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Pejotização e as implicações para o trabalho de enfermagem no Brasil: repercussões do neoliberalismo

RESUMO

Objetivo:

Analisar a pejotização no contexto do trabalho de enfermagem e as respectivas implicações para proteção e saúde desses profissionais.

Método:

estudo documental, que teve como fonte de coleta de dados notícias, resoluções e recomendações veiculadas pelo Conselho Federal de Enfermagem e pelos Conselhos Regionais de Enfermagem e submetidas à análise lexical, a partir do processamento dos dados pelo software Iramuteq.

Resultados:

Captaram-se seis notícias para análise. A análise de similitude foi construída com 40 formas ativas e geraram-se seis núcleos de discussão, sendo os léxicos mais expressivos em cada um destes: terceirização, econômico, pejotização, deputado, Conselho Federal de Enfermagem, Projeto de Lei.

Conclusão:

Na busca por incremento do capital no ideário neoliberal, produzem-se estratégias que colocam em risco a saúde e a segurança de trabalhadores e usuários. Existe perda de direitos trabalhistas, por meio da pejotização, negando-se ao trabalhador conquistas laborais consolidadas, como 13º salário, férias remuneradas, licença por adoecimento e, sobretudo, geram-se inseguranças em relação ao futuro, com poucas garantias, ocasionando impactos negativos na saúde desses trabalhadores.

DESCRITORES
Enfermagem; Saúde Ocupacional; Condições de trabalho; Jornada de trabalho

ABSTRACT

Objective:

To analyze pejotização in the context of nursing work and the respective implications for the protection and health of these professionals.

Method:

Documentary study, which had news, resolutions, and recommendations issued by the Federal Nursing Council and the Regional Nursing Councils as data collection source, which underwent lexical analysis, based on data processing using the software Iramuteq.

Results:

Six news items were captured for analysis. The similitude analysis was built with 40 active forms and six discussion centers were generated, with the most expressive lexicons in each of these being outsourcing, economic, pejotização, deputy, Federal Nursing Council, Bill of Law.

Conclusion:

In the quest to increase capital based on neoliberal ideas, strategies are produced that put the workers’ and users’ health and safety at risk. Pejotização leads to loss of labor rights, as it deprives the worker of consolidated labor achievements, such as the 13th salary, paid vacations, sick leave and, above all, insecurities are generated in relation to the future, with few guarantees, causing negative impacts on these workers’ health.

DESCRIPTORS
Nursing; Occupational Health; Working Conditions; Work Hours

RESUMEN

Objetivo:

Analizar la pejotização en el contexto del trabajo de enfermería y las respectivas implicaciones para la protección y la salud de estos profesionales.

Método:

Estudio documental, que tuvo como fuente de recolección de datos noticias, resoluciones y recomendaciones emitidas por el Consejo Federal de Enfermería y los Consejos Regionales de Enfermería y sometidos a análisis del léxico, a partir del procesamiento de datos utilizando el software Iramuteq.

Resultados:

Se capturaron seis noticias para análisis. El análisis de similitud se construyó con 40 formas activas y se generaron seis núcleos de discusión, con los léxicos más expresivos en cada uno de estos siendo terceirización, económico, pejotização, diputado, Consejo Federal de Enfermería, Proyecto de Ley.

Conclusión:

En la búsqueda por aumentar el capital y las ideas neoliberales se producen estrategias que ponen en riesgo la salud y seguridad de los trabajadores y usuarios. Se pierden los derechos laborales, a través de la pejotização, negándose al trabajador conquistas laborales consolidadas, como el salario 13, vacaciones pagadas, bajas por enfermedad y, sobre todo, se generan inseguridades en relación al futuro, con pocas garantías, provocando impactos negativos. sobre la salud de estos trabajadores.

DESCRIPTORES
Enfermería; Salud Laboral; Condiciones de Trabajo; Horas de Trabajo

INTRODUÇÃO

O neoliberalismo no Brasil vem se intensificando desde 2015 e está associado a uma narrativa alicerçada na defesa do crescimento e desenvolvimento econômico, bem como do aumento de postos de trabalho. Entretanto, o que se observa como resultado da agenda radical neoliberal implementada é a flexibilização das relações trabalhistas pautada na minoração de direitos dos trabalhadores, que se materializou, entre outros expedientes, por meio da reforma trabalhista(1)1. Krein JD, Colombi APF. Labor law reform in focus: deconstruction of social protection in times of authoritarian neoliberalism. Educ Soc. 2019;40:e0223441. doi: http://dx.doi.org/10.1590/es0101-73302019223441.
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, do aumento da recessão econômica e do desemprego no país.

Na ótica neoliberal, o Estado não participa das relações de emprego, ficando para as partes, empregador e empregado, a ­responsabilidade de celebrar os contratos de trabalho(2)2. Teixeira WA. A pejotização na prestação dos serviços públicos de saúde da administração pública brasileira. Rev Dir Adm Gestão Pub. 2016;2(1):184–203. doi: http://dx.doi.org/10.21902/2526-0073/2016.v2i1.658.
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. Essas medidas são restritivas de direitos e advêm das alterações na legislação que redirecionam a ação do Estado e têm como meta principal a proteção do capital em detrimento do trabalhador brasileiro. Algumas dessas medidas encontram-se na Lei 13.467/2017, que modificou aproximadamente 201 artigos da CLT, e na Lei 13.429/2017(33. Brasil. Ministério do Trabalho. Lei nº 13.429/2017, de 31 de março de 2017. Altera dispositivos da Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974, que dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas e dá outras providências; e dispõe sobre as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros [Internet]. Diário Oficial da União; Brasília; 2017 [cited 2022 Aug 22]. Available from: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13429.htm
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4. Brasil. Ministério do Trabalho. Lei nº 13.467/2017, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho [Internet]. Diário Oficial da União; Brasília; 2017 [cited 2022 Aug 22]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm
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-55. Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília (DF): Senado Federal; 1988. ), ampliando as possibilidades de terceirização e dos contratos temporários.

Sob essa perspectiva, vem sendo observada perda gradativa de direitos sociais e trabalhistas, uma vez que essas leis são infraconstitucionais e contrapõem-se aos princípios da Constituição de 1988 (CF), denominada Constituição Cidadã, que no art. 7o resguarda os direitos fundamentais do povo brasileiro.

