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O pass-through da taxa de câmbio para índices de preços: análise empírica para o Brasil

The exchange rate pass through to the price indices: empirical analysis for Brazil

Resumos

O presente artigo objetiva analisar empiricamente a relação entre taxa de câmbio e preços no Brasil no período de 1999 a 2012. Adicionalmente apresenta-se uma revisão da literatura teórica e empírica destacando os canais de transmissão do câmbio para os índices de preços tanto no âmbito micro quanto macroeconômico. Para alcançar o objetivo proposto, utilizou-se o procedimento econométrico de séries temporais através do Vetor de Correção de Erros. Os resultados encontrados sugerem uma relação de longo prazo entre câmbio e os índices de preços domésticos em análise, embora seja possível constatar um grau depass-through incompleto. Observa-se também que o repasse é maior para o índice de preços (IGPDI) com maior componente de preços por atacado.

Pass-through; preços; nova macroeconomia aberta


This paper aims to examine the relationship between exchange rate and prices in Brazil from 1999 through 2012. Also presents a survey of theoretical and empirical literature highlighting the transmission channels of exchange price indexes in both the micro and macroeconomic. Empirical analysis uses time series econometric procedure through the Vector Error Correction. The main findings suggest a long-term relationship between exchange rates and domestic prices under consideration, although it is possible to note a degree of incomplete pass-through is also observed that the transfer is greater for the price index (IGPDI) with higher component prices wholesale.

Pass-through; price; New Open Macroeconomics


1. INTRODUÇÃO

Na década de 1970 as discussões sobre a validade da Lei do Preço Único (LPU) e da Paridade do Poder de Compra (PPC) começaram a ser questionadas, pois estudos empíricos mostravam que no curto prazo as variações na taxa de câmbio não são integralmente repassadas aos preços, como deveria ocorrer caso vigorasse a LPU e a PPC.

O debate sobre o grau de pass-through (repasse) da taxa de câmbio para os preços passou a ter destaque nas discussões tanto acadêmicas quanto de formuladores de políticas. Um bom entendimento dessa relação é de suma importância para os policymakers nas tomadas de decisões.

De acordo com Campa e Goldberg (2002)CAMPA, J. M.; GOLDBERG, L. S. Exchange rate pass-through into import prices: a micro or a macro phenomenon? NBER Working Paper, n. 8934, 2002., opass-through do câmbio pode ser definido como a variação percentual nos preços dada uma variação de 1% na taxa de câmbio. Caso a LPU e a PPC fossem válidas, o grau de pass-through seria igual a um, ou seja, completo. Nesse contexto surge, então, uma nova agenda de pesquisa, que é constatara magnitude e quais os fatores podem influenciar no nível do repasse cambial.

Estes estudos podem ser, de maneira geral, divididos em dois grupos: enfoque microeconômico e o macroeconômico. Do ponto de vista microeconômico, procurou-se inferir como a organização industrial influencia o repasse do câmbio para os preços dos bens de acordo com o setor. Já o enfoque macroeconômico preocupa-se em verificar a relação entre o pass-through incompleto e o nível geral de preços na economia e suas implicações na formulação de política econômica. Recentemente, a Nova Macroeconomia Aberta tem dado grande destaque para o papel dopass-through na escolha de políticas ótimas (ver Adolfson, 2001ADOLFSON, M. Monetary policy with incomplete exchange rate pass-through. Working Paper Series, Sveriges Riksbank, n. 127, 2001.; e Corsetti, 2007CORSETTI, G. New open economy macroeconomics. Discussion Paper, Centre for Economic Policy Research, n. DP6578, 2007.).

Neste cenário, o objetivo deste trabalho é estimar o grau depass-through de longo prazo para a economia brasileira pós-metas de inflação até 2012 sob o enfoque macroeconômico. Segundo Campa e Goldberg (2005)CAMPA, J. M.; GOLDBERG, L. S. Exchange rate pass-through into import prices. The Review of Economics and Statistics, v. 87, n. 4, 2005., no longo prazo a elasticidade do pass-through deve ser próxima à unidade, ou seja, no longo prazo o pass-through se torna quase completo. Para alcançar o objetivo proposto utiliza-se o Vetor de Correção de Erro através do procedimento de Johansen (1988)JOHANSEN, S. Statistical analysis of cointegration vectors. Journal of Economic Dynamics and Control, v. 12, 1988..

Além desta introdução, o artigo está organizado da seguinte forma: a segunda seção apresenta uma revisão das teorias do pass-through e os trabalhos empíricos relevantes sobre o tema; a terceira seção apresenta o modelo teórico que dará suporte às estimativas; a quarta seção apresenta as variáveis utilizadas e, também, os procedimentos econométricos; na quinta seção são apresentados os resultados obtidos e, por fim, as considerações finais.

2. TAXA DE CÂMBIO E PREÇOS: ASPECTOS TEÓRICOS E EMPÍRICOS

2.1. PASS-THROUGH: PERSPECTIVA MICRO E MACROECONÔMICA

O estudo da relação entre a taxa de câmbio e preços dos bens tem sido alvo de estudos há muito tempo, acentuando-se após 1970 com o fim do sistema de Bretton Woods e a adoção de taxas de câmbio flutuantes por diversos países. De acordo com Menon (1995)MENON, J. Exchange rate pass-through. Journal of Economic Surveys, v. 9, n. 2, 1995., as flutuações da taxa de câmbio não alcançaram as expectativas de equilibrar o balanço de pagamento das nações como previsto pela condição Marshall-Lerner. Para o autor, foi este contexto que estimulou diversos autores a buscarem explicações alternativas para o cenário econômico, voltando-se para o estudo da relação entre a taxa de câmbio e o preço dos bens comercializados internacionalmente.

