Resumos
RESUMO A economia brasileira passou por uma significativa transformação estrutural desde o final do século XX, intensificada entre 1998 e 2019, caracterizada pela desindustrialização prematura e pela amplificação dos efeitos da Doença de custos de Baumol. Esse processo ocorreu em um contexto de urbanização acelerada e transferência da força de trabalho predominantemente do setor primário para o terciário, favorecendo uma especialização produtiva centrada em commodities agrícolas e minerais, bem como em serviços tradicionais de baixa produtividade. A interação desses fatores consolidou uma trajetória de crescimento econômico reduzido, na qual a indústria, historicamente responsável por impulsionar ganhos de produtividade, apresentou um declínio persistente, enquanto os segmentos de serviços intensivos em conhecimento permaneceram periféricos. Utilizando a decomposição shift-share da produtividade e uma adaptação da classificação setorial por intensidade tecnológica da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a presente análise evidencia que a economia brasileira não estabeleceu uma base industrial mínima capaz de sustentar um crescimento econômico robusto, destoando de padrões clássicos e tardios de industrialização. No século XXI, o setor agropecuário e extrativista manteve alta produtividade, mas sem promover encadeamentos produtivos capazes de dinamizar a economia. Assim, a Doença de Baumol no Brasil assume contornos mais severos, combinando a estagnação industrial e de serviços tradicionais com um crescimento agropecuário dissociado da geração de empregos.
PALAVRAS-CHAVE:
Mudança estrutural; Desindustrialização prematura; Doença de Baumol; Produtividade; Economia brasileira
ABSTRACT Since the late 20th century, the Brazilian economy has undergone a profound structural transformation, intensified between 1998 and 2019, marked by premature deindustrialization and the exacerbation of Baumol’s cost disease. This process unfolded amidst accelerated urbanization and a labor shift predominantly from the primary to the tertiary sector, reinforcing a productive specialization in agricultural and mineral commodities alongside low-productivity traditional services. The interplay of these factors resulted in a trajectory of subdued economic growth, where industry—historically a driver of productivity gains—faced persistent decline, while knowledge-intensive services remained peripheral. Through shift-share productivity decomposition and an adapted OECD sectoral classification by technological intensity, this study demonstrates that Brazil failed to establish a minimal industrial base capable of sustaining long-term economic expansion, diverging from classical and late industrialization patterns. In the 21st century, the agricultural and extractive sectors maintained high productivity levels but lacked the productive linkages necessary to stimulate broader economic dynamism. Consequently, Baumol’s cost disease manifests more severely in Brazil, as it combines stagnation in industry and traditional services with an expanding agricultural sector that remains disconnected from large-scale employment generation.
KEYWORDS:
Structural change; Premature deindustrialization; Baumol’s cost disease; Productivity; Brazilian economy
1. INTRODUÇÃO
O estudo aqui apresentado procura investigar os motivos pelos quais a economia brasileira desencadeou um processo de mudança estrutural redutora da produtividade nas duas últimas décadas, o que a fez distanciar ainda mais dos países da fronteira tecnológica mundial. O baixo crescimento enfrentado pela economia brasileira há pelo menos quatro décadas é uma das evidências que mostram a produtividade como fator fundamental no processo de crescimento econômico sustentado a longo prazo. O processo de mudança estrutural envolve, além do aumento da produtividade, a transferência de trabalhadores em atividades de menor produtividade para atividades de maior produtividade (Arend, 2009; Arend; Fonseca, 2012; Nassif et al., 2015; De Negri; Cavalcante, 2014).
A contribuição da mudança estrutural nos ganhos reais de produtividade vem sendo um tema de bastante destaque em diversos estudos empíricos atuais internacionais. McMillan, Rodrik e Verduzco-Gallo (2014), por exemplo, desagregando a economia em dez setores, mostraram que entre 1990 e 2005, enquanto na Ásia o processo de mudança estrutural induziu o crescimento econômico, na África e na América Latina ele vem reduzindo o crescimento. No Brasil, em especial, os autores afirmaram que os setores mais improdutivos foram o de expansão mais rápida e a mudança estrutural teve pouco papel no crescimento econômico.
Com foco maior na América Latina, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (Pagés, 2010) estudou os componentes que influenciavam a mudança na produtividade na região em três períodos diferentes: 1950-75, 1975-90 e 1990-2005. Os resultados mostraram que, no primeiro período, o crescimento expressivo da produtividade pôde ser explicado pelo processo da mudança estrutural. Na década perdida (1980), a produtividade teve queda influenciada pela produtividade interna nos setores. Já no último período, ela voltou a crescer, mas não atingiu os níveis anteriores, devido ao componente negativo de mudança estrutural.
Portanto, a fim de corroborar os demais estudos, a análise aqui proposta decompôs em três efeitos o crescimento da produtividade agregada, assim como feito em Timmer et al. (2015), através do método de decomposição shift-share, acrescentando vários diferenciais no modelo. O primeiro diferencial do artigo se refere à especificação dos dados. No modelo shift-share, foram calculados os três efeitos sobre a produtividade agregada tanto por setor econômico, como também por grupo de intensidade tecnológica, segundo metodologia mais recente da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Esta classificação leva em consideração todos os setores da economia (e não somente a indústria, mas também os setores da agropecuária e dos serviços), dado o aumento cada vez maior da heterogeneidade entre as atividades econômicas. Além disso, acrescenta questões importantes no estudo sobre como o Brasil está perante a fronteira tecnológica internacional.
A análise também se diferencia na escolha do período estudado. Além de possuir dados mais recentes, divide-se em dois períodos (1998-2008 e 2009-2019), considerando-se a crise financeira internacional de 2008, que levou ao aumento de incentivos governamentais anticíclicos nas economias. Por fim, investiga-se a possibilidade de uma eventual Doença de custos de Baumol e Bowen (1965) na economia brasileira, particularmente no período entre 2009 e 2019. Os dados mostram sinais claros dessa hipótese, principalmente por causa da baixa representatividade dos serviços sofisticados na economia e pela estagnação da produtividade no setor manufatureiro.
A Doença de Baumol, em sua formulação clássica, descreve um fenômeno econômico em que os custos nos setores de serviços, que geralmente apresentam baixa produtividade, tendem a crescer mais rapidamente do que em setores de bens (indústria de transformação), onde a produtividade pode ser elevada por inovações tecnológicas. Em economias que seguem os padrões tradicionais de desenvolvimento, a manufatura é tipicamente o setor de maior produtividade relativa do trabalho, com preços relativos em declínio ao longo do tempo. À medida que a economia cresce, setores menos produtivos, como o de serviços, aumentam sua participação no Produto Interno Bruto (PIB). Essa dinâmica é esperada, pois a produtividade do trabalho na manufatura impulsiona o aumento dos salários e, consequentemente, os custos em outros setores da economia.
O presente artigo defende uma hipótese inovadora: em primeiro lugar, o Brasil não conseguiu atingir um nível mínimo de participação do emprego manufatureiro, especialmente quando comparado a economias desenvolvidas ou àquelas que passaram por processos de industrialização tardios no século XX. Enquanto países desenvolvidos, como os europeus e os EUA, mantiveram a participação da manufatura no emprego acima de 20% por pelo menos meio século, países de industrialização tardia, como Coreia do Sul, Japão e China, conseguiram sustentar essa participação por mais de 30 anos. No Brasil, contudo, o auge do processo de industrialização foi extremamente breve e não demandou mais do que 15% da população empregada nesse setor, durando no máximo cinco anos, o que destaca a fragilidade e a curta duração desse processo de mudança estrutural em comparação com outras nações. Assim, o processo de industrialização no Brasil não foi capaz de gerar empregos industriais em quantidade significativa em uma sociedade em franco crescimento demográfico. O que se observou foi uma rápida urbanização, mas com a transferência de mão de obra do setor agrícola diretamente para o setor de serviços, sem que a indústria manufatureira tivesse tempo ou capacidade de absorver uma parte relevante dessa força de trabalho. Isso reflete a peculiaridade do desenvolvimento brasileiro, em que a industrialização não desempenhou o papel central na geração de empregos qualificados, como ocorreu em outras economias. A manifestação desse processo de mudança estrutural revela-se no limiar da terceira década do século XXI, quando um contingente significativo da população depara-se com empregos informais e dependência de auxílios emergenciais governamentais.