Cabe analisar que o ponto de inflexão ocorreu na desconstrução de direitos sociais. A sustentabilidade dessas ações aconteceu sob três aspectos: flexibilização da relação de emprego; enfraquecimento do poder sindical e das instituições públicas; e individualização dos riscos laborais. Houve inversão da lógica protetiva do Estado, trazendo à tona a lógica do empreendedorismo, que abandona o trabalhador à própria sorte, e da manutenção do emprego a qualquer custo, em detrimento da proteção do trabalhador e do salário dele(1)1. Krein JD, Colombi APF. Labor law reform in focus: deconstruction of social protection in times of authoritarian neoliberalism. Educ Soc. 2019;40:e0223441. doi: http://dx.doi.org/10.1590/es0101-73302019223441.
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.

À luz da reforma trabalhista, Lei nº 13.467/2017, a pejotização ou PJ é um instituto que se apresenta pela contratação de trabalhador, pessoa física ou jurídica. Ou seja, o empregador contrata o empregado como pessoa jurídica. Desta forma, o vínculo jurídico passa a ser regido pelo Direito Civil, descaracterizando a relação trabalhista(2)2. Teixeira WA. A pejotização na prestação dos serviços públicos de saúde da administração pública brasileira. Rev Dir Adm Gestão Pub. 2016;2(1):184–203. doi: http://dx.doi.org/10.21902/2526-0073/2016.v2i1.658.
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. Nessa lógica, o que tem acontecido é que as empresas demitem os empregados contratados pelo regime celetista e substituem por pessoas jurídicas que, muitas vezes, são representadas por uma única pessoa. Pode-se considerar uma forma de ludibriar a legislação protetiva do trabalhador e das relações de emprego.

Na área da saúde, a pejotização é bastante utilizada para o provimento de profissionais médicos, justificada pelos altos salários de mercado para essa categoria profissional. Entretanto, atualmente, vem sendo usada como alternativa para contratação de outros profissionais da saúde(6)6. Detrez PMC, Coelho LA. A pejotização na área médica: análise, implicações e consequências. REASE. 2022;8(5):2418–31. doi: http://dx.doi.org/10.51891/rease.v8i5.5685.
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, como os de enfermagem, tendo como justificativa a contratação de pessoal por um período ‘temporário’, por meio da licitação de empresas terceirizadas, ou ainda, pela modalidade de contratação de pessoa jurídica (pejotização)(7)7. Tourinho R. The “legal-personization” as a precarization of employer relationship and its improper use by public administration in health servisse provision. Rev Dir Adm Infra. 2021;5(18):71–96. doi: http://dx.doi.org/10.48143/rdai.18.rt.
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.

Logo, observa-se que essa nova lógica, além de ferir o princípio constitucional do não retrocesso social, restringe os direitos dos trabalhadores assegurados há décadas pela Constituição, pelos princípios de direito do trabalho e tratados e convenções internacionais relacionados ao direito dos trabalhadores. Nesta esteira, o artigo em questão objetivou analisar a pejotização no contexto do trabalho de enfermagem e as respectivas implicações para proteção e saúde desses profissionais.

MÉTODO

Desenho e Campo do Estudo

Trata-se de estudo documental, que teve como fonte de coleta de dados notícias, resoluções e recomendações veiculadas pelo Conselho Federal de Enfermagem (COFEn) e pelos Conselhos Regionais de Enfermagem (COREn). Os estudos documentais permitem análise aprofundada das informações brutas ao selecionar, tratar e interpretar dados dispersos em materiais escritos, atribuindo-lhes o devido valor como fonte de pesquisa norteada por um objetivo(8)8. Brasil CSD, Cunha IC. Metodologia para iniciação científica à prática da pesquisa e da extensão II: caderno pedagógico. Florianópolis: Diretoria de Imprensa Oficial e Editora de Santa Catarina; 2012..

Coleta de Dados

Ocorreu no mês de julho de 2022, nos sites do Cofen e dos Coren, utilizando-se como forma de coleta um formulário com os seguintes aspectos: tipo de documento; data de veiculação do documento; autor do material; motivo para elaboração; elementos relacionados à pejotização. A primeira etapa de coleta dos dados consistiu na catalogação das notícias e informativos que continham o termo “pejotização”, o qual era digitado na caixa de pesquisa disponível nos referidos sites. A segunda etapa compreendeu a leitura minuciosa do conteúdo das publicações e a organização em arquivo único, para que este, posteriormente, fosse organizado no formato de um “corpus textual” a ser processado pelo software de análise lexical.

Não houve filtro com recorte temporal, na expectativa de identificar o maior quantitativo de notícias envolvendo a temática. Como critério de inclusão, considerou-se a relação com a temática; como critérios de exclusão, a duplicação de conteúdo.

Inicialmente, encontraram-se 17 publicações e, a partir da leitura dos títulos e visualização completa do material, eliminando-se as duplicatas, restaram seis publicações no corpus.

Essa etapa de coleta e organização dos dados foi realizada por dois autores. A síntese do processo metodológico de constituição do corpus está ilustrada na Figura 1.

Figura 1
Processo de constituição do corpus. Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2022.

Convém destacar também que as publicações selecionadas tiveram os endereços eletrônicos identificados e dispostos em planilha do Microsoft Excel 2016. Assim, os pesquisadores poderiam ter acesso irrestrito ao material e fazer consultas, sempre que necessário.

Análise e Tratamento dos Dados

Para análise dos dados, utilizou-se o software Interface de R pour Analyses Multidimensionnelles de Textes Et de Questionnaires (Iramuteq), versão 7.2, que possui cinco possibilidades de tratamento dos dados: i) análises estatísticas (lexicográficas), ii) especificidade e análise fatorial de correspondência, iii) classificação hierárquica descendente (CHD), iv) análise de similitude e v) nuvem de palavras(9)9. Camargo BV, Justo AM. Tutorial para uso do software Iramutech [Internet]. Florianópolis: Laboratório de Psicologia Social da Comunicação e Cognição; 2021 [cited 2022 Aug 12]. Available from: http://iramuteq.org/documentation/fichiers/Tutorial%20IRaMuTeQ%20em%20portugues_22.11.2021.pdf
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.

Para fins deste estudo, optou-se por utilizar, inicialmente, a análise estatística, visto que esse recurso permite identificar a frequência do léxico no corpus, ou seja, as palavras que aparecem em determinados contextos e que podem ser investigadas a partir da recuperação dos Segmentos de Texto (ST) em que estes léxicos aparecem, por meio do recurso “concordância”. Assim, essas informações foram acessadas, para ratificar os resultados das representações gráficas geradas a posteriori pela análise de similitude e nuvem de palavras.