Quanto ao grau de repasse cambial, Rogoff (1996, p. 665)ROGOFF, K. The purchasing power parity puzzle. Journal of Economic Literature, v. 34, p. 647-688, 1996. argumenta que é possível que alterações na taxa de câmbio nominal não sejam totalmente repassadas,

[a]s a consequence of various adjustment costs, there is a large buffer within which nominal exchance rates can move without producing an immediate proportional response in relative domestic prices.

O pass-through dIn order to eliminate the demographic effect (in the period considelasticidade preço da exportação/importação com relação àtaxa de câmbio. O grau de pass-through mostra a variação percentual dos preços domésticos em face da variação de 1% na taxa de câmbio. Segundo Colbano (2006)COLBANO, F. S. Preços internacionais e a taxa de câmbio: o caso brasileiro. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006., o grau depass-through pode ser nulo e as variações cambiais não são repassadas aos preços, o pass-through pode ser completo, igual a um, deste modo, as variações cambiais são totalmente repassadas aos preços e opass-through pode encontrar-se entre zero e um, neste caso, apenas parte da variação cambial é repassada ao preço, resultando em umpass-through incompleto.

O repasse cambial pode ser tanto no âmbito macro (país ou grupo de países) quanto microeconômico (setores de atividade ou em nível de firmas).

Dentre os estudos pioneiros pode-se destacar Dornbusch (1985) e Feenstra (1987)FEENSTRA, R. C. Symmetric pass-through of tariffs and exchange rates under imperfect competition: an empirical test. NBER Working Paper, n. 2453, 1987.. Esses autores investigaram destacando fenômenos microeconômicos na dinâmica de ajuste. Já nos anos 1990,Menon (1995)MENON, J. Exchange rate pass-through. Journal of Economic Surveys, v. 9, n. 2, 1995. amplia a análise para destacar também a característica do produto. Para entender porque opass-through é incompleto, Knetter e Goldberg (1997) seguiram de um cenário de competição imperfeita e o conceito de Price to Market apresentado por Krugman (1986)KRUGMAN, P. R. Pricing to market when exchange rates change. NBER Working Paper, n. 1926, 1986. para construir um modelo em que a discriminação de preços tem implicações na dinâmica do rapasse cambial. Nessa mesma perspectiva encontra-se a pesquisa de Gust et al. (2010).

Nos anos 2000 vários estudos enfatizaram o papel de variáveis macroeconômicas como condicionantes adicionais para o pass-through incompleto.Taylor (2000)TAYLOR, J. B. Low inflation, pass-through, and pricing power of firms. European Economic Review, n. 44, 2000.; Goldfajn e Werlang (2000)GOLDFAJN, I.; WERLANG, S. R. C. The pass-through from depreciation to inflation: a panel study. Working Paper, Banco Central do Brasil, n. 5, 2000.; Gagnon e Ihrig (2004) e Goldberg e Campa (2005) adicionaram variáveis de controle como, por exemplo, abertura comercial e pressão de demanda (gap do produto) na equação depass-through.

2.2. A NOVA MACROECONOMIA ABERTA E O PASS-THROUGH

Como ressalta Mark (2001)MARK, N. C. International Macroeconomics and Finance. Oxford: Blackwell Publishers, 2001., o modelo da nova macroeconomia aberta ganhou destaque com o trabalho de Obstfeld e Rogoff (1995)OBSTFELD, M.; ROGOFF, K. Exchange rate dynamics redux. Journal of Political Economic, v. 103, n. 3, 1995..Um dos principais avanços do modelo apresentado pelos autores é a incorporação da rigidez nominal de preços para analisar o comportamento da taxa de câmbio e a transmissão internacional das políticas macroeconômicas. Para Corsetti (2007)CORSETTI, G. New open economy macroeconomics. Discussion Paper, Centre for Economic Policy Research, n. DP6578, 2007., a nova macroeconomia aberta tem como objetivo fornecer um novo quadro teórico para analisar economias abertas e também a escolha de políticas ótimas e estabilização.

De acordo com Bacchetta e Van Wincoop (2002)BACCHETTA, P.; VAN WINCOOP, E. A theory of currency denomination of international trade. NBER Working Paper, n. 9039, 2002., dentre outros, um dos principais objetos de estudo da nova macroeconomia aberta é analisar como o pass-through do câmbio para o preço dos bens importados é influenciado pela escolha da moeda por parte da firma exportadora, na qual os bens serão comercializados. O exportador pode optar por expressar seus preços em sua própria moeda, hipótese chamada deproducer-currency pricing (PCP), ou o preço do bem pode ser expresso na moeda do seu comprador, hipótese chamada de local-currency pricing (LCP).