A Doença de Baumol apresenta uma manifestação particularmente severa na economia brasileira do século XXI, como demonstram os dados analisados. Desde a década de 1980, a produtividade do trabalho na manufatura encontra-se estagnada, enquanto sua produtividade relativa tem sofrido um declínio contínuo, aproximando-se da média da economia, incluindo o setor de serviços tradicionais. Esse fenômeno contraria os “fatos estilizados do desenvolvimento”, segundo os quais o setor manufatureiro, em economias de renda média, deveria ser o principal vetor de crescimento da produtividade no longo prazo. No Brasil, contudo, a indústria falha em desempenhar esse papel. Em contraste, os setores agropecuário e extrativo registram um crescimento relativo positivo da produtividade em comparação à média da economia. Esse padrão de mudança estrutural é fundamental para compreender a desindustrialização prematura do país, evidenciando que a Doença de Baumol não apenas se manifesta, mas assume uma forma mais grave e estruturalmente disfuncional, acentuando os desafios do desenvolvimento econômico brasileiro.
Além da introdução (primeira seção), o presente estudo é dividido em sete seções. A segunda seção aborda a metodologia utilizada para a decomposição da produtividade, empregando o método shift-share. Em seguida, são discutidas a origem dos dados, as manipulações efetuadas para integrá-los em uma única base e a justificativa para a escolha do período analisado. A quarta seção apresenta dados seculares sobre o processo de industrialização e desindustrialização da economia brasileira, com foco em comparações internacionais. Na quinta seção, são expostos os resultados do modelo shift-share aplicado à economia brasileira, tanto por grupos de intensidade tecnológica quanto por atividades econômicas. A sexta seção traz dados sobre o processo de mudança estrutural da economia, sustentando a hipótese apresentada na introdução acerca da Doença de Custos de Baumol na economia brasileira. Por fim, a seção final é dedicada às considerações finais do estudo.
1.1. METODOLOGIA DA DECOMPOSIÇÃO DA PRODUTIVIDADE DO MÉTODO SHIFT-SHARE
Com o objetivo de investigar o processo de mudança estrutural redutora da produtividade na economia brasileira, foi escolhido o método de decomposição shift-share, assim como realizado em Timmer e De Vries (2009) e Arend, Singh e Bicharra (2016). Sob vários métodos de utilização, o shift-share é uma ferramenta importante para estimar a contribuição da mudança estrutural no crescimento da produtividade em dois períodos do tempo. O método, amplamente utilizado pela literatura nacional e internacional, é capaz de descrever o crescimento econômico através de sua estrutura produtiva (Fagerberg, 2000; Fabricant, 1942; Gonçalves; Simões, 2005; Pospiesz; Souza; Oliveira, 2010).
Foi utilizada a versão modificada de Timmer e Vries, que corrige efeitos do método tradicional, em que setores com níveis de produtividade acima da média são os que contribuem positivamente para o crescimento agregado, e setores com níveis de produtividade abaixo da média contribuem negativamente. Como o estudo aqui proposto fez uma ampla segmentação dos setores, foi possível analisar um maior detalhamento de quais setores contribuem ou não para o crescimento da economia.
Apesar de o método possuir algumas limitações, como a análise estática comparativa, ele possibilita a análise descritiva da estrutura produtiva e busca identificar se houve um processo de mudança estrutural para o crescimento da economia, num determinado período, que se enquadra no objetivo principal do estudo. Inclusive, sua limitação pode ser minimizada pela escolha do período da amostra, além de servir como contribuição para estudos mais detalhados e para indução de políticas públicas.
Considerando a produtividade do trabalho (P) como a divisão entre o valor adicionado (VA) e o pessoal ocupado (PO), o subscrito i representa cada setor econômico de um total n de setores. O modelo considera um país e dois períodos do tempo, a serem escolhidos conforme objeto de estudo.
Para o cálculo da produtividade agregada da economia, é importante também o valor da participação setorial da força de trabalho em relação ao total da economia (), representado pela letra S. A Equação 1 mostra então a soma da produtividade de todos os setores no período i decorre então do somatório das produtividades setoriais ponderadas pela participação de cada atividade no número de empregos da economia.
A diferença nos níveis de produtividade do trabalho agregado nos dois tempos (onde é o período final e o período base) é calculada utilizando as médias do período como pesos.
Com as devidas manipulações algébricas, a Equação 2 mostra o método de decomposição shift-share, composta por dois efeitos: o “within”, também chamado de efeito interno, e o “between” ou efeito de mudança estrutural, como pode ser observado na equação abaixo:
O primeiro termo representa o crescimento da produtividade dentro do setor, enquanto o segundo demonstra os efeitos das mudanças na alocação setorial do trabalho. Como afirma Torezani (2021), caso seja retirada a ponderação no cálculo da diferença entre as produtividades, a metodologia se torna a mesma utilizada no renomado estudo de McMillan e Rodrik (2011). Ao retirar o denominador da Equação 3, a metodologia se equipara ao estudo de McMillan, Rodrik e Verduzco-Gallo (2014), ao qual compara os efeitos da mudança estrutural na América Latina, África, Ásia e economias de alta renda.
Segundo Timmer e De Vries (2009) esse método de decomposição pode ser benéfico em alguns casos, por exemplo, para medir o crescimento de setores individuais. Entretanto, pode não ser tão funcional para medir o impacto no crescimento agregado, pois pode mostrar erroneamente que todos os setores em expansão contribuem positivamente para agregar crescimento da produtividade, mesmo se possuírem um nível de produtividade abaixo da média.
No estudo de Timmer e De Vries (2009), os autores decompõem o modelo de shift-share adicionando um terceiro termo, ou melhor, segmentando o efeito “between” em duas partes, a parte “estática” e a parte “dinâmica”, o que possibilita analisar as diferenças entre as taxas de crescimento da produtividade entre as atividades. O efeito dinâmico permite analisar as implicações conjuntas da mudança do emprego e da produtividade setorial sobre a produtividade total.
A decomposição final da produtividade nos três fatores é formada através da equação abaixo, em que ∆P e ∆S representam a variação da produtividade e da parcela setorial do período final (t) com o período base (0).
Os três termos principais, que são os efeitos do shift-share que compõem as mudanças da estrutura econômica através da produtividade do trabalho, são caracterizados como:
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Efeito estático: representa um elemento estrutural e indica a parcela da produtividade agregada que vem das mudanças da alocação do trabalho entre os setores, que mostra se a economia é capaz de realocar seus recursos em direção aos setores mais produtivos, caso seja positivo. Ele será positivo quando o setor atrair mais mão de obra e elevar sua participação na produtividade total, ou seja, se há uma relação positiva entre crescimento econômico e mudança estrutural, os setores com as maiores produtividades aumentam sua participação na produtividade agregada. Consequentemente, esse efeito é utilizado tanto para verificar a hipótese de bônus estrutural, como também para verificar se o processo de mudança estrutural estiver indo ao encontro de atividades mais produtivas (Peneder, 2003).
A hipótese de bônus estrutural, apresentada através da Equação 4, indica que o setor econômico que possui variação positiva contribui para o crescimento da produtividade total, como é mostrado na equação a seguir. O oposto a isso produz uma contribuição negativa.
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Efeito dinâmico: denota as mudanças na produtividade e na participação do emprego simultaneamente, então quanto maior esse valor, mais trabalho será alocado nos setores com crescimento de produtividade acelerado. Se for negativo, os setores com alta produtividade não conseguem sustentar seu nível de participação na estrutura produtiva.
