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Características de cuidadores submetidos à musicoterapia após a morte de seus entes queridos

RESUMO

Objetivo:

Descrever as características de cuidadores enlutados submetidos à musicoterapia pós-perda.

Método:

Trata-se de um corte transversal do banco de dados de um ensaio clínico randomizado que realizou musicoterapia para cuidadores que perderam seus entes queridos por câncer. Para esta análise utilizaram-se as seguintes variáveis: sociodemográficas, crenças religiosas, experiências sonoro-musicais pregressas e vivências relacionadas aos processos de cuidado, perda e reparação. Foram realizadas análises estatísticas descritivas.

Resultados:

Dos 69 participantes, 85,5% tinham um vínculo forte/apego seguro com os seus entes queridos; 68,1% acompanharam um processo de morte e morrer longo (> 6 meses), cuja morte está relacionada a uma doença crônica; 88,4% não participaram de conspiração de silêncio, sugerindo uma comunicação satisfatória; 60,9% referiram estar recebendo apoio espiritual/religioso, sugerindo apoio saudável e continente; e todos participaram de rituais fúnebres.

Conclusão:

O processo de elaboração do luto dos cuidadores indicou a presença de fatores de proteção.

Descritores:
Morte; Luto; Cuidados Paliativos; Cuidadores; Musicoterapia

ABSTRACT

Objective:

To describe the characteristics of bereaved caregivers submitted to post-loss music therapy.

Method:

This is a cross-sectional database from a randomized clinical trial that performed music therapy for caregivers who lost their loved ones to cancer. The following variables were used for this analysis: sociodemographic, religious beliefs, previous sound-musical experiences, and experiences related to care, loss and repair processes. Descriptive statistical analyzes were performed.

Results:

Of the 69 participants, 85.5% had a strong bond/secure attachment with their loved ones; 68.1% followed a long death and dying process (> 6 months), which was related to a chronic disease; 88.4% did not participate in conspiracy of silence, suggesting a satisfactory communication; 60.9% reported receiving spiritual/religious support, suggesting healthy and continent support; and all participated in funeral rites.

Conclusion:

The process of elaborating the bereavement of caregivers indicated the presence of protective factors.

Descriptors:
Death; Bereavement; Palliative Care; Caregivers; Music Therapy

RESUMEN

Objetivo:

Describir las características de los cuidadores sometidos a la musicoterapia durante el luto.

Método:

Se trata de un corte transversal del banco de datos de un ensayo clínico aleatorizado, en el cual utilizó la musicoterapia en cuidadores que perdieron a sus seres queridos por cáncer. Para este análisis, se utilizaron las siguientes variables: sociodemográficas, creencias religiosas, experiencias sonoras y musicales previas, y vivencias relacionadas a los procesos de cuidado, pérdida y reparación. Se realizó un análisis estadístico descriptivo.

Resultados:

De los 69 participantes, el 85,5% tenían un vínculo fuerte/apego seguro con sus seres queridos; el 68,1% acompañaron un proceso de muerte y morir largo (> 6 meses), cuya muerte estuvo relacionada a una enfermedad crónica; el 88,4% no participaron en la conspiración de silencio, lo que sugiere una comunicación satisfactoria; el 60,9% estaban recibiendo apoyo espiritual/religioso, lo que sugiere un apoyo sano y contenido; y todos participaron en rituales fúnebres.

Conclusión:

El proceso de elaboración del luto de los cuidadores indicó la presencia de factores de protección.

Descriptores:
Muerte; Aflicción; Cuidados Paliativos; Cuidadores; Musicoterapia

INTRODUÇÃO

O luto consiste na combinação de sinais e sintomas em resposta à perda de um ente querido. É uma experiência única para cada pessoa e sua expressão depende das circunstâncias, do contexto, das consequências da perda para o enlutado(11 Shear MK, Muldberg S, Periyakoil V. Supporting patients who are bereaved. BMJ. 2017;358:j2854. doi: 10.1136/bmj.j2854
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), da cultura, personalidade e significado atribuído à perda(22 Braz MS, Franco MHP. Profissionais paliativistas e suas contribuições na prevenção de luto complicado. Psicol Cienc Prof. 2017;37(1):90-105. doi: 10.1590/1982-3703001702016
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).

Cada pessoa vivencia o luto de modo peculiar e manifesta o seu pesar com maior ou menor emoção, o que impossibilita o estabelecimento de padrões para as reações que se seguem à morte de um ente querido. Sabe-se que a morte é sentida por aqueles que ficam, e que estes necessitam de meios para expressar o seu pesar. Ressalta-se que não se pode apressar o processo de luto e que não existem fórmulas para mitigar a dor, porém pode-se estar presente e demonstrar que o enlutado não está sozinho, que o luto não é sinônimo de fraqueza e que é necessário vivenciar a perda(33 Santos EM, Sales CA. Familiares enlutados: compreensão fenomenológica existencial de suas vivências. Texto Contexto Enferm. 2011;20(esp.):214-22. doi: 10.1590/S0104-07072011000500027
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).