Corsetti (2007)CORSETTI, G. New open economy macroeconomics. Discussion Paper, Centre for Economic Policy Research, n. DP6578, 2007. mostra que se o exportador fixa seus preços em sua própria moeda, PCP, o preço dos bens importados irá variar proporcionalmente a alterações na taxa de câmbio. No entanto, se o exportador escolhe o LCP, variações na taxa de câmbio não influenciarão o preço dos bens importados. Goldberg e Campa (2005) pesquisaram opass-through para os preços dos bens importados para 25 países da OCDE, verificando se prevalecia o PCP, o LCP ou opass-through incompleto. O local-currency pricing implica em um pass-through nulo, enquanto que o producer-currency pricing equivale aopass-through completo. Os autores rejeitam ambas as hipóteses, LCP e PCP, no curto prazo, neste caso, prevaleceu opass-through incompleto; porém, os resultados sugerem que no longo prazo existe uma convergência para o PCP na maioria dos países. O debate entre optar pelo LCP ou PCP tem grande impacto na condução da política macroeconômica de um país. De acordo com Colbano (2006)COLBANO, F. S. Preços internacionais e a taxa de câmbio: o caso brasileiro. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006., uma vez que a escolha entre o LCP e o PCP tem grandes impactos sobre o repasse cambial, esta escolha pode determinar a magnitude dos efeitos de um choque cambial sobre as exportações e importações dos países.

No contexto da nova macroeconomia aberta e do pass-throughcambial surgiram diversos trabalhos discutindo política monetária ótima. Devereux (2001)DEVEREUX, M. B. Monetary policy, exchange rate flexibility, and exchange rate pass-through. Revisiting the Case for Flexible Exchange Rates, p. 47-82, 2001. analisa quais são as possíveis regras de política monetária de acordo com o grau de flexibilidade da taxa de câmbio. Para o autor, a escolha da política monetária ótima e do regime cambial depende do grau do pass-through para o nível de preços dos bens comercializáveis da economia, caso o pass-through seja alto, qualquer decisão de política monetária enfrentará umtrade-off entre flutuações no produto da economia ou na inflação. Caso o pass-through do câmbio para os bens comercializáveis seja baixo, o trade-off entre produto e inflação não será tão significativo. Devereux (2001)DEVEREUX, M. B. Monetary policy, exchange rate flexibility, and exchange rate pass-through. Revisiting the Case for Flexible Exchange Rates, p. 47-82, 2001. ainda afirma que há diferença de políticas ótimas em países emergentes e países industrializados, uma vez que, para o autor, o grau depass-through em países emergentes é maior.

Adolfson (2001)ADOLFSON, M. Monetary policy with incomplete exchange rate pass-through. Working Paper Series, Sveriges Riksbank, n. 127, 2001. também trata da política monetária ótima e o pass-through incompleto em um regime de metas de inflação, considerando a importância do canal do câmbio como mecanismo de transmissão de política monetária. O autor destaca três resultados importantes em seu trabalho: o primeiro resultado é sobre a reação da política monetária frente a choques externos e internos. Com umpass-through incompleto e baixo, o impacto de variações na taxa de câmbio para a inflação diminui, deste modo, frente a choques externos o ajuste na taxa de juros será menor. O segundo resultado é sobre otrade-off entre volatilidade do produto ou da inflação, que diminui na presença do pass-through incompleto, já que a economia estará menos vulnerável a flutuações na taxa de câmbio. Por fim, opass-through baixo, que, para Adolfson (2001), é resultado da maior rigidez nominal de preços, leva a maior volatilidade da taxa de câmbio para permitir o ajuste dos preços relativos (Pi/Pi*).

Já para Corsetti e Pesentti (2005)CORSETTI, G.; PESENTI, P. International dimension of optimal monetary policy. Journal of Monetary Economics, n. 52, 2005., considerando economias abertas, políticas que têm como objetivo central controlar a inflação e o nível do produto podem resultar em um nível inferior de bem-estar do consumidor. Segundo os autores, a interdependência entre os países em economias abertas faz com que as políticas voltadas apenas para o mercado interno não sejam tão eficientes em comparação à possível cooperação de política entre os países. Assim, o pass-through aparece como uma informação importante para delinear as políticas ótimas do país. Um grau depass-through baixo em países preocupados apenas com a inflação e o produto interno pode levar a autoridade monetária a negligenciar os efeitos das flutuações cambiais. Já um país que também se preocupa com a volatilidade da taxa de câmbio tende a agir de maneira semelhante aos demais países, contribuindo para a redução da volatilidade da taxa de câmbio. Deste modo, os autores acreditam que na presença do pass-throughincompleto a cooperação entre os países na escolha de suas políticas ótimas irá sempre resultar em ganhos de bem-estar.

2.3. TRABALHOS EMPÍRICOS SOBRE O GRAU DE PASS-THROUGH PARA O BRASIL

O grau de pass-through no Brasil já foi estimado por alguns autores e por diferentes abordagens. Esta seção apresenta alguns destes estudos e seus resultados.

Kannebley Junior (2000)KANNEBLEY JUNIOR, S. Exchange rate pass-through: uma análise setorial para as exportações brasileiras (1984-1997). Economia Aplicada, v. 4, n.3, 2000. analisa opass-through do câmbio para as exportações brasileiras de 1984 a 1997. O trabalho é feito a partir do estudo de séries de tempo para 10 setores exportadores do país, responsáveis por aproximadamente 56% do total das exportações. O autor estima que, para seis setores no curto prazo e sete setores no longo prazo, o pass-through é nulo. Dois setores no curto prazo e apenas um setor no longo prazo apresentarampass-through diferente de zero.

