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O SENTIDO HISTÓRICO DO DESENVOLVIMENTISMO E SUA ATUALIDADE

THE HISTORICAL SENSE OF DEVELOPMENTALISM AND ITS CURRENT MEANING

RESUMO

O artigo aborda a formação histórica do desenvolvimentismo brasileiro e discute sua atualidade como projeto para a economia brasileira. Para tanto, recupera suas origens, mostrando que resulta da confluência de ideias nacionalistas, intervencionistas e em defesa da industrialização que começaram a se amalgamar no último quarto do século XIX, ainda no período agroexportador. A seguir, parte da conceituação de desenvolvimentismo para mostrar que este, como fenômeno histórico, mostrou-se capaz de se adaptar às transformações por que passou a economia brasileira ao longo do século XX, não sendo restrito ao período da industrialização por substituição de importações. Assim, conclui que o desafio da atualidade consiste na sua reatualização diante das mudanças econômicas das últimas décadas, principalmente no que tange à desindustrialização.

PALAVRAS-CHAVE:
desenvolvimentismo; industrialização brasileira; economia brasileira no século XIX

ABSTRACT

The article presents the historical formation of the Brazilian developmentalism and discusses its relevance for the Brazilian economy. Therefore, recovers its origins, showing that results from the confluence of interventionists, nationalists and in defense of industrialization ideas that coalesced in the last quarter of the nineteenth century, during the agro-export period. Then, from the developmentalist concept it argues that this as a historical phenomenon, able to adapt itself to the changes in the Brazilian economy during the twentieth century, not being restricted to the import substitution industrialization period. Thus, we conclude that today’s challenge is its update face to the economic changes in recent decades, particularly with regard to deindustrialization.

KEYWORDS:
developmentalism; Brazilian industrialization; Brazilian economy in the 21st century

1. INTRODUÇÃO

O desenvolvimentismo associou-se, como fenômeno histórico, aos acontecimentos políticos e econômicos transcorridos na América Latina ao longo do século XX. Do ponto de vista da política econômica, tratou-se de projeto original no tempo e no espaço, suficiente para que se lhe conceda lugar de destaque como a mais criativa manifestação do pensamento econômico latino-americano.

Conquanto diretamente influenciado pelas experiências históricas das economias centrais, o desenvolvimentismo, fenômeno de países periféricos do sistema capitalista, não pode ser considerado uma mera adaptação de ideias e políticas estrangeiras à realidade latino-americana. A similaridade que o Brasil pré-republicano apresentava em relação a algumas das nações de industrialização tardia - mormente os Estados Unidos e a Alemanha - justificava a tentativa de analisar os desafios do país à luz do que se pensava e se praticava no hemisfério norte. Ainda assim, as especificidades das economias latino-americanas àquele momento histórico ensejaram o surgimento de ideias que viriam a embasar a proposta para esse novo modelo de desenvolvimento, que viria a ser adotado em diversos países do subcontinente a partir da década de 1930.

Já na jovem república brasileira recém-instalada, vários intelectuais, políticos, militares e empresários não apenas conjecturavam os rumos e desafios do país que irrompia do último quartil do século XIX. Indo além, apresentavam propostas baseadas na percepção de que “havia uma nação a ser construída”. O futuro almejado dependia apenas da correção das medidas adotadas pelos policymakers, estando o desenvolvimento, pois, ao alcance das ações e decisões tomadas naquele momento (FONSECA, 2008FONSECA, P. C. D. A controvérsia entre metalismo e papelismo e a gênese do desenvolvimentismo no Brasil. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS CENTROS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA - ANPEC, 36, Salvador, Bahia, 9-12 dez. 2008.).

Encabeçado por personagens classificados por Ianni (2000IANNI, O. Tendências do pensamento brasileiro. Tempo Social, São Paulo, v. 12, n. 2, p. 55-74, nov. 2000.) como “os clássicos”1 1 Classificação esta que ainda inclui os “precursores” – os quais, mergulhados em uma sociedade escravocrata, debruçaram-se sobre questões como as raças e o povo – e os “novos”, autores do século XX que alçaram um nível superior de sistematização de suas ideias sob os auspícios da moderna cultura das ciências sociais. - partícipes ativos dos crepúsculos da escravidão e do regime imperial -, o grupo tinha por objeto de análise temas como a ordem, o progresso e as formações da sociedade civil, da nação e do Estado brasileiros. Pertencentes, em sua maioria, à célebre “geração 1870”2 2 Provenientes de setores politicamente marginalizados pela Monarquia nutriam, em comum, uma crítica coletiva às instituições, práticas, valores e modos de agir do status quo imperial. Homens de atuação política e intelectual concomitante formavam um conjunto heterogêneo, não sendo possível defini-los em termos de escolarização, classe social ou origem regional. Para uma análise detalhada da atuação da geração 1870, ver Alonso (2000, 2002). , tais figuras encontraram no Rio de Janeiro pré-republicano (capital política, industrial, financeira e cultural do Brasil) o ambiente ideal para o amadurecimento e a divulgação de novos ideais3 3 Conforme sinaliza Kugelmas (2003), a despeito da heterogeneidade de pontos de vista e da diversidade nas formas de metabolização dos temas, o que os unia era “a perspectiva crítica ante o status quo da sociedade imperial, sua situação de relativa marginalização em face do núcleo de poder constituído pelos saquaremas – conservadores infensos a quaisquer mudanças – e, como corolário, o papel por eles desempenhado de paladinos de propostas reformistas”. .

Argumentar-se-á, desse modo, que o desenvolvimentismo não surgiu de forma súbita. Resultado de processos de condicionantes históricos e de amadurecimento intelectual, não apenas antecedeu sua prática como política consciente e deliberada, como foi concebido em um período de hegemonia do liberalismo econômico, sob forte influência da supremacia inglesa.

Isso posto, este trabalho tem por objetivo resgatar e sistematizar algumas das principais linhas do debate contemporâneo sobre o desenvolvimentismo no Brasil. Justifica a diligência do artigo a atualidade de seu objeto. Passadas mais de três décadas desde o abandono das políticas desenvolvimentistas, ainda se faz necessário precisar seu significado histórico e rediscutir sua atualidade. Conhecer a narrativa histórica sobre o desenvolvimentismo é, afinal, entender a própria atualidade do fenômeno.

Para tanto, dividiu-se o artigo em quatro seções, além desta breve introdução. Na seção 2, discorre-se acerca da formação das ideias formadoras do desenvolvimentismo a partir do século XIX. A seguir, define-se seu conceito e apresenta-se uma descrição de suas três vertentes. Na quarta seção, argumenta-se em favor da atualidade do conceito. Por fim, na seção 5 tecem-se as considerações finais.

2. DO PROGRESSO AO DESENVOLVIMENTO: AS ORIGENS DO DESENVOLVIMENTISMO EM CONTEXTO AGRÁRIO-EXPORTADOR

A literatura concede a distinção “desenvolvimentista” à política econômica levada a cabo após 1930 - em especial, aos governos Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek -, corroborando o entendimento de que, do ponto de vista da experiência histórica, trata-se de um fenômeno vivenciado no século XX.

