Burnout, clima ético e organização do trabalho em unidade de terapia intensiva covid-19: estudo misto

RESUMO

Objetivos:

analisar a associação entre burnout e percepção do clima ético em profissionais de enfermagem de Unidade de Terapia Intensiva covid-19 e a relação com a organização do trabalho na perspectiva dos gestores dessas unidades.

Métodos:

estudo misto realizado em três hospitais universitários no Sul do Brasil, de dezembro de 2021 a março de 2022. Empregou-se estudo transversal com 110 profissionais de enfermagem, seguido de estudo exploratório-descritivo por meio de entrevistas semiestruturadas com seis gestores. Utilizou-se estatística descritiva e analítica, e análise textual discursiva.

Resultados:

evidenciou-se 10% de prevalência de burnout e 24,5% de percepção do clima ético negativo. A associação entre burnout e clima ético revelou sobrecarga e cansaço nas jornadas de trabalho, relacionados à tensão, medo, e estresse, que emergiram das consequências da organização e das relações do trabalho nas UTI covid-19.

Conclusões:

verificou-se a associação entre burnout e clima ético e elementos da organização do trabalho.

Descritores:
Esgotamento Profissional; Ad26COVS1; Unidades de Terapia Intensiva; Enfermagem; Saúde do Trabalhador.

ABSTRACT

Objectives:

to analyze the association between burnout and the perception of the ethical climate in nursing professionals in the covid-19 Intensive Care Unit and the relationship with the organization of work from the perspective of managers of these units.

Methods:

mixed method study conducted in three university hospitals in southern Brazil from December 2021 to March 2022. A cross-sectional study was developed with 110 nursing professionals, followed by an exploratory-descriptive study through semi-structured interviews with six managers. Descriptive and analytical statistics and discursive textual analysis were used.

Results:

the prevalence of burnout was 10% and the perception of negative ethical climate was 24.5%. The association between burnout and ethical climate revealed overload and fatigue during working hours, related to tension, fear, and stress that emerged from the consequences of the organization and relations of work in the covid-19 Intensive Care Unit.

Conclusions:

there was an association between burnout and ethical climate and elements of the work organization.

Descriptors:
Burnout; Occupational; COVID-19; Intensive Care Units; Nursing; Occupational Health

RESUMEN

Objetivos:

analizar la asociación entre el agotamiento profesional y la percepción del clima ético en profesionales de enfermería de la Unidad de Cuidados Intensivos covid-19 y la relación con la organización del trabajo desde la perspectiva de los directivos de estas unidades.

Métodos:

estudio de método mixto realizado en tres hospitales universitarios del sur de Brasil entre diciembre de 2021 y marzo de 2022. Se desarrolló un estudio transversal con 110 profesionales de enfermería, seguido de un estudio exploratorio-descriptivo mediante entrevistas semiestructuradas con seis gestores. Se utilizó estadística descriptiva, analítica y análisis textual discursivo.

Resultados:

hubo un 10% de prevalencia de agotamiento profesional y un 24,5% de percepción de clima ético negativo. La asociación entre el agotamiento profesional y el clima ético reveló sobrecarga y fatiga durante la jornada laboral, relacionadas con la tensión, el miedo y el estrés que surgieron de las consecuencias de la organización y las relaciones laborales en la Unidad de Cuidados Intensivos covid-19.

Conclusiones:

hubo asociación entre agotamiento profesional y clima ético y elementos de la organización del trabajo.

Descriptores:
Agotamiento Profesional; COVID-19; Unidades de Cuidados Intensivos; Enfermería; Salud Laboral

INTRODUÇÃO

O mundo inteiro enfrentou uma grande ameaça em dezembro de 2019, quando começaram a surgir os primeiros casos da covid-19 na China, causados pelo Coronavirus. Daquele momento em diante, muitos eventos ocorreram, todos eles decorrentes desse vírus com alto poder de transmissão entre as pessoas, de difícil controle, e que se espalhou rapidamente em todas as partes da Terra, constituindo-se numa pandemia(¹).