Pereira e Carvalho (2000)PEREIRA, T. R., CARVALHO, A. Depreciação cambial e seu impacto sobre os custos e preços industriais no Brasil: uma analise dos efeitos de encadeamento nos setores produtivos. Texto para Discussão, IPEA, n. 711, 2000. analisam o efeito de uma depreciação cambial para os custos dos principais setores da economia brasileira. De acordo com os autores, uma desvalorização cambial afeta os preços da indústria por dois canais, os custos de produção e omark-up. Em relação aos custos de produção o impacto será maior, quanto maior for a parcela de insumos importados na produção do bem. Já em relação ao mark-up, em uma economia aberta a desvalorização do câmbio diminui a concorrência externa, e isso pode levar as firmas a ampliarem suas margens sem perder sua parcela de mercado. Por outro lado, a elevação dos custos pode ser, em parte, absorvida através de uma redução domark-up, havendo, assim, duas possibilidades.

Para Pereira e Carvalho (2000)PEREIRA, T. R., CARVALHO, A. Depreciação cambial e seu impacto sobre os custos e preços industriais no Brasil: uma analise dos efeitos de encadeamento nos setores produtivos. Texto para Discussão, IPEA, n. 711, 2000., a resposta dos custos a uma variação cambial é quase imediata e direta, deste modo, a análise preocupa-se mais em determinar a sensibilidade das estruturas de custos setoriais diante de variações no câmbio, considerando o mark-upestável. A partir dessa análise é estimado o impacto de um choque externo no índice de preços ao consumidor. Segundo os autores, uma depreciação nominal de 50% gera uma pressão sobre a estrutura de custos, através de encadeamentos intersetoriais, capaz de elevar a inflação ao consumidor em aproximadamente 8,2%.

O grau de pass-through do câmbio para os preços no Brasil também é calculado por Monteiro, Carneiro e Wu (2002). Neste trabalho os autores discutem a melhor forma de se estimar o repasse cambial, através de mecanismos lineares ou mecanismos não lineares. Para isso utilizam o índice de preços ao consumidor amplo (IPCA) e seus subgrupos. Inicialmente os autores calculam a curva de Phillips Backward Looking utilizada pelo Banco Central do Brasil para o IPCA e seus subgrupos para o período entre o terceiro trimestre de 1994 até o quarto trimestre de 2001com dados trimestrais.

Além de estimar o grau de pass-through para o IPCA fechado, os autores também desagregam o IPCA em preços livres e administrados e subdivide os preços livres em industrializados, serviços e alimentos exceto alimentos industrializados para poder analisar a sensibilidade desses grupos a variações na taxa de câmbio. Os autores ressaltam que a estimação dopass-through através do modelo linear não apresenta resultados significativos para os preços administrados, enquanto que para preços livres o resultado é significativo, indicando que as variações no câmbio afetam apenas os preços livres. O subgrupo mais significativo dentro dos preços livres é o de produtos industrializados. Já com o modelo não linear os resultados foram significativos tanto para os preços livres quanto para os preços administrados, e também apresentou resultados significativos em todos os subgrupos dos preços livres.

Para Carneiro, Monteiro e Wu (2002)CARNEIRO, D. D.; MONTEIRO, A. M. A. M.; WU, T. Y. H. Mecanismos não-lineares de repasse cambial para o IPCA. Texto para Discussão, PUC-Rio, n. 462, 2002., o modelo não linear é capaz de capturar relações que não são possíveis de alcançar com o modelo linear, sendo assim, o modelo não linear apresenta ganhos de especificação. Já o pass-through estimado pelo modelo linear em 2001 foi 1,9%, e o estimado pelo modelo não linear foi 2,9%. Adicionalmente os autores afirmam que, devido ao tamanho reduzido da amostra, os resultados possuem limitações.

Outro trabalho que estima o grau de pass-through para o Brasil foi realizado por Belaisch (2003)BELAISCH, A. Exchange rate pass-through in Brazil. IMF Working Paper, n. 03141, 2003.. A autora utiliza o índice de preços ao consumidor amplo (IPCA), o índice geral de preços (IGP-DI) e o índice de preços ao atacado (IPA) para opass-through em diferentes setores da economia. De acordo com a autora, uma depreciação prolongada pode gerar umpass-through reprimido que acabará resultando em um aumento repentino da inflação. Para captar esses efeitos na estimação do grau do repasse cambial é utilizado o modelo de Vetores Autorregressivos com dados mensais de julho de 1999 a dezembro de 2002 das séries de taxa de câmbio, índice de preços, uma proxy para choques de oferta e um indicador de demanda agregada.

Os resultados alcançados por Belaisch (2003)BELAISCH, A. Exchange rate pass-through in Brazil. IMF Working Paper, n. 03141, 2003. mostram que um choque na taxa de câmbio apresenta um efeito pequeno e lento sobre o IPCA, sendo o pico aproximadamente um trimestre depois do choque e em seis meses o efeito é zero. Sobre o IPA a resposta ao choque é muito maior e mais rápida, com o pico um mês após o choque e permanecendo até o oitavo mês. Já o IGP-DI é um meio termo entre o IPCA e o IPA, a resposta ao choque é mais rápida, porém, o efeito é mais curto. A autora também faz a divisão entre bens comercializáveis e preços livres, que são mais sensíveis a choques na taxa de câmbio, bens não comercializáveis que, embora menos sensíveis, apresentam um período de ajuste maior e preços administrados que respondem mais rápido do que os preços livres, porém, com um ajuste muito rápido.

O grau de pass-through estimado por Belaisch (2003)BELAISCH, A. Exchange rate pass-through in Brazil. IMF Working Paper, n. 03141, 2003. mostra que o IPA, os bens comercializados e os preços livres apresentam o maior grau de pass-through, e os preços administrados apresentam o menor grau. Fazendo uma comparação internacional, o grau de repasse cambial no Brasil é menor do que o padrão internacional, principalmente menor do que os países da América Latina, 6% contra 20%, respectivamente, de pass-through, um trimestre após um choque na taxa de câmbio.