Nessa perspectiva, há um estudo que objetivou compreender os sentimentos de familiares que experienciam o luto pela morte de um ente querido por câncer e que concluiu que os familiares sentem-se angustiados e amedrontados diante da iminência de morte de seu ente querido, descobrindo, assim, a sua própria finitude. Evidenciou-se que os familiares vivenciam a dor da ausência de seus entes queridos, choram a sua partida, internalizam a sua perda e reposicionam-se diante do mundo(33 Santos EM, Sales CA. Familiares enlutados: compreensão fenomenológica existencial de suas vivências. Texto Contexto Enferm. 2011;20(esp.):214-22. doi: 10.1590/S0104-07072011000500027
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).

Outro estudo que buscou compreender os significados da vivência do luto em viúvas idosas e sua relação com a religiosidade e espiritualidade evidenciou que a crença em Deus pode influenciar de modo expressivo a construção de significados relacionados à restauração da perda; que a religião pode auxiliar no discernimento em relação à morte de um ente querido; e que a crença na vida após a morte e a concepção de morte enquanto “chamado divino” podem subsidiar a elaboração da perda(44 Farinasso ALC, Labate RC. Luto, religiosidade e espiritualidade: um estudo clínico-qualitativo com viúvas idosas. Rev Eletr Enf. 2012;14(3):588-95. doi: 10.5216/ree.v14i3.14453
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). Assim, a espiritualidade, a religiosidade e as crenças religiosas contribuiriam no processo de significação das experiências de morte(55 Bousso RS, Poles K, Serafim TS, Miranda MG. Religious beliefs, illness and death: family's perspectives in illness experience. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(2):391-7. doi: 10.1590/S0080-62342011000200014
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).

Ressalta-se que a musicoterapia – utilização da música para ajudar a alcançar uma mudança específica no comportamento, sentimentos ou fisiologia – integra o escopo das intervenções de enfermagem sugeridas para diagnósticos de enfermagem como ansiedade, desesperança, dor aguda, dor crônica, sofrimento espiritual, disposição para bem-estar espiritual aumentado e tristeza crônica, bem como para condições clínicas como a depressão, objetivando alcançar resultados de enfermagem como autocontrole da ansiedade, autocontrole da depressão, controle da dor, bem-estar pessoal, saúde espiritual, enfrentamento, equilíbrio de humor e estado de conforto psicoespiritual(66 Johnson M, Moorhead S, Bulecheck G, Butcher H, Maas M, Swanson E. Ligações NANDA - NIC - NOC: condições clínicas: suporte ao raciocínio e assistência de qualidade. Rio de Janeiro: Elsevier; 2012.).

A musicoterapia pós-perda, ou seja, realizada após a morte do paciente, tem o intuito de oferecer aos familiares enlutados suporte social, emocional e espiritual no processo de elaboração do luto. Ancorada nesta premissa, há uma investigação que se propôs a avaliar os efeitos da música sacra, instrumental e cantada no bem-estar espiritual de familiares enlutados, embora com resultados não estatisticamente significativos e que identificou que a audição de música sacra tende a melhorar os níveis de bem-estar espiritual de familiares enlutados(77 Silva VA, Silva RCF, Cabau NCF, Leão ER, Silva MJP. Effects of sacred music on the spiritual well-being of bereaved relatives: a randomized clinical trial. Rev Esc Enferm USP. 2017;51:e03259. doi: 10.1590/s1980-220x2016009903259
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), bem como auxiliar no processo de elaboração do luto.

Diante do exposto, o presente estudo adotou como referencial teórico os fatores intervenientes no processo de elaboração do luto: fatores de proteção, que podem auxiliar na prevenção do luto complicado; e fatores de risco, que podem ser complicadores e contribuir para o desenvolvimento do luto complicado. Trata-se de proposições que sugerem padrões, não certezas(22 Braz MS, Franco MHP. Profissionais paliativistas e suas contribuições na prevenção de luto complicado. Psicol Cienc Prof. 2017;37(1):90-105. doi: 10.1590/1982-3703001702016
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).

Os fatores de proteção que podem auxiliar na prevenção do luto complicado abrangem o apego seguro, que confere ao enlutado maior organização e capacidade para integrar novas informações e que tende a ativar a resiliência; uma relação sem conflitos e sem pendências, com potencial complicador menor; apoio saudável e continente (adequado, necessário e suficiente na percepção do enlutado), e comunicação satisfatória; realização de rituais, importante para o processo de separação e despedida, pois auxilia no fechamento do ciclo; luto antecipatório (comumente vivenciado no contexto dos cuidados paliativos), já que permite que a pessoa viva experimente a perda sem ela ter ocorrido efetivamente, subsidiando despedidas, resolução de pendências, e o início da construção de novos significados, identidades e relações; morte por doença crônica, sem sofrimento, por permitir tempo para despedidas, e resolução de questões e pendências; luto reconhecido pelo enlutado e pela sociedade, onde a própria dor e a dor do outro são valorizadas, permitindo a decodificação do significado do luto para cada um, a vivência do processo de luto, ora orientada para perda, ora para a reparação, e a manutenção de um vínculo saudável, sem necessariamente implicar rompimento definitivo; e resiliência, não só como uma expressão de ação pós-morte, mas de pré-perda – uma estratégia que denota a capacidade de se perceber, a partir das habilidades (flexibilidade e criatividade) para criar alternativas possíveis, de acordo com a personalidade do enlutado, o seu senso de competência e a existência de um apego seguro(22 Braz MS, Franco MHP. Profissionais paliativistas e suas contribuições na prevenção de luto complicado. Psicol Cienc Prof. 2017;37(1):90-105. doi: 10.1590/1982-3703001702016
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).

