Resumos
OBJETIVO Analisar as produções científicas acerca da validade e confiabilidade do Protocolo de Manchester (MTS).
MÉTODO Estudo descritivo de revisão integrativa da literatura. Foram incluídos artigos sobre validade e confiabilidade do MTS, desenvolvidos com crianças e adultos, publicados entre 1999 a 2013.
RESULTADOS Selecionou-se 14 artigos de um total de 8.438, sendo nove sobre validade e cinco sobre confiabilidade. A confiabilidade do MTS variou de moderada a quase perfeita, sendo maior intra-avaliadores. Quanto à validade, os resultados parecem apontar para níveis equivalentes e satisfatórios de sensibilidade e especificidade do MTS. O instrumento mostrou-se bom preditor da necessidade de internação e de mortalidade hospitalar.
CONCLUSÃO A confiabilidade e validade do MTS obtidas nos estudos são variadas. Recomenda-se novos estudos que indiquem as modificações necessárias no MTS para que o mesmo seja utilizado com maior segurança pelos enfermeiros.
Resumos
OBJECTIVE To analyze the scientific production about the validity and reliability of the Manchester Triage System (MTS) protocol.
METHOD A descriptive study of an integrative literature review. Articles on the validity and reliability of the MTS developed with children and adults published between 1999 and 2013 were included.
RESULTS 14 articles were selected from a total of 8438, nine of validity and five of reliability. The reliability of the MTS ranged from moderate to almost perfect, with higher intra-evaluation. Regarding validity, the results seem to point to equivalent and satisfactory sensibility and specificity levels of the MTS. The instrument proved to be a good predictor of the need for hospitalization and of hospital mortality.
CONCLUSION The reliability and validity of the MTS obtained in the studies is varied. It is recommended that new studies indicate necessary modifications to the MTS so that it is more safely used by nurses.
Triage; Emergency Medical Services; Emergency Nursing; Validity of Tests; Reproducibility of Results; Review
OBJETIVO Analizar las producciones científicas acerca de la validez y confiabilidad del Protocolo de Manchester (MTS).
MÉTODO Estudio descriptivo de revisión integradora de la literatura. Fueron incluidos artículos acerca de la validez y confiabilidad del MTS, desarrollados con niños y adultos, publicados entre 1999 y 2013.
RESULTADOS Se seleccionaron 14 artículos de un total de 8.438, siendo nueve sobre validez y cinco sobre confiabilidad. La confiabilidad del MTS varió de moderada a casi perfecta, siendo mayor intraevaluadores. En cuanto a la validez, los resultados parecen apuntar hacia niveles equivalentes y satisfactorios de sensibilidad y especificidad del MTS. El instrumento se mostró un buen pronosticador de la necesidad de hospitalización y de mortalidad hospitalaria.
CONCLUSIÓN La confiabilidad y validez del MTS logradas en los estudios son variadas. Se recomiendan nuevos estudios que apunten las modificaciones necesarias en el MTS a fin de que los enfermeros lo utilicen con más seguridad.
Triaje; Servicios Médicos de Urgencia; Enfermería de Urgencia; Validez de las Pruebas; Reproducibilidad de Resultados; Revisión
Introdução
Os serviços de urgência e emergência são um importante componente da assistência à saúde no Brasil e apresentam uma demanda para atendimento maior que a capacidade de absorção. A superlotação é o retrato do desequilíbrio entre a oferta e a procura por atendimento em serviços de urgência e emergência, sendo agravada por problemas organizacionais como o atendimento por ordem de chegada, sem estabelecimento de critérios clínicos, o que pode acarretar graves prejuízos aos pacientes(1).
Na tentativa de enfrentar os desafios relacionados à organização dos serviços de urgência, as ações do Ministério da Saúde têm sido voltadas para a necessidade de reorganização do processo de trabalho, de forma a atender aos diferentes graus de especificidade e resolutividade na assistência realizada aos pacientes com agravos agudos. Assim, em 2004, o acolhimento com classificação de risco foi apontado como dispositivo de mudança no trabalho da atenção, gestão e produção na saúde(2).
A classificação de risco é um processo dinâmico de identificação dos pacientes que necessitam de tratamento imediato de acordo com o potencial de risco, os agravos à saúde ou o grau de sofrimento(2). Sua importância consiste em prevenir complicações e identificar quadros agudos que implicam em risco de morte para os indivíduos(3).
A classificação de risco deve ser realizada por profissional de enfermagem de nível superior, preferencialmente com experiência em serviço de urgência e após capacitação específica para a atividade proposta(2).