Uma estimação mais recente do grau de pass-through para o Brasil é feita por Souza e Alves (2010)SOUZA, R. G., ALVES, A. F. Relação entre câmbio e preços no Brasil: aspectos teóricos e evidências empíricas. In: Encontro Nacional de Economia da ANPEC, 38, Salvador, 7-10 dez. 2010.. O modelo utilizado pelos autores se assemelha bastante ao modelo utilizado por Belaisch (2002), embora utilizem apenas o IPCA e sem desagregações. As variáveis utilizadas para estimar o pass-through foram o IPCA, a taxa de câmbio comercial, índice de preço do petróleo e o índice de produção industrial com dados mensais do período de 1999 a 2009. De acordo com os autores, o período de análise apresenta diferentes momentos que podem influenciar na estimação do repasse cambial. A amostra foi dividida em duas, um primeiro período entre 1999 e 2002 e o segundo período de 2003 a 2009. No primeiro período opass-through foi estimado através do Vetor de Correção de Erro, e no segundo período foi utilizado o Vetor Autorregressivo Estrutural.

O pass-through cambial estimado pelos autores para o primeiro período foi 3,35% logo no primeiro trimestre e 13,57% no sexto trimestre. No segundo período o pass-through estimado foi 1,29%, e 1,78% no primeiro e sexto trimestres, respectivamente. De acordo com os autores, alguns fatores da conjuntura macroeconômica contribuíram para essa diferença do graupass-through entre os dois períodos, como, por exemplo, a mudança do regime cambial e as eleições de 2002 no primeiro período, e o crescimento do PIB, a estabilidade dos preços e a tendência de apreciação cambial no segundo período.

3. MODELO TEÓRICO

O modelo utilizado neste trabalho para estimar o coeficiente depass-through do câmbio para os preços domésticos é baseado no modelo desenvolvido por Campa e Goldberg (2005)CAMPA, J. M.; GOLDBERG, L. S. Exchange rate pass-through into import prices. The Review of Economics and Statistics, v. 87, n. 4, 2005.. O modelo parte da Lei do Preço Único, sendo que para o paísj:

Em (1) são os preços domésticos; , os preços externos; e E t, a taxa de câmbio nominal. A lei do preço único testa essa equação para bens individuais comercializados entre os países enquanto que paridade do poder de compra testa essa mesma equação utilizando índices de preços para ver se a relação se mantém.

No entanto, empiricamente essa relação não se verifica, resultando assim nopass-through incompleto, que, de acordo com Campa e Goldberg (2002)CAMPA, J. M.; GOLDBERG, L. S. Exchange rate pass-through into import prices: a micro or a macro phenomenon? NBER Working Paper, n. 8934, 2002., é o percentual de mudança nos preços importados resultante da variação de 1% na taxa de câmbio entre o país importador e o exportador. A equação da lei do preço único pode ser reescrita com um desvio da seguinte maneira:

No entanto, Campa e Goldberg (2005)CAMPA, J. M.; GOLDBERG, L. S. Exchange rate pass-through into import prices. The Review of Economics and Statistics, v. 87, n. 4, 2005. ressaltam que para gerar um modelo econômico mais representativo é melhor partir do comportamento do preço do exportador. O preço do exportador depende da sua demanda e estrutura de custos:

Em (3), cmg é o custo marginal e mkup é omark-up. As variáveis minúsculas estão em logaritmo. Omark-up depende de características específicas de cada indústria e das condições macroeconômicas, que os autores expressam em função do câmbio:

Em (4) Φ são os fatores específicos da indústria e representa a taxa de câmbio, e Φ é a elasticidade da taxa de câmbio.

O custo marginal da firma exportadora depende da demanda do bem no país interno e do preço dos insumos no país exportador. O preço dos insumos depende dos salários no mercado do exportador enquanto que a demanda depende da renda gasta com bens substitutos internamente:

Em (5) y t representa as condições de demanda do mercado de destino ew x t, os salários. Deste modo, é possível reescrever a equação dos preços domésticos:

De acordo com Campa e Goldberg (2005)CAMPA, J. M.; GOLDBERG, L. S. Exchange rate pass-through into import prices. The Review of Economics and Statistics, v. 87, n. 4, 2005., a equação (6) permite que o pass-through varie de acordo com a estrutura de competição. Caso Φ = 0, prevalece o producer-currency pricing, ou pass-through completo, caso Φ = −1, prevalecerá o local-currency pricing,oupass-through nulo e os exportadores absorvem as variações na taxa de câmbio nos seus mark-ups.

Com base no modelo teórico desenvolvido por Campa e Goldberg (2005)CAMPA, J. M.; GOLDBERG, L. S. Exchange rate pass-through into import prices. The Review of Economics and Statistics, v. 87, n. 4, 2005., propõe-se no presente trabalho estimar a seguinte equação através da metodologia do vetor de correção de erro:

Em (8) é o nível de preços doméstico4 (IGP-DI e IPCA); e t é a taxa de câmbio; gap t, o hiato do produto; ppi t, o índice de preços ao produtor dos Estados Unidos; eabert t representa o grau de abertura.