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Efeito interno: mostra a contribuição dos setores individuais para o crescimento total da produtividade. Para isso, a participação setorial do emprego é fixa no período inicial para isolar a influência da variação da mão de obra em cima da produtividade.
A interpretação dos resultados obedece a um padrão de ponderação, a partir de dois aspectos relativos a cada efeito, de acordo com o sinal e o valor. Primeiro, se o “efeito dinâmico” for negativo, o “efeito interno” será positivo e o “efeito estático” será negativo, e vice-versa. Segundo, se o “efeito dinâmico” for positivo, os demais terão de ser positivos em valor (Oliveira, 2011, p. 107). O efeito interação negativo é utilizado para validar a “hipótese de fronteira estrutural” de Baumol (1967), ou seja, quando a alocação de emprego se locomove de empresas com produtividade crescente para empresas com produtividade em declínio, como segue na Equação 5 abaixo:
No entanto, a interpretação do efeito dinâmico depende da identificação do sinal de cada variação, para que o sinal das variáveis não revele um resultado enganoso. Esse efeito é utilizado também para avaliar a hipótese de fronteira estrutural de Baumol (1967), pelo qual presume se há deslocamento de mão de obra de setores progressivos para setores com baixo crescimento da produtividade.
O efeito do bônus estrutural entre setores industriais ou entre indústria e serviços dos setores menos produtivos para os mais produtivos está se mostrando em várias economias globais uma neutralidade do processo de mudança estrutural sobre a produtividade total da economia, assim como pode ser visto em Diao, McMillan e Rodrik (2017). Outros estudos, como o de Timmer e De Vries (2009), Padilla-Pérez e Villarreal (2017) e Badriah et al. (2019), mostraram uma tendência de ônus estrutural no processo de mudança estrutural com o aumento da participação dos serviços, característico de baixa produtividade.
2. BASE DE DADOS, METODOLOGIA, ESPECIFICAÇÕES DO MODELO E PERÍODO SELECIONADO
Em relação à base de dados, para os dados de produção foram utilizadas as pesquisas setoriais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que possuem segmentação maior por atividade, bem como o Sistema de Contas Regionais (SCR), também do IBGE, que abrange o valor adicionado bruto de todos os setores da economia. Para os setores da indústria, construção, comércio e serviços, foram utilizadas as pesquisas da PIA (Pesquisa Industrial Anual – Empresa), PAIC (Pesquisa Anual da Indústria da Construção), PAC (Pesquisa Anual do Comércio) e PAS (Pesquisa Anual dos Serviços). Já para os demais setores que não possuem pesquisas específicas, utilizou-se o SCR.
Como cada pesquisa do IBGE possui métodos distintos, foram feitas otimizações entre as bases de cada pesquisa do IBGE, para normalizá-las à base de dados do Sistema de Contas Regionais, que abrange todos os setores da economia.
Para isso, calculou-se o percentual que cada atividade representa no valor adicionado total de cada pesquisa, para assim utilizar essa porcentagem no VAB (Valor Adicionado Bruto) do SCR e com isso obter o montante absoluto nivelado numa única base de dado. Como exemplo, se a atividade de “fabricação de produtos alimentícios” representa 16,5% do “Valor de Transformação Industrial” da indústria de transformação na PIA, utilizou-se esse percentual em cima do “Valor Adicionado Bruto” da indústria de transformação do SCR, para assim obter o montante absoluto da variável e conseguir compará-lo com outros setores, como ao da agricultura.
Nos dados de pessoal ocupado, foram utilizados tanto os dados das pesquisas setoriais do IBGE, como também o número de vínculos empregatícios formais da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) para os setores que não possuem pesquisas específicas. O uso de duas bases de dados para representar a empregabilidade é uma limitação do modelo, bem como o uso de somente o emprego formal em atividades com grau de informalidade representativo.
Além da compatibilização de diferentes pesquisas, foi preciso também compatibilizar diferentes metodologias da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE). Como o estudo se iniciou em 1998, o período de análise acabou contemplando duas versões diferentes da classificação nacional por atividade econômica na indústria: a CNAE 1.0, que perdurou até o ano de 2007, e a CNAE 2.0, que se inicia a partir de 2008 e perdura atualmente. Com isso, foi necessário utilizar o conversor disponibilizado pelo IBGE para realizar a correspondência dos dados de 1998 a 2007 para a CNAE 2.0. No caso das correspondências de códigos “um para dois”, optou-se por utilizar o código prioritário, segundo o próprio IBGE sinaliza. Na conversão para a classificação, por análise gráfica dos dados, segmentado por CNAE grupo e divisão, não foi observada discrepância significativa nos dados, influenciada pela compatibilização dos setores.
No caso das atividades que não englobam a indústria de transformação, os setores foram dispostos por CNAE divisão e foi feita a conversão para a classificação mais atual nos dados anteriores a 2008. Em muitos casos, devido à disponibilidade dos dados, principalmente nos anos anteriores, optou-se em agrupá-los por divisões CNAE, o que não afetou a interpretação dos resultados.
Por fim, como a análise envolve a evolução histórica do montante produzido, foi preciso realizar o deflacionamento nos dados de valor adicionado bruto, com base fixa no último ano da amostra, 2019. O deflator escolhido foi o de preços, disponível na própria pesquisa do SCR. Utilizou-se então o índice de preços por setor do valor adicionado bruto (VAB) do Sistema de Contas Regionais do IBGE.
Ao todo, foram utilizados 84 setores industriais por divisão CNAE, das 87 disponíveis pelo IBGE. Não foram utilizados os serviços de organismos domésticos, de organismos internacionais e a manutenção, reparação e instalação de M&E’s, devido à disponibilidade contínua dos dados em todo o período estudado.
Na metodologia do shift-share, a escolha do período a ser analisado é fator crucial para a acurácia dos resultados. Após uma série de pesquisas sobre o contexto mundial e nacional, no modelo da economia brasileira, optou-se em dividir as estimações em dois períodos principais, 1998-2008 e 2009-2019, levando-se em consideração as especificidades e importância histórica de cada um. Apesar de as pesquisas setoriais do IBGE possuírem dados desde 1996, foi preferível utilizar os dados a partir de 1998, por causa da inconstância de alguns valores na produção em setores representativos na economia, como os serviços intensivos em tecnologia e o setor de comércio, por exemplo.
No primeiro período (1996/98-2008) escolhido, podem-se destacar significativas mudanças em diversas economias emergentes, dada a influência externa da liberação dos mercados (Suzigan; Furtado, 2006).
Na economia brasileira, houve aos poucos o retorno de esforços desenvolvimentistas, tanto regulatórios como institucionais, intensificado sobretudo em 2004 pela política industrial PITCE (Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior). Com duração até o ano de 2008, a política criou vários esforços institucionais e incentivos a setores intensivos em tecnologia (software, bens de capital, fármacos e componentes eletrônicos) (Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, 2006).
O segundo período escolhido, de 2009 a 2019, leva em consideração o contexto internacional de eclosão da crise financeira do subprime em 2008, que alterou a tendência de crescimento de diversas economias globais e intensificou incentivos por parte das autoridades governamentais. Segundo Mishkin (2017), a crise financeira global mudou a percepção de como a política monetária poderia ser conduzida. O Fed (Federal Reserve), por exemplo, recorreu a políticas não convencionais, como a manutenção da taxa de juros próximas a zero durante um período de sete anos.
No cenário nacional, o governo continuou a implementação de políticas industriais desenvolvimentistas, criando o PDP (Política de Desenvolvimento Produtivo) de 2008 a 2010, o que fez ampliar os incentivos da política para 25 setores industriais, sejam eles intensivos ou não em tecnologia (Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, 2013, 2010).