Neste cenário, as pessoas com casos graves da covid-19 precisavam de suporte de vida avançado sendo, portanto, enviadas para unidades de tratamento intensivos que não estavam preparadas e equipadas para atender um número grande de pacientes com alterações cardíacas, respiratórias e hemodinâmicas; culminando assim com a criação das unidades de terapia intensiva covid-19 (UTI covid-19)(¹-³).

No presente cenário, os profissionais de saúde, especificamente os de enfermagem, enfrentaram muitos desafios, vivenciando diferentes estressores, como intrapessoais (desconhecimento da doença), interpessoais (relações sociais) e extrapessoais (sobrecarga de trabalho)(⁴). Frisa-se que a enfermagem, por ser uma profissão que trabalha muito perto dos pacientes e familiares, esteve vulnerável a doenças laborais nesse processo, como o burnout e, similarmente, sujeita aos efeitos deletérios de um clima ético de trabalho negativo(³-⁴).

O burnout é conceituado como uma síndrome laboral crônica decorrente da exposição prolongada a estressores, caracterizada por exaustão emocional (EE) (perda de energia), despersonalização (DP) (endurecimento emocional) e a baixa realização profissional (RP). Tal condição produz sintomas físicos (cefaleia, fraqueza, dispneia, perda de peso), psicológicos (sentimentos de desesperança, ansiedade, indecisão, raiva, inquietação) e comportamentais (relutância em trabalhar, conflitos no ambiente social e trabalho)(⁴-⁵).

O clima ético (CE) integra parte do ambiente geral que constitui o clima organizacional de trabalho em um hospital ou organização de saúde, abordando a percepção coletiva dos profissionais sobre o significado do que é aceitável eticamente na instituição(⁶). Pode influenciar as relações interpessoais, os resultados do trabalho, a qualidade institucional, o comportamento e a cultura dos trabalhadores(⁶-⁷).

Quanto à relação das variáveis CE e burnout, estudo com enfermeiras intensivistas iranianas em período anterior à pandemia identificou um CE favorável, mas altos escores para frequência e intensidade de burnout, ao que os autores associaram a etiologia multifatorial do burnout. Isto é, apesar do cenário de uma UTI compreender diversos estressores, como a complexidade do próprio cuidado ao paciente crítico, o ambiente com iluminação artificial, ruídos, alarmes, variada gama de procedimentos e monitoramentos, a alta carga de trabalho e a fragilidade no dimensionamento de pessoal, a percepção do CE pode ser satisfatória, a partir da adequada relação com colegas, equipes e gestores(⁸).

Para delimitar o objeto deste estudo, foram realizadas duas revisões de literatura, uma integrativa e outra narrativa. A primeira nas bases de dados da Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos (PUBMED), Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Sci Verse Scopus (SCOPUS) e Web of Science (WoS) sobre o CE em ambiente hospitalar(⁷). A segunda foi realizada no Catálogo de Teses e Dissertações do Portal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior para conhecer as tendências das produções científicas sobre o burnout e a enfermagem no ambiente hospitalar(⁹). Os resultados mostraram uma lacuna na produção científica em relação ao burnout e o CE no cenário hospitalar, especialmente em UTI covid-19 e com a população da enfermagem.

A pandemia de covid-19 representou uma crise com elevado sofrimento psicológico aos profissionais de saúde. Em estudo com médicos de UTI covid-19, foi identificada prevalência de 51,8% de burnout e associação ao CE, e os dados demonstraram maior fragilidade na classificação do CE na relação com administradores(¹⁰). Nesse sentido, é relevante investigar especificamente essas variáveis na perspectiva da enfermagem, e considerar a condução da organização do trabalho nesse período e local na perspectiva dos gestores.

Assim, este estudo foi delineado a partir das seguintes questões de pesquisa: “O burnout está associado à percepção do CE entre profissionais de enfermagem atuantes nas UTI covid-19?” e “Qual a relação entre o burnout, a percepção do CE e a organização do trabalho em UTI covid-19 na percepção dos gestores atuantes nessas unidades?”

OBJETIVOS

Analisar a associação entre burnout e percepção do CE em profissionais de enfermagem de UTI covid-19 e a relação com a organização do trabalho na perspectiva dos gestores dessas unidades.