Nesse sentido é que se explica a frequente associação entre o desenvolvimentismo e a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (doravante, CEPAL), cujo arcabouço teórico contribuiu, de fato, para embasar a prescrição de políticas econômicas adotadas a partir dos anos 1950. Think tank de influência inconteste para a formulação e difusão de teorias econômicas que se contrapunham à ortodoxia convencional, a CEPAL apoiou-se em ideias semelhantes às suas, as quais já eram defendidas na América Latina havia muito tempo, inclusive com presença no discurso oficial.

Com efeito, a CEPAL desempenhou uma função essencial ao conferir lastro teórico a ideias que, embora já se fizessem ouvir desde o final do século XIX, somente na década de 1950 é que foram transformadas em programa de pesquisa, com linguagem e forma mais rigorosas. O que outrora se limitava a críticas avulsas associadas a interesses específicos, passou, depois da constituição do órgão, em 1948, a ser reconhecido pela comunidade internacional como saber científico.

Conforme já apontado, entende-se que a concepção do desenvolvimentismo remonta a décadas anteriores à sua implementação como política econômica propriamente dita. A despeito das especificidades que as singularizaram, observa-se a recorrência de determinados atributos em comum, designados como seu “núcleo duro”: a existência de um projeto nacional, a industrialização e o intervencionismo pró-crescimento. Tais elementos, contudo, nem sempre apareceram associados historicamente, de modo que, para se falar em desenvolvimentismo deve-se verificar a “associação daqueles em um conjunto comum de ideias concatenado e estruturado” (FONSECA, 2004aFONSECA, P. C. D. Do progresso ao desenvolvimento: Vargas no contexto da I República. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS CENTROS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA - ANPEC, 32, João Pessoa, Paraíba, 7-10 dez. 2004, 2004b., p. 2, grifos do autor).

Foi no desenrolar dos eventos políticos e econômicos que balizaram o fim da monarquia, portanto, que autores começaram a problematizar os meios para superar as vicissitudes por que passava uma nação que havia pouco se reconhecia como tal. Nesse sentido, defende-se que o desenvolvimentismo não irrompeu de forma espontânea e repentina, tampouco surgiu em decorrência da crise econômica desenrolada com a quebra da bolsa de valores em Nova Iorque. Tratou-se, pelo contrário, de um típico processo de construção política e intelectual, fruto da realidade brasileira e da consciência gradual de determinados atores de sua elite em relação à situação de atraso em que vivia o país, de modo que ao grupo que assumiu o poder em 1930 não se fazia totalmente desconhecido o corpo das ideias desenvolvimentistas - embora qualificações de rumo e de vulto foram a ele ulteriormente adicionadas. A novidade da década de 1930 é que a profundidade da crise, associada a mudanças nas elites dirigentes em alguns países da América Latina, criaram condições para que vários deles passassem a adotar políticas desenvolvimentistas, associadas à industrialização por substituição de importações.

Uma vez concatenadas tais correntes, formou-se um “guia de ação”, consubstanciado em medidas práticas as quais caracterizariam o desenvolvimentismo como política econômica. Sem uma política consciente e deliberada não se pode falar em desenvolvimentismo, o qual não pode ser reduzido a manifestações nacionalistas, a simples medidas de crescimento do produto ou a intervenções pontuais em defesa da indústria. Verifica-se, dessa forma, sua dinâmica intertemporal, uma vez que a proficuidade desse projeto para o futuro dependerá de medidas coordenadas e, no limite, de planejamento. O desenvolvimentismo não se opõe ao mercado, mas entende que este, por si só, não levaria ao desenvolvimento, ou, pelo menos, que o faria em tempo demasiadamente longo. Por isso, sempre traz consigo a ideia de acelerar o crescimento (como os “50 anos em 5” do governo JK).

Ademais, admite-se que, como fenômeno histórico, e diante da consciência nascente de “superação do atraso”, o desenvolvimentismo respondeu a uma necessidade histórica. Na trilha da definição proposta por Bresser-Pereira (2011), refletiu-se uma “estratégia de desenvolvimento”, pressupõe-se, então, a existência de outras opções aos formuladores da política econômica. A condição de altivo ofertante mundial de um número reduzido de matérias-primas não deixara de ser uma alternativa plausível, com sustentação na própria teoria das vantagens comparativas, ponto pétreo da ortodoxia econômica, pelo menos desde Ricardo. Assim sendo, o desenvolvimentismo deve ser caracterizado não apenas como uma iniciativa ousada, mas também, e principalmente, como um projeto cuja concretização exigia um esforço consciente e deliberado, bem como forças políticas suficientes para lhes dar sustentação.

Observam-se indícios de elementos embrionários do desenvolvimentismo antes mesmo da década de 1930. Topik (1987TOPIK, S. A presença do Estado na economia política do Brasil de 1889 a 1930. Rio de Janeiro: Record, 1987.), por exemplo, defende que a intervenção no domínio econômico praticada por parte dos governos central e subnacionais durante a República Velha foi mais significativa do que expressa a literatura tradicional4 4 Corroborando a interpretação clássica de Fishlow (1972), Topik (1987, p. 185) atesta explicitamente que a atuação deliberada do Governo Federal, antes de 1930, ensejou o início de um significativo processo de substituição de importações: “O Brasil passou por uma fase de industrialização resultante na substituição de muitos produtos importados ao longo da Primeira República, devido à política oficial”. Como se sabe, esta não é a concepção de tradição cepalina, cuja interpretação clássica atesta que o PSI só começaria a partir de 1930 (TAVARES, 1972). . De acordo com o autor, a política fiscal adotada por diversos governantes no período teria apresentado um caráter mais expansionista do que a exercida pela própria gestão de Vargas. Ademais, o autor sugere até mesmo uma consciência incipiente por parte da burocracia estatal responsável pela gestão pública naquele momento, uma vez que tal intervenção não decorreu da pressão de frações da burguesia. Tratar-se-ia de uma iniciativa própria de setores da burocracia estatal, que, se não contava com autonomia completa em relação aos interesses dos grupos sociais dominantes, dispunha de relativa independência política e administrativa.

Medidas adotadas por governos estaduais nas primeiras décadas do século XX também ratificam a existência de políticas protodesenvolvimentistas em diferentes regiões do país. O caso mais eloquente diz respeito à presidência de Getúlio Vargas no Rio Grande do Sul (1928-1930)5 5 Para uma análise mais aprofundada de duas experiências “desenvolvimentistas” subnacionais antes de 1930 (Rio Grande do Sul e Minas Gerais), ver, por exemplo, Barbosa (1966), Love (1975), Iglésias (1982), Fonseca (1999), Targa (2004) e Gomes (2005). . A questão do “desenvolvimento” incorporou-se à retórica oficial de forma deliberada. O emprego do termo “marcha” em diversas passagens dos discursos de Vargas não era fortuito; tratava-se de evidenciar a noção de que a superação do atraso não viria de forma espontânea, mas “deveria resultar de decisão organizada, implementada com determinação e disciplina” (FONSECA, 2004FONSECA, P. C. D. Do progresso ao desenvolvimento: Vargas no contexto da I República. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS CENTROS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA - ANPEC, 32, João Pessoa, Paraíba, 7-10 dez. 2004, 2004b.b, p. 12).