A partir da análise de similitude, observou-se a ligação existente entre as palavras do corpus. Esse tipo de análise tem por base a teoria dos grafos, que possibilita identificar as coocorrências entre palavras, cujos resultados auxiliam o pesquisador a identificar a estrutura de um corpus textual(10)10. Salviati ME. Manual do Aplicativo Iramuteq [Internet]. Planaltina: UNB; 2017 [cited 2022 Aug 12]. Available from: http://www.iramuteq.org/documentation/fichiers/manual-do-aplicativo-iramuteq-par-maria-elisabeth-salviati
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. Observam-se, a partir desta análise e da representação gráfica, o tamanho da fonte das palavras, a espessura das linhas que as ligam e o polígono a qual pertencem.

Por sua vez, a nuvem de palavras representa graficamente as palavras de acordo com a frequência de aparição nos textos. Assim, as palavras de maior tamanho foram as que apareceram mais vezes no texto, e as de menor tamanho, com menor frequência(99. Camargo BV, Justo AM. Tutorial para uso do software Iramutech [Internet]. Florianópolis: Laboratório de Psicologia Social da Comunicação e Cognição; 2021 [cited 2022 Aug 12]. Available from: http://iramuteq.org/documentation/fichiers/Tutorial%20IRaMuTeQ%20em%20portugues_22.11.2021.pdf
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,10)10. Salviati ME. Manual do Aplicativo Iramuteq [Internet]. Planaltina: UNB; 2017 [cited 2022 Aug 12]. Available from: http://www.iramuteq.org/documentation/fichiers/manual-do-aplicativo-iramuteq-par-maria-elisabeth-salviati
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.

A escolha dessas técnicas de análise ocorreu pelo fato de possibilitarem ao pesquisador uma organização do vocabulário de forma simples, compreensível e focalizada(10)10. Salviati ME. Manual do Aplicativo Iramuteq [Internet]. Planaltina: UNB; 2017 [cited 2022 Aug 12]. Available from: http://www.iramuteq.org/documentation/fichiers/manual-do-aplicativo-iramuteq-par-maria-elisabeth-salviati
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. Além disso, do ponto de vista analítico, possibilitam a integração de análises quantitativa e qualitativa, com vistas a minimizar o viés de subjetividade e permitir avanços na interpretação dos dados.

Assim, a partir dos léxicos mais prevalentes na análise de similitude e na nuvem de palavras, e dos ST em que estes apareceram, identificaram-se os temas resultantes e passíveis de discussão com base no referencial teórico.

Aspectos Éticos

Não houve necessidade de submeter este estudo a um comitê de ética, pois se trabalhou com dados que eram públicos; porém, relevaram-se outros aspectos da ética em pesquisa, conforme recomenda a Resolução 466/2012.

RESULTADOS

Captaram-se seis notícias para a análise, sendo estas publicadas entre os anos de 2016 e 2022. Destaca-se que duas dessas notícias foram veiculadas pelo Cofen, e as outras quatro foram socializadas pelas seguintes seções: Coren-BA, Coren-RJ, Coren-ES e Coren-DF. O Quadro 1 apresenta o local, a data e o título das notícias, selecionadas. Ademais, constatou-se que em 11 seções nenhuma das notícias tratava sobre a temática pesquisada e outras 11 seções do Coren republicaram somente a nota do Cofen em defesa do piso salarial (a qual abarca a discussão pesquisada).

Quadro 1
Exposição do local, da data e do título dos documentos sobre pejotização. Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2022.

A análise de similitude foi construída com 40 formas ativas e gerou seis núcleos de discussão, sendo os léxicos mais expressivos em cada um destes: terceirização, econômico, pejotização, deputado, Cofen, PL (projeto de lei). A Figura 2 possibilita observar a árvore de palavras com as ramificações a partir das relações guardadas entre as palavras dos textos.

Figura 2
Análise de Similitude. Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2022.

A Figura 3, resultante da nuvem de palavras, organizou as palavras em função da frequência que apareceram no corpus. Assim, as palavras “terceirização” e “piso” aparecem em destaque, por terem aparecido no texto 10 vezes; em seguida, as palavras deputado (9x), direito (8x), Cofen (7x) e pejotização (7x).

Figura 3
Nuvem de palavras. Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2022.

Do ponto de vista analítico, ao recuperar os Segmentos de Texto, que tratam sobre a terceirização, destacam-se:

A terceirização de serviços constitui prática que fragiliza ­profundamente a efetividade dos direitos fundamentais dos ­trabalhadores previstos no art. 7 da constituição, tendo em vista as repercussões deletérias que enseja sobre as condições de trabalho (not 1).

Essa prática reduz o trabalho humano à condição de mercadoria e subverte o sentido lógico da terceirização que segundo a ciência da administração reside na subcontratação de atividades acessórias, atividade meio para permitir a focalização da empresa tomadora em sua atividade principal atividade fim (not 1).

o efeito da terceirização irrestrita é o de mera substituição de empregos diretos e com melhor nível de proteção social por vagas de empregos precarizados, como já verificado em outros países que adotaram práticas semelhantes (not 1).

Além disso, a ampliação da terceirização tende a elevar o número e a gravidade dos acidentes, onerando a previdência social que já arca com custo anual de mais de 18 bilhões de reais apenas com acidentes de trabalhadores formais (not 1).

Dentre os ST que tratam sobre os efeitos econômicos, destaca-se a necessidade de analisar a viabilidade do Projeto de Lei (PL) que trata sobre o piso salarial da enfermagem e a ressalva feita pelo Cofen de que os técnicos e auxiliares de enfermagem não podem ser considerados empresários individuais:

Na segunda reunião do GT [Grupo de Trabalho] criado pela câmara dos deputados para analisar a viabilidade econômica do piso nacional da enfermagem, o cofen e os coren apresentaram dados e informações que comprovam (not 6).

Não assumem os riscos técnicos e econômicos do empreendimento, razão pela qual não podem ser considerados empresários individuais; também vale lembrar que os auxiliares e técnicos só podem atuar na enfermagem sob supervisão de enfermeiro; é o que prevê a Lei 7 498 86 do exercício profissional (not 5).

