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Caderneta de Saúde da Criança: experiências dos profissionais da atenção primária à saúde* * Extraído da dissertação "Vivências dos profissionais da atenção primária à saúde com a caderneta de saúde da criança", Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais, 2011

Resumos

Objetivo: Compreender as experiências vividas por profissionais de saúde da atenção primária com a Caderneta de Saúde da Criança no cuidado à saúde infantil. Método: Estudo qualitativo de abordagem fenomenológica do qual participaram enfermeiros e médicos de seis equipes de Saúde da Família de Belo Horizonte, MG. Foram realizadas 12 entrevistas não diretivas, guiadas por duas questões norteadoras. Resultados: A análise compreensiva das falas possibilitou a construção de três categorias que sinalizam as experiências vividas pelos profissionais com a caderneta. As experiências revelaram dificuldades que são derivadas das limitações de conhecimento sobre o instrumento; da não complementaridade na caderneta das ações de diversos profissionais que assistem a criança; dos enfrentamentos cotidianos do processo e da organização do trabalho das equipes; do desinteresse das famílias com o instrumento. Conclusão: A pesquisa aponta caminhos possíveis e necessários para melhorar a utilização da caderneta como instrumento de vigilância integral à saúde da criança.

Saúde da criança; Estratégia Saúde da Família; Assistência Integral à Saúde; Atenção Primária à Saúde; Enfermagem de Atenção Primária


Objective: Understanding the experiences of health professionals in primary care with the Child Health Booklet in child health care. Method: A qualitative study with a phenomenological approach, in which participated nurses and doctors from six teams of the Family Health Strategy (FHS) in Belo Horizonte, MG. In total, were carried out 12 non-directive interviews, using two guiding questions. Results: A comprehensive analysis of the speeches enabled the construction of three categories that signal the experiences of the professionals with the booklet. The experiments revealed difficulties arising from the limitations of knowledge about the instrument; incomplete filling out of the booklet by many professionals that care for children; the daily confrontations of the process and the organization of work teams; disinterest of families with the instrument. Conclusion: The research points possible and necessary ways to improve the use of booklets as an instrument of full child health surveillance.

Child health; Family Health Strategy; Comprehensive Health Care; Primary Health Care; Primary Care Nursing


Objetivo: Comprender las experiencias vividas por los profesionales de salud de la atención primaria con la Libreta de Salud del Niño en el cuidado a la salud infantil. Método: Estudio cualitativo de abordaje fenomenológico del que participaron enfermeros y médicos de seis equipos de Salud de la Familia de Belo Horizonte, MG. Fueron realizadas 12 entrevistas no directivas, guiadas por dos preguntas orientadoras. Resultados: El análisis comprensivo de las charlas posibilitó la construcción de tres categorías que señalan las experiencias vividas por los profesionales con la libreta. Las experiencias revelaron dificultades que se derivan de las limitaciones de conocimiento acerca del instrumento; el hecho de no rellenar en la libreta las acciones de los distintos profesionales que asisten al niño; los enfrentamientos cuotidianos del proceso y la organización del trabajo de los equipos; y el desinterés de las familias con el instrumento. Conclusión: La investigación apunta caminos posibles y necesarios para mejorar la utilización de la libreta como instrumento de vigilancia integral a la salud del niño.

Salud del niño; Estrategia de Salud Familiar; Atención Integral de Salud; Atención Primaria de Salud; Enfermería de Atención Primaria


Introdução

A implantação do Programa de Assistência Integral à Saúde da Criança (PAISC), na década de 1980, foi o marco inicial na luta para melhoria das desfavoráveis condições de saúde da população infantil brasileira. Como proposta de unificar as ações básicas de saúde determinadas pelo programa, entre elas o diagnóstico presumível da desnutrição energético-proteica e o acompanhamento do calendário vacinal de crianças até os cinco anos de idade, foi lançado o cartão da criança, que deveria atuar como instrumento de conscientização, abrindo espaço para a participação da família na promoção da saúde infantil. Esse instrumento vem sendo aprimorado ao longo dos anos com o objetivo de integrar as diversas ações de promoção da saúde da criança, com a monitorização do crescimento e desenvolvimento, ação eixo da atenção primária(101 Alves CRL, Lasmar LMLBF, Goulart LMHF, Alvim CG, Maciel GVR, Viana RMA, et al. Qualidade do preenchimento da Caderneta de Saúde da Criança e fatores associados. Cad Saúde Pública. 2009; 25(3):583-95-202 Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Políticas de Saúde, Departamento de Atenção Básica. Saúde da Criança: acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil. Brasília; 2002).