MÉTODOS

Aspectos éticos

As diretrizes de ética nacionais foram respeitadas na condução do presente estudo, conforme Resolução 466/12(¹¹), sendo o mesmo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande, cujo parecer está anexado à presente submissão. O Consentimento Livre e Esclarecido foi obtido de todos os participantes do estudo por meio eletrônico.

Desenho, local do estudo e período

Trata-se de um estudo de métodos mistos, apresentando-se na parte quantitativa (QUAN) um estudo transversal e, na parte qualitativa (Qual) um estudo exploratório-descritivo. A combinação de dados ocorreu por meio da conexão, onde os achados secundários (qual) tiveram um papel de apoio às informações do banco principal de dados (QUAN). O peso foi atribuído à abordagem quantitativa (QUAN+qual), constituindo-se em estratégia explanatória sequencial (QUAN+ qual). Foi utilizada a perspectiva teórica ou “lente” implícita relativa ao burnout e CE(¹²-¹³). A descrição do método foi norteada pelo Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE) da rede EQUATOR.

A pesquisa foi realizada em três (H1, H2 e H3) hospitais universitários (HU) vinculados à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) no Rio Grande do Sul (RS). Os HU prestam serviços de saúde à população de mais de 1,2 milhões de habitantes no RS unicamente pelo Sistema único de Saúde (SUS). Cabe destacar que no período da pandemia, as referidas instituições se organizaram por meio de comissões e realização de planos de contingência. Nestes, os gestores dos hospitais e unidades se reuniram para elaborar fluxos com a finalidade de sistematizar o cuidado, assegurar um dimensionamento de pessoal e proporcionar maior segurança no planejamento e tomadas de decisão, tanto organizacionais como clínicas.

A etapa QUAN ocorreu entre dezembro de 2021 a março de 2022, e a etapa Qual no período de maio e julho de 2022, ambas de forma online.

População e amostra

Na etapa QUAN, a amostra foi definida com base numa população de 291 profissionais de enfermagem, 81 enfermeiros e 201 técnicos de enfermagem. Através de fórmula de cálculo amostral para população finita, foi estimado um número mínimo de 102 participantes, sendo 29 enfermeiros e 73 técnicos de enfermagem. Na etapa Qual, foram convidados os gestores das UTI covid-19. Assim, a população foi de 110 profissionais de enfermagem (QUAN) e seis gestores (Qual) que atuaram nas UTI da covid-19 dos HU, totalizando 116 participantes do estudo.

Critérios de inclusão e exclusão

Na etapa QUAN, os critérios de inclusão adotados foram ser enfermeiro ou técnico de enfermagem e ter atuado em UTI covid-19. Não foi delimitado tempo mínimo de atuação em UTI covid-19 para participação no estudo. A técnica de amostragem usada foi a de conveniência. Na etapa Qual, foram incluídos os profissionais de saúde que atuaram como gestores das UTI covid-19.

Os enfermeiros, técnicos de enfermagem e gestores das UTI da covid-19 que se encontravam indisponíveis no período da coleta dos dados foram excluídos.

Protocolo do estudo

O protocolo da pesquisa foi elaborado em duas etapas, sendo a primeira QUAN e a segunda Qual. A primeira etapa (QUAN), compôs-se de um questionário de caracterização sociodemográfica e laboral (idade, sexo, estado civil, número de filhos, escolaridade, atividades de lazer, HU vinculado, categoria profissional, setor atual no HU, setor que atuou na covid-19, natureza do vínculo, tempo de profissão, tempo de atuação no HU, afastamento do trabalho, motivo do afastamento, dias de afastamento, abandonar o emprego); pelo Maslach Burnout Inventory (MBI) versão HSS (Human Services Survey) e do Hospital Ethical Climate Survey - Versão Brasileira (HECSVB).

Assim, sobre os instrumentos dessa pesquisa, destaca-se que o Maslach Burnout Inventory possui 22 questões em escala Likert que varia de zero - “nunca” - a quatro - “diariamente” -, onde o participante assinala a frequência com que se percebe ou se sente a respeito do enunciado de cada questão; compreende as dimensões EE, composta por nove questões (1, 2, 3, 6, 8, 13, 14, 16 e 20); DP, composta por cinco questões (5, 10, 11, 15 e 22); e RP, composta por oito questões (4, 7, 9, 12, 17, 18, 19 e 21). Altas pontuações em EE e DP, associadas à baixa pontuação em RP, indicam que o indivíduo está em burnout(⁵,¹⁴).