Quanto aos ST em que aparece o léxico “deputado”, identifica-se a atuação conjunta do Cofen/Coren e a representação política da enfermagem junto à câmara:

Deputados e entidades compararam os salários aviltantes da ­categoria à escravidão e defenderam que os recursos para pagar ­dignamente existem; trata-se de um investimento na saúde não gasto, o cofen marcou presença com os conselheiros (not 2).

A aprovação no senado por unanimidade foi resultado dos esforços de construção de pontes com todos os envolvidos (not 2).

Quanto aos ST em que aparecem os léxicos “COFEN” e “PL”, destaca-se:

Na avaliação da presidente do Cofen, o texto atual do PL 2564 é fruto de muita conversa e de um pacto e já leva em consideração as limitações orçamentárias (not 2).

E, no tocante ao tema central deste artigo, ao recuperar os ST, em que o léxico “pejotização” aparece, identificam-se:

A chamada pejotização dos trabalhadores da enfermagem refere-se à contratação sem vínculo empregatício ou direitos trabalhistas. O trabalho escravo está sendo instalado na profissão (not 2).

Ao autorizar a subcontratação de serviços em cadeia, quarteirização, e favorecer a contratação de trabalhadores subordinados como pessoas jurídicas, a denominada pejotização, o projeto de lei contribui para a precarização extrema das condições de trabalho (not 1).

Empresas têm contratado técnicos e auxiliares de enfermagem como pessoa jurídica, a já manjada pejotização, a manobra, porém é considerada fraude trabalhista e pode penalizar tanto o empregador quanto o contratado (not 5).

DISCUSSÃO

Pejotização no Trabalho de Enfermagem e a Precarização do Vínculo Trabalhista

A contemporaneidade traz movimento de ajuste das regras de trabalho e relações de emprego ao redor do mundo(11)11. Krein JD, Oliveira RV, Filgueiras VA. As reformas trabalhistas: promessas e impactos na vida de quem trabalha. Cad CRH. 2019;32(86):225–9. doi: http://dx.doi.org/10.9771/ccrh.v32i86.33188.
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. Neste sentido, a globalização preconiza a restruturação da produção no sistema neoliberal, em que a primazia está no mercado financeiro, em detrimento da produção, ou seja, no rentismo, termo que designa que a economia de mercado permite que parcela privilegiada extraia a maior parte da renda, pela acumulação do capital, por espoliação do trabalhador, por proteção na competição, seja por monopólio, subsídio ou reserva de mercado. Assim, existe a pressão por alterações nos mecanismos de proteção ao trabalhador e nas formas de contratação da força de trabalho, bem como na legislação trabalhista vigente em todo o mundo.

No contexto brasileiro, a precarização do trabalho de enfermagem é impulsionada e torna-se legítima a partir das reformas político e administrativa ocorridas por meio de parcerias com o capital público e privado, que se impulsiona a partir da contratação por vínculos terceirizados e precários. Os enfermeiros convivem cotidianamente com a perda de direitos trabalhistas e previdenciários(12)12. Pérez Jr EF, David HMSL. Trabalho de enfermagem e precarização: uma revisão integrativa. Enferm Foco. 2018;9(4):71–6. doi: https://doi.org/10.21675/2357-707X.2018.v9.n4.1325
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, sendo submetidos às condições indignas de trabalho impostas pela exploração do trabalhador pelo capital. Trata-se de grande retrocesso social, que impõe aos enfermeiros grande vulnerabilidade, ocasionando insegurança, doenças, readaptação de funções, aposentadoria por invalidez, dentre outros.

O projeto neoliberal firmou um conjunto de leis no Brasil que propõe a ruptura da lógica inclusiva do direito do trabalho(1313. Farias SNP, Souza NVDO, Andrade KBS, Varella TCMML, Soares SSS, Carvalho EC. Brazilian labor reform and implications for nursing work: a case study. Rev Esc Enferm USP. 2021;55:e20210230. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1980-220x-reeusp-2021-0230. PubMed PMID: 34825695.
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,1414. Barbosa AMS, Orbem JV. “Pejotização”: precarização das relações de trabalho, das relações sociais e das relações humanas. RECDUFSM. 2015;10(2):839–5. doi: http://dx.doi.org/10.5902/1981369420184.
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). A Lei 13.467/2017, denominada reforma trabalhista, que traz em seu bojo a flexibilização das relações de contrato de trabalho, proporcionou a desconstrução dos preceitos infraconstitucionais de proteção e segurança do trabalhador, atendendo às políticas do neoliberalismo e consolidando-se mediante a redução dos direitos laborais. Essa aprovação impactou em perdas de conquistas dos empregados, bem como em ataques aos princípios de direito do trabalho, consubstanciados na Constituição Federal de 1988, revelando-se como grande retrocesso.

Nessa perspectiva, as relações de trabalho tornam-se cada vez mais multiformes em possibilidades jurídicas e fizeram emergir outras formas de contratação de delineamentos mais flexíveis, as chamadas “novas” ou “atípicas” formas de trabalho, como o trabalho temporário, o trabalho a tempo parcial, a terceirização, os cooperados, os estágios, os falsos autônomos, os contratos como pessoa jurídica, que são a pejotização(1414. Barbosa AMS, Orbem JV. “Pejotização”: precarização das relações de trabalho, das relações sociais e das relações humanas. RECDUFSM. 2015;10(2):839–5. doi: http://dx.doi.org/10.5902/1981369420184.
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).

As formas de contratações acima mencionadas foram criadas como opção para contratação tradicional do trabalho, com a aspiração de atender às demandas do mercado em função da reestruturação produtiva. E, com a crise econômica e o crescente desemprego, passam a adquirir relevância como modelo de ocupação e trabalho remunerado. Estes são, geralmente, contratos que causam alterações no tempo de duração da relação, seja diária, semanal ou mensal, também no grau de subordinação entre empregados e empregadores(1414. Barbosa AMS, Orbem JV. “Pejotização”: precarização das relações de trabalho, das relações sociais e das relações humanas. RECDUFSM. 2015;10(2):839–5. doi: http://dx.doi.org/10.5902/1981369420184.
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,1515. Souza L. Os contornos da pejotização: apontamentos e trajetórias de uma vertente da precarização do trabalho. Manduarisawa [Internet]. 2021 [cited 2022 Aug 22];5(1):105–22. Available from: https://periodicos.ufam.edu.br/index.php/manduarisawa/article/view/9079
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).