Em 2005, com a aprovação da Resolução do MERCOSUL pelo Ministério da Saúde (MS), na qual os países-membros pactuaram informações básicas comuns para instrumentos de acompanhamento da saúde infantil, o cartão da criança foi revisado, resultando na Caderneta de Saúde da Criança (CSC)(303 Brasil. Ministério da Saúde; Agência Nacional de Saúde. Protocolo de Intenções celebrado entre o Ministério da Saúde e Entidades Representantes das Operadoras de Planos de Saúde e Prestadores de Serviço de Saúde ,da Saúde Suplementar. Fixa condições de cooperação mútua com o fim de propiciar a qualificação da atenção obstétrica e neonatal e a implantação da “Caderneta de Saúde da Criança” como instrumento de vigilância a saúde infantil, no país. Brasília; 2005). A caderneta não apenas modificou os conteúdos do cartão da criança, como também trouxe uma nova concepção desse tipo de instrumento. A vigilância já não ficava centrada apenas na condição nutricional e vacinal da criança. A caderneta surge no cenário da atenção à saúde da criança como instrumento de vigilância integral à saúde(404 Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas, Área Técnica da Saúde da Criança e Aleitamento Materno. Manual para utilização da Caderneta de Saúde da Criança. Brasília; 2005).

Assim, na CSC, além das informações contidas no cartão da criança, foram incluídos dados sobre a gravidez, o parto e o puerpério; informações sobre o recém-nascido; acompanhamento da saúde bucal, ocular e auditiva; acompanhamento das intercorrências clínicas e tratamentos efetuados; orientações de saúde relacionadas à prevenção de acidentes, violência e desenvolvimento saudável; alimentação; gráfico de perímetro cefálico para a idade; acompanhamento do desenvolvimento até os três anos; e acompanhamento da suplementação profilática de ferro e vitamina A. Em 2007 o instrumento foi reformulado para incluir as novas curvas de crescimento desenvolvidas pela Organização Mndial da Saúde, curvas de acompanhamento do crescimento do peso e altura até os dez anos de idade e curva do perímetro cefálico até os dois anos. O conteúdo foi diversificado, acrescentando-se mais itens além do conteúdo da versão anterior(505 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas, Área Técnica de Saúde da Criança e Aleitamento Materno. Caderneta de Saúde da Criança: passaporte da cidadania. Brasília; 2006).

Em 2009, foi lançada nova versão da CSC, com alterações importantes, dividida em duas partes: a primeira para uso do cuidador; e a segunda, para uso dos profissionais de saúde. Dados como gráfico de índice de massa corporal para a idade, instrumento de vigilância do desenvolvimento, orientação para situações especiais de acompanhamento de crianças com síndrome de Down e autismo foram incluídos na caderneta(606 Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas, Área Técnica de Saúde da Criança e Aleitamento Materno. Caderneta de Saúde da Criança. Brasília; 2009).

Desta forma, a CSC inclui-se como estratégia privilegiada nas políticas de redução da morbimortalidade infantil por estar ancorada em ações de acompanhamento e promoção da saúde. Além disso, configura-se como instrumento essencial de vigilância especialmente por pertencer à criança e à família e com elas transitar por diferentes serviços e níveis de atenção(101 Alves CRL, Lasmar LMLBF, Goulart LMHF, Alvim CG, Maciel GVR, Viana RMA, et al. Qualidade do preenchimento da Caderneta de Saúde da Criança e fatores associados. Cad Saúde Pública. 2009; 25(3):583-95,707 Goulart LMHF, Alves CRL, Viana MRA, Moulin ZS, Carmo GAA, Costa JGD, et al. Caderneta de Saúde da Criança: avaliação do preenchimento dos dados sobre gravidez, parto e recém-nascido. Rev Paul Pediatr. 2008;26 (2):106-12).

Apesar disso, durante as atividades direcionadas ao cuidado à saúde da criança, como enfermeiras e como docentes, percebeu-se que os registros na CSC eram precários: informações anotadas de maneira incorreta, incompletas e, até mesmo, a ausência de registros. Com isso, houve dificuldades em proceder à avaliação de eventos significativos para a saúde da criança, uma vez que faltavam alicerces para tecer parâmetros de sua evolução. Tal fato poderia comprometer a qualidade da assistência à criança e o alcance dos objetivos do acompanhamento de seu crescimento e de seu desenvolvimento.

Ademais, os estudos com o cartão da criança e com a CSC, na sua maioria, buscam avaliar as condições do preenchimento desses instrumentos e, de maneira geral, identificam falhas consideráveis na sua utilização. Estudos têm mostrado as falhas no uso do cartão da criança, que envolve falta de preenchimento em proporções elevadas(808 Frota MA, Pordeus AMJ, Forte LB, Luiza JES. Acompanhamento antropométrico de crianças: o ideal e o realizado. Rev Baiana Saúde Pública. 2007;31(2):212-22

09 Ratis CAS, Batista Filho M. Aspectos estruturais e processuais da vigilância do crescimento de menores de cinco anos em serviços públicos de saúde do Estado de Pernambuco. Rev Bras Epidemiol. 2004;7(1):44-53
-1010 Vieira GO, Vieira TO, Costa COM, Santana Netto PV, Cabral VA. Uso do cartão da criança em Feira de Santana, Bahia. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2005;30(1):177-84).