A atribuição de um grau de risco ao paciente consiste em um complexo processo de tomada de decisão e muitas escalas de classificação têm sido desenvolvidas para guiar a avaliação do enfermeiro(4). Estas escalas visam otimizar o tempo de espera de acordo com a severidade da condição clínica dos pacientes, de forma a tratar rapidamente os sintomas mais intensos e diminuir impactos negativos no prognóstico, decorrentes de atraso no tratamento(5). Tem-se recomendado a utilização de escalas que estratifiquem o risco em cinco níveis de prioridade, por estas apresentarem maior fidedignidade, validade e confiabilidade na avaliação do paciente(6).
A padronização do processo de acolhimento com classificação de risco tem sido buscada através da adoção de medidas que uniformizem a avaliação do enfermeiro. O Ministério da Saúde brasileiro recomenda que a classificação de risco deve seguir um protocolo direcionador(2). Dentre as escalas de triagem existentes, o Protocolo de Triagem de Manchester (MTS) tem sido adotado na maioria dos serviços de urgência como instrumento direcionador da classificação de risco, sendo atualmente utilizado em 16 (61,5%) dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal(7).
A escala de triagem do MTS classifica o paciente em cinco níveis de prioridade: nível 1 (emergente, deve receber atendimento médico imediato); nível 2 (muito urgente, avaliação médica em até 10 minutos); nível 3 (urgente, avaliação médica em até 60 minutos); nível 4 (pouco urgente, avaliação médica em até 120 minutos); nível 5 (não urgente e que pode aguardar até 240 minutos para atendimento médico). Assim, o MTS constitui-se como uma ferramenta de gestão do risco clínico para administrar a demora do atendimento, priorizando os doentes mais graves(8).
Por ser uma temática recente no Brasil, ainda existem poucos estudos direcionados à avaliação da validade e confiabilidade de protocolos direcionadores para determinar o grau de risco de pacientes em serviços de urgência, em especial do MTS. Cabe ressaltar que o MTS é um protocolo de origem inglesa e não há estudos que tratem da sua tradução e validação para uso no Brasil.
Para estudos delineados para testar instrumentos de medida, a confiabilidade é considerada o principal critério para a investigação de sua qualidade. Consiste na habilidade de um instrumento mensurar, de forma consistente e acurada, aquilo que pretende medir. A validade remete à consistência dos resultados que se pretende obter empregando um determinado método de investigação. Pode ser dividida em: validade interna (capacidade de o instrumento medir o que pretende medir) e validade externa (capacidade de generalização das descobertas da pesquisa a outros locais ou amostras)(9).
Assim, este estudo teve o objetivo de analisar produções científicas acerca da validade e confiabilidade do Protocolo de Triagem de Manchester. Conhecer estudos que investiguem a validade e confiabilidade do MTS é importante para a prática profissional do enfermeiro, uma vez que a utilização do protocolo é o respaldo legal e científico no qual o enfermeiro tem sua ação alicerçada para a tomada de decisão clínica.
Método
Trata-se de estudo descritivo de revisão de literatura do tipo integrativa(10). Este é o mais amplo dos métodos de revisão de pesquisa por permitir a inclusão simultânea de estudos experimentais e não experimentais para plena compreensão do fenômeno em estudo. Além disso, permite a combinação de dados teóricos e da literatura empírica. Para sua realização seguiu-se as seguintes etapas: definição da questão de pesquisa e objetivos da revisão integrativa, estabelecimento de critérios de seleção da amostra, definição das informações a serem extraídas dos artigos selecionados, análise dos resultados, discussão e apresentação dos resultados, e apresentação da revisão(10).
Este estudo foi guiado pela seguinte questão norteadora: Quais são as publicações na literatura nacional e internacional acerca da validade e confiabilidade do Protocolo de Manchester para determinar o grau de prioridade de pacientes que procuram por atendimento em serviços de urgência?
O levantamento bibliográfico foi realizado online utilizando as bases de dados Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), PubMed, e Biblioteca Cochrane. Também foi realizada a busca na coleção Scientific Electronic Library Online (SciELO).
A busca ocorreu mediante a utilização dos descritores controlados contidos nos Descritores em Ciência da Saúde (DeCS) da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS): "triagem", "enfermagem", "serviços médicos de emergência", "validade dos testes", e "reprodutibilidade dos testes". Para as buscas nas bases de dados internacionais foram utilizados os mesmos descritores empregados na língua inglesa. Foi usado o operador booleano and para a combinação dos descritores (Quadro 1).