Já o Hospital Ethical Climate Survey - Versão Brasileira (HECSVB) possui 26 questões distribuídas em cinco fatores: Pares (4 itens: 1, 10, 18, 23); Pacientes (4 itens: 2, 6, 11 e 19); Gerentes (6 itens: 3,7,12,15,20 e 24); Hospital (6 itens: 4, 8, 13, 16, 21, e 25) e Médicos (6 itens: 5, 9, 14, 17, 22 e 26). Os itens estão relacionados às questões éticas envolvidas no ambiente de trabalho e nas relações entre enfermeiros com seus pares, médicos, pacientes e gestão. O instrumento é composto por escala Likert de cinco pontos com opções de respostas que variam de um - “quase nunca verdadeiro” a - cinco - “quase sempre verdadeiro”(⁶,¹⁵).

Na continuidade do protocolo da pesquisa, na segunda etapa (Qual), utilizou-se um roteiro semiestruturado de entrevista. As questões utilizadas foram elaboradas conforme as associações estatisticamente significativas (p<0,05) encontradas nas variáveis na pesquisa QUAN. O critério de encerramento desta etapa ocorreu pela exaustão, visto terem sido convidados ou incluídos todos os participantes disponíveis. Os trechos das entrevistas qualitativas foram codificados por meio de letras e números indo-arábicos (X1, X2, X3, X4, X5 e X6) com o objetivo de preservar o anonimato dos participantes.

Análise dos resultados e estatística

Na etapa quantitativa (QUAN) da pesquisa, a tabulação dos dados ocorreu em planilha no Excel 2010. Após, realizou-se a análise dos dados no programa PASW Statistic^® (Predictive Analytics Software, da SPSS Inc., Chicago, USA) versão 18.0 para Windows. As variáveis sociodemográficas e laborais foram analisadas por estatística descritiva. Para definição do burnout, os pontos de corte das dimensões EE e DP foram obtidos pelo percentil 75 e para RP, pelo percentil 25, que possui escore reverso(⁵,¹³,¹⁵). A variável dependente avaliada foi a “presença de burnout”. O CE foi avaliado a partir da média dos fatores e dicotomizado em CE positivo ou negativo a partir do ponto de corte de 3,5(⁶,¹⁵). Por fim, para associação do CE com o burnout, foi empregado o teste de Mann-Whitney a partir da constatação de distribuição assimétrica dos dados verificada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. Associações com p<0,05 foram adotadas como significativas.

Na etapa Qual da pesquisa, os relatos extraídos das entrevistas foram transcritos no programa Microsoft Word^® for Windows. Ao grupo de resultados qualitativos foi sobreposta a Análise Textual Discursiva (ATD), compreendendo as etapas: desmontagem dos textos, estabelecimento de relações, a captação do novo emergente e o processo auto organizado(¹²-¹³).

Na mixagem dos resultados, os dados QUAN extraídos dos questionários com significância estatística (p<0,05) foram conectados lado a lado com os resultados Qual, visando o aprofundamento das evidências encontradas, procurando a mixagem e a interdependência entre os elementos. Nesta etapa, analisou-se a ampliação com que os resultados Qual explicaram e acrescentaram informações aos resultados QUAN. A mixagem dos dados ocorreu por conexão. Na continuidade, as duas fases interativas originaram diferentes classes de dados, que se conjugaram em torno de eixos temáticos da análise integradora(¹²-¹³).

RESULTADOS

Participaram do estudo 110 profissionais de enfermagem, correspondendo a 37,8% da população. Destes, eram 53 (48%) do HU1, 30 (27%) do HU2 e 27 (25%) do HU3. Destes, 29 (26%) eram enfermeiros e 81 (74%) técnicos de enfermagem; com mediana de idade de 40 anos (IIQ=5); com mediana de 12 anos (IIQ=6) de atuação profissional na enfermagem e de seis anos (IIQ=6) de atuação no HU (Tabela 1).