O governo de João Pinheiro da Silva (1906-1908), em Minas Gerais, também sinalizava medidas de cunho desenvolvimentista durante o período voltado para fora.6 6 Nesse sentido, Paula (2004) qualifica a política do governo Pinheiro como um “típico programa desenvolvimentista: “João Pinheiro, em seu ideário e suas políticas, guarda relação com o que se chama hoje de ‘perspectiva desenvolvimentista’” (p. 261); “Pinheiro ensaiou o projeto de desenvolvimento que, malgré tout, e com as diferenças devidas, foi [posteriormente] experimentado no Brasil” (p. 273); e “sob vários e decisivos aspectos, a plataforma política de João Pinheiro anunciava os tempos do desenvolvimentismo que viriam pós-1930” (p. 276). A mesma percepção é compartilhada por outros observadores da história mineira do século XX. Dulci (1999, p. 46) corrobora esse entendimento ao classificar a gestão de Pinheiro como “modernizante e abrangente”. Para o autor, tendo procurado “diversificar o sistema produtivo, sem descuidar do café e de melhorar a qualidade da produção através de sua atualização tecnológica”. Opinião semelhante é defendida por Iglesias (1982, p. 121): “João Pinheiro foi um crente na política voltada para a economia, um precursor do que modernamente se chamaria desenvolvimentismo”. A plataforma de Pinheiro afrontava alguns dos dogmas consensuais ao conservador establishment mineiro da época. O Protecionismo - por ele cunhado com letra maiúscula - compunha uma das principais medidas de sua plataforma política. Além disso, questões referentes à organização da produção, como a valorização da organização cooperativista e a busca da modernização da estrutura produtiva também ocupavam lugar de destaque em seu programa de governo (PAULA, 2004PAULA, J. A. Raízes do desenvolvimentismo: pensamento e ação de João Pinheiro. Pesquisa & Debate, São Paulo, v. 15, n. 2, p. 257-282, 2004.; BARBOSA, 2012BARBOSA, D. H. D. Tecnoburocracia e pensamento desenvolvimentista em Minas Gerais (1903-1969). Tese (Doutorado em História Econômica) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.).

3. DESENVOLVIMENTISMO: DEFINIÇÃO DO CONCEITO E A GÊNESE DAS IDEIAS

As correntes que posteriormente viriam a constituir o desenvolvimentismo remontam, conforme sinalizado na seção anterior, ao fim do século XIX. Balizados por ideias trazidas principalmente da Europa ocidental, intelectuais e burocratas passaram a conceber um novo modelo de desenvolvimento, evidenciando que, ao menos na esfera das intenções, os germens do desenvolvimentismo havia muito pululavam nos meios jornalístico, militar e, em especial, no ambiente político.

Argumenta-se que da união dessas correntes de pensamento (nacionalismo, industrialização e intervencionismo pró-crescimento) surgiu um fenômeno inédito, o qual não apenas extrapolou o sentido individual de cada uma delas, como também se sobrepôs ao alcance prático e ao significado teórico de seu simples somatório. Nesse sentido, faz-se mister registrar, entretanto, que o desenvolvimentismo só pôde ser categorizado como o fenômeno inovador que foi a partir do momento em que se materializou em práxis humana, principalmente ao ser adotado como política norteadora (“guia de ação”) de governos. Trata-se, destarte, de um evento do mundo material, ou seja, uma política econômica7 7 A fim de se alargar o entendimento que aqui se pretende oferecer, faz-se conveniente classificar o conceito de política econômica em suas diferentes acepções: “(1) as políticas-meio, as quais constituem instrumentos manipulados pelos formuladores de políticas visando à estabilidade macroeconômica; (2) as políticas-fins, formuladas ou implementadas para atingir objetivos conscientemente visados em áreas específicas, como as políticas industrial, agrária, tecnológica e educacional (quando vinculadas a objetivos econômicos); e (3) as políticas institucionais, as quais compreendem mudanças legais, nos códigos e nas regulamentações, nas “regras do jogo”, na delimitação dos direitos de propriedade, nos hábitos, preferências e convenções, bem como na criação de órgãos, agências e empresas públicas, ou mesmo privadas ou não governamentais, desde que dependam de decisões estatais” (FONSECA, 2016, p. 6). , a qual só pode ser caracterizada como tal se “formulada e/ou executada, de forma deliberada, por governos (nacionais ou subnacionais) para, através do crescimento da produção e da produtividade, sob a liderança do setor industrial, transformar a sociedade com vistas a alcançar fins desejáveis, destacadamente a superação de seus problemas econômicos e sociais, dentro dos marcos institucionais do sistema capitalista” (FONSECA, 2015FONSECA, P. C. D. Desenvolvimentismo: a construção do conceito. In: CALIXTRE, A. B.; BIANCARELLI, A. M.; CINTRA, M. A. M. (Orgs.). Presente e futuro do desenvolvimento brasileiro. Brasília: IPEA, 2015., p. 28).

Observa-se, assim, que a delimitação do conceito remete diretamente aos três atributos que se desenvolviam separadamente e que, uma vez amalgamados e sistematizados, resultaram em projeto novo e transformador.

3.1 AS CORRENTES FORMADORAS DO DESENVOLVIMENTISMO

A mais antiga vertente formadora do desenvolvimentismo foi o nacionalismo, cujas primeiras manifestações remontam ao período colonial. Faz-se pertinente qualificar suas diferentes facetas no decorrer do tempo, uma vez que durante a vigência do exclusivo metropolitano as rebeliões nacionalistas estiveram envoltas em uma clara aura política. Naquele momento, o nacionalismo esteve diretamente influenciado por ideias importadas da Europa, como o Iluminismo e, sobretudo, o liberalismo, ideologia da qual o nacionalismo se distanciaria ao empunhar causas divergentes décadas mais tarde.

Dois dos mais relevantes movimentos nacionalistas daquela época foram os levantes que antecederam a chegada da Corte portuguesa, ainda no final do século XVIII, e o consequente rompimento do monopólio colonial. Foi a partir do início do Segundo Reinado que o movimento incorporou causas econômicas mais claras às suas reivindicações, quando se substituiu o antigo inimigo externo pela luta contra os grupos que aqui o representavam8 8 Neste sentido é que Lessa (2008, p. 243) reitera a funcionalidade da ameaça estrangeira para o fortalecimento da retórica nacionalista: “A mais óbvia matriz de nacionalismo surge quando, sendo necessário para o Estado Nacional defender território e povo, é alavancado o temor, ou seja, o nacionalismo surge como escudo, alimenta a sensação de pertinência a um corpo especial, para o popular ameaçado em seus direitos”. .