Diante dos efeitos da crise do subprime, em 2009 foi criado dentro da PDP o Programa de Sustentação do Investimento (PSI), o que fez ampliar ainda mais os desembolsos concedidos, mas para amenizar os efeitos da crise internacional. Com isso, houve uma mudança de ótica da política, que deixou de ser o fortalecimento da oferta para a reativação da demanda.
O maior diferencial do estudo foi a realização da análise shift-share segmentando os setores econômicos segundo classificação por intensidade tecnológica da OCDE. A divisão mais recente da OCDE por categoria tecnológica se baseia nos gastos de inovação em P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) como porcentagem do PIB, e inclui praticamente todos os setores da economia, e não mais somente as atividades da indústria de transformação, como era feito antes. Com isso, serviços sofisticados que contribuem para o crescimento da inovação no país estão no mesmo grupo de classificação de atividades da indústria altamente intensiva em tecnologia.
Foi utilizada aqui no estudo a adaptação da divisão da OCDE para a CNAE brasileira, de acordo com o estudo de Morceiro (2019). Os setores são classificados entre cinco grupos de intensidade tecnológica: alta, média-alta, média, média-baixa e baixa. Destes, 13 setores econômicos são os mais intensivos em tecnologia, classificados no grupo de alta e média-alta intensidade tecnológica. Nele, estão inclusos, por exemplo, os setores da indústria e de serviços relacionados à TIC (Tecnologia da Informação e Comunicação), produção de fármacos, M&E’s e equipamentos elétricos, além de algumas categorias de serviços de T-KIBS (Technological Kibs) (Galindo-Rueda; Verger, 2016; Morceiro, 2019).
O estudo optou em utilizar essa classificação por considerar que setores intensivos em tecnologia são um dos fatores fundamentais para uma nação conquistar o crescimento da economia sustentado em longo prazo. Isso porque, além de serem intensivos em capital, são responsáveis, principalmente, pela disseminação de inovação e transferência de tecnologia para as demais cadeias produtivas da economia (Paus, 2014; Arend; Fonseca, 2012).
Na experiência mais recente, setores que são intensivos em capital, mas pouco intensivos em tecnologia, vêm gerando impactos negativos em relação ao crescimento econômico sustentado em longo prazo (Cardoso; Holland, 2010; Murshed, 2004; Pessoa, 2008; Veríssimo; Xavier, 2014).
No caso do setor extrativo, por exemplo, mesmo com progressos vivenciados pelo boom das commodities por economias emergentes na década de 2000, estes países enfrentam vários desafios relacionados à produtividade e na superação dos níveis de renda média (Lin; Treichel, 2012).
Já em relação aos serviços financeiros, Chang e Andreoni (2020) afirmam possíveis sinais de esgotamento da economia em relação à financeirização, principalmente após a crise financeira internacional do subprime, o que levou muitas economias ao baixo investimento produtivo e tecnológico.
Apesar de o Brasil possuir renda per capita e participação de setores tecnológicos no PIB com valores inferiores aos países da OCDE, os setores que apresentam as maiores intensidades em P&D no Brasil são praticamente os mesmos da OCDE, só que com participações inferiores no PIB, o que corrobora para o uso dessa classificação no estudo (Morceiro, 2019).
Além disso, como a classificação da OCDE capta a intensidade tecnológica do conjunto de países que atuam na fronteira tecnológica global, à medida que atividades mais sofisticadas implicam maior valor agregado, a escolha da disposição dos dados por essa classificação investiga também a posição do Brasil na fronteira tecnológica internacional e sua inserção nas Cadeias Globais de Valor.
3. MUDANÇA ESTRUTURAL E DESINDUSTRIALIZAÇÃO NA ECONOMIA BRASILEIRA
A desindustrialização, conforme conceituada por Rowthorn (1987), ocorre quando, após atingir um ponto máximo de emprego, o setor manufatureiro de um país começa a declinar. Esse declínio é impulsionado por avanços tecnológicos e aumento da produtividade, resultando em uma redução significativa do emprego na manufatura em relação aos demais setores da economia. Esse processo é natural no desenvolvimento econômico, mas pode ser prejudicial quando ocorre de forma prematura. A desindustrialização precoce, como explica Rodrik (2006), acontece quando a queda da participação do emprego manufatureiro ocorre em um nível de renda per capita muito inferior ao registrado nos países desenvolvidos, impedindo que países em desenvolvimento alcancem uma rápida convergência econômica.
A “curva de Rowthorn” ilustra esse fenômeno, mostrando como o emprego manufatureiro cresce inicialmente, elevando a renda per capita, até alcançar um ponto de inflexão, após o qual sua participação diminui. Esse processo é representado por uma curva em U invertido, em que o aumento contínuo da renda per capita não se traduz mais em crescimento do emprego manufatureiro. Nos países em desenvolvimento, a desindustrialização prematura bloqueia a principal via de ascensão econômica, eliminando empregos qualificados e bem remunerados, o que pode ter consequências negativas para o progresso econômico dessas nações1.
O Gráfico 1 apresenta o espaço amostral dos processos de industrialização e desindustrialização, conforme a proposta de Rowthorn. É possível visualizar a trajetória da participação percentual do emprego manufatureiro no Brasil comparada com a evolução de países desenvolvidos que seguiram o processo de industrialização clássico, como os europeus e os EUA, além de países com industrialização tardia, como os da América Latina, Coreia do Sul, China e Taiwan. Como os países europeus e os EUA iniciaram seus processos de industrialização no século XIX, o horizonte temporal disponível para análise desses países é maior em comparação às demais economias da amostra (importante perceber no gráfico que a trajetória do emprego manufatureiro no Brasil inicia-se em 1950, enquanto a dos países desenvolvidos inicia-se no limiar do século XIX).
– Espaço amostral do processo de desindustrialização proposto por Rowthorn – países selecionados. *A trajetória da Europa é formada pela média dos países: Dinamarca, Espanha, França, Grã-Bretanha, Itália, Suécia e Holanda. Fonte: Elaboração própria com base nos dados do GGDC e Our World in Data (2024). Fonte: Morceiro (2019)
A análise gráfica revela uma grande disparidade entre a curva de desindustrialização do Brasil e a dos demais países. O processo de industrialização brasileiro não conseguiu alcançar um nível mínimo de participação do emprego manufatureiro, em comparação com economias desenvolvidas ou que passaram por processos tardios de industrialização no século XX. Segundo Timmer e De Vries (2009) e De Vries et al (2021), no auge da industrialização brasileira, nos anos 1980, o emprego manufatureiro representava menos de 16% do total de empregos. Em contraste, a maioria dos países da amostra iniciou a desindustrialização com pelo menos 1/3 da força de trabalho ocupada na manufatura, sendo a Coreia do Sul uma exceção, com 25%, mas ainda mantendo a participação acima de 20% por um longo período.
Além disso, o ponto de virada, marcado pela curva em U invertido, também destaca diferenças importantes. Enquanto países desenvolvidos, como os europeus e os EUA, mantiveram a participação manufatureira acima de 20% por pelo menos meio século, com o ponto de inflexão ocorrendo por volta da década de 1960, os países de industrialização tardia, como Coreia do Sul e Japão, sustentaram essa participação por mais de 30 anos, com a virada ocorrendo na década de 1980. No Brasil, no entanto, o tempo no pico da industrialização foi extremamente curto, durando no máximo cinco anos, o que evidencia a fragilidade e brevidade do processo de industrialização brasileiro em comparação aos outros países.
Ao aprofundar a análise do processo de industrialização e desindustrialização no Brasil, observa-se o recuo ou a interrupção na transferência de mão de obra do setor primário (agropecuária e subsistência) para o setor industrial prematuramente. Esse fenômeno foi claramente evidenciado durante a industrialização brasileira, conforme ilustrado no Gráfico 2. Ao longo das décadas, grande parte da força de trabalho da agropecuária foi direcionada majoritariamente para o setor de serviços, mesmo durante o período de industrialização, que durou até a década de 1980.
