Resumos
RESUMO A diferença de produtividade decorrente de estruturas produtivas dualistas das economias periféricas foi denominada de heterogeneidade estrutural por Aníbal Pinto (2000). Na verdade, a obra de Aníbal Pinto está referenciada historicamente na metade do século XX, o que poderia nos levar a argumentar que as ideias que o autor apresentou se relacionaram ao contexto no qual elas sugiram. No entanto, as contribuições do autor sobre o conceito de heterogeneidade estrutural continuam sendo trabalhadas e seguem explicando a atualidade da região, levando-nos a pensar que esse problema ainda não foi superado. O objetivo deste artigo foi estudar a heterogeneidade estrutural na América Latina nos anos 2010 a 2019 na visão de Aníbal Pinto, bem como sua atualidade. A metodologia utilizada abrange uma revisão teórica e bibliográfica de caráter qualitativo, a fim de evidenciar a heterogeneidade estrutural de forma interpretativa a partir do pensamento de Aníbal Pinto. Assim, as economias latino-americanas apresentaram uma significativa transformação da estrutura produtiva, sendo que o “setor moderno” por excelência, a indústria, foi o que perdeu maior dinamismo no período de estudo. A ideia de heterogeneidade estrutural de Aníbal Pinto nos auxiliou a caracterizar a região, observando-se que pouco se avançou para superá-la.
PALAVRAS-CHAVE:
CEPAL; América Latina; Aníbal Pinto; Heterogeneidade estrutural
ABSTRACT The productivity gap resulting from the dualistic production structures of peripheral economies was termed structural heterogeneity by Aníbal Pinto (2000). Indeed, Pinto’s work is historically referenced in the mid-20th century, which could allow us to argue that the ideas he presented were related to the context in which they emerged. However, the author’s contributions to the concept of structural heterogeneity continue to be explored and explain the current situation in the region, allowing us to believe that this problem has not yet been overcome. This article aims to study structural heterogeneity in Latin America from 2010 to 2019 from Pinto’s perspective, as well as its current relevance. The methodology includes a qualitative theoretical and bibliographical review aimed at highlighting structural heterogeneity in an interpretative way based on Pinto’s thinking. Thus, Latin American economies underwent a significant transformation in their productive structures, with the “modern sector” par excellence — industry — which lost the most dynamism during the study period. In this case, Aníbal Pinto’s idea of structural heterogeneity helped us characterize the region, with little progress been made toward overcoming it.
KEYWORDS:
ECLAC; Latin America; Aníbal Pinto; Structural heterogeneity
1. INTRODUÇÃO
Atualmente, existem características nas economias latino-americanas que as distinguem das economias desenvolvidas, com destaque para duas delas: o atraso relativo entre as capacidades tecnológicas comparado à fronteira internacional e a diferença de produtividade existente tanto entre setores quanto dentro de cada um deles. A diferença de produtividade decorrente de estruturas produtivas dualistas das economias periféricas foi denominada de heterogeneidade estrutural por Aníbal Pinto (2000) nos estudos iniciais da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). O autor analisa as mudanças trazidas pela industrialização na América Latina, estabelecendo uma divisão da estrutura produtiva em três camadas, segundo os níveis de produtividade. A primeira camada corresponde aos níveis de produtividade e renda per capita semelhantes aos da economia colonial, por sua vez, a segunda se refere à produtividade média do sistema nacional, enquanto a última se trata de um “polo moderno” composto de atividades exportadoras, industriais e de serviços que funcionam com níveis de produtividade parecidos com os dos países desenvolvidos. A partir daí, evidenciam-se vários problemas, como a heterogeneidade de produtividade entre os setores produtivos na América Latina e as diferenças na produtividade do trabalho.
Na verdade, a obra de Aníbal Pinto se referencia historicamente na metade do século XX, o que poderia nos levar a argumentar que as ideias apresentadas pelo autor se relacionam ao contexto no qual elas sugiram. No entanto, as contribuições do autor sobre o conceito de heterogeneidade estrutural continuam sendo trabalhadas e seguem explicando a atualidade da região, o qual nos leva a pensar que esse problema ainda não foi superado.
O objetivo deste artigo foi estudar a heterogeneidade estrutural na América Latina entre os anos de 2010 e 2019, segundo a visão de Aníbal Pinto, bem como sua atualidade.
A metodologia utilizada abrange uma revisão teórica e bibliográfica de caráter qualitativo, a fim de evidenciar a heterogeneidade estrutural de forma interpretativa a partir do pensamento de Aníbal Pinto, no qual se baseou o arcabouço teórico escolhido para atingir o objetivo analítico proposto, bem como as contribuições da CEPAL, no período seminal. Dessa forma, serão apresentados os conceitos que ajudaram a interpretar a problemática latino-americana, a saber: subdesenvolvimento, centro-periferia, heterogeneidade estrutural, modernização e dependência.
Além da introdução e das considerações finais, a primeira seção apresenta o marco teórico, no qual se definem a heterogeneidade estrutural e as principais contribuições da CEPAL. Na segunda seção, aborda-se o contexto socioeconômico da região, ressaltando a evolução de variáveis, como, por exemplo, crescimento, emprego, investimentos etc. Na terceira e última seção, apresenta-se uma avaliação da heterogeneidade estrutural na América Latina.
2. MARCO TEÓRICO: A HETEROGENEIDADE ESTRUTURAL NO PENSAMENTO LATINO-AMERICANO
A preocupação central dos estudos pioneiros de CEPAL foi entender como se apresentava o desenvolvimento na América Latina. Várias foram as problemáticas encontradas que explicariam a situação de atraso vivenciada pelos países, como, por exemplo, a deterioração dos termos de troca, o subdesenvolvimento, a relação centro x periferia, a dependência etc. À luz do debate da CEPAL em relação ao atraso na região, as ideias de ruptura do modelo agrário-exportador e a defesa da industrialização surgem como objetivos a serem perseguidos pelas políticas. A forma de superar o atraso dos países latino-americanos seria por meio da industrialização, o que permitiria a absorção do progresso técnico de maneira mais equitativa, pois a região tinha uma forma particular de absorver e difundir o progresso técnico. Esse cenário se transformaria em diferenças na produtividade dos ocupados nos distintos setores produtivos, sendo um fenômeno estudado por Anibal Pinto (2000) e denominado heterogeneidade estrutural, fator responsável pela desigualdade na distribuição da renda. Assim, na próxima subseção, serão apresentados alguns conceitos que se transforaram nos pilares do pensamento cepalino.