Observa-se que, nessa época, o nacionalismo não pressupunha necessária a industrialização. Ainda que algumas de suas principais lideranças empunhassem as duas bandeiras de modo paralelo, a existência de diversas nuances entre os dois fenômenos não permite uma análise conjugada de suas particularidades. É nesse sentido que Lima (1988LIMA, H. Significação do nacionalismo. In: SCHWARTZMAN, S. (Org.). Pensamento nacionalista e os “Cadernos do nosso tempo”. Brasília: Editora UnB, 1988., p. 71) afirma ter havido não apenas um tipo de nacionalismo, mas sim várias de suas versões.

Uma de suas mais antigas e conhecidas facetas foi justamente o chamado “nacionalismo agrário”9 9 Dentre os autores dessa vertente, destacam-se Américo Werneck (1855-1927), Alberto Torres (1865-1917), Oliveira Viana (1883-1951) e Eduardo Frieiro (1889-1982). , cuja própria designação demonstra que tal relação não foi coincidente nem linear ao longo da história. Geralmente associado a uma visão idílica do setor rural, o nacionalismo agrário penetrava os domínios da moral, associando certo ufanismo à glorificação da natureza privilegiada do país. Ao aclamarem a vida campestre como o destino da economia e da sociedade brasileiras, seus defensores delegavam os males da civilização aos processos de industrialização e urbanização a que se assistiam no Brasil do final do século XIX.

Já os defensores da intervenção do Estado com vistas ao crescimento econômico, conhecidos como papelistas, representaram um papel relevante para a origem do desenvolvimentismo. Uma das principais contribuições desse grupo foi contestar um dos dogmas consensuais à época: o das “finanças sadias”, contrapondo-se, assim, aos metalistas, defensores do padrão-ouro e afeitos à ortodoxia em matérias fiscais e monetárias. O questionamento a um princípio basilar da economia clássica atuou não apenas para minimizar a relevância do equilíbrio orçamentário para o crescimento econômico de longo prazo, como também ajudou a reforçar a necessidade de se adotar uma política ativa de incentivo ao setor produtivo.

Tal qual a ressalva feita em relação ao nacionalismo, tampouco se pode assumir obrigatória a associação entre o papelismo e a industrialização. Àquele momento histórico, entendia-se por produção a atividade agrícola, basicamente, de modo que a intervenção estatal na economia representava, de forma geral, o incentivo às exportações de bens primários, não traduzindo, portanto, a completude do projeto desenvolvimentista.

A constituição do papelismo derivou, em larga medida, da recorrente escassez de divisas típica de uma economia agroexportadora. Somada a um limitado sistema bancário incapaz de corresponder às necessidades de liquidez do setor produtivo de forma satisfatória, ensejou-se o dever estatal de fomentar a produção por meio de uma política monetária ativa. Diante disso, o governo deveria descasar as condições de liquidez da economia brasileira de seu desempenho do balanço de pagamentos, incumbindo-se da tarefa de rebaixar a taxa de juros com vistas ao crescimento econômico (PRADO, 2003PRADO, L. C. D. A Economia política das reformas econômicas da primeira década republicana. Análise Econômica, ano 21, p. 5, 2003.).

A atuação do Estado prescrita pelo desenvolvimentismo não pode ser resumida, contudo, à simples intervenção no domínio econômico. Trata-se de equívoco metodológico pueril generalizar todo tipo intervencionismo como se desenvolvimentismo fosse. Assim, a rigor, todas as ideologias e teorias econômicas, com exceção do liberalismo clássico, delegam certo papel ao Estado na condução da economia e da política econômica. Podem-se citar, como exemplos desses vários tipos de intervencionismos, a social-democracia, o socialismo, o trabalhismo, a doutrina social cristã, o fascismo e o keynesianismo, dentre outros. Estes diferem entre si não apelas pelo grau de intervenção, mas, principalmente, pelos objetivos e razões da ação estatal. O desafio é delimitar e clarear o que distingue o intervencionismo desenvolvimentista das outras formas de intervenção, embora se entenda que, na prática, eles possam aparecer amalgamados em uma mesma conjuntura histórica.

Nesse sentido é que se deve considerar seu intervencionismo como uma atuação bastante peculiar, uma vez que sua razão de ser é a reversão do subdesenvolvimento. Este é entendido, na forma consagrada por Furtado (2009FURTADO, C. M. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Centro Celso Furtado, 2009.), como um fenômeno histórico e, portanto, passível de superação. Entretanto, tal superação exige ações de envergadura, concatenadas e consistentes entre si, a serem executadas tendo como objetivo alcançar tal “fim desejável”. Por isso se trata de projeto obrigatoriamente consciente e que, baseado na “ação social racional” tipificada por Weber, propõe ações visando a atingir determinados fins desejáveis. A intervenção preconizada pelo desenvolvimentismo representa a “expressão da modernidade e traz consigo a utopia de construção de uma sociedade melhor para o futuro” (FONSECA, 2016FONSECA, P. C. D. Desenvolvimentismo não é sinônimo de intervencionismo. Folha de São Paulo, Ilustríssima, 06/03/2016.).

A última corrente a incorporar-se às demais foi a da industrialização. A dificuldade de se estabelecer como política pública deveu-se, entre outros motivos, à desde sempre alegada vocação agrária do país. Quando da união com o nacionalismo e o intervencionismo, o industrialismo conferiu um caráter mais prático às outras vertentes, concorrendo, então, para o estabelecimento do desenvolvimentismo como política econômica propriamente dita. Permeada por dissidências as quais contribuíram para dificultar a consolidação da causa, a controvérsia sobre o conceito de “indústria artificial”10 10 Entendia-se, por indústria artificial, aquelas que não estavam diretamente ligadas às atividades primárias, geralmente capital intensivas e que beneficiavam insumos importados, necessitando, via de regra, de proteção alfandegária para se viabilizarem. contribuiu para que o setor industrial carecesse de política oficial até a década de 1930.

Foi em meio a esse debate que a luta pela industrialização brasileira ganhou novo formato com o surgimento, ao longo do século XIX, das primeiras associações voltadas aos interesses da classe. Mais do que a simples defesa da causa industrial, o aparecimento dessas instituições conferiu novo significado à relação entre o Estado e os empresários contemporâneos, os quais Carone (1978CARONE, E. O Centro Industrial do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Cátedra, 1978.) caracterizou como sendo a “primeira geração de industrialistas”11 11 Ocupado por temas do cotidiano produtivo, esse grupo de atores, mais pragmáticos em relação àqueles que os sucederam, provinha, em sua maioria, da “geração 1870”. Já a segunda geração, cuja atuação fez-se presente a partir de meados do século XX, foi encabeçada por Roberto Simonsen, Euvaldo Lodi, Rômulo de Almeida, entre outros autores, os quais ofereceram à causa industrial uma contribuição mais técnica e teórica do que a geração pioneira. .