Assevera-se que a estratégia utilizada para justificar a preferência por esses contratos flexíveis é a proteção do capital, o qual retira o foco da centralidade no ser humano e na dignidade da pessoa humana, falseando as relações de emprego, “flexibilizando-as”, sob a alegação da criação de mais postos de trabalho(1414. Barbosa AMS, Orbem JV. “Pejotização”: precarização das relações de trabalho, das relações sociais e das relações humanas. RECDUFSM. 2015;10(2):839–5. doi: http://dx.doi.org/10.5902/1981369420184.
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,1515. Souza L. Os contornos da pejotização: apontamentos e trajetórias de uma vertente da precarização do trabalho. Manduarisawa [Internet]. 2021 [cited 2022 Aug 22];5(1):105–22. Available from: https://periodicos.ufam.edu.br/index.php/manduarisawa/article/view/9079
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).

Nesse sentido, destaca-se a pejotização do trabalho, em que se realiza um contrato de prestação de serviços de natureza civil para execução das atividades, sendo essa modalidade de contratação regulamentada, então, pelo Direito Civil e não pelo Direito do Trabalho. Nesta perspectiva, são criticados pelos tribunais e considerados pela jurisprudência no Brasil como forma de fraudar os contratos de trabalho e as relações de emprego(1414. Barbosa AMS, Orbem JV. “Pejotização”: precarização das relações de trabalho, das relações sociais e das relações humanas. RECDUFSM. 2015;10(2):839–5. doi: http://dx.doi.org/10.5902/1981369420184.
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,1515. Souza L. Os contornos da pejotização: apontamentos e trajetórias de uma vertente da precarização do trabalho. Manduarisawa [Internet]. 2021 [cited 2022 Aug 22];5(1):105–22. Available from: https://periodicos.ufam.edu.br/index.php/manduarisawa/article/view/9079
https://periodicos.ufam.edu.br/index.php...
).

No Brasil, o estudo das condições de trabalho e os respectivos impactos para os trabalhadores de enfermagem é um tema frequentemente abordado nos artigos científicos(16)16. Fernandez M, Lotta G, Passos H, Cavalcanti P, Corrêa MG. Working conditions and perceptions of nursing professionals who work to cope with covid-19 in Brazil. Saude Soc. 2021;30(4):e201011. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s0104-12902021201011.
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, demonstrando que esses trabalhadores sofrem com a precarização dos vínculos laborais e as condições laborais insatisfatórias. Estas condições precárias resultam em insegurança e sobrecarga de trabalho, excesso de esforço físico e mental, dupla jornada laboral. Neste sentido, verificam-se a ocorrência de doenças físicas, mentais, estresse, grande insatisfação e desejo de abandonar a profissão. Assevera-se que, para a enfermagem, o contexto é paradoxal: enquanto o mundo do trabalho exige deste profissional a melhoria constante do aprimoramento científico(12)12. Pérez Jr EF, David HMSL. Trabalho de enfermagem e precarização: uma revisão integrativa. Enferm Foco. 2018;9(4):71–6. doi: https://doi.org/10.21675/2357-707X.2018.v9.n4.1325
https://doi.org/10.21675/2357-707X.2018....
, das habilidades e do manejo de novas tecnologias, as condições de trabalho pioram vertiginosamente.

Dessa forma, a inserção da pejotização no contexto das relações de trabalho da enfermagem vem ocasionando o aumento da exploração da força de trabalho, concedendo ao empregador maior liberdade para demitir sem penalidades, reduzir o horário ou recorrer a mais horas de trabalho, pagar salários reais mais baixos do que a paridade de trabalho exige, além de subdividir a jornada de trabalho, mudando os horários e as características das atividades laborais(12)12. Pérez Jr EF, David HMSL. Trabalho de enfermagem e precarização: uma revisão integrativa. Enferm Foco. 2018;9(4):71–6. doi: https://doi.org/10.21675/2357-707X.2018.v9.n4.1325
https://doi.org/10.21675/2357-707X.2018....
.

Implicações da Pejotização na Saúde do Trabalhador de Enfermagem

A reforma trabalhista resultou na precarização do trabalho, engendrada pela terceirização, aprofundando-se as formas de exploração do trabalhador nos diferentes cenários laborais, inclusive ampliando a exploração nas atividades fins de saúde e educação(11)11. Krein JD, Oliveira RV, Filgueiras VA. As reformas trabalhistas: promessas e impactos na vida de quem trabalha. Cad CRH. 2019;32(86):225–9. doi: http://dx.doi.org/10.9771/ccrh.v32i86.33188.
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.

No Brasil e na França, as reformas geraram recorte que transformaram o mercado de trabalho em um laboratório, com consequências que precisam ser estudadas na perspectiva do trabalhador. Porém, é claro que este contexto tem resultado na diminuição da proteção ao trabalhador, gerando o aumento da instabilidade que, por sua vez, deixa os trabalhadores à mercê das empresas, que criam metas de produtividade quase que inatingíveis, mas às quais os empregados se submetem por medo do desemprego e de outras repercussões negativas para sua vida e sobrevivência material(1717. Blanco-Donoso LM, Moreno-Jiménez J, Gálvez-Herrer M, Moreno-Jiménez B. Occupational psychosocial risks of health professionals in the face of the crisis produced by the COVID-19: from the identification of these risks to immediate action. Int J Nurs Stud Adv. 2020;2:100003. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.ijnsa.2020.100003.
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18. Minka SO, Minka FH, Chauvin A, Revue E, Plaisance P, Casalino E, et al. Resilience strategy in emergency medicine during the Covid-19 pandemic in ParisStratégie de résilience en médecine d’urgences pendant la pandémie de Covid-19 à Paris. Reanimation. 2021;33(2):88–95. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.jeurea.2021.04.001.
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-1919. Pereira LF. A escravidão contemporânea e os princípios do direito do trabalho. Âmbito Jurídico [Internet]. 2008 [cited 2022 Aug 22]. Available from: https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-59/a-escravidao-contemporanea-e-os-principios-do-direito-do-trabalho/
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/re...
).