2.1. CONTRIBUIÇÃO DA CEPAL PARA O DESENVOLVIMENTO LATINO-AMERICANO: ALGUNS CONCEITOS
A CEPAL foi fundada com o objetivo de conduzir um diagnóstico da condição de atraso econômico da região, propondo alternativas para a promoção do desenvolvimento econômico. Para Bielschowsky (2000, p. 20), “[...] a CEPAL desenvolveu-se como uma escola de pensamento especializada no exame das tendências econômicas e sociais de médio e longo prazos dos países latino-americanos”. A CEPAL foi a principal fonte de informações e análise sobre a realidade econômica e social latino-americana, atentando-se à contribuição do Estado para a construção da política econômica como forma de desenvolver a região para superar as condições da periferia latino-americana (Bielschowsky, 2000). Existe uma convergência dos conceitos para a formulação de políticas de superação do subdesenvolvimento e da pobreza que se relaciona com a ideia de industrialização. Segundo Bielschowsky (2000, p. 24), havia, para os defensores da industrialização, uma espécie de “vazio teórico” na teoria econômica existente que evidenciava a falta de ideias e políticas que pudessem ser adaptadas às realidades sociais e econômicas as quais se buscava entender e transformar. O método adotado pela instituição é o histórico-estrutural, tratando-se essencialmente de um enfoque orientado pela busca de relações diacrônicas, históricas e comparativas, mais relacionado ao método “indutivo” do que a uma “heurística positiva” (Bielschowsky, 2000). Assim, criou-se um corpo analítico específico aplicado às condições peculiares e próprias da periferia latino-americana, estudando-se de forma esquemática a relação da região com o resto do mundo. Para os pensadores da CEPAL, a forma de inserção internacional é de fundamental importância para entender o subdesenvolvimento. Nesse sentido, surge a categoria de análise centro-periferia, a qual salienta a relevância de cada país na divisão internacional do trabalho. Segundo Prebisch, a violenta contração da capacidade para importar vista nos anos 1930 e seus reflexos nas economias latino-americanas constituíram a referência histórica da vulnerabilidade externa, a qual evidenciava o modo de funcionamento das economias industrializadas, bem cono aquelas fundamentadas no modelo primário-exportador (Bielschowsky, 2000). Para o estruturalismo cepalino, é necessário adotar uma visão global da expansão do sistema capitalista a fim de identificar uma relação de autonomia e dependência. Assim, a análise da relação entre centro e periferia poderia se iniciar a partir do estudo da propagação do progresso técnico na economia mundial, o que permitiria analisar o comportamento das economias que recebem essas tecnologias. O esforço de propagação das técnicas a partir das regiões centrais buscava superar os obstáculos físicos e econômicos que pressionavam a redução da eficácia do processo acumulativo. Por seu turno, o núcleo industrial buscava ampliar sua zona de ação criando uma constelação de economias dependentes (Furtado, 2000).
O resultado do impacto da expansão do núcleo industrial capitalista sobre as regiões dependentes apresentou foi a criação de estruturas híbridas ou dualistas, tratando-se de uma característica específica do subdesenvolvimento. Essas estruturas dualistas, próximas da ideia de centro e periferia, relacionam-se com a ideia de desenvolvimento desigual. Os centros se identificam como as economias originárias das técnicas capitalistas, núcleos irradiadores de processos de produção (Furtado, 2000). A periferia, por sua vez, é constituída de economias cuja produção permanece inicialmente atrasada pela ótica tecnológica e organizacional (Rodrigues, 2009). Entretanto, as regiões periféricas só absorvem o progresso técnico nos setores específicos ligados à produção de alimentos e matérias primas.
2.2. O PENSAMENTO DE ANÍBAL PINTO
Aníbal Pinto Santa Cruz nasceu em Chile em 1920 e se formou em Direito na Universidade do Chile. Estudou na London School of Economics, depois da Segunda Guerra, em 1948. Ao voltar da Europa, Aníbal Pinto se incorpora aos quadros da CEPAL e participa da formação das ideias que viriam a nortear o pensamento latino-americano. Como salienta Lessa (1998, p. 2): “Sua presença e participação interativa, no núcleo central daquela escola, torna difícil destacar pontos específicos da sua ampla contribuição”, pois seus trabalhos se incorporam ao núcleo duro da CEPAL.
Aníbal Pinto é o primeiro autor a conceituar a “heterogeneidade estrutural”, conceito que se relaciona com a dualidade1 existente numa economia subdesenvolvida, caracterizada por um setor moderno e um arcaico. Assim, a base da heterogeneidade se encontraria na estrutura econômica desses países. O autor explora esse conceito em vários artigos, chegando então a finalizá-lo em seu trabalho “Heterogeneidade Estrutural e Modelo de Desenvolvimento Recente”, em 1970, estudando a heterogeneidade estrutural a partir da análise das mudanças trazidas pela industrialização na América Latina. A industrialização na periferia teria tornado a questão da heterogeneidade estrutural um problema complexo, pois a diversificação da produção, chamada por ele de “para dentro”, teria levado “ao surgimento e fortalecimento de um setor não exportador, ‘modernizado’ e ‘capitalista’, com níveis de produtividade substancialmente superiores à média do sistema e semelhantes aos do complexo exportador” (Pinto, 1979, p. 45-46).