Tal peculiaridade reside no fato de a primeira delas ter sido fundada em uma época em que raros eram os estabelecimentos fabris existentes no território brasileiro (1827). Nas palavras do mesmo autor (1977, p. 6), “o singular é ter nascido no Brasil uma associação profissional favorável à industrialização antes de existir uma indústria propriamente dita”. Essa “inversão dos fatos” talvez explique, em parte, a reconhecida dificuldade de se transformar ideias em política pública durante todo o período ­monárquico.

Na ausência de formulações teóricas sistematizadas, os industrialistas recorriam à razão prática para sustentar a imprescindibilidade do setor industrial como forma de se superar a condição periférica a que o país sempre fora relegado: a experiência, e não a abstração, é que deveria balizar os caminhos da política pública. Diante de tal “obviedade” - os países prósperos e que apresentavam superavit nas contas externas eram, justamente, os que haviam se industrializado -, o raciocínio indutivo balizou a atuação de seus líderes na América Latina até, pelo menos, a tese de Prebisch-Singer ser publicada (SALOMÃO, 2013SALOMÃO, I. C. O desenvolvimento em construção: um estudo sobre a pré-história do pensamento desenvolvimentista brasileiro. Tese (Doutorado em Economia) - Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013.).

Eventos de cunho econômico e político enquadraram as diretrizes do pensamento da elite burocrática do Império no que concernia à questão industrial. Quanto aos primeiros, o surgimento paulatino de plantas industriais, ainda que espasmódico e hesitante, reforçou a convicção daqueles que procuravam corroborar a viabilidade do estabelecimento manufatureiro no país. Mais do que o sucesso, portanto, foram os limites do modelo agroexportador que suscitaram a formulação de estratégias alternativas. Do ponto de vista político, a aura de renovação decorrente da transição republicana também ensejou o aparecimento de propostas que contestavam o status quo. Ao inter-relacionar fatos a ideias, a observação de Bielschowsky e Mussi (2005BIELSCHOWSKY, R.; MUSSI, C. (Orgs.). O pensamento desenvolvimentista no Brasil: 1930-1964 e anotações sobre 1964-2005. In: SEMINÁRIO BRASIL-CHIÇE: UNA MIRADA ­HACIA AMERICA LATINA Y SUS PERSPECTIVAS. Santiago de Chile, Jul. 2005. , p. 2) sanciona este entendimento: “[o] pensamento econômico brasileiro [...] foi fortemente condicionado pela história real, econômica e política, pois, como é óbvio, ele tem sido forjado ao sabor de um debate historicamente determinado quase que em seus mínimos detalhes”. Corroborando a regra, a causa industrial foi rigorosa e contraditoriamente pautada pelo contexto histórico em que se inseria (SILVA, 1976SILVA, S. Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil. São Paulo: Alfa-Omega, 1976.).

3.2 A QUESTÃO DA INTENCIONALIDADE

Conforme se procurou demonstrar na seção anterior, o desenvolvimentismo não resultou do simples somatório das três correntes citadas. Para firmar-se como política econômica, a união de uma postura nacionalista com medidas pró-industrializantes e práticas intervencionistas foi revestida, ainda, pelo invólucro positivista.

De todas as particularidades da filosofia formulada por Augusto Comte, tratou-se de seu viés racional e científico para o estudo da sociedade uma relevante contribuição para a formação do desenvolvimentismo, pois este propôs uma linha evolutiva na sociedade humana, à qual se associou a ideia de progresso. Ao considerarem inevitável a ação do homem como forma de superação do atraso, os positivistas concorreram para moldar a faceta não liberal do desenvolvimentismo.

A filosofia comtiana contribuiu para negar a concepção te(le)ológica da história, reforçando a necessidade da atuação humana para a construção de seu próprio destino. Sob o entendimento de que o futuro almejado não adviria espontaneamente, o positivismo suplantou o debate acerca da plausibilidade da intervenção estatal; passou-se a discutir, a partir de então, com que extensão e em quais condições esta se faria mais conveniente. Baseado em leis científicas e na realidade dos fatos, o governo esclarecido - a ditadura positiva - adotaria medidas “justas e cabíveis” para se atingir o progresso, apartando a política pública de dogmas religiosos e metafísicos. Dentre esses, consideravam-se a mão invisível e o mercado autoequilibrado entes incapazes de garantir o fomento das atividades produtivas, de modo que o positivismo delegava à aliança do Estado com a iniciativa privada o meio mais adequado para se viabilizar o progresso, formando-se, assim, a instituição positivista, a qual Bosi (2001BOSI, A. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 2001., p. 274) classificou de Estado-Providência: “um vasto e organizado aparelho público que ao mesmo tempo estimula a produção e corrige as desigualdades do mercado”.

Nesses termos, o positivismo contribuiu para a gênese do desenvolvimentismo ao conceber “a história como um processo em construção, de responsabilidade da ação dos homens e, mais especificamente, dos governos, os quais devem nortear sua práxis em políticas efetivas visando a um futuro desejável” (FONSECA, 2008FONSECA, P. C. D. A controvérsia entre metalismo e papelismo e a gênese do desenvolvimentismo no Brasil. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS CENTROS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA - ANPEC, 36, Salvador, Bahia, 9-12 dez. 2008., p. 13). À junção de medidas nacionalistas, industrializantes e intervencionistas faltava um último elemento necessário para plena formação do fenômeno: a defesa de uma ação racional com o propósito de construir a realidade aspirada.

4. A ATUALIDADE DO CONCEITO

Há uma crítica frequente ao uso do termo desenvolvimentismo para os dias atuais. Há quem defenda que o mesmo refere-se a um fenômeno datado, que fazia sentido na era da substituição de importações e como ideologia de projeto para industrializar o país, estando hoje, portanto, superado. Na mesma linha, aqueles que o usam em sentido crítico para designar políticas econômicas atuais, como as de governos como Lula, Dilma, Cristina Kirchner, dentre outros, o fazem para mostrar que tais políticas são extemporâneas, equivocadas ou irracionais.

Para início de conversa, deve-se ter presente que os termos teóricos possuem vida e são capazes de se adequar a novas realidades e a novas pesquisas e descobertas científicas, e tal propriedade não é restrita às ciências sociais, embora nestas seja bastante visível. Como já foi mencionado, a atualização do conceito geralmente é feita por cientistas e intelectuais orgânicos através de conceitos radiais ou subtipos, com estes últimos mantendo o núcleo duro e acrescentando novos atributos considerados por algum critério desejáveis e/ou suprimindo outros. Um exemplo de atualização é acrescentar a desenvolvimentismo atributos como “democracia” (ver HERRLEIN Jr., 2011; CEPÊDA, 2012) e “preservação ambiental”. Historicamente há vários governos desenvolvimentistas ditatoriais (como Vargas do Estado Novo e Geisel, para ficar com exemplos brasileiros); da mesma forma que a defesa do meio ambiente ganhou mais vulto nas últimas décadas, embora o Clube de Roma e mesmo Celso Furtado (1974), em O Mito do Desenvolvimento Econômico, tenham levantado a questão. Ambos os atributos, todavia, podem ser associados a desenvolvimentismo sem ferir seu núcleo duro, pois não há incompatibilidade nenhuma entre os novos atributos e os antigos.