Em Belo Horizonte, Minas Gerais, estudo que propôs avaliar o preenchimento dos dados sobre gravidez, parto e recém-nascido na CSC mostrou falhas importantes no preenchimento do instrumento(707 Goulart LMHF, Alves CRL, Viana MRA, Moulin ZS, Carmo GAA, Costa JGD, et al. Caderneta de Saúde da Criança: avaliação do preenchimento dos dados sobre gravidez, parto e recém-nascido. Rev Paul Pediatr. 2008;26 (2):106-12). Outro estudo realizado no mesmo município considerou insatisfatório o percentual de preenchimento das curvas de crescimento, perímetro cefálico e dos dados de desenvolvimento nas CSC(101 Alves CRL, Lasmar LMLBF, Goulart LMHF, Alvim CG, Maciel GVR, Viana RMA, et al. Qualidade do preenchimento da Caderneta de Saúde da Criança e fatores associados. Cad Saúde Pública. 2009; 25(3):583-95).

Diante desses problemas, surgiram algumas indagações sobre a relação do profissional de saúde com a caderneta para a atenção à saúde da criança: como os profissionais vivenciam e trabalham a caderneta na atenção à saúde da criança? O que contribui para o profissional não utilizar esse instrumento ou utilizar de maneira incorreta e incompleta? O que significam, para ele, as informações e os registros desse documento? Assim sendo, este estudo teve como objetivo compreender as experiências vividas por profissionais de saúde da atenção primária com a caderneta de saúde da criança para o cuidado à saúde infantil.

Método

O objetivo desta investigação, como delimitado, não poderia ser compreendido em uma visão positivista e determinista. O caminho se abriria para uma investigação dedicada aos significados, vivências, experiências e, para isso, a abordagem qualitativa foi o caminho escolhido(1111 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 11ª ed. São Paulo: Hucitec; 2008). Para o caminho metodológico desta investigação científica foi adotado os pressupostos da fenomenologia apresentados por Martins e Bicudo(1212 Martins J, Bicudo MAV. A pesquisa qualitativa em psicologia: fundamentos e recursos básicos. 5ª ed. São Paulo: Centauro; 2005). Pretendia-se, assim, adentrar no vivido, na experiência, no mundo-vida dos profissionais de saúde, no tocante aos significados de suas vivências com a utilização da caderneta de saúde para o cuidado à criança. A escolha pela abordagem fenomenológica pautou-se, então, pela necessidade de compreender a essência de uma experiência concreta, vivida intencionalmente pelos sujeitos.

O estudo foi realizado em dois centros de saúde da Prefeitura de Belo Horizonte, Minas Gerais, no período de setembro a novembro de 2010. Os sujeitos foram médicos e enfermeiros pertencentes às seis Equipes de Saúde da Família (ESF) dos centros de saúde do estudo e os pediatras que compõem a equipe de apoio. Como critérios de inclusão os sujeitos deveriam ter, no mínimo, seis meses de atuação nas equipes e prestar atendimento à criança em seu cotidiano de trabalho nos centros de saúde. Para a coleta de dados utilizou-se entrevista aberta norteada pelas seguintes questões: Conte para nós como é sua experiência com a caderneta na atenção à saúde da criança? Como é, para você, o preenchimento da caderneta? Os sujeitos, antes de serem entrevistados, foram informados acerca da pesquisa, seus objetivos e forma de participação. Após esclarecimentos, foram convidados a participar da pesquisa e, caso aceitassem, forneciam o seu consentimento por escrito, atendendo, assim, às formalidades estabelecidas pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que trata de pesquisas envolvendo seres humanos(1313 Brasil. Ministério da Saúde; Conselho Nacional de Saúde. Resolução n.196, de 10 de outubro de 1996. Dispõe sobre diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Bioética. 1996;4(4 Supl. ):15-25).

Como recurso metodológico, utilizou-se o gravador, que permitiu registrar os depoimentos na íntegra. As entrevistas foram transcritas na sua totalidade e foram interrompidas quando os conteúdos se tornaram repetitivos, sinalizando desocultamento do fenômeno, totalizando, assim, 12 entrevistas.

Os trechos dos discursos dos profissionais são identificados da seguinte forma, primeiro pela categoria profissional – Enf. ESF (Enfermeiro da Equipe de Saúde da Família), Med. ESF (Médico da Equipe de Saúde da Família) e Ped. Apoio ESF (Pediatra de Apoio das Equipes de Saúde da Família e, em seguida, o número que corresponde à ordem de realização da entrevista.