Os critérios utilizados para a seleção da amostra foram: artigos publicados na literatura nacional e internacional cujo foco tenha sido o estudo da validade e confiabilidade do Protocolo de Manchester, realizados com crianças e/ou adultos, publicados entre os anos de 1999 a 2013.
Abaixo o fluxograma do processo de seleção dos artigos que compuseram a amostra deste estudo (Figura 1).
Fluxograma do processo de seleção da literatura encontrada sobre validade e confiabilidade do MTS, publicados entre 1999 e 2013, nas Bases de dados LILACS, PubMed, Cochrane e SciELO
Para a terceira etapa (extração de dados) foi desenvolvido um formulário de modo a facilitar a análise e caracterização dos artigos da amostra. Este continha as seguintes informações: identificação do artigo e autores, fonte de localização, objetivos, delineamento do estudo e nível de evidência, resultados, principais conclusões e recomendações para a prática(10). Os dados foram analisados segundo os conteúdos apresentados pelos artigos, utilizando estatística descritiva. Cabe ressaltar que os níveis de evidência variam de I a VII(11)sendo: nível 1 - meta-análise ou revisões sistemáticas; nível II - Ensaio Clínico Randomizado Controlado; nível III - Ensaio Clínico sem Randomização; nível IV - Estudos de coorte e de caso controle; nível V - Revisões sistemáticas de estudos descritivos; nível VI - estudos descritivos; nível VII - opinião de especialistas.
Resultados
Dos 14 artigos selecionados, um (7,1%) foi publicado no ano de 2012, quatro (28,6%) em 2011, quatro (28,6%) em 2009, dois (14,3%) em 2010, dois (14,3%) em 2008 e um (7,1%) em 2006. Os dados mostram uma crescente produção acerca da validade e confiabilidade do Protocolo de Manchester nos últimos cinco anos (11 - 78,6%).
Quanto à origem dos estudos, apenas dois (14,3%) foram realizados no Brasil, sete (50,0%) na Holanda, três (21,5%) em Portugal, um (7,1%) na Suécia e um (7,1%) na Austrália. Este achado aponta para uma produção incipiente no Brasil na realização de pesquisas que tenham por objetivo testar a validade e a confiabilidade do Protocolo de Manchester, embora seja este o protocolo utilizado na maioria dos estados brasileiros para estratificar o risco clínico de pacientes que procuram os serviços de urgência e emergência(7).
No que se refere à origem do periódico em que o artigo foi publicado, a maioria (9 - 64,3%) foi publicada em periódicos da área médica, três (21,4%) em periódicos da enfermagem (sendo dois em revista brasileira - Revista Latino-Americana de Enfermagem), e dois (14,3%) em revista de pediatria.
Abaixo, segue síntese dos artigos sobre a confiabilidade e a validade do Protocolo de Manchester, publicados nos últimos 15 anos (1999-2013) nas bases de dados consultadas (Quadros 2 e 3).
Resultado da busca acerca dos artigos sobre confiabilidade do MTS, publicados entre 1999 e 2013, nas Bases de dados LILACS, PubMed, Cochrane e Scielo
Assinala-se que, dos cinco artigos identificados que trataram sobre a confiabilidade do MTS, dois (40%) foram realizados na Holanda(13-14), um (20%) no Brasil(12), um (20%) na Suécia(15) e um (20%) na Austrália(16). Quatro (80%) estudos foram realizados com população adulta(12,14-16), e um (20%) com população pediátrica(13).
Resultado da busca acerca dos artigos sobre validade do MTS, publicados entre 1999 e 2013, nas bases de dados LILACS, PubMed, Cochrane e Scielo
Dos nove artigos sobre validade do MTS, cinco (55,5%) foram realizados na Holanda(18-19,22,24-25), três (33,3%) em Portugal(20-21,23) e um (11,2%) no Brasil(17). Quatro (44,5%) estudos foram realizados com população adulta(17,20-21,7), três (33,3%) com população pediátrica(19,24-25) e dois (22,2%) com população adulta e pediátrica(18,22).
Discussão
A busca por instrumentos de medida confiáveis é importante para garantir segurança na tomada de decisão do enfermeiro na classificação de risco. Entretanto, para garantir o sucesso na classificação de risco, é necessária a construção de fluxos claros de organização do atendimento, orientados pelo grau de prioridade estabelecido para cada paciente e pelo nível de complexidade de cada estação que compõe a rede de cuidado à saúde(26).