Como forma de exploração ainda maior dos trabalhadores, o capital neoliberal concebe novas artimanhas. Salienta-se que a pejotização reflete negativamente na saúde do trabalhador pela precariedade e ausência de segurança e proteção ao trabalhador. Afeta o indivíduo e a dignidade da pessoa humana. Mascara a relação de trabalho, sem a proteção constitucional ao trabalhador, acarretando desequilíbrio das regras contratuais(1111. Krein JD, Oliveira RV, Filgueiras VA. As reformas trabalhistas: promessas e impactos na vida de quem trabalha. Cad CRH. 2019;32(86):225–9. doi: http://dx.doi.org/10.9771/ccrh.v32i86.33188.
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,2020. Santos AC, Souza AR. Pejotization and the influence on precariouness of work [Internet]. São Paulo: Ânima Educação; 2021 [cited 2022 Aug 22]. Available from: https://repositorio.animaeducacao.com.br/bitstream/ANIMA/13969/1/A%20PEJOTIZA%c3%87%c3%83O%20E%20SUA%20INFLU%c3%8aNCIA%20NA%20PRECARIZA%c3%87%c3%83O%20DO%20TRABALHO%20%283%29.pdf
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).

Na área de saúde, em especial na enfermagem, os impactos negativos originados pelo ideário neoliberal, que indubitavelmente resultaram em maior precariedade no trabalho, e sobretudo, o uso da pejotização como forma de contratar os trabalhadores, remetem ao aumento do adoecimento, presenteísmo e absenteísmo destes profissionais que, por sua vez, geram repercussões negativas na assistência aos usuários do sistema de saúde(1515. Souza L. Os contornos da pejotização: apontamentos e trajetórias de uma vertente da precarização do trabalho. Manduarisawa [Internet]. 2021 [cited 2022 Aug 22];5(1):105–22. Available from: https://periodicos.ufam.edu.br/index.php/manduarisawa/article/view/9079
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16. Fernandez M, Lotta G, Passos H, Cavalcanti P, Corrêa MG. Working conditions and perceptions of nursing professionals who work to cope with covid-19 in Brazil. Saude Soc. 2021;30(4):e201011. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s0104-12902021201011.
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17. Blanco-Donoso LM, Moreno-Jiménez J, Gálvez-Herrer M, Moreno-Jiménez B. Occupational psychosocial risks of health professionals in the face of the crisis produced by the COVID-19: from the identification of these risks to immediate action. Int J Nurs Stud Adv. 2020;2:100003. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.ijnsa.2020.100003.
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18. Minka SO, Minka FH, Chauvin A, Revue E, Plaisance P, Casalino E, et al. Resilience strategy in emergency medicine during the Covid-19 pandemic in ParisStratégie de résilience en médecine d’urgences pendant la pandémie de Covid-19 à Paris. Reanimation. 2021;33(2):88–95. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.jeurea.2021.04.001.
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19. Pereira LF. A escravidão contemporânea e os princípios do direito do trabalho. Âmbito Jurídico [Internet]. 2008 [cited 2022 Aug 22]. Available from: https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-59/a-escravidao-contemporanea-e-os-principios-do-direito-do-trabalho/
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20. Santos AC, Souza AR. Pejotization and the influence on precariouness of work [Internet]. São Paulo: Ânima Educação; 2021 [cited 2022 Aug 22]. Available from: https://repositorio.animaeducacao.com.br/bitstream/ANIMA/13969/1/A%20PEJOTIZA%c3%87%c3%83O%20E%20SUA%20INFLU%c3%8aNCIA%20NA%20PRECARIZA%c3%87%c3%83O%20DO%20TRABALHO%20%283%29.pdf
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-2121. Silva RM, Vieira LJES, Garcia Filho C, Bezerra IC, Cavalcante AN, Borba Netto FC, et al. Labor market insecurity for nursing assistants and technicians in the State of Ceará, Brazil. Cien Saude Colet. 2020;25(1):135–45. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020251.28902019. PubMed PMID: 31859862.
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).

No contexto da pandemia do coronavírus, todos os sistemas do mundo foram postos a prova, bem como os trabalhadores da saúde, com respostas diversificadas dos diferentes sistemas. Na França, houve ajuste no sistema de saúde; no entanto, ainda existe o apelo para que sejam adotadas medidas políticas concernentes e atualizadas, para que os pesquisadores e formuladores de políticas possam lidar com o trabalho a ser desenvolvido(18)18. Minka SO, Minka FH, Chauvin A, Revue E, Plaisance P, Casalino E, et al. Resilience strategy in emergency medicine during the Covid-19 pandemic in ParisStratégie de résilience en médecine d’urgences pendant la pandémie de Covid-19 à Paris. Reanimation. 2021;33(2):88–95. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.jeurea.2021.04.001.
https://doi.org/10.1016/j.jeurea.2021.04...
. É preciso investir em informação e melhores condições de trabalho para os profissionais de saúde lidarem com os diferentes períodos: pandêmicos, pré-pandêmicos e pós-pandêmicos.

Condições inadequadas de trabalho ocasionam riscos psicossociais e físicos em função da maior exposição a riscos ocupacionais, que podem se agravar em períodos pandêmicos. Esse contexto pode se traduzir em estresse, depressão, dificuldade de adaptação, insônia, ansiedade, burnout, síndrome do Pânico, estresse pós-traumático, podendo influenciar, inclusive, o desejo de abandono da profissão por enfermeiros(2222. Spagnol CA, Pereira MS, Cunha CT, Pereira KD, Araújo KLS, Figueiredo LG, et al. Spotlights on during covid-19 pandemic: paradoxes in the nursing work process. Rev Min Enferm. 2020;24:e1342. doi: http://www.dx.doi.org/10.5935/1415.2762.20200079
https://doi.org/10.5935/1415.2762.202000...
,2323. Carvalho EC, Souza PHDO, Varella TCMML, Souza NVDO, Farias SNP, Soares SSS. COVID-19 pandemic and the judicialization of health care: na explanatory case study. Rev Lat Am Enfermagem. 2020;28:e3354. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.4584.3354. PubMed PMID: 32785564.
https://doi.org/10.1590/1518-8345.4584.3...
).

Assim, a redução da força de trabalho da enfermagem por doença ou evasão, devido à precarização e inadequação das condições de trabalho, é grave para os sistemas de saúde, pois inviabiliza a assistência de qualidade. Nesta perspectiva, faz-se necessário investir em melhores condições de trabalho e na qualidade dos vínculos laborais, no apoio organizacional e nas lideranças de enfermagem, além do apoio ao autocontrole e à eficácia dos profissionais de enfermagem, por meio de formação adequada para o atendimento aos usuários do sistema de saúde(1717. Blanco-Donoso LM, Moreno-Jiménez J, Gálvez-Herrer M, Moreno-Jiménez B. Occupational psychosocial risks of health professionals in the face of the crisis produced by the COVID-19: from the identification of these risks to immediate action. Int J Nurs Stud Adv. 2020;2:100003. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.ijnsa.2020.100003.
https://doi.org/10.1016/j.ijnsa.2020.100...
,2121. Silva RM, Vieira LJES, Garcia Filho C, Bezerra IC, Cavalcante AN, Borba Netto FC, et al. Labor market insecurity for nursing assistants and technicians in the State of Ceará, Brazil. Cien Saude Colet. 2020;25(1):135–45. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020251.28902019. PubMed PMID: 31859862.
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).