– Evolução da participação setorial do emprego por grande setor no Brasil. Fonte: Elaboração própria com base nos dados de Timmer et al. (2015) e De Vries et al. (2021).
Entre 1950 e 2019, o setor de serviços, caracterizado por baixa produtividade, passou de 19% para 71% de participação no emprego total, sem uma transferência significativa de mão de obra para a indústria nesse período de 70 anos. O ganho máximo de participação da indústria no emprego foi de apenas 7 pontos percentuais entre 1950 e 1980, impulsionado pelo setor de construção civil, e não pela manufatura.
Em relação ao processo de mudança estrutural e seus impactos na produtividade, destacam-se os estudos voltados para a economia brasileira de Aldrighi e Colistete (2013) e Holland e Porcile (2005). Apesar de as análises desagregarem o crescimento da produtividade brasileira em diferentes períodos, 1945-1990 e 1970-2002, os autores chegaram a conclusões semelhantes: o efeito da mudança estrutural na produtividade, ou seja, a locomoção de mão de obra de setores menos para mais produtivos, teve maior importância nos períodos iniciais da amostra, até o início da década de 1970. Após isso, o crescimento da produtividade agregada foi sustentado por efeitos internos da produtividade por setor, e não mais pelo componente de mudança estrutural.
Segmentando essa análise em períodos menores de 1993 a 2008, Firpo, Pieri e Souza (2017) afirmaram também uma menor importância da mudança estrutural para a produtividade no cenário atual brasileiro, no qual a promoção do crescimento da produtividade na economia brasileira após a década de 1980 foi sustentada pelo crescimento da produtividade dentro dos setores, o que é um fato positivo, ocasionado através de empresas e tecnologias mais eficientes e pelas mudanças acarretadas na liberalização comercial dos anos 1990.
Torezani (2021) decompôs o crescimento da produtividade brasileira por meio de quatro metodologias diferentes, num período mais recente entre 1996 e 2016 e a partir de 95 atividades econômicas. Os resultados seguem em linha com os estudos anteriores, além de identificar também uma concentração setorial do crescimento da produtividade industrial bastante desigual e localizada.
Sob a análise de bônus e ônus estrutural, Silva (2021) analisou a contribuição das mudanças estruturais no incremento da produtividade do país entre 2000 e 2018, e sugere que o baixo crescimento da produtividade agregada brasileira se relaciona com a perda da eficiência produtiva da indústria e dos serviços sofisticados, mostrando sinais de ônus estrutural (mudança estrutural para atividades com menor crescimento de produtividade).
Bacha et al. (2024) investigam as causas da acentuada queda na participação da indústria no Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil entre 1995 e 2022, analisando três hipóteses principais: Doença Holandesa, Desindustrialização Prematura e Doença de Baumol no contexto brasileiro. O estudo examina o declínio de 37% na participação da manufatura no PIB, utilizando séries temporais e testes econométricos para explorar os fatores que impulsionam a desindustrialização no país. Segundo os autores, a participação da indústria de transformação no PIB caiu de 14,5% em 1995 para 9,1% em 2022, uma redução de 5,4 pontos percentuais. Os testes econométricos revelaram que a Doença de Baumol foi a variável mais significativa, explicando 65% da desindustrialização observada no período. Os autores sugerem uma mudança na narrativa da desindustrialização, focando menos na participação da indústria no PIB e mais na queda da produtividade relativa. Eles questionam por que a indústria brasileira teve uma performance tão ruim em termos relativos e apontam como uma possível explicação a falta de exposição da indústria brasileira às forças de destruição criativa geradas pelo comércio internacional. Em contraste, a agricultura brasileira, forçada a competir com grandes players globais, experimentou aumentos significativos de produtividade devido a essa competição.
É importante destacar alguns pontos sobre a evolução da produtividade e do emprego da economia brasileira, que revelam sinais de heterogeneidade estrutural e uma possível inércia de sua estrutura industrial em relação à mudança em direção a segmentos mais avançados tecnologicamente (Fonseca; Arend, 2016). Para isso, foram plotados cenários por setor econômico em quatro fotografias do tempo (Gráfico 3), assim como feito por McMillan, Rodrik e Verduzco-Gallo (2014), só que em relação ao Brasil. No eixo vertical, é apresentada a produtividade do setor em relação à produtividade média da economia. No eixo horizontal, a participação do setor em termos de emprego na economia.
– Estrutura da economia no Brasil: participação por setor na produtividade média e no emprego total da economia – períodos selecionados. Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de Timmer et al. (2015) e De Vries et al. (2021).
No primeiro período, em 1950, nota-se que a agricultura detinha a maior participação do emprego da economia, mais de 60%, seguido da manufatura e dos demais serviços (como o comércio atacado e varejo, serviços prestados às famílias, atividades imobiliárias e serviços ofertados pelo governo), que registravam percentuais muito próximos. Em contrapartida, as maiores produtividades relativas vieram dos serviços prestados às empresas (como os serviços financeiros), dos serviços de utilidade pública e dos demais serviços. Mas, de maneira geral, a produtividade entre os setores estava distribuída de forma mais equilibrada, principalmente em relação ao setor de manufatura.
Na década de 1980, é perceptível uma locomoção da mão de obra da agricultura para a construção, para serviços de “informação, comunicação, financeiros, imobiliários, profissionais e administrativos” e para as demais atividades de serviços. Além disso, é o período com a menor heterogeneidade entre os setores em relação à produtividade. Nos anos 2000, após as medidas de estabilização da moeda brasileira e num contexto favorável às exportações de commodities, há uma redução significativa na produtividade dos serviços de “informação, comunicação, financeiros, imobiliários, profissionais e administrativos”, bem como uma grande concentração da mão de obra nos serviços de baixa sofisticação.
Já em 2018, há uma piora na realidade da economia brasileira. Isso porque é perceptível que desde 1950 a mão de obra da agricultura se locomoveu estritamente para os serviços de baixa sofisticação, característicos de alta informalidade e baixa disseminação de inovação na economia. Somado a isso, não houve uma transferência significativa da mão de obra da agricultura para a indústria da transformação, mesmo no período mais intenso da industrialização da economia brasileira. A participação da manufatura no emprego total da economia se manteve praticamente constante entre 1950 e 2018, com média de 13%, parcela inferior em relação aos dados da economia sul-coreana.
Em relação à produtividade, nota-se um aprofundamento maior da heterogeneidade entre os setores, onde o setor extrativo e os serviços de utilidade pública são os grandes impulsionadores da produtividade na economia, setores característicos de baixa sofisticação produtiva e pouca mão de obra empregada. O setor extrativo, por exemplo, possui produtividade maior que a média da economia em quase 600%.
De acordo com McMillan, Rodrik e Verduzco-Gallo (2014) e Rodrik (2006), grande parte da diferença de crescimento de muitas nações pode ser explicada pelas diferenças da evolução da produtividade do trabalho, pelo grau de heterogeneidade estrutural (diversificação/especialização da economia) e pela existência de grandes setores manufatureiros.
Enquanto países periféricos tendem a se especializar, grande parte em setores que ao mesmo tempo possuem reduzida produtividade e grande peso em termos de ocupação de trabalhadores, os países centrais diversificam e sofisticam sua estrutura produtiva e proporcionam níveis de produtividade mais próximos entre as diferentes atividades, além de empregar grande parte da população em atividades mais produtivas. Um exemplo disso são as diferenças claras entre a Ásia e a América Latina (Mcmillan; Rodrik; Verduzco-Gallo, 2014; Tregenna et al., 2015).
4. A ANÁLISE SHIFT-SHARE E O PROCESSO DE MUDANÇA ESTRUTURAL DA ECONOMIA BRASILEIRA NO SÉCULO XXI
Realizada a análise sobre a evolução da produtividade e da mão de obra brasileira, os próximos gráficos mostram os resultados do modelo de decomposição shift-share, analisados através dos três efeitos sobre a produtividade agregada da economia – interno, estático e dinâmico –, como já explicado anteriormente.