A partir da industrialização, a estrutura produtiva da América Latina seria dividida em três camadas, segundo os níveis de produtividade. A primeira camada corresponde aos níveis de produtividade e renda per capita semelhantes aos da economia colonial, já a segunda se refere à produtividade média do sistema nacional, enquanto a última se trata de um “polo moderno” composto de atividades exportadoras, industriais e serviços que funcionam com níveis de produtividade parecidos com os dos países desenvolvidos. Assim, evidenciam-se vários problemas, tais como a heterogeneidade de produtividade entre os setores produtivos na América Latina. Assim, o autor salientava:
Para ir à essência do assunto, poderíamos afirmar o seguinte: que, enquanto as atividades, as populações e as áreas “atrasadas”, “marginalizadas”, ou como quer que se queira chama-las, representam frações pequenas e insignificantes na estrutura global dos países “centrais”, verifica-se o contrário no âmbito latino-americano (e no subdesenvolvido em geral) (Pinto, 2000, p. 573).
Acreditava-se que a industrialização na América Latina levaria os países a transitarem pelos mesmos caminhos que os países desenvolvidos, em que a tendência no longo prazo seria a homogeneização da estrutura econômica, especialmente nas primeiras fases da “industrialização substitutiva”. No entanto, ao analisar a dinâmica do desenvolvimento, Aníbal Pinto percebe vários pontos que não foram superados, sendo, em alguns casos, até mesmo aprofundados, a saber: o ritmo de desenvolvimento está longe de se acelerar; a dependência com o exterior se alterou, no entanto, tornou-se tão ou mais influente que no passado; e grandes segmentos da população foram marginalizados do avanço que se registrou no “polo moderno”. Em resumo, Pinto (2000, p. 575) conclui afirmando que “mais do que um progresso para a ‘homogeneização’ da estrutura global perfila-se um aprofundamento de sua heterogeneidade”. Para Pinto, a heterogeneidade estrutural vai além da visão dualista que a CEPAL apresentará como característica do subdesenvolvimento. Pelo contrário, o setor moderno, do ponto de vista social, reproduziria a heterogeneidade, como salientado por Lessa (1998, p. 6), “[...] como um buraco negro que absorve verticalmente os rendimentos da modernização e, horizontalmente, parte da renda dos atrasados”.
As diferenças de produtividade entre esses três setores seriam muito grandes, especialmente em comparação com os países desenvolvidos, onde haveria certa homogeneidade setorial. Assim, enquanto as economias latino-americanas teriam uma descontinuidade de produtividade entre os seus diversos setores, nas economias industrializadas haveria uma marcante homogeneidade (ainda que não absoluta, mas tendencial).
Com relação aos aspectos sociais, o autor salientava que, apesar dos diferentes modelos de crescimento “para fora” e “para dentro” aplicados na América Latina, 40 ou 50% da população continuava marginalizada dos benefícios do desenvolvimento. Pinto (2000) destaca que se apresenta nas economias latino-americanas uma espécie de “exploração” por parte do setor moderno, uma vez que não contribui para partilhar os lucros derivados do aumento de sua produtividade. Os setores modernos têm a característica de criar uma autonomia própria que ajuda a gerar uma reprodução tendendo à concentração da produtividade, sem irradiar essas vantagens para o resto da economia. Enfim, Aníbal Pinto (2000) argumentava que os frutos do progresso técnico tendiam a se concentrar tanto na distribuição de renda entre classes, quanto na distribuição entre setores e regiões do país. Para o autor, a industrialização não eliminava a heterogeneidade estrutural, apenas modificava seu formato. Nessa perspectiva, o processo de subdesenvolvimento dava sinais de se perpetuar, apesar do crescimento econômico. Nas economias subdesenvolvidas, a desigualdade estrutural é característica inerente à reprodução capitalista na periferia, sendo que a falta de interação por parte dos setores que ilustram a dualidade se transforma em regiões incorporadas como exportadoras de produtos de baixa produtividade no comércio exterior.
2.3. A HETEROGENEIDADE ESTRUTURAL NA ATUALIDADE: A EVOLUÇÃO DO CONCEITO E DA PESQUISA NA ÁREA
Como argumentado anteriormente, a obra de Aníbal Pinto tem por referência histórica a metade do século XX, o que poderia nos levar a argumentar que as ideias apresentadas pelo autor se relacionam ao contexto no qual sugiram. No entanto, as contribuições do autor sobre o conceito de heterogeneidade estrutural continuam sendo trabalhadas e seguem explicando a atualidade da região, permitindo-nos pensar que esse problema ainda não foi superado. Entretanto, o conceito de heterogeneidade estrutural alavancou um histórico de contribuições que visam salientar diferenças nos planos econômico, social, político e tecnológico, transformando-se numa análise mais complexa entre as economias desenvolvidas e as “periféricas”, a qual marcará um programa de pesquisa que busca explicar as persistências de desigualdades econômicas e sociais, assim como os entraves aos processos de desenvolvimento.
Assim, por exemplo, Comissão Econômica para América Latina (2010) parte da contribuição de Pinto (2000) em relação às diferenças intrasetoriais da produtividade para caracterizar as economias subdesenvolvidas, salientando os hiatos tecnológicos externo e o interno, referentes às assimetrias entre setores. Entretanto, o problema não se limita somente às diferenças entre “camadas”, como definidas por Pinto, mas também abrange a falta de interligação dos setores mais dinâmicos com os mais atrasados, evidenciando a falta de absorção da tecnologia que se reproduz como forma de um círculo vicioso difícil de ser superado.
Gusso, Nogueira e Vasconcelos (2011) ressaltam que a construção explicativa do conceito de heterogeneidade estrutural apresenta dificuldades concretas que abrangem o aspecto conceitual, analítico e instrumental. Os autores salientam que, no plano conceitual, pode-se encontrar a ideia de que a estrutura produtiva dos países não desenvolvidos é assimétrica e, como representação dessa especificidade, utiliza-se como variável proxy a produtividade do trabalho. No entanto, essa escolha pode trazer um certo reducionismo à dimensão produtiva, o que pode se transformar num limite para uma análise mais abrangente. O nível da produtividade do trabalho se relacionaria à “empresa moderna ou setor moderna” e à “empresa atrasada ou setor atrasado”, evidenciado as dessemelhanças.