Entende-se que o setor de saúde apresenta especificidades no processo de trabalho, como lidar com vidas humanas em situações atípicas, a exemplo da pandemia da Covid-19, o que demanda que a organização do trabalho promova meios para que o trabalho se desenvolva com eficácia e eficiência. E, neste contexto, é preciso fortalecer a força de trabalho, fornecendo condições objetivas e subjetivas, para que as atividades laborais ocorram adequadamente(11)11. Krein JD, Oliveira RV, Filgueiras VA. As reformas trabalhistas: promessas e impactos na vida de quem trabalha. Cad CRH. 2019;32(86):225–9. doi: http://dx.doi.org/10.9771/ccrh.v32i86.33188.
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.

Assim, a precarização laboral, configurada atualmente pela pejotização da enfermagem, seguramente não é um meio que vai assegurar qualidade na assistência, pois tem potencial para adoecer o trabalhador por conta da insegurança que este meio de contratação promove e devido às perdas dos direitos trabalhistas. A perspectiva é que os profissionais de enfermagem apresentem progressivamente mais adoecimentos, incremento do presenteísmo e absenteísmo ou abandono da profissão.

Os Recentes Desdobramentos Sobre o Piso Salarial Nacional Para a Enfermagem

A luta pela regulamentação de um piso salarial em nível nacional para a enfermagem remete, há décadas, à necessidade desse confronto com os detentores de capital. No entanto, destaca-se que, embora na atualidade existam avanços para a enfermagem, como a recém-aprovada Lei 14.434/2022, que estabelece o piso salarial da enfermagem no âmbito nacional, ainda se faz necessário gerar esforços para garantir a efetiva implementação, uma vez que a precarização ainda continua permeando o contexto de trabalho da enfermagem(21)21. Silva RM, Vieira LJES, Garcia Filho C, Bezerra IC, Cavalcante AN, Borba Netto FC, et al. Labor market insecurity for nursing assistants and technicians in the State of Ceará, Brazil. Cien Saude Colet. 2020;25(1):135–45. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020251.28902019. PubMed PMID: 31859862.
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.

No que concerte à conquista do piso salarial para os profissionais de enfermagem, essa aquisição também se configura como ameaça à categoria, pois existem rumores de que ocorrerão demissões em massa e enxugamento significativo dos subsídios que garantem condições de trabalho. A perspectiva deste cenário desfavorável para enfermagem fundamenta-se na justificativa do empresariado de que não há capital, ou seja, lucratividade sustentada para pagar a folha salarial que aumentou. Assim, apesar da conquista, há indícios de mais inseguranças à força de trabalho.

Ao corroborar o exposto, em acontecimento recente, por exemplo, o Ministro Luis Roberto Barroso suspendeu a lei aprovada pelo Congresso Nacional, sob o fundamento de gerar riscos para a empregabilidade e a qualidade dos serviços do setor da saúde. Essa ação de inconstitucionalidade foi movida pela Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde), que atende aos interesses da saúde privada(24)24. A desastrosa suspensão do piso salarial da enfermagem. Outra Saúde [Internet]. 2022 [cited 2022 Sept 10]. Available from: https://outraspalavras.net/outrasaude/a-desastrosa-suspensao-do-piso-salarial-da-enfermagem/
https://outraspalavras.net/outrasaude/a-...
.

Para se ter registrado, no mesmo dia em que houve a suspensão da lei, foi publicada nota de agravo assinada por várias entidades, como a Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (ABRAMED), Associação Brasileira de Planos de Saúde (ABRAMGE), Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas (ABCVAC), Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante (ABCDT), Associação Nacional de Hospitais Privados (ANAHP), Confederação Nacional de Municípios (CNM), Confederação Nacional de Saúde (CNSAUDE), Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos (CMB), Federação Nacional de Saúde Suplementar (FENASAUDE) e a Federação Brasileira de Hospitais (FBH)(25)25. Assis R. Piso nacional de enfermagem: a polêmica sobre a suspensão da lei. Estado de Minas [Internet]. 2022 [cited 2022 Sept 10]. Available from: https://www.em.com.br/app/colunistas/renato-assis/2022/09/05/interna-renato-assis,1391362/piso-nacional-de-enfermagem-a-polemica-sobre-a-suspensao-da-lei.shtml
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.

Em resposta, o ministro suspendeu o Projeto de Lei 2.564/2020, com base na ausência de previsão da origem dos recursos, o que poderia onerar em demasiado os entes públicos e privados. E deu prazo de 60 dias para entes públicos e privados se pronunciarem a respeito do impacto financeiro(26)26. Purchio L. Suspensão do piso salarial de enfermagem tem dois votos favoráveis do STF. Veja [Internet]. 2022 [cited 2022 Sept 10]. Available from: https://veja.abril.com.br/economia/suspensao-do-piso-salarial-de-enfermagem-tem-dois-votos-favoraveis-do-stf/
https://veja.abril.com.br/economia/suspe...
.