Os Gráficos 4 e 5 mostram os resultados por intensidade tecnológica em cada período da amostra. Além disso, o Apêndice A, através das Tabelas 1, 2, 3, 4 e 5, detalha todos os resultados por setor, intensidade tecnológica e efeito da decomposição da produtividade. No primeiro período, entre 1998 e 2008, os grupos com maior intensidade tecnológica registraram valores ou negativos ou relativamente muito pequenos nos três efeitos. Nos grupos de menor sofisticação tecnológica, os efeitos internos e os de mudança estrutural (estático) também tiveram sinais negativos. Nos setores de média-alta intensidade, houve efeito de mudança estrutural positivo, mas de baixa magnitude.
– Resultado geral da análise de shift-share para o Brasil por grupo de intensidade tecnológica no período 1998-2008. Fonte: Elaboração própria (2024).
– Resultado geral da análise de shift-share para o Brasil por grupo de intensidade tecnológica no período 2009-2019. Fonte: Elaboração própria (2024).
Os serviços de média-alta e média-baixa intensidade tecnológica foram os únicos grupos que registraram valor positivo nos três setores. Entretanto, dada a magnitude dos efeitos, foram os serviços menos sofisticados os responsáveis por impulsionar o componente de mudança estrutural no período, que incluem atividades profissionais, científicas e tecnológicas (exceto P&D), as telecomunicações e atividades de edição. Ao mesmo tempo, o grupo de média intensidade contribuiu negativamente para a mudança estrutural.
O segundo período da amostra, entre 2009 e 2019, foi marcado pelo efeito positivo da mudança estrutural somente nos serviços mais sofisticados e de média-baixa intensidade tecnológica, este último de maior magnitude. Isso indica que esses serviços novamente foram responsáveis por impulsionar a produtividade total da economia, enquanto o efeito estático negativo na indústria representa um ônus estrutural.
Em relação ao efeito dinâmico, responsável pelas mudanças simultâneas na produtividade e na participação do emprego, foi positivo nos setores da indústria e dos serviços de média-alta, o que indica que houve uma parcela, mesmo que de pouca magnitude, de emprego indo para esses setores. Entretanto, o efeito estático negativo sugere que houve perda de mão de obra nos setores industriais e intensivos em tecnologia, ao mesmo tempo que foi transferida mão de obra expressiva para os serviços.
Interessante observar também que agora o efeito interno se mostrou positivo na maioria dos grupos, com destaque para os setores de média e média-baixa intensidade tecnológica, impulsionados pelo aumento da produtividade na indústria de coque de petróleo e metalúrgica.
Os Gráficos 6 e 7 mostram o modelo de decomposição da produtividade brasileira, segmentado por atividade econômica. No primeiro período, entre 1998 e 2008, pelo qual houve efeito de mudança estrutural positivo, mas de baixa magnitude, foram os setores sofisticados da indústria automotiva e dos serviços T-KIBS responsáveis por esse efeito. No grupo de média intensidade, o único setor que registrou efeito positivo foi o metalúrgico, em especial o componente interno, o que mostra que essa atividade influenciou positivamente a produtividade agregada.
– Resultado da análise de shift-share por setor para o Brasil no período 1998-2008. Fonte: Elaboração própria (2024).
No grupo de média-baixa, estão localizados os setores com os maiores efeitos estáticos da amostra, os serviços, o coque de petróleo e a extração de minerais metálicos. Apesar de este último setor possuir a maior produtividade da economia, seu efeito sobre a estrutura econômica brasileira se deu em menor magnitude que os demais. Outro ponto a se destacar desse grupo foram os efeitos negativos sobre a produtividade agregada da indústria alimentícia e de têxteis nesse período.
Por fim, em relação aos setores de baixo investimento em inovação, a grande maioria foi responsável por contribuir positivamente para a produtividade agregada da economia brasileira, com destaque para os serviços de transportes e correio e os demais de baixa intensidade.
Este último em especial, que contempla sobretudo serviços imobiliários, financeiros e administrativos, apesar de ter registrado efeito interno significativo, teve os demais efeitos com sinal negativo, o que indica uma contribuição negativa sobre o processo de mudança estrutural e a transferência de mão de obra para setores mais produtivos. Portanto, os setores de baixa intensidade tecnológica corroboraram para a prevalência dos efeitos internos na economia brasileira entre 1998 e 2008.
No período entre 2009 e 2019 (Gráfico 7), nota-se que a maioria dos setores intensivos em tecnologia continuaram registrando efeitos negativos no componente de mudança estrutural, ao mesmo tempo que registraram valores positivos nos efeitos internos, mas de baixa magnitude relativa. Interessante que, apesar de o setor automotivo registrar avanços no crescimento de sua mão de obra, denotado pelo efeito dinâmico positivo, o setor passou a contribuir negativamente para a produtividade agregada e para o processo de mudança estrutural.
– Resultado da análise de shift-share por setor para o Brasil no período 2009-2019. Fonte: Elaboração própria (2024).
Em contrapartida, os serviços de média-alta intensidade passam a registrar montante expressivamente maior do componente de mudança estrutural do que no período anterior, e junto com os serviços de alojamento e alimentação (de baixa sofisticação) tiveram os maiores valores do efeito estático da economia.
Nos grupos de média e média-baixa, muitos setores, como o de produtos de borracha, alimentos, confecção e celulose e papel, passaram a contribuir positivamente com a produtividade agregada, mesmo que em magnitudes relativamente menores. Já os setores de coque de petróleo, extrativo e de serviços, que possuíam os maiores efeitos estáticos no período anterior, tiveram esse componente reduzido agora em detrimento do aumento do componente interno.
Nas atividades de baixa sofisticação, a principal diferença com o período anterior são os efeitos estáticos positivos e maiores nos setores de alojamento e alimentação, transporte e correio e demais serviços. Além disso, o comércio teve seus três componentes ampliados, enquanto a construção passou a contribuir negativamente para o processo de mudança estrutural.
De maneira geral, o efeito interno na economia continuou prevalecendo dentre os demais componentes, além de ter ampliação de sua magnitude no período mais atual. Em contrapartida, os efeitos dinâmico e de mudança estrutural reduziram ainda mais sua magnitude.
Isso mostra que, enquanto houve perda de mão de obra nos setores industriais, houve aumento significativo de mão de obra nos setores em declínio de produtividade. Além disso, os setores de alta, média e média-baixa indicam movimento contrário à hipótese de fronteira estrutural de Baumol (1967), segundo os critérios estabelecidos.
5. DOENÇA DE CUSTOS DE BAUMOL NO BRASIL
Como apontado pelos resultados do modelo entre 2009 e 2019, a mão de obra se locomoveu de setores industriais com produtividade alta para os setores com produtividade em declínio. Consequentemente, os resultados do modelo dão indícios iniciais de uma possível Doença de custos de Baumol na economia brasileira.
Essa doença de custos foi identificada inicialmente por Baumol e coautores (1965) como uma mudança estrutural da economia voltada para o setor dos serviços, além da evolução negativa da produtividade industrial em longo prazo. Grosso modo, a teoria da doença de custos dos serviços presume que, à medida que os serviços ampliassem sua participação em produção, produtividade e emprego, a economia tenderia a uma situação de estagnação. Isso porque, de maneira geral, na época se tinha o conhecimento de que os serviços eram caracterizados pelo uso intensivo de mão de obra, por produzirem baixo desempenho produtivo e serem poucos expostos à inovação produtiva (Baumol et al., 1985).
Segundo Baumol (1967) e Baumol et al. (1985), na indústria, particularmente nos setores mais sofisticados, se almeja o aumento progressivo da produtividade do trabalho, advinda do desenvolvimento de inovações tecnológicas. Já em setores intensivos em trabalho, como é o caso de várias atividades de Serviços, há o progresso ínfimo da produtividade. Neste cenário, há o aumento de custos em atividades que não registraram crescimento na produtividade, que com o tempo faz a população dispender cada vez mais uma parcela maior de seu orçamento em serviços pessoais e culturais, e cada vez menos em bens industrializados2.