Chama a atenção o fato de a maioria (11 - 78,6%) dos estudos serem do nível VI de evidência, que corresponde a estudos descritivos. Apenas 3 (21,4%) estudos eram de coorte, classificados no nível IV de evidência(11). Estes achados apontam para a necessidade de realização de novas pesquisas que gerem evidências relevantes, de modo a contribuir com a tomada de decisão do enfermeiro na triagem. Em futuro breve revisões sistemáticas e meta-análises acerca da validade e da confiabilidade do MTS poderão ser realizadas a partir de dados de estudos conduzidos em vários países, com desenhos metodológicos semelhantes. Ressalta-se que o conhecimento dos níveis de evidência dos estudos é importante para auxiliar o enfermeiro na seleção das melhores práticas a serem incorporadas no cuidado.
A confiabilidade de um instrumento de medida é mensurada principalmente pela reprodutibilidade do resultado dos testes(9). Ou seja, pela capacidade de o instrumento mensurar repetidas vezes o mesmo resultado, com as mesmas condições avaliadas. O cálculo do índice Kappa é o mais realizado para se avaliar a confiabilidade de um instrumento, e mede a concordância intra ou entre observadores além daquela esperada pelo acaso. O coeficiente Kappa pode variar de 0 a 1, onde 0 significa ausência de concordância, e 1 concordância perfeita(27). Neste estudo foram encontrados apenas cinco artigos(12-16)que abordaram a avaliação da confiabilidade do MTS, e todos utilizaram o índice Kappa para aferir a confiabilidade da escala. Estes achados sugerem que novos estudos sobre a confiabilidade deste protocolo devem ser delineados, uma vez que conhecer a reprodutibilidade do MTS garante ao enfermeiro uma prática mais segura, e ao paciente que a atribuição do seu nível de gravidade reflita sua real condição de saúde.
Autores mostraram que o MTS é mais inclusivo, ou seja, elevou o nível de prioridade dos pacientes quando comparado às escalas canadense, ESI e a um protocolo holandês de triagem(12-14,18,7). Estudo realizado na Suécia mostrou que o MTS elevou a prioridade dos pacientes menos urgentes, mostrando uma baixa acurácia para triagem de casos de urgência menor(15). Estes achados permitem inferir que o MTS garante maior segurança na identificação de pacientes graves. Por outro lado, o aumento do nível de prioridade dos pacientes menos graves quando comparado a de outros protocolos pode acarretar um aumento da demanda por atendimento nos serviços de urgência, contribuindo para a superlotação dos mesmos.
A confiabilidade do MTS variou de boa a muito boa em estudo realizado no serviço de urgência pediátrica (Kappa: 0,65 a 0,83)(13). Em outros dois estudos, um realizado na Suécia e outro na Austrália, o MTS mostrou boa confiabilidade entre observadores, com índices Kappa de respectivamente 0,80 e 0,81(15-16). A concordância entre o MTS e outros dois protocolos de classificação de risco também foi avaliada. No primeiro comparando o MTS ao protocolo canadense, o MTS apresentou concordância média quando considerados os erros de classificação ocorridos entre as cores vizinhas (K = 0,48), e boa quando considerados os erros de classificação ocorridos entre cores extremas (K = 0,61)(12)No segundo estudo, o MTS apresentou melhor confiabilidade entre e intraobservadores quando comparado à escala ESI, sendo que o MTS obteve 90% de concordância nos julgamentos e quando se utilizou a ESI esta taxa caiu para 73%(14).
A concordância entre observadores reflete a capacidade de o MTS atribuir um mesmo nível de gravidade a um paciente quando usado por diferentes enfermeiros. Os estudos encontrados(12-16) apontam que a concordância entre observadores variou de 0,40 a 0,81, o que significa que a confiabilidade do MTS variou de moderada a quase perfeita, conforme os parâmetros adotados por Landis e Kock(27).
A concordância intraobservadores reflete a capacidade de reprodutibilidade dos resultados do MTS, ou seja, de garantir que o nível de gravidade atribuído ao paciente seja o mesmo quando o protocolo é utilizado mais de uma vez em tempos diferentes pelo mesmo enfermeiro para avaliar o mesmo paciente, dado que sua condição clínica permaneça constante. Os estudos encontrados(13-14) apontam que a concordância intraobservadores variou entre 0,65 e 0,84, mostrando uma confiabilidade que varia de substancial a quase perfeita(27).
Estudo realizado na emergência de um hospital infantil da Holanda mostrou que, quando comparado à escala ESI, o MTS apresentou melhor concordância, variando de 0,65 a 0,83(13). O mesmo resultado foi observado em estudo realizado em um Centro Acadêmico de Medicina em Amsterdã quando se comparou a concordância em ambos os protocolos, onde o valor do índice Kappa para o MTS variou de 0,68 a 0,83, enquanto para a ESI variou de 0,37 a 0,55(14). Outro estudo mostrou ainda que o MTS é um sistema de triagem confiável para departamento de emergência, especialmente quando avaliados os erros de concordância extremos, onde o intervalo de Kappa foi de 0,40 a 0,80, média de 0,63(16).