Os fatores de risco que podem ser complicadores e contribuir para o desenvolvimento do luto complicado contemplam o apego inseguro, manifestado por pessoas com maior desorganização e contradições, desencorajadas para avaliar as situações e identificar estratégias de enfrentamento que tendem a repetir padrões comportamentais fracassados; relação com conflitos e pendências, ou dependência entre o enlutado e o ente querido com potencial complicador maior; morte de crianças e jovens; apoio inadequado, abusivo e insuficiente (na percepção do enlutado), e comunicação comprometida entre membros; morte repentina, violenta, doença aguda, suicídio, pois não permite despedidas ou ajustes na relação, e pode variar de acordo com o significado e o contexto da morte; não localização do corpo, e a consequente impossibilidade de realizar rituais que gostaria, dificultando a aceitação da morte do ente querido; manutenção do vínculo com o falecido ou idolatria, impossibilidade de vivenciar o processo de perda e reparação, dificultando o retorno às atividades outrora realizadas, e a manutenção de sua qualidade, bem como a construção de novos significados a partir da nova configuração; personalidade rígida, dificuldade de adaptação a condições novas, transtorno psiquiátrico ou depressão; história de vida caracterizada por perdas múltiplas e sucessivas; afastamento do ente querido com possibilidade de morte iminente – impossibilidade de expressar sentimentos e resolver pendências, podendo gerar culpa no enlutado após a sua morte; morte de cônjuge – principal evento estressor; luto não reconhecido ou não franqueado pelo enlutado (estratégia de defesa) e pela sociedade – não há valorização da própria dor ou da dor do outro, havendo uma quebra de empatia, impedindo a vivência do seu processo de luto, o que inclui a questão de gênero socialmente imposta de que o homem não pode chorar, limitando a expressão de seus sentimentos(22 Braz MS, Franco MHP. Profissionais paliativistas e suas contribuições na prevenção de luto complicado. Psicol Cienc Prof. 2017;37(1):90-105. doi: 10.1590/1982-3703001702016
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).

É importante registrar que a musicoterapia é uma intervenção de enfermagem pouco utilizada e estudada no Brasil, sobretudo no contexto dos cuidados paliativos à família enlutada. Acredita-se que a musicoterapia pós-perda constitui um fator de proteção, que pode auxiliar na prevenção do luto complicado; e que a descrição das características de cuidadores submetidos à musicoterapia pós-perda pode nortear o delineamento de novas intervenções e novos estudos.

OBJETIVO

Descrever as características de cuidadores enlutados submetidos à musicoterapia pós-perda.

MÉTODO

Aspectos éticos

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo.

Desenho, local do estudo e período

Trata-se de um recorte transversal do banco de dados de um ensaio clínico randomizado(77 Silva VA, Silva RCF, Cabau NCF, Leão ER, Silva MJP. Effects of sacred music on the spiritual well-being of bereaved relatives: a randomized clinical trial. Rev Esc Enferm USP. 2017;51:e03259. doi: 10.1590/s1980-220x2016009903259
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), realizado no domicílio de familiares enlutados, que perderam seus entes queridos (pais ou cônjuges) por câncer. Os dados foram coletados entre janeiro de 2014 e março de 2015, por meio de um formulário semiestruturado.

Amostra; critérios de inclusão e exclusão

No processo de elegibilidade para participação no projeto, determinaram-se como critérios de inclusão: estar enlutado pela morte de um ente querido (pai, mãe ou cônjuge), cadastrado na Rede Feminina de Combate ao Câncer (RFCC) de Maringá-PR – entidade filantrópica, sem fins econômicos, que atende pessoas com câncer, em situação de vulnerabilidade social – cujo óbito tivesse ocorrido por câncer, há pelo menos um mês e no máximo 12 meses; ter participado do processo de cuidado no fim da vida de seu ente querido; residir nos municípios de Maringá-PR, Sarandi-PR ou Paiçandu-PR; ter idade igual ou superior a 18 anos; ter função auditiva referida preservada; ter a função da linguagem preservada. Para a exclusão de participantes, adotaram-se os seguintes critérios: familiares que mudassem de cidade, com dificuldade auditiva ou cognitiva no decorrer da intervenção. Dos 169 familiares enlutados elegíveis, 33 não aceitaram participar da pesquisa, 59 não atenderam aos critérios de inclusão, cinco desistiram de participar antes do início da coleta de dados, por indisponibilidade de tempo para agendar as visitas, e três foram caracterizados como perdas de seguimento, pelo mesmo motivo. Logo, foram analisados dados de 69 familiares enlutados.