Segundo Arbache (2015), a evolução do setor de serviços no Brasil em várias décadas não gerou aumento expressivo da renda média, muito menos uma mudança da composição de demanda, crescimento industrial ou o próprio desenvolvimento no setor de serviços, como observado nos países industrializados. Além disso, o autor afirma que o setor de serviços brasileiro é voltado para o mercado interno e pouco integrado à economia internacional, o que dificulta a inovação e internacionalização da produtividade no setor.
A teoria da Doença de Baumol sugere que setores de baixa produtividade (como serviços) crescem em participação no PIB em detrimento de setores com alta produtividade (como a indústria). No Brasil, a produtividade relativa da indústria caiu drasticamente, enquanto a produtividade agrícola aumentou significativamente. Isso sugere uma “Doença de Baumol” invertida, em que a indústria, ao invés de liderar o crescimento da produtividade, ficou para trás. Para a investigação inicial de indícios da Doença de Baumol, foi utilizado o teste sobre hipótese de fronteira estrutural, assim como em Oliveira (2011). Nele, a variação temporal da produtividade ( precisa ser positivo para a indústria e negativo para os serviços, ao mesmo tempo que a variação na quantidade de empregados ( precisa ser positivo para os serviços e negativo para a indústria.
O Gráfico 8 de dispersão mostra exatamente a variação do emprego e da produtividade no período 2009-2019 por intensidade tecnológica, mas adicionando mais uma variável, representada pelo tamanho das bolas: a participação do setor no emprego da economia total. Para a hipótese de Baumol ser válida, a indústria deve se localizar no segundo quadrante, e os setores de serviços próximos do quarto quadrante.
– Hipótese de fronteira estrutural de Baumol – variação no emprego e na produtividade entre 2009 e 2019 por grupo de intensidade tecnológica. Fonte: Elaboração própria com base nos dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2024).
Em relação à indústria, os resultados mostraram que maioria dos grupos industriais apresentaram o comportamento descrito por Baumol (1967), com exceção do grupo de média-alta intensidade, que teve as duas variáveis em queda, o que mostra uma situação ainda pior para a indústria mais intensiva em tecnologia. Por parte dos serviços, os de menor intensidade tecnológica registraram o comportamento previsto por Baumol (1967), enquanto os sofisticados registraram aumento expressivo tanto na produtividade, como na empregabilidade. Portanto, considerando a maioria das atividades de serviços, a economia brasileira apresenta indícios da Doença de Baumol.
Apesar de os serviços de alta intensidade tecnológica apresentarem comportamento contrário ao denotado por Baumol (1967), possuem representatividade ínfima no emprego total, 1,9%, o que acabaram ofuscando seus efeitos na economia, assim como apresentado no Gráfico 9. No entanto, demonstram um possível caminho para o crescimento da produtividade brasileira. Em termos de agregação no produto da economia brasileira, o cenário é o mesmo: os serviços de informação e comunicação registraram participação de somente 3,4% no valor adicionado bruto total em 2019. Além disso, essa participação sofreu redução significativa nos últimos anos: entre 2002 e 2019, registrou queda de 1 ponto percentual. A indústria de transformação registrou queda de sua participação em 2,5 pontos percentuais, o que representou um dos setores que mais perderam participação na produção bruta da economia.
– Participação do setor no Valor Adicionado Bruto (VAB) total da economia em 2019 e sua variação entre 2002-2019. Fonte: Elaboração própria com base nos dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2024).
O efeito de mudança estrutural negativo nos demais setores se sobressaiu, o que causou a queda da mão de obra nos setores industriais intensivos em tecnologia, em detrimento do aumento dela nos serviços de baixa intensidade. Esse mesmo comportamento é perceptível na produção, sobretudo pela perda da participação da indústria para o setor do comércio.
Os Gráficos 10 e 11 aprofundam a análise em busca da identificação da Doença de Baumol na economia brasileira. De acordo com Baumol et al. (1985), a indústria é o setor com características intrínsecas de apresentar elevado crescimento da produtividade e preços relativos declinantes, ao contrário de setores de menor produtividade (como o de serviços), que tendem a crescer sua participação no PIB à medida que a economia vai crescendo. Surpreendentemente, o Gráfico 10 mostra que a produtividade industrial está estagnada na economia brasileira nas últimas décadas. No período 1980-2018, somente na década de 1990 a indústria brasileira apresentou crescimento da produtividade do trabalho significativo (41%). Nas décadas de 1980 e 2000, a taxa de crescimento da produtividade foi negativa (-41% e -7% respectivamente), e nos anos 2010 a indústria de transformação apresentou crescimento pífio, de 3%. A agricultura e o setor extrativo apresentaram taxas de crescimento da produtividade do trabalho expressivas em todas as décadas em análise.
– Taxa de crescimento da produtividade do trabalho na economia brasileira nas décadas de 1980, 1990, 2000 e 2010. Fonte: Elaboração própria com base nos dados do De Vries et al. (2021).
O Gráfico 11 mostra a produtividade do trabalho relativa de cada setor em relação à produtividade média da economia brasileira nas últimas quatro décadas. Importa reter que a produtividade relativa da indústria de transformação brasileira apresenta declínio secular. Nos anos 1980, o setor manufatureiro apresentava produtividade de 67% superior à média da economia, e em 2018 de apenas 16%. O declínio relativo ao longo das últimas décadas da produtividade do trabalho do setor manufatureiro é semelhante ao registrado pelo setor de serviços. Na direção contrária, a agricultura e o setor extrativo apresentam ganhos relativos de suas produtividades.
– Produtividade relativa por setor (em relação à produtividade média da economia) na economia brasileira nas décadas de 1980, 1990, 2000 e 2010. Fonte: Elaboração própria com base nos dados do De Vries et al. (2021).
Nossos resultados estão em linha com as conclusões de Bacha et al. (2024), no que se refere ao diagnóstico da Doença de Baumol na economia brasileira. Os autores identificaram que, de 1995 a 2023, a produtividade relativa da indústria em relação à economia total caiu de 84% para apenas 12%, contrastando com a evolução da produtividade agrícola, que aumentou de forma expressiva no mesmo período. Para os autores, a Doença de Baumol brasileira foi o principal fator identificado como causa da desindustrialização, responsável por cerca de dois terços da queda na participação da indústria no PIB.
A Doença de Baumol no contexto da economia brasileira revela uma patologia singular no setor industrial. Em economias que seguem os padrões clássicos de desenvolvimento, a manufatura é normalmente o setor de maior produtividade relativa do trabalho, com preços relativos declinantes ao longo do tempo, enquanto setores menos produtivos, como o de serviços, aumentam sua participação no PIB à medida que a economia cresce. No Brasil, porém, ocorre o inverso: a produtividade relativa da manufatura tem caído, e seus preços relativos têm subido, em vez de declinarem, como seria esperado.
Essa manifestação da Doença de Baumol no Brasil é especialmente preocupante, pois ela não apenas desafia os fatos estilizados do desenvolvimento econômico, mas também agrava o processo de desindustrialização prematura. A queda na produtividade relativa do setor manufatureiro é uma anomalia, já que a manufatura, por definição, deveria liderar o aumento de produtividade. Essa disfunção é um fator crucial para a desindustrialização precoce no país, dificultando a competitividade da indústria e minando sua capacidade de sustentar o crescimento econômico.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o objetivo de estudar como se deu o processo da mudança estrutural na economia brasileira nos últimos vinte anos, foi calculado o modelo de decomposição da produtividade agregada pelo método shift-share, através de três efeitos – dinâmico, interno e o de mudança estrutural –, com foco na análise setorial por intensidade tecnológica, um diferencial do estudo. Apesar de limitações no modelo, os resultados foram condizentes com a literatura já existente e revelaram resultados importantes que contribuem para aumentar a relevância do tema.