Assim, no aspecto conceitual e analítico, a heterogeneidade estrutural foi objeto de muitas avaliações apontando questões a serem levadas em conta ao se analisar a caracterização, pois as diferenças entre empresas e setores fazem parte do próprio desenvolvimento do capitalismo e, às vezes, impulsionam o dinamismo econômico e a competição. Entretanto, Gusso, Nogueira e Vasconcelos (2011) argumentam que em países periféricos, as diferenças na produtividade são muito maiores que nos países desenvolvidos, podendo se apresentar como entraves ao desenvolvimento econômico. Dessa forma, a comparação internacional entre países pode se apresentar como uma análise pertinente para explicar a heterogeneidade estrutural.
Por sua vez, os setores econômicos intrinsicamente possuem produtividades médias distintas, fazendo com que a análise setorial seja muito mais complexa, pois essa dessemelhança não se esgota em sua análise descritiva. Portanto, é importante considerar a concentração do progresso técnico, as capacidades tecnológica e empresarial, a forma de inserção internacional, a evolução no tempo do avanço da heterogeneidade estrutural, entre outras. Como ressaltam Gusso, Nogueira e Vasconcelos (2011, p. 12):
Não se trata aqui de questionar a formulação teórica do conceito de HE. Ora, as disparidades entre as dessemelhanças produtivas e as desigualdades sociais existentes entre os diversos blocos de países são claramente observáveis. Do mesmo modo, sua prevalência ao longo da história das economias capitalistas também o é. O que se coloca é a necessidade da elaboração de constructo capaz de descrever de modo mais consistente o fenômeno, permitindo o estabelecimento de referencial analítico de maior poder explicativo.
As pesquisas da CEPAL tiveram como foco a mudança estrutural, partindo de uma economia dualista para uma com mais dinâmica, na qual o setor industrial seria o espaço de geração de tecnologia e aumento de produtividade. Segundo a CEPAL (Comissão Econômica para América Latina, 2004), alcançar o desenvolvimento é superar, em parte, a heterogeneidade estrutural, ou seja, provocar a transferência de trabalhadores de setores de baixa para mais alta produtividade, evidenciando, assim, uma melhoria na absorção tecnológica e na renda.
Como assinala Cimoli (2005), nos anos de 1990, o tema da heterogeneidade estrutural volta a estar no debate, mas com uma visão renovada, considerando o avanço da industrialização e a abertura regional, oferecendo, assim, um padrão de análise não só setorial, mas também com a capacidade de gerar e absorver progresso tecnológico. A mudança tecnológica na atualidade é uma das principais variáveis a serem analisadas para caracterizar a mudança estrutural, pois as economias que conseguem absorver as novas trajetórias tecnológicas alcançam a vinculação dos agentes econômicos produtores da inovação, fonte do aumento da produtividade. Essa visão da mudança estrutural foi incorporada às teorias do crescimento, analisando a evolução dos setores da indústria nos aspectos de produtividade, incorporação de tecnologia e estrutura do emprego.
Nesse novo contexto, que se inicia na década de 1990, com as políticas de ajuste estrutural para a região, considera-se o hiato tecnológico para definir o padrão de especialização internacional, o qual afeta a pauta exportadora dos países em desenvolvimento. Nesse sentido, Cimoli, Pereima Neto e Porcile (2015) afirmam que o hiato tecnológico se reflete em assimetrias de produtividade com impacto na competividade de produtos intensivos em tecnologia. Na verdade, os autores defendem a correlação existente entre tecnologia e competitividade, assim como a redução do hiato tecnológico a partir da transformação da estrutura produtiva. Com a redução do hiato tecnológico, o país se torna mais competitivo, produzindo-se um efeito positivo e encadeado para outros setores, acelerando, assim, o aprendizado técnico e científico. Esse processo se mostra como um círculo virtuoso para o crescimento e o desenvolvimento de uma região ou país. No lado oposto, os autores afirmam que as economias com setores modernos pouco dinâmicos, baixa produtividade e informalidade se transformam num freio para o crescimento, a distribuição de renda e a geração de inovação.
Assim, as contribuições de Aníbal Pinto se transformam num programa de pesquisa que vai incorporando as mudanças que se apresentam no capitalismo com a ideia de se interpretarem as desigualdades e a heterogeneidade estrutural nas economias periféricas.
Feitas essas considerações sobre o conceito de heterogeneidade, apresentaremos na seguinte seção uma contextualização histórica do comportamento econômico da região em estudo.
3. AMÉRICA LATINA E SEU DESEMPENHO NO SÉCULO XXI
A década de 1990 marcou o triunfo das ideias neoliberais na região, concretizadas na adoção dos pressupostos do Consenso de Washington. Os modelos denominados de ajuste estrutural visavam erradicar a instabilidade da região priorizando a luta contra a inflação, a disciplina fiscal e o controle monetário. As medidas aplicadas tiveram sucesso em debelar a inflação, corrigindo o nível de preços e o funcionamento dos mercados. Nesse período, a região experimentou grandes flutuações que podem ser explicadas tanto pelas mudanças estruturantes quanto pelas variações de entrada e saída de capitais financeiros externos. Os resultados em termos de crescimento foram medíocres na década de 1990, assim como no aspecto social, cujos indicadores aguçaram ainda mais sua tendência negativa, aprofundando os problemas históricos.