Protocolo do estudo primário

Considerando a importância de situar os leitores acerca da musicoterapia pós-perda, também serão descritos os recursos musicais utilizados, respeitando a variedade e a complexidade de estímulos musicais e outros fatores intervenientes. Os pesquisadores utilizaram três músicas sacras, compostas pelo Frei Luz Turra, interpretadas pelo Coral Imaculada Conceição e produzidas pela gravadora COMEP: Vossa presença faz viver (ritmo ternário; tonalidade Ré maior); Prece ao Deus vivo (ritmo quaternário; tonalidade Ré maior); Quando a dor chegar (ritmo quaternário; tonalidade Sol maior).

As músicas apresentam andamento moderado com pouca variabilidade; modo maior com harmonia simples consoante; contorno melódico ascendente; articulação legato, com pouca variabilidade e ritmo regular. O método de apresentação musical foi ao vivo, em volume agradável, realizada por dois dos pesquisadores, dos quais um é músico e enfermeiro, com experiência clínica pregressa utilizando a musicoterapia como intervenção de Enfermagem, e a outra é educadora musical e musicista – pianista e flautista.

Os materiais utilizados na intervenção foram: voz masculina (tenor), violão acústico, flauta doce (contralto), repertório musical, estante de partitura, cadeiras ou sofás. A estratégia de intervenção foi a “audição musical”, estruturada em quatro sessões de 20 minutos cada, uma vez por semana, haja vista que os pesquisadores tinham a intenção de acompanhar os participantes, na tentativa de subsidiar um suporte psicossocioespiritual, por meio da musicoterapia pós-perda, o que provavelmente não seria possível em uma única sessão, considerando a extensão do processo de elaboração do luto.

Análise dos resultados e estatística

As informações obtidas do banco de dados permitiram analisar as seguintes variáveis para o presente estudo: grau de parentesco com ente querido falecido, sexo, escolaridade, estado civil, idade, tempo de luto, religião, importância da religião, frequência em missas/cultos, hábito de ouvir música, apreciação musical, vínculo com o ente querido, duração do processo de morte e morrer, circunstância da morte, conspiração de silêncio, participação em rituais fúnebres, experiências pregressas de morte/luto, uso de antidepressivo, apoio social/comunitário, tratamento psicológico, apoio espiritual/religioso e uso de práticas integrativas e complementares. Foram realizadas análises estatísticas descritivas (frequência absoluta e relativa, média, mediana e desvio padrão), por meio do software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) (Versão 22).

RESULTADOS

Participaram do estudo 69 familiares enlutados, dos quais 19 (27,5%) eram cônjuges e 50 (72,5%) eram filhos, sendo 50 (72,5%) do sexo feminino, 30 (43,5%) com ensino fundamental incompleto, 22 (31,9%) casados ou viúvos. A média da idade foi de 47,8 anos (DP±12,9; mediana 48 anos) e a média do tempo de luto foi de 5,3 meses (DP±3,5 mediana 5 meses).

Dentre as características envolvidas no processo de elaboração do luto dos participantes, identificados como fatores de proteção segundo o referencial teórico adotado(22 Braz MS, Franco MHP. Profissionais paliativistas e suas contribuições na prevenção de luto complicado. Psicol Cienc Prof. 2017;37(1):90-105. doi: 10.1590/1982-3703001702016
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), destacam-se o apego seguro (vínculo forte com o ente querido) (Tabela 1); a realização de rituais (participação em rituais fúnebres), e o apoio saudável e continente (apoio espiritual/religioso) (Tabela 2), além da morte por doença crônica (câncer).

Tabela 1
Características pré-perda envolvidas no processo de elaboração do luto dos participantes, Maringá, Paraná, Brasil, 2015
Tabela 2
Características pós-perda envolvidas no processo de elaboração do luto dos participantes, Maringá, Paraná, Brasil, 2015

Quase todos os participantes tiveram experiências pregressas de morte/luto (95,7%), com ausência de conspiração de silêncio (88,4%) e a duração do processo de morrer foi superior a seis meses para 68,1% dos familiares.

Como o projeto se propunha a aplicar uma intervenção musical, também foram avaliadas caracterísitcas relacionadas à apreciação musical. A maioria tinha o hábito de ouvir música (84,1%), e o estilo musical preferido foi a música sacra (50,7%), seguida pela música sertaneja (27,5%).