A análise gráfica inicial revelou que, entre 1950 e 2018, a transferência da mão de obra da agricultura migrou para os serviços de baixa produtividade, o que indica que o processo de urbanização não foi uma modernização sofisticada. Outra constatação foi o alto grau de heterogeneidade na economia brasileira no século XXI, em nível maior do visto na década de 1950.
No primeiro período, 1998-2008, a produtividade agregada do trabalho cresceu 5,1%. Quando analisado por grupo de intensidade tecnológica, os resultados mostraram crescimento da produtividade incentivado pelos efeitos internos, assim como foi constatado nos estudos de Torezani (2021), Firpo, Pieri e Souza (2017), Aldrighi e Colistete (2015) e Holland e Porcile (2005).
Os efeitos internos e o de mudança estrutural (de menor magnitude) foram impulsionados por setores da economia de média-baixa intensidade tecnológica, como foi afirmado por McMillan, Rodrik e Verduzco-Gallo (2014). Os maiores efeitos se deram pelas indústrias de extração de minerais metálicos e fabricação de coque de petróleo. Houve também efeito interno positivo (mas de menor intensidade) nos serviços e indústria de média-alta intensidade tecnológica, incentivados, por exemplo, pelo setor automotivo.
No segundo período da amostra, entre 2009 e 2019, o estudo revelou efeitos internos maiores do que no período anterior, e muito acima dos efeitos de mudança estrutural. Nesse período, a produtividade agregada cresceu apenas 1,1%. Além disso, a maioria dos setores industriais, sejam eles intensivos ou não em tecnologia, foram negativos em termos de mudança estrutural e de efeito dinâmico, indicando um processo de ônus estrutural, assim como afirmado por Silva (2021).
No entanto, o ônus aqui foi impulsionado pela perda de eficiência produtiva na indústria, e não necessariamente nos serviços sofisticados, como em Silva (2021). Os serviços de média-baixa intensidade tecnológica continuaram a registrar efeitos positivos na produtividade, e os de média-alta intensidade ampliaram seus efeitos em relação ao período anterior.
Contudo, como houve transferência de mão de obra e de recursos econômicos dos setores mais produtivos para os menos produtivos, esses efeitos não sobressaíram sobre o efeito interno nos setores de baixa e média-baixa intensidade, estes excentricamente ligados às commodities agrícolas e industriais.
A economia brasileira nos últimos anos realocou seus recursos em setores com baixa sofisticação tecnológica, o que se relaciona com a menor disseminação de inovação entre os setores da economia e ocasionou no aumento da heterogeneidade estrutural, onde poucos setores especializados são os grandes impulsionadores na produtividade da economia, e isso não repercute no aumento em produtividade para todos os demais setores. Mesmo o boom das commodities, ocorrido na década de 2000, não foi suficiente para gerar efeitos na produtividade total da economia, somente efeitos internos setorialmente de forma descentralizada.
Outro ponto importante foram os indícios encontrados da Doença de custos de Baumol no período 2009-2019, a serem mais bem explorados em futuros estudos. O que ocorreu foi uma redução significativa na indústria e nos serviços de alta e média-alta intensidade tecnológica, ao mesmo tempo que aumentou a participação dos serviços de baixa sofisticação.
O aumento da empregabilidade e produtividade nos serviços sofisticados não foi suficiente para aumentar sua representatividade do setor na economia e gerar a transferência necessária de mão de obra para setores mais produtivos. No entanto, dado seu crescimento expressivo nos últimos anos, pode ser um dos possíveis caminhos em prol do processo de mudança estrutural, por meio de políticas públicas que incentivem o aumento de sua representatividade.
Este artigo apresentou uma hipótese inovadora, corroborada por dados estatísticos, ao evidenciar que o Brasil não alcançou um nível mínimo de participação do emprego manufatureiro comparável a economias desenvolvidas ou que passaram por processos de industrialização tardios. Ao contrário desses países, que sustentaram uma participação significativa da manufatura no emprego por décadas, o Brasil teve um pico de industrialização de empregabilidade industrial para os padrões clássico e tardio muito reduzido e muito breve temporalmente, durando no máximo cinco anos. Além disso, a transição da mão de obra do setor agrícola para o setor de serviços, sem passar e lá ficar, de forma expressiva pela indústria, contribuiu para um processo de urbanização sem geração significativa de empregos industriais. O artigo também revelou que a Doença de Baumol no Brasil assume uma forma mais patológica, com a produtividade da manufatura em estagnação desde a década de 1980 e em declínio relativo, aproximando-se da média da economia. Em contraste, os setores agropecuário e extrativo demonstram crescimento de produtividade, caracterizando uma mudança estrutural que agrava a desindustrialização prematura no país.
Além do incentivo aos serviços sofisticados, pelo qual o Brasil mostrou efeitos positivos na produtividade, o estudo aqui ressalta a importância de se investir também nos setores industriais intensivos em tecnologia, para que juntos eles consigam ser mais representativos na economia e no crescimento expressivo da produtividade, e, consequentemente, a economia brasileira saia do cenário de estagnação.
APÊNDICE A – RESULTADOS DA ANÁLISE SHIFT-SHARE
– Resultados da análise shift-share da economia brasileira por grupo de intensidade tecnológica.
– Resultados da análise shift-share da economia brasileira por setor econômico e por grupo de intensidade tecnológica.
– Resultados da análise shift-share da economia brasileira por setor econômico e por grupo de intensidade tecnológica.
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1
Rowthorn e Ramaswany (1999) afirmam que a desindustrialização nas economias desenvolvidas não é necessariamente indesejável, mas uma consequência natural do dinamismo e progresso demonstrado por esses países. O rápido crescimento da produtividade no setor manufatureiro em comparação com outros setores resulta na diminuição relativa do emprego industrial, devido à implementação de tecnologias que são poupadoras de mão de obra. Assim, a desindustrialização, paradoxalmente, surge como um fenômeno tecnológico, uma vez que a indústria é a principal impulsionadora do progresso técnico.
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2
Considerando que os preços dos bens industrializados tendem a ficar mais baratos.
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Financiamento:
A pesquisa contou com financiamento parcial de bolsa de doutorado da Capes.
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Disponibilidade de dados:
O conjunto de dados de apoio aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.
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CLASSIFICAÇÃO JEL:
F430; O140; L600
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JEL CODES:
F430; O140; L600
REFERÊNCIAS
- AGÊNCIA BRASILEIRA DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL. Plano Brasil Maior, Balanço Executivo: 2 anos. Brasília: ABDI, 2013.
- AGÊNCIA BRASILEIRA DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL. Política de Desenvolvimento Produtivo: Balanço de atividades 2008/2010 - Relatório de macrometas. Brasília: ABDI, 2010. v. 1.
- AGÊNCIA BRASILEIRA DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL. Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior do Governo Federal: 3 anos. Brasília: ABDI, 2006.
- ALDRIGHI, D.; COLISTETE, R. P.Industrial growth and structural change: Brazil in a long-run perspective. São Paulo: Department of Economics-FEA/USP, 2013 (Working Paper Series, 10).
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AREND, M.; FONSECA, P. C. D. Brasil (1955-2005): 25 anos de catching up, 25 anos de falling behind. Revista de Economia Política, São Paulo, v. 32, n. 1, p. 33-54, 2012. DOI: http://doi.org/10.1590/S0101-31572012000100003
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Editado por
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Editor responsável:
Marta dos Reis Castilho https://orcid.org/0000-0002-1483-4597
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Marilia Bassetti Marcato https://orcid.org/0000-0001-5014-3112
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Carolina Dias https://orcid.org/0000-0002-0478-8777
Disponibilidade de dados
O conjunto de dados de apoio aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
06 Jun 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
12 Jul 2023 -
Aceito
14 Jan 2025






















