobrevivência. Esse comportamento pode ter relação com a identidade do sobrevivente ao câncer, quando ele entende que vive em um limiar e necessita continuar cuidando de si, pois muitos consideram que estão em uma guerra e precisam continuar lutando(44 Oliveira Raa, Zago Mmf. Patient, Cured, Victim Or Survivor Of Urological Cancer? A Qualitative Study. Rev Latino-Am Enfermagem. 2018;26:E3089. Doi: 10.1590/1518-8345.2715.3089
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). Dessa forma, recordar as dificuldades e o sofrimento vivido se torna uma estratégia de fortalecimento, impulsionando o sobrevivente a prosseguir a vida com coragem, almejando as próximas vitórias em relação à continuidade dos cuidados e à manutenção da saúde.

Portanto, o fato de existir-no-mundo faz do Ser-aí um ser livre, mas também um ser de escolhas, principalmente após vivenciar uma doença que o faz conhecedor de sua finitude, como o câncer. Nesses momentos, o Ser encontrando-se face a face com sua terrível liberdade de ser ou não ser e de permanecer na inautenticidade ou lutar pela posse de si mesmo transcende seu estado de queda existencial, descobrindo seu poder ser, ou seja, ser para si um Ser do cuidado(1414 Heidegger M. Ser E Tempo, Martin Heidegger; Tradução, Organização, Nota Prévia, Anexos E Notas: Fausto Castilho. Campinas, Sp: Editora Da Unicamp; Petrópolis, Rj: Editora Vozes, 2012.).

Se, na analítica heideggeriana, a angústia não é um sentimento ligado a algo ou alguém, ela surge do próprio Ser-aí à medida que o mesmo toma conhecimento de seu ser lançado-no-mundo. E, nesse estar lançado, descobre sua finitude. O medo tem origem na disposição imprópria, pois o medo encontra seu ensejo naquilo que se aproxima prejudicialmente, ou seja, descortinando um “malum futurum”. No medo, o Ser-aí se perturba diante do mundo, tornando-se aflito e conturbado(1414 Heidegger M. Ser E Tempo, Martin Heidegger; Tradução, Organização, Nota Prévia, Anexos E Notas: Fausto Castilho. Campinas, Sp: Editora Da Unicamp; Petrópolis, Rj: Editora Vozes, 2012.).

É no intuito de encontrar refúgio em meio a tal aflição que o homem se envolve nas atividades e compromissos cotidianos(1515 Cardinalli Ie. Heidegger: O Estudo Dos Fenômenos Humanos Baseados Na Existência Humana Como Ser-Aí (Dasein). Psicologia Usp. [Internet]. 2015 [2019 Jun 15];26(2):249-258. Available From: Http://Www.scielo.br/Pdf/Pusp/V26n2/0103-6564-Pusp-26-02-00249.Pdf
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). Esse envolvimento, neste estudo, revela-se na procura dos sobreviventes por algo que os distraia, sendo alcançado por meio do trabalho, das atividades na casa ou do cuidar de outro como recursos para enfrentar o medo.

O medo, desvelado como temor, pode apresentar-se de três modos: pavor, horror e terror, os quais se diferenciam pela proximidade da ocorrência e seu caráter súbito. Sendo assim, o pavor representa uma ameaça conhecida ou familiar e, além disso, súbita. No horror, há proximidade da ameaça, porém ela não é familiar, é algo desconhecido. Já no terror, a ameaça se constitui de maneira súbita e desconhecida(2222 Amorim Tv, Souza Ieo, Salimena Amo, Carvalho Alo, Silva Lf, Langendorf Tf. Maternal Health Promotion Based On The Birth Experience Of Women With Heart Disease. Rev Cogitare Enferm [Internet]. 2017 [2019 Jun 11];22(4):E51641. Available From: Https://Revistas.ufpr.br/Cogitare/Article/View/51641
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). No caso dos sobreviventes, o medo é algo sempre presente, como um fantasma que os cerca. Eles tentam seguir a vida da melhor maneira, realizam o cuidado de si dentro de suas possibilidades, mas a realidade de, em qualquer instante, subitamente se depararem com um novo câncer ou então recidiva é constante, caracterizando esse medo como pavor(1414 Heidegger M. Ser E Tempo, Martin Heidegger; Tradução, Organização, Nota Prévia, Anexos E Notas: Fausto Castilho. Campinas, Sp: Editora Da Unicamp; Petrópolis, Rj: Editora Vozes, 2012.).