DISCUSSÃO

O primeiro dado que chama a atenção na apresentação dos resultados constitui, segundo o referencial teórico adotado(22 Braz MS, Franco MHP. Profissionais paliativistas e suas contribuições na prevenção de luto complicado. Psicol Cienc Prof. 2017;37(1):90-105. doi: 10.1590/1982-3703001702016
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), um fator de risco para o luto complicado – morte de cônjuge –, considerado o principal evento estressor. Contudo, acredita-se que, além do fato de estar relacionado ao processo de elaboração do luto de apenas 19 (27,5%) participantes, os fatores de proteção o sobrepuseram.

Considerando-se os escores de bem-estar dos 69 participantes, antes e após a musicoterapia pós-perda, que indicaram altos níveis de Bem-Estar Espiritual e Bem-Estar Religioso (BER), e moderados ou altos níveis de Bem-Estar Existencial (BEE)(77 Silva VA, Silva RCF, Cabau NCF, Leão ER, Silva MJP. Effects of sacred music on the spiritual well-being of bereaved relatives: a randomized clinical trial. Rev Esc Enferm USP. 2017;51:e03259. doi: 10.1590/s1980-220x2016009903259
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), corrobora-se a percepção de que o fator de risco “morte de cônjuge” não tenha influenciado significativamente o processo de elaboração do luto dos 19 participantes.

Ressalta-se que o BER refere-se à dimensão vertical da espiritualidade e está relacionado à satisfação da pessoa em relação à sua conexão com Deus ou algo que transcende as dimensões humanas, e que tem apresentado associação positiva com força interior e esperança, e negativa com depressão e solidão. O BEE, por sua vez, tem relação com a dimensão horizontal da espiritualidade e se refere à percepção da pessoa em relação ao sentido e significado da vida, desprovida de uma referência religiosa(88 Marques LF, Sarriera JC, Dell'Aglio DD Adaptação e validação da Escala de Bem-estar Espiritual (EBE). Aval Psicol [Internet]. 2009 [cited 2017 Dec 27];8(2):179-86. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/avp/v8n2/v8n2a04.pdf
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). Nessa perspectiva, os “enfermeiros devem desenvolver um olhar atento para essas questões, ser treinados em protocolos específicos de anamnese espiritual e aproveitar os momentos reais de cuidado para fortalecer os pacientes”(99 Bezerra SMMS, Gomes ET, Galvão PCC, Souza KV. Spiritual well-being and hope in the preoperative period of cardiac surgery. Rev Bras Enferm. 2018;71(2):398-405. doi: 10.1590/0034-7167-2016-0642
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)e seus familiares.

No que tange às crenças religiosas, observa-se que a amostra foi constituída exclusivamente por cristãos, católicos e evangélicos, cuja maioria atribuía muita importância à religião, e mais da metade referiu sempre frequentar missas ou cultos, gostar de ouvir música sacra e estar recebendo apoio espiritual/religioso. Com efeito, as crenças religiosas influenciam positivamente a elaboração do luto(44 Farinasso ALC, Labate RC. Luto, religiosidade e espiritualidade: um estudo clínico-qualitativo com viúvas idosas. Rev Eletr Enf. 2012;14(3):588-95. doi: 10.5216/ree.v14i3.14453
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),subsidiando o enfrentamento de adversidades e eventos estressantes e traumáticos(1010 Kimura M, Oliveira AL, Mishima LS, Underwood LG. Cultural adaptation and validation of the Underwood's Daily Spiritual Experience Scale: Brazilian version. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(spe):99-106. doi: 10.1590/S0080-62342012000700015
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).

Contextualizando, há um estudo que objetivou identificar temas predominantes sobre religião, doença e morte nas histórias de vida de famílias que conviveram com um ente querido doente, e examinar a relação entre as crenças religiosas, doença e morte, e que concluiu que as crenças integram significativamente a vida de muitas famílias, promovendo suporte social, emocional e espiritual, e que, portanto, não podem ser negligenciadas no processo de doença e de morte(55 Bousso RS, Poles K, Serafim TS, Miranda MG. Religious beliefs, illness and death: family's perspectives in illness experience. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(2):391-7. doi: 10.1590/S0080-62342011000200014
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), tampouco no processo de luto.

Ressalta-se que a música é uma característica comum dos funerais, tanto a música sacra quanto a música pouplar, quando o funeral é personalizado para a pessoa que morreu. Sugerem-se cinco usos específicos da música nesse contexto: a música como meio de controle; a música como meio de inclusão e exclusão; a música como fonte de atividade coletiva; a música como meio de criar ou mudar a emoção; e a música como meio de evocar a memória da pessoa falecida(1111 Caswell G. Beyond words: some uses of music in the funeral setting. Omega (Westport). 2012;64(4):319-34. doi: https://doi.org/10.2190/OM.64.4.c
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). Nesse sentido, evidencia-se o relevante papel da música nas religiões orientais – Hinduísmo, Sikhismo e Budismo – bem como nas religiões ocidentais – Judaísmo, Cristianismo e Islamismo(1212 Cantz P. A psychodynamic inquiry into the spiritually evocative potential of music. Int Forum Psychoanalysis. 2013;22(2):69-81. doi: 10.1080/0803706X.2012.657673
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), uma vez que sua associação com a liturgia pode evocar sentimentos religiosos, seja qual for a sua proveniência(1313 Goldman DP. Sacred music, sacred time. First Things [Internet]. 2009 [cited 2017 Dec 27]. Available from: https://www.firstthings.com/article/2009/11/sacred-music-sacred-time
https://www.firstthings.com/article/2009...
). Efetivamente, a música, o canto e/ou outros estímulos harmoniosos catalisam a potência espiritual da oração ao acessar diretamente o eu espiritual(1212 Cantz P. A psychodynamic inquiry into the spiritually evocative potential of music. Int Forum Psychoanalysis. 2013;22(2):69-81. doi: 10.1080/0803706X.2012.657673
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).