A polêmica maior para a atualização do conceito hoje diz respeito à indústria, pois esta é atributo do núcleo duro. Ambos são indissociáveis tanto nas construções teóricas como nos governos considerados tipicamente desenvolvimentistas. A alteração do núcleo duro de um conceito é possível, mas não é fácil nem corriqueiro, pois depende de certo consenso entre os usuários; muitas vezes é mais fácil usar outro termo para designar um fenômeno novo do que alterar o existente12 12 Um exemplo de caso bem-sucedido foi o de Marx e Engels com relação a socialismo. Inicialmente foram utilizados dois conceitos radiais: socialismo “utópico” e “científico”, sendo este último o da reatualização que, em vários aspectos, feria o núcleo duro do conceito anterior, retirando dele vários atributos e acrescentando outros de peso, como o materialismo histórico e a perspectiva de práxis revolucionária. Com o tempo, a alteração do conceito foi tão difundida que socialismo passou a ser associado ao de Marx e Engels, que se tornou hegemônico, caindo em desuso o adjetivo “científico”, mas mantendo para designar o “utópico”. .

No caso brasileiro, o gargalo mais visível é a queda absoluta e/ou relativa do valor agregado da indústria no PIB, na geração de emprego e nas exportações, fato que vem sendo nomeado pelos neologismos desindustrialização e reprimarização. O problema torna-se mais complexo porque se por um lado industrialização faz parte do core, por outro lado vários autores têm advogado com veemência que tal reversão é tendência internacional, decorrente do atual padrão tecnológico, e a exigência de constar do núcleo prendia-se à lógica da substituição de importações, portanto historicamente superada (ver, por exemplo, BONELLI, PESSÔA e MATOS, 2013BONELLI, R., PESSÔA, S.; MATOS, S. “Desindustrialização no Brasil: fatos e interpretação”. In: BACHA, E.; BOLLE, M. (Coords.). O futuro da indústria no Brasil: desindustrialização em debate. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.). A solução para isso seria partir para um conceito radial, mas isso exigiria tirar a industrialização do core. Entretanto, outros autores com o mesmo ardor têm resistido a isso13 13 Embora a bibliografia sobre o tema seja extensa, pode-se citar: Rowthorn e Wells (1987) e Rowthorn e Ramaswany (1997, 1999), além dos mais recentes: Tregenna (2009), Carneiro (2008), Bresser-Pereira e Gala (2010), Oreiro e Feijó (2010), Medeiros (2011), Arend e Fonseca (2012), Marconi e Rocha (2012), Gonçalves (2012), Bacha e Bolle (2013) e Arend (2014). . A desindustrialização representa para estes uma ameaça de reversão imposta pelo mercado, uma “especialização regressiva”, o oposto de um projeto ou estratégia para o país. Em decorrência, a extração da industrialização do core arrastaria consigo outros atributos “inegociáveis” do conceito, como o projeto nacional e a estratégia (intencionalidade e práxis). Cabe, ademais, ressaltar que desindustrialização e reprimarização não podem ser reduzidas a faces de uma mesma moeda: o crescimento da exportação de minérios e produtos agrícolas em atendimento à demanda chinesa em nada fere o core do conceito. Poderia ser vista como oportunidade e não como ameaça caso fosse inserida em um projeto ou estratégia de desenvolvimento. A reprimarização da pauta de exportações, assim, não necessariamente significa desindustrialização, mesmo porque o Brasil possui mercado interno robusto, e o superavit externo gerado pela exportação de commodities poderia, em eventual projeto, tornar-se variável relevante para alavancar o crescimento de setores de alta tecnologia ou distribuição de renda mais equânime.

Deve-se, finalmente, lembrar que essa polêmica em torno da desindustrialização não é específica do caso brasileiro, pois se insere em uma controvérsia mais ampla sobre o papel da indústria e de sua importância nos dias atuais em comparação com a que teve no século XX, principalmente até meados da década de 1970. Se há certa concordância sobre a existência de mudanças e de sua relevância, o mesmo não ocorre quando se debate se o alcance e a envergadura destas são suficientes para permitir a exclusão da indústria do núcleo do conceito. Um desenvolvimentismo sem incluir o setor industrial no projeto sugere para os autores antes referidos uma contradição (no sentido da lógica formal, e não dialética) ou um fenômeno novo, acerca do qual não haveria razões suficientes para ser abarcado pelo conceito de desenvolvimentismo, sob pena de submeter esse último a uma profunda descaracterização, com um ganho de extensão que comprometeria cabalmente a intensão (ou intensidade) do conceito.

Para finalizar, como na demanda de moeda de Keynes, podem-se arrolar três motivos ou razões para reforçar a tese segundo a qual o desenvolvimentismo não é fenômeno pretérito ou restrito ao período da industrialização por substituição de ­importações:

  • a) O motivo utilitário: este remete à própria concepção marcada pelo pragmatismo metodológico de Sartori anteriormente mencionada: o conceito é uma ferramenta útil e, se ele é usado por determinada comunidade, é porque se faz necessário para expressar algo que se quer dizer. Usar ou não usar o termo não é mera opção individual: ele existe porque se precisa dele. No Brasil, não há dia que em qualquer jornal de grande circulação não haja referência a desenvolvimentismo. Está no debate cotidiano dos economistas e dos policymakers, na academia, no setor público, nas agências de fomento e na mídia. Foi criada no país a “Rede Desenvolvimentista”, que congrega pesquisadores identificados com a proposta ou, pelo menos, têm-na como objeto de estudo. Há economistas influentes que se propõem a atualizar suas propostas, as quais são denominadas por dois conceitos radiais ou subtipos: “novo-desenvolvimentismo” e “social-desenvolvimentismo”. Discute-se, também, o “desenvolvimentismo asiático”. O termo é largamente utilizado não só por simpatizantes e adeptos, mas também por críticos, os quais associam os governos de Lula e Dilma (e principalmente a “nova matriz” macroeconômica desta última) a um extemporâneo e equivocado retorno ao desenvolvimentismo, por sua vez também demagógico e populista. Aécio Neves, candidato de oposição mais votado na eleição presidencial de 2014, mais de uma vez mencionou nos debates sua aversão ao “nacional-desenvolvimentismo” do governo Dilma. Dando um salto do pragmatismo a Hegel: o real é “o que se impõe como tal”, independentemente de desejos, caprichos ou vontades individuais. Se isso ocorre é porque o termo faz-se necessário, portanto “historicamente é” - o que já remete ao motivo ­seguinte.