Tabela 1
Resultado das associações entre as dimensões do burnout e os fatores do clima ético nos profissionais de enfermagem dos hospitais universitários da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares do Rio Grande do Sul, Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil, 2022 (N=110)

	n	Pares			Pacientes			Gerentes			Hospital			Médicos			CE Geral
		Md	IIQ	U	Md	IIQ	U	Md	IIQ	U	Md	IIQ	U	Md	IIQ	U	Md	IIQ	U
EE	Baixa (77)	3,75	0,63	811,50*	3,75	0,75	741,50*	3,83	0,75	894,50*	3,67	0,67	856,00*	3,67	0,67	902,50*	3,73	0,64	806,50*
	Alta (33)	4,25	0,88		4,25	0,88		4,15	0,83		4,00	0,58		4,00	1,25		4,08	0,80
DP	Baixa (70)	4,00	0,50	916,50*	4,00	0,75	898,00*	4,00	0,83	842,50*	3,83	0,67	930,00*	3,92	0,71	885,50*	3,96	0,67	849,50*
	Alta (40)	3,75	0,75		3,50	0,69		3,67	0,67		3,67	0,67		3,50	0,67		3,62	0,62
RP	Baixa (27)	3,75	0,50	822,50*	3,50	0,50	799,00*	3,67	0,67	800,50*	3,50	0,67	736,50*	3,50	0,83	827,50*	3,62	0,43	741,50*
	Alta (83)	4,00	0,75		4,00	0,75		4,00	0,67		3,83	0,67		3,83	0,83		3,93	0,67
SB	Ausente (99)	4,00	0,75	322,50*	3,75	0,75	311,00*	4,00	0,67	331,50*	3,83	0,67	284,50*	3,83	0,67	219,00*	3,85	0,65	263,00*
	Presente (11)	3,50	0,50		3,50	0,75		3,50	0,67		3,50	1,33		3,17	0,67		3,52	0,83

CE - Clima ético; DP - despersonalização; EE - exaustão emocional; IIQ - amplitude interquartil; Md - mediana; n - número; RP - realização profissional; SB - burnout; significância -
• ^*
  p < 0,05; U - teste de Mann-Whitney.

Destaca-se que 97 (88,2%) eram do sexo feminino, 92 (83,3%) com companheiro (estado civil), 89 (89,1%) tinham filhos, 19 (17,3%) tinham outro emprego, 46 (41,8%) se afastaram do trabalho durante a pandemia, 32 (29,1%) tiveram intenção de abandonar o emprego e 42 (38,2%) faziam atividade de lazer.

Na avaliação das dimensões do burnout, encontrou-se 33 (30%) participantes com alta EE, 40 (36,4%) com alta DP e 27 (24,5%) com baixa RP. Assim, a partir da análise das dimensões do burnout, foi evidenciado que 11 (10%) profissionais de enfermagem encontravam-se em burnout. Destes, cinco (17,2%) eram enfermeiros e seis (7,4%) técnicos de enfermagem.

Com relação ao CE na percepção dos profissionais de enfermagem, identificou-se médias por fatores, sendo 3,88 (DP=0,57) para pares, 3,82(DP=0,57) para pacientes, 3,92 (DP=0,59) para gerentes, 3,72 (DP=0,53) para hospital e 3,76 (DP=0,58) para médicos, e CE geral de 3,82 (DP=0,51). Em dicotomização verificou-se que 83 (75,5%) dos profissionais de enfermagem percebiam o CE positivo, enquanto 27 (24,5%) como negativo.

Destaca-se que dentre os participantes com burnout (n=11) e com percepção do CE negativo (n=27), verificou-se que n=5 deles constituíam os dois grupos simultaneamente. As associações entre as dimensões do burnout e os fatores do CE revelaram a ocorrência de associação estatística entre o burnout e o CE e entre todos os seus fatores. As médias mais baixas do CE estiveram nos grupos de alta DP e baixa RP, exceto no fator EE, no qual o grupo de alta exaustão avaliou de forma mais positiva o CE. O CE foi classificado como negativo apenas na relação com o burnout no fator Médicos, com média de 3,16 (IIQ=0,67).