A prece representa uma estratégia que subsidia a implementação de algumas Intervenções de Enfermagem sugeridas na Nursing Interventions Classification (NIC) – Apoio Espiritual, Facilitação do Crescimento Espiritual, e Estímulo a Rituais Religiosos(66 Johnson M, Moorhead S, Bulecheck G, Butcher H, Maas M, Swanson E. Ligações NANDA - NIC - NOC: condições clínicas: suporte ao raciocínio e assistência de qualidade. Rio de Janeiro: Elsevier; 2012.), capaz de suprir as necessidades espirituais de pacientes, acalmando-os(1414 Carvalho CC, Chaves ECL, Iunes DH, Simão TP, Grasselli CSM, Braga CG. Effectiveness of prayer in reducing anxiety in cancer patients. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(4):684-90. doi: 10.1590/S0080-623420140000400016
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). Apoio Espiritual é a assistência ao paciente para que tenha equilíbrio e conexão com um poder superior; Facilitação do Crescimento Espiritual constitui a facilitação do crescimento da capacidade de pacientes para identificar, fazer uma conexão e chamar a fonte de sentido, finalidade, conforto, fortalecimento e esperança em suas vidas; e Estímulo a Rituais Religiosos é a facilitação da participação em práticas religiosas(66 Johnson M, Moorhead S, Bulecheck G, Butcher H, Maas M, Swanson E. Ligações NANDA - NIC - NOC: condições clínicas: suporte ao raciocínio e assistência de qualidade. Rio de Janeiro: Elsevier; 2012.).

Seguindo este pensar, desenvolveu-se uma revisão sistemática com o objetivo de sintetizar evidências científicas sobre o efeito e a aplicabilidade de preces intercessoras na recuperação da saúde de pacientes. Embora a descrição metodológica dos estudos analisados – tipo de oração, frequência e duração – seja insuficiente para indicar sua replicação e incorporação na prática clínica, os autores concluíram que as preces intercessoras devem ser usadas em cuidados de saúde; que a oração é sempre benéfica, não exerce influência negativa; e que existem recursos na Enfermagem para o seu uso(1515 Carvalho CC, Silva RP, Chaves ECL, Caldeira S. Preces intercesoras: Efecto en la recuperación de la salud de personas en tratamiento médico. Index Enferm. 2013;22(3):186-90. doi: 10.4321/S1132-12962013000200017
https://doi.org/10.4321/S1132-1296201300...
).

Ressalta-se o estudo qualitativo realizado na Tanzânia, junto a 17 profissionais envolvidos em cuidados paliativos (oito enfermeiros, sete capelães e dois assistentes sociais), onde os resultados revelaram que as canções com mensagens de esperança trazem conforto aos pacientes, e que esse estilo musical pode ajudar uma pessoa a morrer em paz(1616 Hartwig R. Music therapy in the context of palliative care in Tanzania. Int J Palliat Nurs. 2010;16(10):499-504. doi: 10.12968/ijpn.2010.16.10.79215.
https://doi.org/10.12968/ijpn.2010.16.10...
).

Concernente ao processo de cuidado evidenciou-se que a maioria dos participantes tinha um vínculo forte com o seu ente querido falecido (fator de proteção), que possivelmente esteja relacionado a uma relação sem conflitos e sem pendências; acompanhou um processo de morte e morrer longo, que está diretamente relacionado à morte por doença crônica (fator de proteção), subsidiando tempo para despedidas, e resolução de questões e pendências; não participou de conspiração de silêncio – sugerindo comunicação satisfatória (fator de proteção).

Quanto ao processo de perda e reparação, todos participaram dos rituais fúnebres (fator de proteção), importante para o processo de separação e despedida, auxiliando no fechamento do ciclo; a quase totalidade havia experienciado o luto pela morte de outro ente querido, e a maioria referiu estar recebendo apoio espiritual/religioso – sugerindo apoio saudável e continente, adequado, necessário e suficiente na percepção do enlutado (fator de proteção). Elevado percentual de familiares também mencionou ter seguido o tratamento médico proposto.

Logo, infere-se que tais experiências tenham contribuído no atual processo de elaboração do luto, haja vista que os resultados indicam que os familiares experienciavam uma sensação de missão cumprida, de ter feito o possível, o que estava ao seu alcance. A participação de todos os familiares nos rituais fúnebres, o fato de apenas quatro participantes estarem fazendo uso de antidepressivos, e de apenas sete estarem se submentendo a tratamento psicológico, podem ratificar esta percepção.