Assim, a América Latina entra no século XXI com o “peso do passado”, considerando que a heterogeneidade estrutural, característica da formação social da região, ainda não foi superada. Historicamente, os países latino-americanos têm uma persistente desigualdade social que pode ser explicada pela alta concentração da propriedade e da heterogeneidade estrutural, sendo entendida como a existência de assimetrias entre setores produtivos e a concentração de emprego em setores de baixa produtividade. Nesse sentido, Tavares (2014, p. 2) salienta que a característica da região era a desigualdade:
A principal manifestação da estrutura social latino-americana é a desigualdade. Sua constituição tem raízes históricas que vão desde o colonialismo e, em alguns países como o Brasil, a escravidão; raízes políticas, ligadas ao profundo conservadorismo das elites mantenedoras do poder econômico e político, e raízes econômicas, determinadas por um padrão de desenvolvimento capitalista tardio, periférico e dependente, cujo modelo econômico sempre foi concentrador e gerador de desigualdades.
A desigualdade que caracteriza a região passa melhorar e se flexibilizar no começo do século XXI, no entanto, tendo uma leve redução, não consegue reverter o quadro e a tendência a indicadores distributivos positivos. Na década de 2000, a região voltou a discutir pontos centrais do desenvolvimento especificamente focando na necessidade de ter a igualdade como horizonte para a mudança estrutural. O período entre 2004-2008 foi marcado pela “bonança” dos commodities na economia internacional, o que afetou positivamente a balança comercial. A crise financeira que teve início em 2008 interrompeu o ciclo expansivo de crescimento, o qual acontecia num contexto de expansão da economia internacional. Essa crise teve repercussão em todos os mercados financeiros, mas também nas variáveis reais das economias mundiais por meio da retração do crédito, da destruição de riqueza, da queda do comércio mundial e da deterioração das expectativas sobre a evolução da atividade econômica (Comissão Econômica para América Latina, 2010). Dessa forma, perfilou-se na economia mundial um novo cenário, com taxas de crescimento menores, desaceleração do comércio, menor transnacionalização financeira e nova arquitetura financeira global. Após a crise do subprime americano (2007-08), a economia mundial entrou em recessão, influenciando negativamente o dinamismo econômico da região, como se observa no Gráfico 1.
– América Latina: taxa do crescimento do PIB (%) (2009-2022). Fonte: elaboração própria com dados da Comissão Econômica para América Latina (2023).
Observa-se que depois da recuperação de 2009, o crescimento passa a ter uma tendência decrescente até 2016, tendo uma leve recuperação em 2017, para depois voltar a cair. Esse fenômeno pode ser relacionado ao novo contexto internacional que se instaura com o desaquecimento da economia mundial, fundamentalmente da China, que estabelece um crescimento menor denominado de “novo normal”, o qual afeta demanda de commodities. A restrição da demanda global afeta a região, que tem uma inserção dependente no mercado internacional. Além disso, o investimento é uma variável fundamental relacionada ao comportamento do crescimento da economia, apresentando uma tendência à queda. O Gráfico 2 mostra a taxa de variação da formação bruta e capital fixo, que tem uma dinâmica pouco favorável para induzir o crescimento no longo prazo. Ainda, o gráfico indica que a redução do investimento é maior que a contração do PIB, o que pode se relacionar à queda do investimento público, sendo mais importante que em outras regiões do mundo.
– América Latina: taxa de variação média anual da Formação Bruta de Capital Fixo (1990-2020) (%). Fonte: elaboração própria com dados da Comissão Econômica para América Latina (2023).
No entanto, nos anos 2010-2020, observa-se que o desempenho do investimento afeta o ritmo e a taxa de acumulação do capital, bem como a dinâmica da produtividade. Nesse sentido, o informe da CEPAL (Comissão Econômica para América Latina, (2017, p. 7) salienta: “Debido a la relación causal entre la acumulación de capital y la productividad, las características cíclicas de la inversión son un factor determinante en la capacidad de crecimiento de largo plazo”. O Gráfico 2 demonstra seu desempenho ruim entre 2010 e 2020.
Analisaremos como a queda no investimento conseguiu impactar no desempenho de alguns setores. O Gráfico 3 ilustra a contribuição dos setores econômicos à taxa de crescimento. Assim, observamos que nos anos de 2010 a 2019, indústrias extrativas, indústria de transformação e comércio tiveram um desempenho negativo. Os serviços, entre eles o comércio, também tiveram um comportamento negativo. Esse fenômeno influencia negativamente as fontes de crescimento, tendo sido o principal limite para a região entrar no caminho do desenvolvimento. Na opinião da CEPAL, a industrialização e a absorção tecnológica foram e continuam a ser os temas da agenda, um sinal de que a região ainda não superou esse problema. Um dos objetivos do “ajuste estrutural”, com suas duas ondas de reformas, era alcançar o crescimento econômico, porém, observamos que na década de 2010, o crescimento parou, em parte, porque a região tem uma inserção dependente no comércio mundial, sendo que depois da crise das hipotecas subprime, a economia mundial encontrou um nível de crescimento mais baixo e mais restrito, chamado de “novo normal”, como salientado anteriormente.
– América Latina: contribuição dos setores econômicos à taxa de crescimento do PIB (%). Fonte: elaboração própria com dados da Comissão Econômica para América Latina (2023).
Esse comportamento da economia impacta negativamente o mercado de trabalho, embora na década de 2000 a região tenha conseguido melhorar as taxas de desemprego, passando de um nível de 11,2% em 1999 para 6,7% em 2010 (Comissão Econômica para América Latina, 2012), essa taxa começa a modificar sua tendência, voltando a aumentar e atingindo novamente uma taxa de dois dígitos. Esse fenômeno pode ser atribuído às políticas de ajuste estrutural, caracterizadas pela dificuldade de empregar os mais jovens, os mais velhos e as mulheres, como podemos observar no Gráfico 4. Ou seja, a taxa de desemprego, quando analisada por gênero, evidencia a dificuldade que as mulheres apresentam para se inserirem no mercado de trabalho.
– América Latina: desemprego total e por gênero (2008-2021). Fonte: elaboração própria com dados da Comissão Econômica para América Latina (2023).