Na pesquisa Qual, foram realizadas seis entrevistas com os gestores das UTI covid-19 dos HU; três do H1, um do H2 e dois do H3. A partir da análise textual, as informações foram organizadas e estabelecidas categorias prioritárias baseadas no referencial teórico do burnout (EE, DP e RP) e do CE (pares, médicos, gerentes, hospital, pacientes).

A seguir, no Quadro 1, apresenta-se no joint-display(¹⁶-¹⁷), os achados do estudo integrados, ressaltando-se os resultados QUAN do burnout e do CE, tal como suas associações com os relatos extraídos da análise Qual. Subsequentemente, para as inferências produzidas de cada uma das etapas (QUAN+qual), são recomendadas metainferências; esses resultados possibilitaram ampliar o conhecimento sobre a associação entre burnout e CE e sua relação com a organização do trabalho em UTI covid-19, na percepção de profissionais de enfermagem e de gestores dessas unidades.

Quadro 1
Joint-display de inferências quantitativas e qualitativas e metainferências de métodos mistos sobre as relações da organização do trabalho, burnout e clima ético nas unidades de terapia intensiva covid-19 dos hospitais universitários da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares do Rio Grande do Sul no período da pandemia por covid-19, Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil, 2022

1. TÓPICO PRINCIPAL: Burnout e percepção do clima ético em profissionais de enfermagem de UTI covid-19 e a relação com a organização do trabalho na perspectiva de gestores dessas unidades.
2. INTEGRAÇÃO: QUAN+qual
Prevalência de Burnout: Alta exaustão emocional, n=33 (30 %), alta despersonalização, n=40 (36,4%), baixa realização profissional, n=27 (24,5%). Burnout: n=11(10 %). Enfermeiros: n= 5 (17,2 %) e Técnicos de enfermagem: n=6 (7,4%).
Fator Conceito (Olson, 1998)	CE Média (DP)	Exemplos de falas dos participantes	Metainferências
Pares: Abrange o quanto as relações entre os colegas são de apoio e de transparência, refletindo na qualidade da assistência.	3,88 (0,57)	1- Veio a unidade covid então, a gente aumentou o quantitativo de funcionários para conseguir dar conta dessa nova unidade, entraram muitos funcionários novos. (X2) 2- Equipe de enfermagem muito engajada no cuidado, não iam no banheiro, não faziam lanche, emendavam horário, saíamos de lá exaustos, com um cansaço emocional e físico, atendendo e dando conta das rotinas novas; a impotência gerava uma angústia muito grande... porque o número de óbitos era muito grande. (X3)	Convergências O fator Pares associado às dimensões do burnout, especialmente na exaustão emocional, revela relações de trabalho assinaladas por diferenças de experiência profissional, elevada contratação de profissionais novos nas instituições e trabalho em equipe permeado por um cotidiano de assistência de enfermagem difícil, num cenário pandêmico, com alto nível de estresse entre as pessoas e exaustão dos profissionais. As incertezas causadas pelas modificações do processo de organização do trabalho (novos protocolos) nas UTI covid-19 influenciaram no surgimento do esgotamento profissional e na percepção do CE nesse cenário.
Pacientes: Reflete o quanto são compartilhadas as informações entre os profissionais de saúde e pacientes	3,82 (0,57)	1- Chegar no plantão com uma unidade cheia e viam que estavam em poucos técnicos, teve colega chorando. O clima sempre foi de apreensão, pacientes entravam caminhando e saiam dentro de sacos preto. A gente só podia mostrar a foto do óbito, não era agradável, mas era a alternativa para mostrar que naquele saco estava seu familiar. (X4)	A organização do trabalho e a relação com os pacientes foi demarcada pela instabilidade em torno da covid-19, que provocava tensão, medo, estresse e exaustão (sobrecarga) aos profissionais.
Gerentes: Se referem à chefia imediata e chefia geral da organização, abordando aspectos relacionados ao respeito e apoio dos gestores para com os enfermeiros.	3,92 (0,59)	1- Alguns técnicos de enfermagem e enfermeiros com morbidades; o medo levava a um excesso de cuidado, causando conflitos na equipe. (X1) 2- Nós tínhamos uma estrutura muito válida, mas tinha coisas que a unidade precisava, mas ninguém entrava, era blindada. (X5) 3- O trabalhar num ambiente de morte era o lado negativo lá dentro da covid-19. (X3) 4- A impotência era de precisar fazer mais, mas não ter a oportunidade, eram semanas intermináveis. (X6)	O fator Gerentes relacionou-se à coordenação e relação com os profissionais de enfermagem, revelando uma gestão num cenário de incertezas, com novas necessidades técnicas e administrativas, falta de trabalhadores de enfermagem devido aos atestados de saúde ou pela maior demanda de atendimento, gerando sobrecarga na função de gestor da equipe de enfermagem. Demonstrou-se o empenho dos gestores nesse cenário, com uma média positiva de CE, porém com elementos favoráveis à ocorrência do burnout.
Hospital: Apresenta a relação entre profissionais de saúde com a gestão do hospital, sobre a missão da instituição	3,72 (0,53)	1- Mas se a pandemia durasse mais, não sei se teríamos condições financeiras, físicas e mental. (X4) 2- Precisávamos que alguém da assistência fosse nas reuniões e que dissesse nossas necessidades da UTI covid-19. (X5)	O fator Hospital destacou a necessidade de maior aproximação dos profissionais da linha de frente com os gestores institucionais para verificação e conhecimento da situação laboral, que se constituía em um ambiente de alta tensão emocional, principalmente pela sobrecarga de trabalho oriunda das crescentes necessidades técnicas e materiais.
Médicos: Clima no trabalho entre médicos e enfermeiros. Relação compartilhada de conhecimento e quão éticas são as decisões em conjunto.	3,76 (0,58)	1- Médicos sem experiência ancorados em médicos com experiência; às vezes ocorria desconfiança, dificuldades nas decisões, alguns casos de dificuldade também com o respeito profissional entre as equipes, gerando estresse; acho que porque tinha várias equipes trabalhando; então esses conflitos sempre acabam passando por mim, vou lá e converso com os responsáveis, juntos melhoramos o trabalho. (X1)	O fator Médicos apresentou elementos de esgotamento profissional em relação à confiança e respeito entre médicos e enfermeiros nas tomadas de decisões, demonstrando a relação ainda distante com os médicos.