Acompanhar um processo de morte e morrer longo, condição experienciada pela maioria dos participantes, implica vivenciar uma perda gradativa e progressiva (luto antecipatório – fator de proteção), sentida em virtude do declínio funcional e clínico do ente querido, decorrente da evolução da doença. Trata-se de um momento de muito sofrimento, mas também de muita fé e esperança em Deus, preparando-os para o enfrentamento do luto pós-morte, com serenidade, evitando o luto complicado.

Todavia, o “luto antecipatório”, assim como as “fases do luto” e a “experiência de cuidado nos últimos dias de vida” não foram devidamente investigados no presente estudo. Entretanto, os familiares sob cuidados paliativos, em sua maioria, vivenciam processos de luto antecipatório, ou seja, experienciam a perda antes mesmo de ela se consumar, permitindo, assim, despedidas, resoluções de pendências e a construção de novos significados, identidades e relações(22 Braz MS, Franco MHP. Profissionais paliativistas e suas contribuições na prevenção de luto complicado. Psicol Cienc Prof. 2017;37(1):90-105. doi: 10.1590/1982-3703001702016
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).

Acredita-se que outro fator de proteção – luto reconhecido pelo enlutado e pela sociedade – pode ter sido experienciado por 46 (66,7%) participantes durante a musicoterapia pós-perda (grupos experimentais), onde o enlutado pode reconhecer a sua dor, com o auxílio da música, e sua dor pode ser valorizada por meio da presença compassiva do enfermeiro, despertando a resiliência (outro fator de proteção), e contribuindo com o processo de elaboração do luto.

Com efeito, a musicoterapia possibilita a expressão de pensamentos e sentimentos, o resgate de reminiscências, a troca de sorrisos, o contato visual e o toque(1717 O'Callaghan C. Music, health and loss throughout the ages: a precursor to music therapy in palliative care. Austral - Asian J Cancer [Internet]. 2010 [cited 2017 Dec 27];9(3):157-66. Available from: http://www.australasiancancer.org/journal-article-view/music-health-and-loss-throughout-the-ages-a-378
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); e a presença compassiva e a escuta ativa e acolhedora do enfermeiro podem auxiliar a família no processo de reorganização da vida e adaptação às mudanças decorrentes da perda, reduzindo as respostas ineficientes(1818 Silva VA, Silva RCF, Trovo MM, Silva MJP. Roy's adaptation model and the dual process model of grieving substantiating palliative nursing care to the family. Mundo Saude. 2017;40A:521-36. doi: 10.15343/0104-7809.201740A521536
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).

É importante destacar que a maioria dos participantes relatou não estar recebendo apoio social/comunitário. Nesse contexto, os resultados do estudo qualitativo que entrevistou 42 familiares enlutados pela morte de pessoas com hipertensão, em decorrência de doenças cerebrovasculares, com o intuito de identificar como os mesmos percebiam a assistência prestada na atenção básica, ratificam os resultados encontrados no presente estudo. Observou-se que as famílias não receberam nenhuma visita da equipe da Estratégia Saúde da Família (ESF) no período de luto, provavelmente devido ao despreparo dos profissionais em acompanhá-los nesse momento(1919 Barreto MS, Silva RLDT, Waidman MAP, Marcon SS. Percepção da família sobre a assistência a pessoas com hipertensão arterial que foram a óbito. Rev Eletr Enf. 2013;15(1):162-71. doi: 10.5216/ree.v15i1.19085
https://doi.org/10.5216/ree.v15i1.19085...
).

Salienta-se que a falta de empatia e suporte social, e a exclusão dos rituais religiosos ou sociais, tendem a intensificar as reações emocionais e contribuir para o desenvolvimento do luto complicado(2020 Bousso RS, Ramos D, Frizzo HCF, Santos MR, Bousso F. Facebook: um novo locus para a manifestação de uma perda significativa. Psicol USP. 2014;25(2):172-9. doi: 10.1590/0103-656420130022
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), haja vista que a capacidade dos familiares de lidar com a morte de seus entes queridos depende de suas próprias condições psicológicas e físicas, mas, também, de sua rede de apoio(2121 Woźniak K, Iżycki D. Cancer: a family at risk. Prz Menopauzalny. 2014;13(4):253-61. doi: 10.5114/pm.2014.45002
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). Destarte, diante da ausência de suporte, a família enlutada vivencia um “vazio”, evidenciando a necessidade de continuidade do cuidado após a morte de seu ente querido(2222 Harrop E, Morgan F, Byrne A, Nelson A. "It still haunts me whether we did the right thing": a qualitative analysis of free text survey data on the bereavement experiences and support needs of family caregivers. BMC Palliat Care. 2016;15(1):92. doi: 10.1186/s12904-016-0165-9
https://doi.org/10.1186/s12904-016-0165-...
), configurando-se como fator de risco ao processo de elaboração do luto. Apesar de 75,4% dos participantes terem referido não estar recebendo apoio social/comunitário, acredita-se que o apoio espiritual/religioso, referenciado por 60,9% dos participantes, tenha suprido este déficit.