As descrições obtidas por meio das entrevistas foram analisadas com fundamento em autores(1212 Martins J, Bicudo MAV. A pesquisa qualitativa em psicologia: fundamentos e recursos básicos. 5ª ed. São Paulo: Centauro; 2005) que definem como proceder à análise compreensiva dos discursos dos sujeitos de uma pesquisa, do ponto de vista da metodologia qualitativa, abordagem fenomenológica. Primeiramente, tomaram-se os discursos dos sujeitos de forma atenta e por meio da leitura vertical apreendeu-se o sentido do todo sem buscar interpretação; feito isso, procedeu-se à leitura horizontal com o intuito de identificar as unidades de significado, presentes nas falas dos sujeitos, momento chamado de redução fenomenológica. De posse das unidades de significado, elas foram transformadas em uma linguagem articulada, mais elaborada, porém fiel às ideias subjacentes dos profissionais. Pela convergência das unidades de significado, chegou-se aos temas de análise que, novamente pela redução fenomenológica, desvelaram as categorias analíticas (essência do fenômeno), as quais foram interpretadas. São elas: 1) a caderneta de saúde da criança na experiência do profissional; 2) os desafios em utilizar a CSC: dificuldades vivenciadas no mundo profissional; 3) como o profissional percebe o envolvimento da mãe e da família com a CSC.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Prefeitura de Belo Horizonte e do Comitê da UFMG (Parecer nº 0008.0.410.203-10).

Resultados

A caderneta de saúde da criança na experiência do profissional

Nesta categoria os profissionais do estudo revelaram suas concepções sobre a finalidade da caderneta em suas práticas de atenção à saúde da criança.

A compreensão da CSC como um meio de acompanhar o crescimento da criança e a situação vacinal foi a única presente no discurso de todos os profissionais e, ainda, para alguns, esse entendimento se revela como sendo o único valor da caderneta em suas práticas de saúde com a criança:

(...) eu que sou profissional eu vou nas vacinas e nos gráficos. O que seria pra mim aqui de valor [na CSC] seria essa parte do calendário de vacina e o gráfico (...) (Enf. ESF 1).

A vigilância do crescimento e da vacinação é uma das principais demandas na atenção à saúde da criança, prestada na rede de atenção primária à saúde. Essas falas são preocupantes, não apenas por entender que as vivências dos profissionais com a caderneta na atenção à saúde da criança estão limitadas aos dados do crescimento e da vacinação, mas também por sugerir que a atenção à saúde da criança permanece concentrada nessas ações.

Apesar do acompanhamento do desenvolvimento por meio da caderneta ter sido revelado nas experiências dos profissionais, chama a atenção o fato de apenas três terem mencionado, em suas descrições, a caderneta como um instrumento para esse fim.

Apreendeu-se, ainda, que os profissionais consideram que a caderneta contribui no processo de produção do cuidado durante o atendimento à criança, por meio das informações presentes em seu conteúdo:

(...) para o profissional também, pra nós atentarmos pra alguns dados que, muitas vezes, podem passar batidos que saem do cuidado cotidiano que nós atentamos (...) (Med. ESF 5).

Nessa perspectiva, a caderneta contribui para intervir na saúde da criança pela abrangência de sua proposta, deslocando o foco dos aspectos apenas biológicos e curativos e operando ações preventivas e promocionais que indicam o compromisso de se prover qualidade de vida para a criança.

Outro ponto levantado pelos participantes desta pesquisa é a importância da caderneta como instrumento para dialogar com a mãe sobre as condições da saúde da criança:

(...) eu uso [a CSC] pra mostrar à mãe como que tá ali o gráfico, (...) mostro pras mães como que está o desenvolvimento físico da criança, qual faixa que é ideal a criança ficar, mostro pra elas terem uma noção se tá bem, se não tá, como que tá (...) (Enf. ESF 2).

Assim, o diálogo sobre as condições de saúde da criança, por meio de informações geradas na caderneta, no encontro entre profissional, criança e família é vivenciado como ação desejada e buscada pelos profissionais investigados.

No momento em que os profissionais problematizaram as próprias práticas em relação à CSC, reconheceram que não utilizam o instrumento em todas as suas possibilidades, por valorizarem apenas os dados relacionados à antropometria, por não registrarem as informações ou por não utilizarem a caderneta em todos os atendimentos à criança:

(...) Mas eu mesmo, às vezes, tendo a desvalorizá-la por focar simplesmente na antropometria e deixo às vezes de lançar mão de outras informações da CSC (...) (Med. ESF 5).

Os desafios em utilizar a CSC: dificuldades vivenciadas no mundo profissional

A elaboração da CSC para a assistência à saúde infantil trouxe mudanças operacionais, na concepção, no conteúdo e na forma do instrumento(707 Goulart LMHF, Alves CRL, Viana MRA, Moulin ZS, Carmo GAA, Costa JGD, et al. Caderneta de Saúde da Criança: avaliação do preenchimento dos dados sobre gravidez, parto e recém-nascido. Rev Paul Pediatr. 2008;26 (2):106-12). Entre elas, os profissionais e a família passaram a contar com um conjunto de dados e informações em um único instrumento, nos contornos da vigilância, prevenção e promoção da saúde, muitos, até então, pouco discutidos e trabalhados nos espaços de produção dos cuidados primários à saúde da criança.