Os mercados de trabalho dos países da região são caracterizados por uma elevada informalidade, sendo que entre 2000 e 2010 apresentaram grandes progressos como resultado de um conjunto de políticas dirigidas a grupos específicos, como, por exemplo, trabalhadores domésticos e trabalhadores independentes. Contudo, na década de 2010, o progresso foi mínimo, com baixa cobertura, gerando um aumento da informalidade. Com a chegada da covid-19, a situação do mercado de trabalho piorou com as medidas de isolamento e a paralisação da produção em todo o mundo (Comissão Econômica para América Latina, 2020). Dessa forma, observamos que as reformas institucionais realizadas no campo da política social que buscavam redefinir e ampliar o alcance não atingiram o resultado esperado, devido ao aumento do número de pessoas fora do mercado de trabalho, gerando, com isso, pobreza e vulnerabilidade.
A contração da atividade econômica na década de 2010 e a consequente perda de empregos e redução do rendimento do trabalho conduziram ao crescimento em todos os estratos de rendimentos mais baixos, prejudicando a produtividade do trabalho. Na verdade, as famílias dos estratos médios e da parte superior dos estratos inferiores obtêm os seus rendimentos principalmente do trabalho, especialmente dos trabalhadores assalariados, e normalmente não são beneficiárias de políticas ou programas de proteção social.
O Gráfico 5 mostra a evolução da pobreza e da pobreza extrema na região. Como demonstrado no gráfico, na década de 2000, a pobreza foi reduzida em seis pontos se comparada à década de 1990, caindo aproximadamente 40% em 2010. Em 2010, a pobreza atingiu 31,6% e a pobreza extrema diminuiu de 45,3% em 1999 para 8,7% em 2010. Isso significou um grande avanço no aspecto social, no entanto, de 2010 em diante, a pobreza extrema volta aumentar, mudando a tendência de queda.
– América Latina: pobreza e pobreza extrema (1990-2020) (%). Fonte: elaboração própria com dados da Comissão Econômica para América Latina (2023).
Com relação ao setor externo (Gráfico 6), observamos que o comportamento do saldo comercial se apresentou positivo na primeira década até a crise do subprime, para depois termos saldo negativo até o final da década de 2010, sem mudança de tendência. No entanto, o saldo positivo da balança comercial na região teve relação com a especialização regressiva em commodities, a qual, por sua vez, relaciona-se com a tese da CEPAL de centro-periferia, evidenciando uma forma de inserção dependente por parte da região. Nesse sentido, como salientam os autores Gramkow e Gordon (2014, p. 3):
– América Latina: saldo da balança comercial (2000-2022) (milhões USD). Fonte: elaboração própria com dados da Comissão Econômica para América Latina (2023).
A heterogeneidade estrutural é acompanhada, nos países latino-americanos, por outra característica igualmente relevante para seus processos de desenvolvimento: o elevado grau de especialização externa de suas economias. A especialização externa é definida pelo fato de que, no sistema econômico mundial, coube a esses países o papel de fornecerem matérias-primas e alimentos, enquanto aos países desenvolvidos coube a função de produzir e exportar bens industriais.
Assim, a especialização em commodities que se apresenta com base na implementação das políticas pró-mercado na América Latina afastaram a região do caminho do desenvolvimento, pois impossibilitaram a modificação da estrutura produtiva, experimentando a perda do dinamismo da indústria, setor fundamental para o desenvolvimento e o aumento de produtividade. Como salientam Cimoli, Pereima Neto e Porcile (2015, p. 10): “[...] si um país cambia su especialización, puede elevar sus exportaciones y de esa forma elevar el crecimiento (y las importaciones) sin que un déficit em cuenta corriente lo frene”. Ou seja, uma mudança na competitividade e na pauta exportadora do setor agropecuário para o industrial se transformaria num processo virtuoso para o crescimento da região, o que tenderia a diminuir a heterogeneidade.
Nesse contexto recessivo, a crise sanitária da covid-19 chega em 2020, aprofundando a recessão e revelando os limites estruturais das economias em desenvolvimento. Assim, a América Latina viveu a maior contração do Produto Interno Bruto desde 1900, apresentando uma queda de 6,8%, tendo o pior desempenho das regiões em desenvolvimento. No entanto, a região já apresentava um desempenho quase nulo desde 2014, o que, somado à contração de 2020, se traduziu em aumentos das taxas de desemprego, queda de rendimentos e aumento da pobreza e da desigualdade. Assim, podemos observar que as reformas implementadas encontraram limite em uma estrutura produtiva, com amplas lacunas entre os setores produtivos combinadas com um mercado de trabalho pouco dinâmico, com tendência a se movimentar em atividades de baixa produtividade. Isso questiona fundamentalmente a possibilidade de a região atingir níveis mais elevados de desenvolvimento, como destacam os autores da CEPAL, pois a transformação da estrutura produtiva é fundamental e é a partir dela que se moldará o progresso em direção a uma sociedade mais moderna. Por outro lado, vemos que o setor industrial teve queda na sua participação na produção, o que coloca um problema quanto às possibilidades de articulação do setor com a fronteira tecnológica internacional e sua capacidade de absorção, bem como a limitação da aprendizagem produtiva. Esse contexto foi agravado pela crise da covid-19, que se iniciou no ano 2020, evidenciando que as reformas estabelecidas desde o começo dos anos 2000 melhoraram na primeira década os indicadores sociais, no entanto, a estrutura produtiva sofreu mudanças que limitaram as possibilidades de se encontrar uma senda de desenvolvimento.