Embora vivenciar a morte do ente querido no hospital, circunstância referida pela maioria dos participantes, possa sugerir uma atitude positiva em relação à assistência prestada ao paciente no processo de morte e morrer, e de fato possa ser, ao se considerar a realidade brasileira em relação à oferta de cuidados paliativos, vale lembrar que a filosofia paliativista orienta a morte no domicílio, onde o paciente tem a oportunidade de morrer ao lado de seus familiares, aceitando-a como um processo natural, inerente ao ciclo da vida em detrimento de se submeter a procedimentos que visam prolongar a vida, mas prolongam o sofrimento.

Enfatiza-se que apenas um participante referiu estar fazendo uso de Reiki (prática integrativa complementar). Este resultado pode estar relacionado tanto à baixa oferta e ao desconhecimento por parte da população, quanto à possibilidade de os participantes julgarem-nas desnecessárias, considerando os fatores de proteção inerentes ao processo de elaboração do luto mencionados, o que parece pouco provável. Deste modo, o presente estudo destaca-se como uma iniciativa inovadora, ao ofertar musicoterapia pós-perda aos familiares enlutados.

Considerando que a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no Sistema Único de Saúde (PNPIC) foi instituída em 2006; que em 2016 foram registrados 2.203.661 atendimentos individuais e 224.258 atividades coletivas, envolvendo mais de cinco milhões de pessoas; que em 2017 elas foram ofertadas em 8.200 Unidades Básicas de Saúde (UBS), distribuídas em 3.018 municípios; sobretudo que a musicoterapia foi incorporadaà PNPIC por meio da Portaria nº 849, de 27 de março de 2017, evidencia-se que a oferta de práticas integrativas e complementares ainda é pouco difundida, haja vista que é ofertada por apenas 19% das UBS e por 54% dos municípios brasileiros(2323 Ministério da Saúde (BR). Glossário Temático: práticas integrativas e complementares em saúde [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2018 [cited 2018 Dec 27]. Available from: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/marco/12/glossario-tematico.pdf
http://portalarquivos2.saude.gov.br/imag...
).

Limitações do estudo

Como limitações do estudo, registram-se o fato de o mesmo ter sido realizado com familiares enlutados cristãos, que atribuíam muita importância à religião, sempre frequentavam missas ou cultos, tinham o hábito de ouvir música sacra, ou seja, pessoas cuja espiritualidade favorecia a elaboração do luto, sobretudo por envolver familiares cuja trajetória revela a presença de fatores de proteção para o luto complicado. Por outro lado, evidencia-se a não inclusão de familiares enlutados pela morte de outros entes queridos (filhos, avós, tios, irmãos); a não classificação prévia dos participantes em relação às fases do luto, ou aos fatores de risco para o luto complicado; e a dificuldade em estabelecer uma amostra homogênea.

Contribuições para as áreas da Enfermagem e Saúde

O estudo apresenta um cenário de cuidado pouco explorado pela Enfermagem brasileira, evidenciando a musicoterapia pós-perda como Intervenção de Enfermagem à família enlutada, cujos resultados podem nortear o delineamento de novos estudos, mistos ou qualitativos, que permitam o acesso à subjetividade, abrangendo em seus critérios de inclusão: familiares enlutados há menos de um mês (independentemente do grau de parentesco, ou composição familiar); que atribuam pouca importância à religião; que raramente frequentam missas ou cultos; que não tenham o hábito de ouvir música sacra; que tenham acompanhado um processo de morte e morrer curto (< 6 meses); cuja trajetória revele a presença de fatores de risco para o luto complicado; bem como a classificação em relação às fases do luto.

CONCLUSÃO

Observou-se que os familiares enlutados eram cristãos, a maioria atribuia muita importância à religião, frequentava assiduamente missas ou cultos, tinha o hábito de ouvir música sacra, e vivenciou experiências pregressas de morte e luto na família. No que tange aos fatores de proteção no processo de elaboração do luto, a maioria dos familiares tinha um vínculo forte/apego seguro com seus entes queridos falecidos; acompanhou um processo de morte e morrer longo, que está diretamente relacionado à morte por doença crônica e oportuniza tempo para despedidas e resolução de questões e pendências; não participou de conspiração de silêncio – sugerindo uma comunicação satisfatória; participou dos rituais fúnebres; recebeu apoio espiritual/religioso – sugerindo apoio saudável e continente.

Além das crenças religiosas, as experiências sonoro-musicais pregressas e as vivências inerentes aos processos de cuidado e de morte e morrer também podem ser fatores contribuintes ao processo de elaboração do luto dos participantes.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Out 2019
  • Data do Fascículo
    Nov-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    23 Fev 2018
  • Aceito
    18 Fev 2019
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