Adicionalmente ao modelo desenvolvido por Campa e Goldberg (2005)CAMPA, J. M.; GOLDBERG, L. S. Exchange rate pass-through into import prices. The Review of Economics and Statistics, v. 87, n. 4, 2005., a especificação empírica, a ser testada, inclui outra variável de controle, que é o grau de abertura comercial que, segundo Goldfajn e Werlang (2000)GOLDFAJN, I.; WERLANG, S. R. C. The pass-through from depreciation to inflation: a panel study. Working Paper, Banco Central do Brasil, n. 5, 2000., possui uma relação positiva com o grau de pass-through. Há também o hiato do produto, utilizado frequentemente na literatura sobre o pass-through como pressão de demanda. Quanto ao custo dos insumos externos é utilizado o índice de preços ao produtor dos Estados Unidos (PPI). De acordo com Marazzi et al. (2005)MARAZZI, M.; SHEETS, N; VIGFUSSON, R. Exchange rate pass-through to U.S. import prices: Some new evidence. Discussion Papers, Board of Governors of the Federal Reserve System International Finance, n. 833, abr. 2005., o PPI é umaproxy mais apropriada para custos de produção do que o índice de preços ao consumidor.

4. DADOS E PROCEDIMENTO ECONOMÉTRICO

4.1. BASE DE DADOS

Para estimar o coeficiente do pass-through do câmbio para os preços serão utilizadas as seguintes variáveis: IPCA, IGP-DI, taxa de câmbio nominal, PIB, índice de preços ao produtor dos Estados Unidos (PPI) e abertura comercial.

O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é o índice oficial de inflação no Brasil desde a adoção do Regime de Metas de Inflação (RMI) em 1999. O IGPDI é calculado pelo Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) da Fundação Getulio Vargas.

Além dos índices de preços será utilizada também a taxa de câmbio nominal mensal média, definida como preço da moeda estrangeira em unidades da moeda local (R$/US$), disponibilizada no site do Ipeadata.

As demais variáveis de controle são: o hiato do produto, PPI e abertura comercial. O hiato do produto (gap) pode ser definido como a diferença entre o produto efetivo e o produto potencial de uma economia. Ele foi obtido através do filtro Hodrick-Prescott, utilizando a série do PIB mensal a preços correntes calculada pelo Bacen. Para o índice de preços ao produtor dos Estados Unidos (PPI) utilizou-se a série disponibilizada pelo Fundo Monetário Internacional. Já a abertura comercial (abert) foi construída através da corrente de comércio mensal em proporção do PIB mensal disponibilizado pelo Bacen.

4.2. PROCEDIMENTO ECONOMÉTRICO

Essa seção visa a apresentar sumariamente os procedimentos econométricos que serão utilizados para estimação do pass-through da taxa de câmbio para os índices preços.

A equação (8) será estimada através do procedimento conhecido como Vetor de Correção de Erro (VEC), porém, antes de realizar a estimação é necessário realizar uma série de procedimentos a fim de verificar a presença de raiz unitária e cointegração

Primeiro é realizado o teste Dickey-FullerAumentado (ADF) e o teste Kwiatkowski, Phillips, Schmidt e Shin (KPSS) para verificar a presença de raiz unitária nas séries, ou seja, verificar a estacionariedade das séries. De acordo com Enders (1995)ENDERS, W. Applied econometric time series. 1 ed. New York: John Wiley & Sons, 1995., a regressão entre séries não estacionárias pode resultar no chamado fenômeno da regressão espúria. O teste ADF testa a hipótese nula de existir uma raiz unitária contra a hipótese alternativa de que a série é estacionária através da estimação da seguinte regressão:

Em (9) εt é um termo de erro de ruído branco puro e ΔY t-i = (Y t-1 - Y t-2), sucessivamente. A hipótese nula é que δ = 0, nesse caso não é possível rejeitar a hipótese nula de que a série não é estacionária, já a hipótese alternativa é que δ < 0, neste caso, sendo rejeitada a hipótese nula, a série é estacionária.

Já o teste KPSS, diferente do ADF, tem como hipótese nula a série ser estacionária contra a hipótese alternativa de a série apresentar raiz unitária. De acordo com Hornok e Larsson (2000)HORNOK, A.; LARSSON, R. The finite sample distribution of the KPSS test. Econometric Journals, v. 3, 2000., os testes convencionais de raiz unitárias têm baixo poder em avaliar processos estacionários, o que pode levar a rejeitar a hipótese de estacionariedade quando, na verdade, a série é estacionária. Deste modo, o teste KPSS complementa a análise de raiz unitária nas séries, corroborando o teste ADF.

Depois dos testes de raiz unitária é realizado o teste de cointegração de Johansen (1988)JOHANSEN, S. Statistical analysis of cointegration vectors. Journal of Economic Dynamics and Control, v. 12, 1988.. Para Enders (1995)ENDERS, W. Applied econometric time series. 1 ed. New York: John Wiley & Sons, 1995. é comum existir uma relação linear entre variáveis estacionárias; essa relação recebe o nome de cointegração. Bueno (2008, p. 203)BUENO, R. D. L. S. Econometria de séries temporais. São Paulo: Cengage Learning, 2008. define cointegração conforme Engle e Granger (1987). Para esses autores, quando os elementos de um vetor X t, n × 1, são ditos cointegrados de ordem (d, b), denotados por X t ~ CI(d,b), se:

i) Todos os elementos de Xt são integrados de ordem d.