Contudo, os participantes desta investigação vivenciam, em seu cotidiano de trabalho na atenção à saúde da criança, dificuldades com as novas concepções trazidas pela caderneta:

(...) pra falar a verdade eu não sei nesse caso dos gráficos, que é o que eu uso, eu não sei ainda sobre esses percentis [refere-se ao escore z], não sei mesmo (...) (Enf. ESF 1).

Alguns participantes do estudo não sabem ao certo como trabalhar as diversas informações disponíveis no instrumento e não identificam sentido para seu conteúdo; apresentam dificuldades para manusear a caderneta, não sabem trabalhar com os novos conceitos incorporados, como as curvas de referência representadas em escores z e o gráfico de índice de massa corporal, e também desconhecem o conteúdo do instrumento.

Os profissionais da investigação sentem-se sobrecarregados em função das tarefas burocráticas na gestão do trabalho nas ESF, da produtividade exigida, da demanda gerada no serviço, situações que, segundo eles, comprometem a adesão à caderneta em sua totalidade no cuidado à saúde da criança:

(...) Tem que ter um tempo pra ler, pra explicar à mãe. Que é a disponibilidade que a gente não tem, o que mais demanda isso aqui [CSC] é tempo pra você utilizar, né, essa caderneta desse tamanho (...) (Enf. ESF 8).

Outro ponto apreendido nos discursos dos profissionais são algumas experiências vivenciadas em decorrência da indisponibilidade da CSC no serviço de saúde. Eles sentem dificuldade em realizar algumas ações de saúde, pois não possuem outros materiais de apoio, convivem com a cobrança e decepção de mães cujo filho não recebeu a caderneta:

(...) o que eu acho muito triste é, por exemplo, o Ministério lançou aquela caderneta, foi ótimo, daí a pouco ele parou e ficou um espaço enorme e chegou outra, né, então, você tem um instrumento picado (...) (Ped. Apoio ESF 10).

As vivências dos profissionais colocam em cena que as ações com a CSC, nas Equipes de Saúde da Família, cenário do estudo, são fragmentadas, sem complementaridade das ações de cada profissional da equipe:

(...) Mas não é um hábito ainda dos profissionais em estar utilizando esse instrumento. Não se incorporou à rotina ainda de todos os profissionais daqui (...) (Enf. ESF 3).

(...) é muito importante você avaliar e marcar, só que tinha que ter uma sequência que muitas vezes a gente não vê no centro de saúde por falta de algum profissional anterior não ter marcado, então, perde o significado pra gente, profissional, e para os pais (...) (Med. ESF 11).

Além do desencontro das ações entre os profissionais das equipes na CSC, os participantes revelam a não participação dos profissionais de diferentes instituições, como maternidades, hospitais e serviços de pronto atendimento:

(...) Quando é criança que passa por um atendimento numa clínica particular, fica internada, por exemplo, ou na UPA lá eles não anotam (...) (Med. ESF 4).

(...) Às vezes, a gente pega caderneta bem sem informações nenhuma do nascimento do bebê. Quando a gente tem acesso, a gente preenche o que dá pra preencher (...) (Enf. ESF 8).

Como o profissional percebe o envolvimento da mãe e da família com a CSC

Os participantes destacam, de modo significativo, como a CSC possibilita o entendimento das mães sobre alguns aspectos da saúde de seus filhos. Eles percebem que o instrumento possibilita à mãe visualizar e acompanhar o crescimento e o desenvolvimento da criança por meio dos gráficos e marcos do desenvolvimento presentes:

(...) a caderneta é muito importante pra mostrar pra mãe como é que está sendo o desenvolvimento da criança, mostrar a curva. Ela fala que o leite não está sendo bom, aí eu mostro pra ela: não, olha aqui como é que está o peso do seu neném, como é que está crescendo; às vezes, a caderneta é a única maneira de convencer a mãe a continuar amamentando, quando elas enxergam na caderneta, elas se tranquilizam (...) (Med. ESF 4).

Assim, as ações propostas na CSC se constroem em oportunidades para trocar e articular conhecimentos sobre as condições de saúde e de vida da criança. São oportunidades que surgem no encontro e no compromisso de profissionais, serviços, crianças, mães e família.

Os entrevistados revelam que vivenciam o desinteresse da mãe e da família com a CSC, retratado como esquecimento e perda do instrumento e consequente dificuldade para o profissional prosseguir com as ações de vigilância à saúde da criança em determinadas situações, além do desinteresse dos pais pelo conteúdo do instrumento e identificação da CSC apenas como cartão de vacina:

(...) o pai e a mãe que eu percebo, eles só usam a parte da vacina. Pra eles, isso aqui [CSC] não fez muita diferença do que era aquele cartão antigo (...) (Enf. ESF 1).

(...) tem o fato de mães que esquecem, tratam de qualquer maneira [a CSC] (...) (Med. ESF 4).

No entanto, os profissionais revelaram que não sensibilizam as mães para a importância da caderneta e entendem que essa atitude dificulta a valorização do instrumento pela família:

(...) a partir do momento que eu, como profissional, não me entusiasmei com isso aqui [CSC] eu não vou conseguir entusiasmar uma mãe, um pai (...) (Enf. ESF 1).