Se por um lado, a aprovação da lei gerou muita comemoração por parte da classe beneficiada, contudo, é notório que, por outro lado, as entidades públicas e privadas apontaram preocupações em relação à lei. Por exemplo, o Ministério da Saúde argumentou que o impacto do aumento seria de R$ 22,5 bilhões a partir de 2021, chegando a quase R$ 25 bilhões a partir de 2024. E, em relação ao setor privado, estudo realizado pela Câmara dos Deputados apontou impacto de R$ 10,5 bilhões para o setor privado hospitalar(25)25. Assis R. Piso nacional de enfermagem: a polêmica sobre a suspensão da lei. Estado de Minas [Internet]. 2022 [cited 2022 Sept 10]. Available from: https://www.em.com.br/app/colunistas/renato-assis/2022/09/05/interna-renato-assis,1391362/piso-nacional-de-enfermagem-a-polemica-sobre-a-suspensao-da-lei.shtml
https://www.em.com.br/app/colunistas/ren...
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Todavia, o COFEN refutou o argumento utilizado, afirmando que apresentou todos os estudos necessários e fez ampla discussão dos impactos financeiros do piso salarial durante a tramitação do projeto(25)25. Assis R. Piso nacional de enfermagem: a polêmica sobre a suspensão da lei. Estado de Minas [Internet]. 2022 [cited 2022 Sept 10]. Available from: https://www.em.com.br/app/colunistas/renato-assis/2022/09/05/interna-renato-assis,1391362/piso-nacional-de-enfermagem-a-polemica-sobre-a-suspensao-da-lei.shtml
https://www.em.com.br/app/colunistas/ren...
. Em resposta ao ocorrido, em 04/09/2022, o COFEN publicou nota repudiando a decisão liminar do Ministro Barroso e afirmando que “todos os estudos de impactos orçamentários foram devidamente apresentados e debatidos com todos os entes da União, Estados e Municípios, de maneira plural e transparente junto ao Congresso Nacional”(27)27. Conselho Federal de Enfermagem. Nota Oficial: medida cautelar de suspensão da lei do piso salarial por 60 dias [Internet]. Brasília (DF): Cofen; 2022 [cited 2022 Sept 10]. Available from: http://www.cofen.gov.br/nota-oficial-medida-cautelar-de-suspensao-da-lei-do-piso-salarial-por-60-dias_102282.html#:~:text=04%2F09%2F2022-,Nota%20Oficial%3A%20Medida%20Cautelar%20de%20suspens%C3%A3o%20da%20Lei,Piso%20Salarial%20por%2060%20dias&text=Os%20Conselhos%20Federal%20e%20Regionais,o%20Piso%20Salarial%20da%20Enfermagem
http://www.cofen.gov.br/nota-oficial-med...
. Além disso, ressaltou que essa decisão “atende a conveniência pura da classe empresarial, que não quer pagar valores justos aos serviços prestados pela Enfermagem”(27)27. Conselho Federal de Enfermagem. Nota Oficial: medida cautelar de suspensão da lei do piso salarial por 60 dias [Internet]. Brasília (DF): Cofen; 2022 [cited 2022 Sept 10]. Available from: http://www.cofen.gov.br/nota-oficial-medida-cautelar-de-suspensao-da-lei-do-piso-salarial-por-60-dias_102282.html#:~:text=04%2F09%2F2022-,Nota%20Oficial%3A%20Medida%20Cautelar%20de%20suspens%C3%A3o%20da%20Lei,Piso%20Salarial%20por%2060%20dias&text=Os%20Conselhos%20Federal%20e%20Regionais,o%20Piso%20Salarial%20da%20Enfermagem
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Nessa esteira, observa-se que, mais uma vez, os apelos neoliberais pesaram mais do que a importância e o trabalho da enfermagem, contribuindo para precarização da categoria. O fenômeno da precarização é complexo e multifatorial. Logo, é preciso fortalecer os órgãos de classe, sindicatos e associações para transformar as adversidades gestadas por meio dessa precarização crescente. As diversas entidades ligadas à enfermagem precisam atuar em defesa dos direitos trabalhistas(2828. Santos B. A quem interessa sucatear a enfermagem? [Internet]. Brasília (DF): Cofen; 2022 [cited 2022 Sept 10]. Available from: http://www.cofen.gov.br/a-quem-interessa-sucatear-a-enfermagem_102084.html
http://www.cofen.gov.br/a-quem-interessa...

29. Rocha R. Hospitais ameaçam demitir para não pagar o piso salarial da enfermagem. Rede Brasil Atual [Internet]. 2022 [cited 2022 Sept 10]. Available from: https://www.redebrasilatual.com.br/trabalho/2022/08/hospitais-ameacam-demitir-para-nao-pagar-o-piso-salarial-da-enfermagem/
https://www.redebrasilatual.com.br/traba...
-3030. Laitano ADC, Silva GTR, Almeida DB, Santos VPFA, Brandão MF, Carvalho AG, et al. Precariousness of the work of the nurse: professional militancy from the perspective of the press. Acta Paul Enferm. 2019;32(3):305–11. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201900042.
https://doi.org/10.1590/1982-01942019000...
). Aponta-se, ainda, a necessidade de representatividade política da categoria e de mobilização de todos os profissionais de enfermagem.

A contribuição deste estudo está em discutir temas ainda pouco socializados no setor saúde e, sobretudo, na enfermagem, os quais se caracterizam como reforma trabalhistas, pejotização e impactos do neoliberalismo no trabalho em saúde e na enfermagem. Ademais, a discussão tecida neste artigo contribui para que os profissionais ampliem a capacidade crítica acerca dos impactos do ideário neoliberal na saúde e segurança dos trabalhadores, bem como tenham maiores condições de elaborar estratégias para minimizar as repercussões deste contexto no cotidiano laboral.

Considera-se que a limitação do estudo foi a captação restrita de seis documentos para se desenvolver a análise. Quantitativo maior de notícias contribuiria com análise mais abrangente e, portanto, ainda mais robusta.

CONCLUSÃO

Considera-se que o ideário neoliberal, que vem se impondo fortemente no setor saúde, é um infortúnio e um descalabro tanto para os usuários quanto para os trabalhadores da saúde, pois vidas humanas não devem ser vistas como mercadorias que necessitam gerar produtividade e lucro. E, nesta busca por incremento do capital, engendram-se estratégias que colocam em risco a saúde e a segurança dos atores sociais que permeiam este contexto.

Por esse ângulo, verifica-se perda de direitos trabalhistas, por meio desta nova forma de contratação de pessoal – pejotização – que nega ao trabalhador conquistas laborais consolidadas, como 13º salário, férias remuneradas, licença por adoecimento e, sobretudo, constatam-se inseguranças em relação ao futuro, com poucas ou quase nenhuma garantia. Portanto, nega-se ao trabalhador o direito ao planejamento de vida, conquista de melhores condições materiais e qualidade de vida.

Esse contexto adverso de trabalho gera impactos negativos na saúde dos trabalhadores, tendo potencial para adoecimentos psicossomáticos, aposentadorias prematuras e evasão da profissão. Também, ocasiona repercussões para qualidade da assistência, promovendo igualmente insegurança e riscos para os usuários dos serviços.

Editado por

EDITOR ASSOCIADO

José Manuel Peixoto Caldas

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    17 Out 2022
  • Aceito
    22 Mar 2023
Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
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