ii) Existe um vetor não nulo, β, tal que: ut = X't β~1(d-b),b>0

De acordo com a primeira condição, as constantes devem possuir mesma ordem de integração e a segunda condição implica que a combinação linear deX t e o vetor de cointegração β é integrada de ordem (d-b). Segundo Bueno (2008)BUENO, R. D. L. S. Econometria de séries temporais. São Paulo: Cengage Learning, 2008., no longo prazo,, o que significa que há uma combinação linear perfeita entre os elementos no sentido de que eles seguem uma tendência comum, no entanto, essa relação de longo prazo pode ser alterada temporariamente por choques de curto prazo, representados por u t, que se dissipam no tempo. Dado que u t é estacionário, a teoria sobre a cointegração se preocupa em utilizar essa informação para melhor ajustar o modelo de Vetores Autorregressivos (VAR), resultando em um modelo de Vetor de Correção de Erro (VEC), que assume a seguinte forma:

Em (10) Φ = αβ', sendo α a matriz de ajustamento e β a matriz de cointegração; e , sendo A i um vetor de constantes do VAR.

De acordo com Bueno (2008)BUENO, R. D. L. S. Econometria de séries temporais. São Paulo: Cengage Learning, 2008., o VEC recebe esse nome por explicar Δx t por dois fatores, Φx t -1, que mostra a relação de longo prazo entre as variáveis, e , que mostra a relação de curto prazo.

O teste de cointegração que será realizado foi proposto por Johansen (1988)JOHANSEN, S. Statistical analysis of cointegration vectors. Journal of Economic Dynamics and Control, v. 12, 1988.. Segundo Bueno (2008)BUENO, R. D. L. S. Econometria de séries temporais. São Paulo: Cengage Learning, 2008., o objetivo do teste é definir o posto da matriz Φ para que seja possível estimar os vetores de cointegração da matriz β. Sendo Φ uma matriz n × n, o posto dessa matriz serár < n caso haja cointegração. Johansen desenvolveu dois testes, o teste do traço e o teste de máximo autovalor. O teste do traço considera a hipótese nula de r* vetores de cointegração contra hipótese alternativa der > r*. Já o teste de máximo autovalor, também chamado de razão de verossimilhança, tem como hipótese nula a existência de r* vetores de cointegração contra a hipótese alternativa de r* + 1 vetores de cointegração.

5. ANÁLISE EMPÍRICA

Antes de realizar a estimação do VEC é necessário realizar uma série de procedimentos a fim de verificar a presença de raiz unitária, cointegração e determinar a quantidade de lags a ser utilizada.

Foram realizados dois testes para verificar a presença de raiz unitária nas séries e para verificar a ordem de integração; utilizou-se o teste Dickey-Fuller Aumentado (ADF) e, também, o teste Kwiatkowski-Phillips-Schmidt-Shin (KPSS). Os resultados dos testes são apresentados na tabela a seguir.

A Tabela 1 mostra que todas as séries, com exceção do hiato do produto (gap) e da corrente do comércio (l_abert), são não estacionárias em nível de acordo com o teste ADF. Deste modo foi utilizada a série na primeira diferença dessas variáveis e novamente aplicou-se o teste ADF. Os resultados foram significativos, o que significa que as séries são integradas de ordem I(1). O teste KPSS confirma os resultados encontrados pelo teste ADF.

Tabela 1.
Resultado do teste de raiz unitária de ADF e KPSS (1999-2011)

A Tabela 2 apresenta os resultados dos testes de raiz unitária para o segundo pe ríodo analisado, com exceção das séries do hiato do produto e da corrente de comércio que são estacionárias em nível, as demais séries são integradas de ordem I(1).

Tabela 2.
Resultado do teste de raiz unitária de ADF e KPSS (2003-2012)

Antes de estimar o VEC é necessário verificar a cointegração entre as séries e também especificar o número de defasagens para eliminar a autocorrelação nos resíduos. Os resultados desse teste são apresentados na Tabela 3.

Tabela 3.
Resultado do teste para a determinação do número de defasagens

De acordo com a Tabela 3, optou-se por utilizar quatro defasagens por ter sido significante em um número maior de testes, LR, FPE e AIC. Determinado o número de defasagens, foi realizado o teste de cointegração de Johansen para verificar a existência de cointegração entre as séries para os dois períodos. As Tabelas 4 e 5 a seguir apresentam os resultados do teste de cointegração considerando o IGPDI.

Tabela 4.
Teste de cointegração de Johansen, variáveis l_igpdi, l_câmbio, gap, l_abert e l_ppi (1999-2011)
Tabela 5.
Teste de cointegração de Johansen, variáveis l_igpdi, l_câmbio, gap, l_abert e l_ppi (2003-2012)

As Tabelas 4 e 5 mostram os resultados das estatísticas do traço e máximo autovalor para o teste de cointegração de Johansen para o modelo utilizando o IGP-DI. A hipótese H0 mostra o resultado do teste para a hipótese nula de nenhuma equação ser cointegrada contra a hipótese alternativa H1. De acordo com os resultados apontados, a hipótese de duas equações cointegrantes não é rejeitada, tanto pela estatística do traço quanto pela estatística do máximo autovalor.

As Tabelas 6 e 7 apresentam os resultados das estatísticas do traço e máximo autovalor utilizando o índice preços IPCA.

Tabela 6.
Teste de cointegração de Johansen, variáveis l_ipca, l_câmbio, gap, l_abert e l_ppi (1999-2011)
Tabela 7.
Teste e cointegração de Johansen, variáveis l_ipca, l_câmbio, gap, l_abert e l_ppi (2003-2012)

Já as tabelas 6 e 7 apresentam os resultados do teste de cointegração de Johansen para o modelo com o IPCA. Segundo os dados apresentados não se rejeita a hipótese da existência de pelo menos duas equações de cointegração.