Por outro lado, os significados das vivências dos profissionais mostram não somente o desinteresse e a desinformação das mães em relação à CSC, mas permitem visualizar o estabelecimento de vínculo da mãe com o instrumento para a atenção à saúde do filho. Os profissionais percebem que algumas mães se apropriam do instrumento quando exigem os dados anotados na caderneta, acompanham as anotações realizadas pelos profissionais e conversam com os profissionais assuntos relacionados aos temas da caderneta:

(...) tem mãe que você vê que chega com ela encapadinha, ela anota tudo, faz questão das anotações do peso, lê, pergunta, se o bebê não está com aquelas habilidades elas perguntam o que será? (...) (Ped. ESF 10).

Percebeu-se, com isso, que os materiais produzidos voltados para a atenção à saúde da criança, em especial a CSC, podem contribuir com mudanças nos cuidados à saúde infantil, desde que seus significados sejam apreendidos por profissionais, mães e famílias.

Profissionais e famílias devem ser parceiros igualmente responsáveis pela busca de estratégias que visem a incorporar comportamentos e atitudes que se definem como de corresponsabilidade. Nesse contexto, para que ocorra a vigilância integral à saúde da criança por meio da CSC, a corresponsabilização de famílias e profissionais faz-se importante e necessária.

Discussão

A partir dos aspectos essenciais emergidos, foi possível compreender que a percepção dos profissionais em relação à CSC está intimamente relacionada e limitada às ações de vigilância do crescimento e da vacinação. O MS, na perspectiva da atenção integral à saúde da criança, propõe, como estratégia, 13 linhas de cuidado como eixos da assistência, que devem constar para o funcionamento adequado dos serviços e de toda a rede de ações de saúde da criança(1414 Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Agenda de compromissos para a saúde integral da criança e redução da mortalidade infantil. Brasília; 2004). A maioria das ações descritas nas 13 linhas de cuidado está contemplada ao longo da caderneta, tanto com informações e orientações para profissionais e cuidadores quanto para o acompanhamento e a vigilância por meio de registros. Sendo assim, sua adoção nas práticas de atenção à saúde da criança mostra-se como um suporte importante para o atendimento à saúde infantil no âmbito da integralidade do cuidado.

Outros significados da caderneta nas práticas de atenção à saúde da criança emergiram das falas dos profissionais, porém com menos força do que a vigilância do crescimento e vacinação, como a compreensão de que o instrumento amplia o campo de práticas do profissional com as ações que estão presentes em seu conteúdo, como instrumento de acesso às referências sobre as condições de nascimento da criança e para o acompanhamento do desenvolvimento mencionado apenas por três profissionais. Em estudo sobre o preenchimento da caderneta no município de Belo Horizonte, apenas 18,9% dos instrumentos apresentavam pelo menos três anotações sobre o desenvolvimento neuropsicomotor(101 Alves CRL, Lasmar LMLBF, Goulart LMHF, Alvim CG, Maciel GVR, Viana RMA, et al. Qualidade do preenchimento da Caderneta de Saúde da Criança e fatores associados. Cad Saúde Pública. 2009; 25(3):583-95).

Na atenção primária faltam instrumentos e esquema metodológico para o adequado acompanhamento do desenvolvimento infantil(1515 Vasconcelos EN, Silveira MFA, Eulálio MC, Medeiros PFV. A normatização do cuidar da criança menor de um ano: estudo dos significados atribuídos pelos profissionais do Programa Saúde da Família (PSF). Ciênc Saúde Coletiva. 2009;14(4):1225-34). O monitoramento sistemático do desenvolvimento infantil por meio de metodologias simples pode constituir um meio importante de detecção precoce de desvios e sua consequente prevenção(1616 Reichert APS, Vasconcelos MGL, Eickmann SH, Lima MC. Assessment of the implementation of an educational intervention on developmental surveillance with nurses. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(5):1049-56). A caderneta compreende atividades relacionadas à promoção do desenvolvimento normal e à detecção de problemas no desenvolvimento, permitindo a intervenção e o trabalho na linha da prevenção. Nesse sentido, potencializando o uso desse recurso, pode-se melhorar a atenção prestada em relação ao acompanhamento do desenvolvimento infantil.

O diálogo com a mãe e a família sobre as condições de saúde da criança a partir das informações geradas no instrumento é vivenciado como atitude desejada e buscada pelos profissionais do estudo. Esse aspecto reveste-se como fundamental no cuidado, pois compreende que cuidar da criança é sempre uma ação cooperativa e articulada entre profissionais, mãe e família(1717 Erdmann AL, Sousa FGM. Cuidando da criança na atenção básica de saúde: atitudes dos profissionais de saúde. Mundo Saúde. 2009;33(2): 150-60). Muitos materiais (cartazes, cartilhas, fôlderes e outros) voltados para a saúde são produzidos. No entanto, é preciso que sejam incorporados como ponto de partida para o desenvolvimento de um trabalho baseado em encontros eficazes entre profissionais de saúde e população, com a finalidade de debater os problemas levantados e encontrar soluções(1818 Francolli LA, Chiesa AM. A percepção das famílias sobre a cartilha “toda hora é hora de cuidar”. Mundo Saúde. 2010;34(1): 36-42).