Relativo a essa questão, estudo brasileiro realizado com 460 mulheres pós-tratamento para câncer de mama evidenciou recidiva em 6,5% delas e metástase em 25,2% das mulheres acompanhadas no período de cinco anos(2323 Peres Vc, Veloso Dlc, Xavier Rm, Salge Akm, Guimarães Jv. Breast Cancer In Women: Recurrence And Survival At Five Years. Texto Contexto Enferm. 2015;24(3):740-7. Doi: 10.1590/0104-07072015000600014
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). O medo da recorrência da doença também foi relatado em um estudo americano(2424 Rooij Bh, Thomas Th, Post Ke, Flanagan J, Ezendam Npm, Peppercorn J, Dizon Ds. Survivorship Care Planning In Gynecologic Oncology-Perspectives From Patients, Caregivers, And Health Care Providers. J Cancer Surviv 2018;12:762. Doi: 10.1007/S11764-018-0713-9
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), sendo presente na maioria dos pacientes e também seus cuidadores. Outro estudo, com 10.969 sobreviventes ao câncer, realizado no Reino Unido, reforça que 50% dos entrevistados referiram medo da recidiva, especialmente aqueles que apresentavam comportamentos de saúde de maior risco (baixo nível de atividade física e fumantes)(2525 Fisher A, Beeken Rj, Heinrich M, Williams K, Wardle J. Health Behaviours And Fear Of Cancer Recurrence In 10 969 Colorectal Cancer (Crc) Patients. Psychooncology [Internet]. 2016 [2019 Jun 15];25(12):1434-40. Available From: Https://Www.ncbi.nlm.nih.gov/Pmc/Articles/Pmc5157776/
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).

Em estudo qualitativo, novamente as incertezas quanto ao futuro são ressaltadas, expressando o câncer como algo contínuo, até mesmo para pacientes no longo prazo (nove anos após o diagnóstico). Considerando-se que os sintomas tardios do câncer, muitas vezes, impedem a sensação de terem novamente “uma vida normal”, somados ao fato de não se sentirem “livres” para expressar seus sentimentos quanto à condição de saúde(2626 Rees S. A Qualitative Exploration Of The Meaning Of The Term “Survivor” To Young Women Living With A History Of Breast Cancer. Eur J Cancer Care [Internet]. 2018 [2019 Jun 15];27(3):E12847. Available From: Https://Www.ncbi.nlm.nih.gov/Pubmed/29630750
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), esse pavor de algo conhecido, que pode novamente fazer parte de sua vida, está sempre presente.

É diante dessas incertezas quanto ao futuro que o Ser-sobrevivente se encontra lançado à possibilidade da morte e de sua finitude, mesmo que esse “malum futuro” já lhe seja inerente desde o seu nascimento(1515 Cardinalli Ie. Heidegger: O Estudo Dos Fenômenos Humanos Baseados Na Existência Humana Como Ser-Aí (Dasein). Psicologia Usp. [Internet]. 2015 [2019 Jun 15];26(2):249-258. Available From: Http://Www.scielo.br/Pdf/Pusp/V26n2/0103-6564-Pusp-26-02-00249.Pdf
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). Quando se depara com alguma alteração corporal ou se encontra na iminência de um exame de acompanhamento, as incertezas assombram-no, fazendo-o olhar para si e refletir sobre sua condição existencial. Tal reflexão se opõe ao agir costumeiro do Ser, que se afasta dos pensamentos profundos a respeito da morte, apesar de saber que é certa, mas encarando-a como algo distante de si(1515 Cardinalli Ie. Heidegger: O Estudo Dos Fenômenos Humanos Baseados Na Existência Humana Como Ser-Aí (Dasein). Psicologia Usp. [Internet]. 2015 [2019 Jun 15];26(2):249-258. Available From: Http://Www.scielo.br/Pdf/Pusp/V26n2/0103-6564-Pusp-26-02-00249.Pdf
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), ou seja, no modo da impessoalidade.