4. A HETEROGENEIDADE ESTRUTURAL NA AMÉRICA LATINA
A década de 1990 na América Latina foi marcada pela implementação do modelo de desenvolvimento inspirado no ideário neoliberal com políticas pró-mercado. Essas políticas trouxeram para o debate econômico a questão da mudança estrutural como objetivo a ser atingido por meio desse novo modelo. A teoria do desenvolvimento, especialmente a cepalina, sustentava que a estrutura produtiva e sua transformação seriam fatores determinantes para alcançar o patamar de economia avançadas. Assim, no período de estudo, podemos dizer que a região passou por uma significativa transformação estrutural. Essa transformação produtiva seria virtuosa à medida em que a incorporação tecnológica permitisse criar empregos de maior produtividade, contribuindo com a redução da desigualdade e o crescimento econômico. Como res
saltado no informe da CEPAL (Comissão Econômica para América Latina, 2022a, p. 29):
Las economías de la región muestran una creciente brecha de productividad respecto de las economías desarrolladas. Estas brechas, sin embargo, suelen ser incluso mayores en los países, cuando se comparan las zonas urbanas y rurales, sectores económicos como la agricultura, el comercio, los servicios y la industria, los sectores formal e informal de las economías, y las unidades de producción orientadas a los mercados internacionales y las que satisfacen el mercado local.
Assim, observamos que existe um hiato entre trabalhadores formais e informais, o qual foi progressivamente diminuindo, como mostra o Gráfico 7. No ano de 2000, aproximadamente metade do emprego urbano se encontrava no setor informal, cuja produtividade é de aproximadamente 30% sobre o valor total da produtividade (Comissão Econômica para América Latina, 2022a). A heterogeneidade estrutural se apresenta na participação do emprego de baixa produtividade no emprego total, a qual pode se relacionar aos níveis de informalidade, sendo um fenômeno estrutural na América Latina. Como salientado no informe da CEPAL (Comissão Econômica para América Latina, 2022a), os conceitos de emprego de baixa produtividade e empregos informais podem ser usados indistintamente, relacionando-se à heterogeneidade estrutural. Na América Latina, uma característica das economias é a vulnerabilidade dos estratos médios de renda, os quais variam muito dadas as condições de produção e do mercado de trabalho.
– América Latina (oito países)*: hiato de produtividade entre trabalhadores dos setores formal e informal, 2000-2018 (%). *Os países incluídos: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, México e Peru. Fonte: elaboração própria com dados da Comissão Econômica para América Latina (2023).
Nas décadas de 2000 e 2010, conforme consta no Gráfico 8, um grande número de famílias deixou de viver em situação de pobreza, elevando a renda e transitando de estratos baixos para os médios, passando de 26,9% da população em 2002 para mais de 41% em 2017. Em 2019, os estratos médios continuavam representando 41,1% da população. A pandemia da covid-19 deteriorou a situação desses estratos e aumentou o tamanho do grupo em situação de pobreza. Para o ano de 2021, as projeções da Comissão Econômica para América Latina (2022b) sinalizavam uma recuperação na participação de estratos médios e altos, embora em níveis mais baixos aos observados antes da pandemia. Ou seja, as rendas baixas e a pobreza ainda continuam sendo as características da região, as quais se somam à perda de dinamismo dos setores mais produtivos, como, por exemplo, a indústria.
– América Latina: distribución de la población según estrato de renda, 2019-2021. Fonte: elaboração própria com dados da Comissão Econômica para América Latina (2022b).
Segundo informe da Comissão Econômica para América Latina (2007), observa-se que a região vem apresentando uma queda na participação da indústria, evidenciando, assim, que o emprego nesse setor não está sendo gerado, fazendo com que seja relevante entender qual setor da economia absorve a mão de obra. Entre 1990 e 2003, período de estudo do informe, os setores que absorveram foram o comércio e os serviços financeiros. Em geral, os empregos gerados no comércio são de baixa produtividade, semelhantes a muitos empregos informais, assim como o autoemprego. Entretanto, esses setores não aumentaram a produtividade nos anos seguintes, o que se transformou num padrão estrutural. Na verdade, como salientado por Cimoli et al. (2005), nem todos os setores produtivos da economia podem gerar aumentos de produtividade, promover o crescimento, gerar empregos de alta produtividade etc. Por causa disso, a estrutura produtiva identificada como setor dinâmico é uma variável relevante para compreender o desenvolvimento econômico. Então, atualmente, a mudança estrutural pode ser assemelhada ao dualismo apresentado pelos autores cepalinos, no entanto, sem chegar a ser a dicotomia rural tradicional com setor moderno urbano. Ou seja, o dualismo pode se relacionar à dinâmica dos setores produtivos no âmbito urbano.
Assim, podemos observar que a produção por trabalhador desde 2013 em diante apresenta um comportamento instável, conforme o Gráfico 9, contribuindo, assim, para aprofundar a heterogeneidade estrutural, pois as flutuações da produção repercutem diretamente na produtividade do trabalho. Essa variação da produtividade se reflete em salários baixos, o que, por sua vez, afeta a heterogeneidade.
– América Latina: taxa de crescimento anual da produção por trabalhador (PIB em USD PPA 2017) (%)*. *Países selecionados: Argentina. Brasil, Chile, Equador, Colômbia, Peru, Uruguai, Paraguai. Cálculo que considera a média simples dos anos. Fonte: International Labour Organization (2023).