  • b) O motivo histórico: este motivo remete ao fato de que os conceitos se adaptam e se moldam historicamente, “viajam”, na linguagem antes utilizada. Isso quer dizer que não são fixados de uma vez para sempre, em consonância com a essência imutável aristotélico-tomista, pois possuem vida, movimento e capacidade de adaptação para abarcar fatos novos, ou seja, sua historicidade expressa-se na criatividade dos usuários e ideólogos em inovar com subtipos e conceitos radiais. Se um conceito não é capaz de se atualizar historicamente, ele tende a perecer. É o caso, por exemplo, de fisiocracia, que ficou restrita à escola francesa do século XVIII e que, gradualmente, parou de granjear novos adeptos ao longo do século XIX. Pelo menos três atributos de seu núcleo duro não resistiram à Revolução Industrial e ao materialismo cientificista do século XIX: a terra como única fonte de riqueza ou valor, a indústria como estéril e a existência de uma ordem natural na sociedade que era também uma ordem providencial ou divina. Já o liberalismo sempre se mostrou capaz de se atualizar. Na academia, apropriou-se do laissez-faire, laissez-passer fisiocrata e substituiu a ordem divina por outras metáforas para defender o mesmo autoequilíbrio do mercado, seja a “mão invisível” e o egoísmo altruísta de Smith da fábula das abelhas, seja o leiloeiro do equilíbrio walrasiano, ou, ainda, as mais recentes expectativas racionais. No mundo político, soube, com algumas dissensões e resistências, gradualmente incorporar direitos que não estavam em suas primeiras formulações, como voto universal, férias e jornada de oito horas aos trabalhadores, regulamentação da concorrência e, atualmente, respeito aos direitos das minorias étnicas e de gênero, além da questão ambiental. O mesmo ocorre com capitalismo: o termo é empregado para designar desde a economia inglesa do século XVIII até formações econômicas de hoje tão díspares como os sistemas econômicos dos Estados Unidos, do Brasil, do Japão, da Índia, da Suécia, do Haiti e do Paraguai. O termo não dispensou conceitos radiais para lhes dar maior concreção ou menor grau de generalidade no tempo e no espaço, como “capitalismo monopolista”, “capitalismo concorrencial”, “de Estado”, “regulado”; “globalizado”, “social”, “selvagem”, “subcapitalismo” etc. Fica evidente que é usual nas ciências sociais que isso ocorra com seus termos teóricos; difícil seria explicar por que desenvolvimentismo seria exceção a tal padrão de comportamento.

  • c) O motivo material: este, em certo sentido, sintetiza os anteriores e possivelmente encontra mais respaldo entre os marxistas, os quais nem sempre aceitam o utilitarismo pragmático do primeiro motivo. Ora, qualquer análise materialista alerta que os conceitos e seus usos podem ter uma vida própria, mas que esta, de um modo ou outro, está imbricada com os fenômenos e fatos históricos materiais que procura nomear e/ou explicar. Nesse referencial metateórico, tem-se que a existência do conceito é parte da determinação do mesmo, ou seja, ele é tão real como o que se propõe a conceituar ou a representar. Desenvolvimentismo, como bem expressa a conceituação exposta no início deste artigo, tem a ver com a consciência histórica voltada à superação do subdesenvolvimento. Esta é sua razão de ser, o que propiciou seu aparecimento e lhe dá vida - ou, em termos hegeliano-marxistas, sua racionalidade histórica. O conceito continua existindo não apenas porque é útil, mas porque se mostra necessário enquanto as condições materiais que o fizeram nascer perdurarem. Assim, enquanto existir subdesenvolvimento e o que a ele se associa - desigualdades profundas de renda, exclusão social, heterogeneidade estrutural, disparidades regionais agudas, baixa produtividade - existirá quem o defenda e quem não o aceite. Nessa leitura, o conceito e seu movimento refletem as contradições e o movimento da própria sociedade, ou seja, da práxis dos seres humanos voltados a preservá-la ou transformá-la. Cabe a estes últimos a tarefa permanente de sua atualização.

Assim, pode-se afirmar que há argumentos robustos, alicerçados em approaches distintos, que convergem para sustentar a hipótese segundo a qual o desenvolvimentismo não é um fenômeno histórico restrito ao período da industrialização substitutiva de importações e, pelo jeito, não só é atualíssimo como terá vida longa.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O debate contemporâneo sobre o desenvolvimentismo é marcado por análises diversificadas, das críticas às entusiastas, tecidas por distintos autores, muitos dos quais vivenciaram ativamente sua experimentação como policymakers. A relevância de seu legado para a atual configuração política, econômica e social do Brasil potencializa a controvérsia acerca de suas particularidades.

Argumenta-se neste trabalho que o desenvolvimentismo resultou de um processo de amadurecimento político, institucional e intelectual construído e moldado ao longo do tempo, alimentado por críticos e defensores de suas teses e experiências, não tendo sido, portanto, uma simples resposta à oportunidade histórica resultante da crise dos anos 1930. Nesse sentido, tanto as ideias quanto as diferentes experiências regionais ou mesmo nacionais experimentadas antes de 1930 não abarcavam, ainda, todas as determinações constitutivas do fenômeno, reforçando a hipótese de que o desenvolvimentismo não surgiu plenamente configurado como se fosse um fato a-histórico.

A defesa de ideias nacionalistas, papelistas e industrializantes não estava deslocada no tempo ou no espaço. Antes traziam à tona sua razão de ser ao emergirem em um período crucial da história brasileira. O advento republicano e a abolição do cativeiro, aliados a sinais de fragilidade estrutural do modelo agrário-exportador, emolduravam um ambiente propício para o lançamento de novas ideias e experiências. Nas palavras de Carvalho (1990CARVALHO, J. M. A Formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 1990., p. 139), “o Brasil se lhes apresentava como às portas de grandes transformações”, momento singular para a criação de um novo modelo de ­desenvolvimento.

Assim, faz-se oportuno ressaltar que o corolário resultante dessas propostas não poderia ser enquadrado como simples medidas de estímulo à demanda agregada. O crescimento de curto prazo pressupunha a manutenção do arcabouço vigente, não exigia rupturas nem implicava mudanças estruturais. A percepção de que havia um status quo a ser suplantado exigia transformações de caráter institucional, as quais encaminhariam soluções aos principais problemas do país através de uma política estatal, consciente e deliberada de superação do atraso. Política econômica adotada por sucessivos governantes brasileiros no decorrer do século XX, o desenvolvimentismo tornou-se notadamente responsável, ao longo das cinco décadas de sua vigência, pelo mais alto crescimento econômico já observado no país em sua história. Cabe ressaltar que tal desempenho econômico dependeu em grande medida de forças políticas que lhe deram sustentação, às vezes firmada por meio de pactos políticos em contextos democráticos (como o do PSD/PTB, entre 1946 e 1964), mas, infelizmente, outras vezes em regimes autoritários (como no Estado Novo de 1937-1945 e após 1964). Talvez o maior desafio hoje seja refazer uma aliança política capaz de dar sustentação a tal projeto e em regime democrático, haja vista a hegemonia do capital financeiro sobre a produção, e do entrelaçamento entre ambos, o que configura um ambiente muito menos propício do verificado no século XX, pelo menos entre 1930 e 1980.