O medo é a angústia imprópria entregue à decadência cotidiana, desvelando-se de forma velada(1414 Heidegger M. Ser E Tempo, Martin Heidegger; Tradução, Organização, Nota Prévia, Anexos E Notas: Fausto Castilho. Campinas, Sp: Editora Da Unicamp; Petrópolis, Rj: Editora Vozes, 2012.). Nesse sentido, percebe-se que, ao saber da morte de alguém que compartilhou o mesmo tratamento, o sobrevivente assume a morte do outro como uma possibilidade própria, conferindo a ideia de uma ameaça imediata, entregando-se a uma decadência momentânea. A ameaça também é reconhecida em situações que antes não lhe preocupavam, como a chuva e o frio. Ao se perceber como um ser vulnerável que necessita zelar pela sobrevivência, se preocupa em não ficar doente e manter sua imunidade forte. Assim, se sente também mais protegido em relação ao retorno do câncer.

Por fim, as vivências do cuidado à saúde, enquanto sobreviventes ao câncer, revelam que há envolvimento e certa continuidade dos cuidados por parte dos sobreviventes. O caminho de superação, que é contínuo, iniciou no diagnóstico, perpassou a terapêutica oncológica e se manteve na fase pós-tratamento. Os sobreviventes mantêm-se vigilantes no cuidado de si, ao reconhecerem suas necessidades. Porém, apesar dessas, trilham com esperança novos horizontes ao retomar ou redescobrir a vida.

Limitações do estudo

As limitações do estudo estão relacionadas aos significados encontrados e sua relação com o cotidiano dos sobreviventes ao câncer envolvidos. Assim, sugerem-se novos estudos com populações distintas, sobreviventes a outras neoplasias, a fim de ampliar ou corroborar tais achados.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde, ou políticas públicas

O estudo possibilita maior compreensão a respeito de como os sobreviventes ao câncer cuidam de sua saúde após o tratamento, aspectos ainda não abordados desse modo no cenário brasileiro até o presente momento, principalmente com o olhar profundo e subjetivo da fenomenologia existencial.

Neste estudo, são abordados aspectos importantes, como as fragilidades, adaptações e os anseios dos sobreviventes quanto ao cuidado de si, que podem subsidiar o cuidado profissional. Evidencia-se, assim, que apesar de terem sobrevivido ao câncer, os sobreviventes continuam carecendo de cuidados de saúde, seja no suporte ao viver com as limitações físicas, nas orientações quanto ao estilo de vida mais adequado e, até mesmo, em relação ao amparo emocional diante das incertezas. Portanto, tais achados podem ser de interesse não apenas de enfermeiros, mas também dos demais profissionais da área da saúde, que podem ser envolvidos no cuidado a esse público.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio da análise fenomenológica existencial, foram desveladas as facetas do cuidado à saúde na cotidianidade dos sobreviventes ao câncer, mostrando que o processo de se cuidar autenticamente surge a partir da compreensão da sua condição existencial.

Esses sobreviventes necessitam não apenas respeitar as limitações físicas, evitando que as marcas do tratamento, se agravem, mas também reinventar o próprio Ser. Em um movimento existencial de transcendência, se redescobrem como pessoa através de uma luta constante em que fazem escolhas mais intencionais pensando no bem-estar físico e emocional, superação das dificuldades, do medo da recidiva ou um novo câncer. Também há a superação de si, e, assim, projetam-se mais fortes no enfrentamento das circunstâncias que a vida lhes traz.

Percebe-se que, no processo do cuidado à saúde durante essa fase de acompanhamento, os sobreviventes ao câncer vão construindo um saber-próprio que nem sempre é proveniente de uma orientação profissional, mas é produzido no seu cotidiano a partir das tentativas e acertos, daquilo que vão percebendo no dia a dia que lhes faz bem e que pode auxiliá-los a viver melhor sem se sentirem angustiados, pois a angústia é a sensação do nada que deve ser preenchido.

Destarte, o cuidado à saúde na sobrevivência ao câncer precisa ser mais bem compreendido e valorizado pelos profissionais da saúde, especialmente para ampliar a atuação da enfermagem, no intuito de que sejam preservadas as boas condutas já exercidas pelos sobreviventes e também possibilite sanar dúvidas e reconduzir aqueles que necessitam da adoção de práticas mais adequadas. Assim, será possível potencializar suas chances de sobrevivência no longo prazo e possam usufruir de melhor qualidade de vida.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa
EDITOR ASSOCIADO: Hugo Fernandes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    03 Fev 2020
  • Aceito
    01 Jul 2020
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