No ano de 2020, a crise de covid-19 afetou os mercados laborais, sendo os trabalhadores informais os que mais sofreram com tal situação inédita, uma vez que sempre que o trabalho formal decresce, aumenta-se o emprego informal. Na pandemia, esse fenômeno mudou, pois não foi possível utilizar o emprego informal como alternativa à falta de emprego formal, afetando principalmente os jovens e os trabalhadores menos qualificados. Dessa maneira, podemos observar que existiram uma conjuntura mundial e uma regional desfavoráveis ao avanço de uma distribuição da renda menos desigual, assim como uma estrutura produtiva que foi perdendo dinamismo no setor moderno, ou seja, o industrial. Isso significa que a heterogeneidade se produz na estrutura dinâmica dos setores produtivos e se reflete na estrutura social por meio dos rendimentos do trabalho. Dessa forma, os avanços alcançados nos estratos médios da distribuição da renda não conseguem garantir a continuidade ou manutenção dos trabalhadores nesse nível de renda. Pelo contrário, como evidenciou a pandemia, grande parte da população se encontra em estratos vulneráveis, seja em situação de pobreza ou em zonas de vulnerabilidade. Embora o emprego informal difira entre os países da região, Cimoli et al. (2005) defendem que esse tipo de trabalho tem uma produtividade de 30% da produtividade média da economia e de 20% da produtividade do emprego formal para o ano 2000, sendo um condicionante para a produtividade total do emprego.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No começo do século XXI, a América Latina aplicou políticas de inspiração neoliberal, as quais obtiveram resultados medíocres com relação ao crescimento, embora a região tenha experimentado um ciclo expansivo na primeira década, levando os indicadores sociais a melhorarem. Podemos ilustrar que as economias latino-americanas apresentaram uma significativa transformação em sua estrutura produtiva, sendo que o “setor moderno” por excelência, a indústria, foi o que maior dinamismo perdeu no período de estudo. Por outro lado, o setor que mais absorveu emprego foi o de baixa produtividade, sendo que a brecha entre os salários de baixa e alta produtividades se ampliou no período. A primeira década do século XXI apresentou uma redução da desigualdade, sendo um fator positivo, dada a caracterização histórica da região como mais desigual se comparada a outras regiões. Contudo, esse fenômeno encontra seu limite numa estrutura produtiva com grandes brechas entre setores produtivos, conjugado a um mercado laboral cujo setor dinâmico empregador é o de baixa produtividade, além da alta variabilidade na produtividade por trabalhador. Ou seja, ao longo da última década, não houve uma produção constante por trabalhador, o que implica uma baixa remuneração e, em muitos casos, estar no mercado informal do trabalho. Essa característica da região demonstra a persistência da heterogeneidade estrutural, assim como da desigualdade, sendo um reflexo do emprego de baixa produtividade, o qual, por sua vez, se transforma numa limitação ao aumento dos salários, contribuindo para a concentração da renda.
Tal cenário questiona a possibilidade de a região fundamentalmente atingir maiores níveis de desenvolvimento, como salientado pelos autores cepalinos, pois a transformação da estrutura produtiva importa e é a partir dela que vai se configurar o avanço para uma sociedade mais moderna. Nesse sentido, observa-se que os setores que obtiveram maior produtividade não são os que mais empregam, sendo consubstanciado um quadro complexo de atividades, com grande aumento da produtividade coexistente com outras de níveis baixos. Assim, o setor de serviços se transforma no polo de atração do emprego na região. Nessa perspectiva, a heterogeneidade estrutural se concentra neste último setor, que tem um papel substitutivo em relação à indústria, e não complementar, como se espera na transformação social para uma economia mais avançada. Dessa maneira, vislumbra-se um provável problema de absorção de mão de obra pelos setores modernos, fazendo com que persista o dualismo na região. Portanto, embora a região tenha apresentado melhoras em termos de desigualdade, ela não conseguiu se sustentar para voltar a crescer na década seguinte.
A ideia de heterogeneidade estrutural de Aníbal Pinto, que foi o ponto de partida para analisar a atualidade do pensamento do autor, nos ofereceu a base para caracterizarmos a região. Em linhas gerais, observamos que a América Latina pouco avançou no sentido de superá-la, no entanto, os problemas atualmente têm outro contexto, fazendo com que fossem possivelmente necessárias outras soluções. Tendo isso em vista, ao argumentarmos sobre a atualidade do pensamento de Aníbal Pinto e da heterogeneidade estrutural, ressaltamos que esse problema esteve presente no passado e ainda não foi superado. Entretanto, não fazemos essa afirmação numa visão de não passagem da história, pelo contrário, atualmente seria necessário se pensarem soluções que se adaptassem ao novo contexto. Apesar de todas as transformações que aconteceram desde os trabalhos seminais do autor até o presente, o subdesenvolvimento e a heterogeneidade estrutural ainda perduram, o que torna as teorias de Aníbal Pinto atuais. Assim, as contribuições de Aníbal Pinto nos parecem muito importantes para serem esquecidas. É o momento de se revitalizar a discussão e realizar o esforço teórico de revisitá-la.
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Segundo o enfoque estruturalista, o desenvolvimento econômico se refere à transição de uma economia agrícola para uma de maior diversificação da estrutura produtiva, com a importância do setor industrial, denominado de setor moderno.
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Financiamento:
Nenhum.
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Disponibilidade de dados:
Todos os dados utilizados na pesquisa foram disponibilizados publicamente, e podem ser acessados por meio da plataforma Harvard Dataverse:Siedschlag, Djeison; Augusto Junior, Roberto Gonçalves; Lana, Jeferson; Marcon, Rosilene, 2022, “Replication Data for: “Like, share and react: Twitter capture for research and corporate decisions” published by RAC-Revista de Administração Contemporânea”, Harvard Dataverse, V1. https://doi.org/10.7910/DVN/UZUJL3.
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CLASSIFICAÇÃO JEL:
O40; O54.
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Editado por
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Editores responsáveis:
Marta dos Reis Castilho https://orcid.org/0000-0002-1483-4597Carolina G. S. Dias https://orcid.org/0000-0002-0478-8777
Disponibilidade de dados
Todos os dados utilizados na pesquisa foram disponibilizados publicamente, e podem ser acessados por meio da plataforma Harvard Dataverse:
Siedschlag, Djeison; Augusto Junior, Roberto Gonçalves; Lana, Jeferson; Marcon, Rosilene, 2022, “Replication Data for: “Like, share and react: Twitter capture for research and corporate decisions” published by RAC-Revista de Administração Contemporânea”, Harvard Dataverse, V1. https://doi.org/10.7910/DVN/UZUJL3.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
17 Out 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
18 Jun 2024 -
Aceito
09 Jul 2025


