Fragilidades foram evidenciadas nas vivências dos profissionais com a CSC. Os participantes mostraram que enfrentam dificuldades com as inovações e ampliações que ocorreram com o instrumento e consideram importantes e necessárias atualização e capacitação para os profissionais que trabalham em ESF. Alguns trabalhos já revelaram as dificuldades dos profissionais em compreender as curvas de crescimento e conceitos de referência e operar os instrumentos disponíveis(1919 Gopalan C, Chatterjee M. Use of growth charts for promoting child nutrition: a review of global experience. Nova Deli: Nutrition Foundation of India; 1985-2020 Onis M, Wijnhoven TMA, Onyango AW. Worldwide practices in child growth monitoring. J Pediatr. 2004;144(4):461-65).

Experiências vivenciadas em decorrência da indisponibilidade da CSC no serviço de saúde foram reveladas pelos profissionais, como a dificuldade em realizar algumas ações de saúde. Um dos maiores limitantes da Estratégia Saúde da Família é a ausência de ferramentas e estruturas mínimas para instrumentalizar o trabalho dos profissionais de saúde. Esse problema acarreta baixa resolutividade das unidades de saúde da família e gera descontentamento e insegurança de profissionais e mães(1515 Vasconcelos EN, Silveira MFA, Eulálio MC, Medeiros PFV. A normatização do cuidar da criança menor de um ano: estudo dos significados atribuídos pelos profissionais do Programa Saúde da Família (PSF). Ciênc Saúde Coletiva. 2009;14(4):1225-34,2121 Campos RMC, Ribeiro CA, Silva CV, Saparolli ECL. Nursing consultation in child care: the experience of nurses in the Family Health Strategy. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(3):566-74).

As vivências dos profissionais, aqui descritas, colocam em cena que o trabalho com a caderneta é fragmentado, sem a complementaridade das ações por parte de profissionais da mesma equipe e profissionais de diferentes instituições como maternidades, hospitais, clínicas particulares e serviços de pronto atendimento. Para que a CSC cumpra seu papel de instrumento de comunicação, vigilância e promoção da saúde infantil, é essencial sua utilização adequada por todos os profissionais, o que inclui, entre outras coisas, o registro correto e completo das informações(707 Goulart LMHF, Alves CRL, Viana MRA, Moulin ZS, Carmo GAA, Costa JGD, et al. Caderneta de Saúde da Criança: avaliação do preenchimento dos dados sobre gravidez, parto e recém-nascido. Rev Paul Pediatr. 2008;26 (2):106-12). A não utilização da caderneta por parte da equipe de saúde é injustificável e demonstra fraco vínculo dos profissionais com as ações básicas de saúde, medidas de comprovada eficácia(1010 Vieira GO, Vieira TO, Costa COM, Santana Netto PV, Cabral VA. Uso do cartão da criança em Feira de Santana, Bahia. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2005;30(1):177-84).

Sabe-se que o fenômeno do crescimento e desenvolvimento infantil é um processo contínuo e que a forma mais adequada e eficaz para seu acompanhamento é o registro periódico de todas as informações da história da saúde e desenvolvimento da criança(202 Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Políticas de Saúde, Departamento de Atenção Básica. Saúde da Criança: acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil. Brasília; 2002). A CSC evoluiu no sentido de proporcionar mais oportunidades de registros e informações e possibilitar que esse acompanhamento aconteça de forma articulada entre as ações de promoção, prevenção e vigilância à saúde.

Os dados sobre gravidez, parto e recém-nascido das cadernetas de crianças do município de Belo Horizonte, dados estes que devem ser gerados na maternidade, apresentaram falhas no preenchimento em todos os instrumentos, principalmente campos deixados em branco. Nas informações sobre gravidez, parto e puerpério, verificou-se precário preenchimento de todos os campos(707 Goulart LMHF, Alves CRL, Viana MRA, Moulin ZS, Carmo GAA, Costa JGD, et al. Caderneta de Saúde da Criança: avaliação do preenchimento dos dados sobre gravidez, parto e recém-nascido. Rev Paul Pediatr. 2008;26 (2):106-12). A importância das ações dos diversos profissionais de diferentes serviços na CSC traduz-se na possibilidade de que cada profissional possa articular sua ação com a de outros e com cada nível de atenção, configurando uma rede de saúde por onde caminham a criança e sua família.