Após realizar o teste de cointegração foi estimado o modelo do VEC para obter os coeficientes, para tanto estimaram-se dois VEC, um considerando o IPCA como variável dependente e as variáveis câmbio, hiato do produto, grau de abertura e PPI como explicativas, e outro VEC com o IGP-DI como variável dependente e as mesmas variáveis explicativas. A Tabela 8 apresenta os resultados do vetor de cointegração normalizado - coeficientes da relação de longo prazo.

Tabela 8.
Vetor de cointegração normalizado (Johansen)

A Tabela 8 mostra os parâmetros de longo prazo do modelo levando em consideração dois períodos de tempo5 5 O objetivo de realizar as estimativas para as séries em dois períodos foi verificar se após 2003, período de mudanças na política econômica, o coeficiente de repasse cambial se modificaria. . Como é possível observar, a variável de interesse, câmbio, tem "elevado" grau de repasse para os índices de preços no longo prazo, exceto IPCA no segundo período (regressão 3). No primeiro período (estimativa 1 e 2) opass-through do câmbio para o IPCA é de 67,9% no longo prazo e para o IGP-DI o pass-through é de 84,7%. Essa diferença já era esperada e está em linha com outros trabalhos, como o de Belaisch (2003)BELAISCH, A. Exchange rate pass-through in Brazil. IMF Working Paper, n. 03141, 2003.. O IGP-DI possui em sua composição o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), com o peso de 60%. O IPA é fortemente influenciado pela taxa de câmbio por considerar as variações nos preços nas fases anteriores ao consumo final. A presença de insumos importados no processo de produção é comum, e deste modo o IPA torna-se mais sensível ao câmbio e acaba ratificando melhor o repasse ao IGP-DI. Quanto às demais variáveis, vale destacar que um aumento na abertura comercial contribui para reduzir a inflação, já o hiato do produto tem um efeito positivo.

O presente estudo é consistente com a literatura. Alves e Souza (2010) e Menezes e Fernandez (2012) também constataram um grau de pass-throughincompleto do câmbio para os índices de preços, embora os resultados desses autores mostrem coeficientes de repasse cambial em níveis distintos. A heterogeneidade de resultados encontrados na literatura deve-se ao uso especificações diferentes, ou seja, na escolha das variáveis e/ou método de estimação e período analisado. Deve-se ressaltar que a especificação do modelo estimado está sujeita à validade do teste de estabilidade, conforme indica a literatura, e os resultados sugerem que a condição de estabilidade do modelo é satisfeita, sendo que todas as raízes ficaram dentro do círculo unitário (ver Gráficos A.2 e A.3 em anexo).

Os resultados apresentados para a relação entre taxa de câmbio e índice de preços são de grande relevância para discussão e formulação de política macroeconômica ao mostrar os impactos da variação cambial sobre os índices de preços em análise - IPCA e IGPDI, no período recente.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa teve como objetivo estimar o grau depass-through de longo prazo da taxa de câmbio para o nível de preços da economia brasileira no período pós-metas de inflação. Além disso, visou a considerar os aspectos teóricos do pass-through, e também foram analisados diversos trabalhos empíricos com a intenção de desenvolver um modelo consistente e bem ajustado.

Em relação aos determinantes do grau de pass-through, além das variáveis que são objeto de estudo - índice de preços e câmbio ‒, a literatura sugere que era necessário considerar outras variáveis de controle, que foram selecionadas de acordo com os fundamentos teóricos.

Os resultados deste trabalho são consistentes com outros resultados, como Campa e Goldberg (2005)CAMPA, J. M.; GOLDBERG, L. S. Exchange rate pass-through into import prices. The Review of Economics and Statistics, v. 87, n. 4, 2005., que através da análise das elasticidades do pass-through para países da OCDE concluem que no longo prazo, para a maioria dos países, o repasse é próximo a 1, ou seja, é quase completo.

De acordo com estimativas apresentadas, a relação entre opass-through do câmbio e os índices de preços no longo prazo é estatisticamente significante. Para o IPCA o ajuste de longo prazo estimado do câmbio é de 67,9%, enquanto que para o IGP-DI o ajuste é de 84,7% no período pós-meta de inflação.

Esta pesquisa é importante por abordar e ampliar a discussão sobre um tema que é sempre atual nas políticas macroeconômicas das economias abertas e que demanda grande conhecimento sobre comportamento conjunto destas variáveis.

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  • 4
    As variáveis minúsculas estão em logaritmo.
  • 5
    O objetivo de realizar as estimativas para as séries em dois períodos foi verificar se após 2003, período de mudanças na política econômica, o coeficiente de repasse cambial se modificaria.

Anexos


Gráfico 1.A A.1 - Estabilidade do VEC para o IPCA (1999-2011)


Gráfico 2.A A.2 - Estabilidade do VEC para o IGP-DI (1999-2011)


Gráfico 3.A A.3 - Estabilidade do VEC para o IGP-DI (2003-2012)


Gráfico 4.A A.4 - Estabilidade do VEC para o IGP-DI (2003-2012)

Tabela A.1
Teste LM de correlação dos resíduos (1999-2011)
Tabela A.2
Teste LM de correlação dos resíduos (2003-2012)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    10 Jul 2013
  • Aceito
    16 Jan 2015
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