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  • 1
    Classificação esta que ainda inclui os “precursores” – os quais, mergulhados em uma sociedade escravocrata, debruçaram-se sobre questões como as raças e o povo – e os “novos”, autores do século XX que alçaram um nível superior de sistematização de suas ideias sob os auspícios da moderna cultura das ciências sociais.
  • 2
    Provenientes de setores politicamente marginalizados pela Monarquia nutriam, em comum, uma crítica coletiva às instituições, práticas, valores e modos de agir do status quo imperial. Homens de atuação política e intelectual concomitante formavam um conjunto heterogêneo, não sendo possível defini-los em termos de escolarização, classe social ou origem regional. Para uma análise detalhada da atuação da geração 1870, ver Alonso (2000, 2002).
  • 3
    Conforme sinaliza Kugelmas (2003), a despeito da heterogeneidade de pontos de vista e da diversidade nas formas de metabolização dos temas, o que os unia era “a perspectiva crítica ante o status quo da sociedade imperial, sua situação de relativa marginalização em face do núcleo de poder constituído pelos saquaremas – conservadores infensos a quaisquer mudanças – e, como corolário, o papel por eles desempenhado de paladinos de propostas reformistas”.
  • 4
    Corroborando a interpretação clássica de Fishlow (1972), Topik (1987, p. 185) atesta explicitamente que a atuação deliberada do Governo Federal, antes de 1930, ensejou o início de um significativo processo de substituição de importações: “O Brasil passou por uma fase de industrialização resultante na substituição de muitos produtos importados ao longo da Primeira República, devido à política oficial”. Como se sabe, esta não é a concepção de tradição cepalina, cuja interpretação clássica atesta que o PSI só começaria a partir de 1930 (TAVARES, 1972).
  • 5
    Para uma análise mais aprofundada de duas experiências “desenvolvimentistas” subnacionais antes de 1930 (Rio Grande do Sul e Minas Gerais), ver, por exemplo, Barbosa (1966), Love (1975), Iglésias (1982), Fonseca (1999), Targa (2004) e Gomes (2005).
  • 6
    Nesse sentido, Paula (2004) qualifica a política do governo Pinheiro como um “típico programa desenvolvimentista: “João Pinheiro, em seu ideário e suas políticas, guarda relação com o que se chama hoje de ‘perspectiva desenvolvimentista’” (p. 261); “Pinheiro ensaiou o projeto de desenvolvimento que, malgré tout, e com as diferenças devidas, foi [posteriormente] experimentado no Brasil” (p. 273); e “sob vários e decisivos aspectos, a plataforma política de João Pinheiro anunciava os tempos do desenvolvimentismo que viriam pós-1930” (p. 276). A mesma percepção é compartilhada por outros observadores da história mineira do século XX. Dulci (1999, p. 46) corrobora esse entendimento ao classificar a gestão de Pinheiro como “modernizante e abrangente”. Para o autor, tendo procurado “diversificar o sistema produtivo, sem descuidar do café e de melhorar a qualidade da produção através de sua atualização tecnológica”. Opinião semelhante é defendida por Iglesias (1982, p. 121): “João Pinheiro foi um crente na política voltada para a economia, um precursor do que modernamente se chamaria desenvolvimentismo”.
  • 7
    A fim de se alargar o entendimento que aqui se pretende oferecer, faz-se conveniente classificar o conceito de política econômica em suas diferentes acepções: “(1) as políticas-meio, as quais constituem instrumentos manipulados pelos formuladores de políticas visando à estabilidade macroeconômica; (2) as políticas-fins, formuladas ou implementadas para atingir objetivos conscientemente visados em áreas específicas, como as políticas industrial, agrária, tecnológica e educacional (quando vinculadas a objetivos econômicos); e (3) as políticas institucionais, as quais compreendem mudanças legais, nos códigos e nas regulamentações, nas “regras do jogo”, na delimitação dos direitos de propriedade, nos hábitos, preferências e convenções, bem como na criação de órgãos, agências e empresas públicas, ou mesmo privadas ou não governamentais, desde que dependam de decisões estatais” (FONSECA, 2016, p. 6).
  • 8
    Neste sentido é que Lessa (2008, p. 243) reitera a funcionalidade da ameaça estrangeira para o fortalecimento da retórica nacionalista: “A mais óbvia matriz de nacionalismo surge quando, sendo necessário para o Estado Nacional defender território e povo, é alavancado o temor, ou seja, o nacionalismo surge como escudo, alimenta a sensação de pertinência a um corpo especial, para o popular ameaçado em seus direitos”.
  • 9
    Dentre os autores dessa vertente, destacam-se Américo Werneck (1855-1927), Alberto Torres (1865-1917), Oliveira Viana (1883-1951) e Eduardo Frieiro (1889-1982).
  • 10
    Entendia-se, por indústria artificial, aquelas que não estavam diretamente ligadas às atividades primárias, geralmente capital intensivas e que beneficiavam insumos importados, necessitando, via de regra, de proteção alfandegária para se viabilizarem.
  • 11
    Ocupado por temas do cotidiano produtivo, esse grupo de atores, mais pragmáticos em relação àqueles que os sucederam, provinha, em sua maioria, da “geração 1870”. Já a segunda geração, cuja atuação fez-se presente a partir de meados do século XX, foi encabeçada por Roberto Simonsen, Euvaldo Lodi, Rômulo de Almeida, entre outros autores, os quais ofereceram à causa industrial uma contribuição mais técnica e teórica do que a geração pioneira.
  • 12
    Um exemplo de caso bem-sucedido foi o de Marx e Engels com relação a socialismo. Inicialmente foram utilizados dois conceitos radiais: socialismo “utópico” e “científico”, sendo este último o da reatualização que, em vários aspectos, feria o núcleo duro do conceito anterior, retirando dele vários atributos e acrescentando outros de peso, como o materialismo histórico e a perspectiva de práxis revolucionária. Com o tempo, a alteração do conceito foi tão difundida que socialismo passou a ser associado ao de Marx e Engels, que se tornou hegemônico, caindo em desuso o adjetivo “científico”, mas mantendo para designar o “utópico”.
  • 13
    Embora a bibliografia sobre o tema seja extensa, pode-se citar: Rowthorn e Wells (1987) e Rowthorn e Ramaswany (1997, 1999), além dos mais recentes: Tregenna (2009), Carneiro (2008), Bresser-Pereira e Gala (2010), Oreiro e Feijó (2010), Medeiros (2011), Arend e Fonseca (2012), Marconi e Rocha (2012), Gonçalves (2012), Bacha e Bolle (2013) e Arend (2014).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2017

Histórico

  • Recebido
    16 Set 2017
  • Aceito
    17 Out 2016
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