CE - clima ético; DP - desvio padrão; n - número; qual - qualitativo; QUAN - quantitativo; UTI - unidades de terapia intensiva; X - participante; + - e.

DISCUSSÃO

Os resultados permitiram verificar a relação do burnout e do CE, identificando médias mais baixas de CE nas dimensões de alta DP, baixa RP e presença de burnout, com o CE negativo avaliado na relação com o burnout apenas no fator Médicos. Diferentemente, no fator EE, verificou-se que o grupo de alta exaustão avaliou de forma mais positiva o CE, revelando assim um comportamento construtivo entre os profissionais de enfermagem, focados no enfrentamento da covid-19, ainda que frente ao processo de trabalho difícil(¹⁸-¹⁹).

A prevalência para o burnout foi de 10%. Na literatura há estudos com profissionais de enfermagem demonstrando ocorrência de burnout entre 8% e 89%(¹⁶,¹⁸). Evidenciou-se que 24,5% tinham percepção negativa do CE. No entanto, a média geral da pesquisa para o CE ficou em 3,78, avaliada assim como positiva. Isto posto, observa-se que os achados encontrados nesse estudo, tanto o burnout como o CE, tiveram resultados equivalentes a outros estudos com a enfermagem, em outros cenários de atendimento de saúde(¹⁸-²²).

Consequentemente, ao conectar os achados com os depoimentos dos gestores das UTI covid-19, nota-se que apesar das adversidades oriundas do enfrentamento da covid-19, os profissionais de saúde e gestores se uniram na construção do melhor ambiente de trabalho possível, com ajuda mútua e espírito de equipe; aspectos importantes para minimizar os efeitos deletérios da pandemia na saúde do trabalhador(²²-²³).