Embora os registros devam ser efetuados por todos os profissionais e todos os cenários da atenção à saúde devam se responsabilizar pela verificação e preenchimento da CSC, é nas maternidades e nos serviços de atenção primária que o adequado manejo desse instrumento constitui-se em permanente desafio, por serem os locais onde grande parte das informações é gerada(101 Alves CRL, Lasmar LMLBF, Goulart LMHF, Alvim CG, Maciel GVR, Viana RMA, et al. Qualidade do preenchimento da Caderneta de Saúde da Criança e fatores associados. Cad Saúde Pública. 2009; 25(3):583-95).

Sobre as mães e as famílias, os profissionais percebem que conseguem acompanhar e visualizar o crescimento e desenvolvimento da criança e ampliar os saberes e práticas com o conteúdo do instrumento quando se apropriam da caderneta. Contudo, em suas vivências, o descuido e o desinteresse da família com a CSC fazem-se presença marcante. Corroborando algumas percepções dos participantes do estudo, pesquisadores avaliaram o conhecimento das mães sobre a função da CSC e identificaram que 45% das mães investigadas referem-se à caderneta como cartão de vacina e em torno de 10% delas acreditam que a CSC não serve para nada(707 Goulart LMHF, Alves CRL, Viana MRA, Moulin ZS, Carmo GAA, Costa JGD, et al. Caderneta de Saúde da Criança: avaliação do preenchimento dos dados sobre gravidez, parto e recém-nascido. Rev Paul Pediatr. 2008;26 (2):106-12).

Ainda nesse sentido, as falas dos profissionais deixam transparecer que a ação de sensibilizar e orientar a mãe para a relevância do instrumento não faz parte das suas práticas na atenção à saúde da criança. Alguns autores referem que, para a família valorizar e se apropriar da CSC, é essencial que compreenda a função desse instrumento no acompanhamento da saúde infantil. Para isso, os profissionais de saúde são os responsáveis pela sensibilização dos pais e pelo uso adequado do instrumento para que, com isso, a família perceba sua função(101 Alves CRL, Lasmar LMLBF, Goulart LMHF, Alvim CG, Maciel GVR, Viana RMA, et al. Qualidade do preenchimento da Caderneta de Saúde da Criança e fatores associados. Cad Saúde Pública. 2009; 25(3):583-95,1010 Vieira GO, Vieira TO, Costa COM, Santana Netto PV, Cabral VA. Uso do cartão da criança em Feira de Santana, Bahia. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2005;30(1):177-84). Alguns profissionais de saúde, médicos pediatras e enfermeiros consideram o cartão da criança uma fonte de registro e consulta para o profissional e que se perde tempo ao tentar que os pais saibam interpretá-lo(808 Frota MA, Pordeus AMJ, Forte LB, Luiza JES. Acompanhamento antropométrico de crianças: o ideal e o realizado. Rev Baiana Saúde Pública. 2007;31(2):212-22).

Conclusão

Os discursos de enfermeiros e médicos possibilitou-nos compreender como esses profissionais vêm interagindo com a CSC no desenvolvimento de suas práticas profissionais direcionadas para a atenção à saúde da criança. Este estudo permitiu identificar alguns significados da caderneta para os profissionais, como a compreensão de que o instrumento amplia o campo de práticas do profissional com as ações que estão presentes em seu conteúdo, e permite o diálogo com a mãe e a família sobre as condições de saúde da criança a partir das informações geradas no instrumento. No entanto, algumas dificuldades foram reveladas pelos sujeitos, como a limitação de conhecimento sobre o instrumento; a não complementaridade na caderneta das ações de diversos profissionais que assistem a criança; os enfrentamentos cotidianos do processo e da organização do trabalho das Equipes de Saúde da Família que dificultam a utilização da caderneta; o desinteresse e descuido das famílias com o instrumento.

Nesse sentido, torna-se necessário o investimento na formação e capacitação de profissionais de saúde para atuação nas ações básicas de vigilância à saúde da criança inscritas na caderneta. Recomenda-se que profissionais das ESF reflitam, de maneira conjunta, sobre necessidades que não estão muitas vezes visíveis, mas que são fundamentais para a promoção da saúde da criança, como a utilização da CSC. Recomenda-se, ainda, que os profissionais atuem com vistas a incentivar mães e famílias a se apropriarem da CSC para a atenção à saúde de seus filhos, para que profissionais, serviços e famílias possam ser parceiros igualmente responsáveis na efetivação da caderneta na vigilância à saúde integral da criança.

Acredita-se que algumas lacunas no conhecimento referente à vivência e à experiência dos profissionais de saúde com a caderneta para a atenção à saúde da criança foram preenchidas com este estudo. São necessárias novas pesquisas sobre a caderneta de saúde da criança com profissionais e famílias, na tentativa de compreender como o instrumento tem contribuído verdadeiramente para uma assistência de melhor qualidade à criança, buscando orientações para melhorar o seu uso e as práticas de vigilância à saúde infantil.

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    Extraído da dissertação "Vivências dos profissionais da atenção primária à saúde com a caderneta de saúde da criança", Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais, 2011
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    Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superiror (CAPES)

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out 2014

Histórico

  • Recebido
    06 Mar 2013
  • Aceito
    03 Ago 2014
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