Os valores encontrados nas dimensões do burnout e na percepção do CE, corroborados com os depoimentos dos gestores das UTI, mostram que a organização do trabalho nas UTI na pandemia influenciou no ambiente de trabalho e na saúde do trabalhador. Sublinha-se que a compreensão do processo de saúde e doença tem vários aspectos, como a própria organização do trabalho e recursos da assistência de saúde, não se limitando apenas a componentes biológicos para o adoecimento laboral(²³-²⁴). Especificamente, no contexto da covid-19, pode-se dizer que tanto enfermeiros como gestores, muitos também enfermeiros nas UTI covid-19, vivenciaram diversas dificuldades na organização e dimensionamento das equipes, treinamentos e capacitações, gerenciamento de recursos, e na atenção à saúde mental dos profissionais, os quais enfrentaram um agente desconhecido, necessitando adotar práticas e realizar procedimentos até então pouco usuais, e estes constituíram fatores de estresse.

Nesse sentido, profissionais de enfermagem de UTI covid-19 de quatro hospitais do Rio Grande do Sul apresentaram prevalência de 54,9% de distúrbios psíquicos menores e 11,1% de burnout, variáveis que apresentaram correlações negativas com a resiliência no trabalho, além de evidenciar que o impacto da pandemia demonstrou interferir na saúde mental dos profissionais. Os autores ainda referem que esse impacto do contexto de trabalho sobre os profissionais, quando não gerenciado, pode resultar em maior desgaste profissional e agravos tanto físicos como psíquicos(²⁵). Dessa forma, no presente estudo, considerar as narrativas dos gestores, seus enfrentamentos e conflitos diante das tomadas de decisão, comparadas aos resultados de burnout e CE na percepção dos profissionais, conferiu maior compreensão acerca do cuidado e processo de trabalho da enfermagem em UTI covid-19.

Por fim, sobre a relação entre o burnout e CE no fator Médicos, avaliada pelos profissionais de enfermagem como negativa, a eventual ocorrência de conflitos entre os profissionais da área médica e da enfermagem surge como reflexo de vários fatores, envolvendo a formação da equipe multiprofissional de saúde e questões de estrutura organizacional. Percebe-se através deste estudo, que os trabalhadores de enfermagem ainda consideram distante a sua relação profissional com os médicos, mesmo nesse cenário de pandemia, onde as decisões médicas dos pacientes não poderiam ser tomadas isoladamente, como em muitos outros locais, haja vista as peculiaridades e variáveis envolvidas nesse contexto(²⁶-²⁷).

Vale destacar ainda que no cenário da covid-19 havia variáveis com poder de influenciar nesse fator (Médicos), como por exemplo: turnos longos de trabalho, o alto nível de estresse e carga laboral, motivos pessoais, o medo, a insegurança e a experiência profissional. Ademais, os profissionais de saúde (médicos, enfermeiros e outros) foram cercados por doentes graves, sofrimentos, desesperos, angústias, ansiedades, nervosismo, dilemas e mortes; situações que se intensificaram muito na pandemia, capazes também de intervir no resultado(²⁶-²⁷).

Limitações do estudo

A coleta da pesquisa ocorreu em período de diminuição de casos e redução e fechamento de leitos, conjunturas que podem ter influenciado no preenchimento dos instrumentos da pesquisa.

Contribuições para a enfermagem, Saúde ou Pública

O presente estudo contribuiu para o preenchimento de lacunas na literatura sobre o burnout e CE na enfermagem nas UTI, em um cenário como o do enfrentamento da covid-19.

CONCLUSÕES

Esse estudo evidenciou a presença de 10% de prevalência (n=11) de burnout e 24,5 % (n=27) de CE negativo entre os profissionais da enfermagem que trabalharam nas UTI covid-19 dos HU da EBSERH do RS. O burnout esteve associado ao CE, sendo que tanto o burnout como o CE estiveram relacionados à tensão, ao medo, ao estresse e à sobrecarga de trabalho que emergiram das consequências da organização e das relações do trabalho de enfermagem desses profissionais nas UTI covid-19. Ações profiláticas, como educação continuada em serviço, podem favorecer na minimização dos efeitos danosos à saúde do trabalhador de enfermagem, sendo por isso indicadas.

DISPONIBILIDADE DE DADOS E MATERIAL

https://doi.org/10.48331/scielodata.GCMDC2

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Editado por

EDITOR CHEFE: Álvaro Sousa

EDITOR ASSOCIADO: Carina Dessotte

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  04 Dez 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  05 Jan 2023
• Aceito
  14 Ago 2023