Assim, percebeu-se que a confiabilidade do MTS variou de moderada a quase perfeita, sendo maior quando avaliada a concordância intraobservadores. Estes achados apontam para a necessidade de revisão do MTS, de modo a identificar as fragilidades existentes no protocolo e que levam a divergências na classificação dos enfermeiros, no intuito de alcançar melhores níveis de confiabilidade interna e entre observadores. Na prática clínica, observa-se que uma das possíveis causas da divergência entre a classificação dos enfermeiros é a definição operacional dos discriminadores. Muitos destes são repetidos e não apresentam descrição clara da forma como devem ser avaliados. Este problema pode ter origem na falha em não seguir os passos metodológicos estabelecidos para a realização do processo de tradução e adaptação do protocolo para uso no Brasil. Assim, sugere-se um estudo metodológico que faça a tradução, adaptação e validação do MTS para uso no Brasil.
Dos 14 estudos selecionados, a maioria (9 - 64,2%) referia-se à validade do MTS. Esta foi mensurada tendo por referência os seguintes desfechos: evolução da gravidade dos pacientes(17); valores de sensibilidade e especificidade(18,21); porcentagem de overtriage e de undertriage(15,18,24-7); necessidade de hospitalização(19,22-23) e taxa de mortalidade(20,23).
Estudo realizado(17)correlacionou a classificação do paciente obtida utilizando o MTS com o nível de gravidade do mesmo mensurado pelo instrumento Therapeutic Intervention Scoring System (TISS - 28). Este sistema quantifica as intervenções terapêuticas realizadas pela enfermagem, levando em consideração a complexidade, o grau de invasão e o tempo dispensado para realizar determinados procedimentos no atendimento ao paciente crítico, podendo, por sua vez, dimensionar a gravidade do mesmo.
Os achados do estudo(17) mostraram que os pacientes obtiveram diferentes pontuações no TISS-28, e os que foram classificados em vermelho pelo MTS apresentaram evolução mais grave em relação aos grupos classificados em amarelo e laranja. Concluiu-se que os níveis de classificação estabelecidos pelo MTS são válidos para predizer a evolução dos pacientes, tendo como parâmetro de avaliação da gravidade o instrumento TISS-28 (mediana de pontuação: amarelo 6,5 pontos; laranja 11,5 pontos; vermelho 22 pontos; p<0,001). O MTS mostrou-se um instrumento válido que favorece a organização do trabalho da enfermagem, uma vez que, de acordo com os níveis de risco estabelecidos pelo protocolo, é possível predizer com acurácia que os pacientes classificados nos maiores níveis de gravidade requererão uma maior demanda do cuidado de enfermagem. Tal informação contribui para a organização do serviço e auxilia no aumento da eficiência dos atendimentos.
Outra maneira de verificar a validade de instrumentos é através dos seus valores de sensibilidade e especificidade. A sensibilidade é definida como a proporção de indivíduos com determinada patologia que é identificada corretamente por algum teste(9). Neste estudo a sensibilidade pode ser traduzida como a classificação de indivíduos em níveis maiores de gravidade, dado que sua condição real de saúde é grave. A especificidade é definida como a capacidade de identificar corretamente os indivíduos que não possuem a doença(9), ou seja, é a capacidade de o MTS classificar o paciente em níveis de menor prioridade, dado que a sua condição real de saúde não seja grave.
A fim de comparar a sensibilidade e especificidade dos protocolos de triagem ESI e MTS, estudo mostrou que ambos os protocolos apresentam baixa sensibilidade em todos os níveis de classificação, mas a especificidade para triar pacientes nos níveis 1 e 2 foi alta para os dois protocolos(18). Ou seja, o MTS é específico para identificar corretamente os pacientes que não pertencem aos níveis de gravidade mais altos, mas não identifica com acurácia os pacientes classificados nos demais níveis de gravidade.
Em contrapartida, estudo que avaliou a sensibilidade e especificidade do MTS em pacientes com doença coronariana aguda mostrou que a sensibilidade do MTS para identificar pacientes com prioridade elevada foi de 87,3%(21), ou seja, o MTS é válido para identificar de forma correta os pacientes graves que apresentam essa doença. Pesquisadores do departamento de emergência de um hospital da Holanda também mostraram que a sensibilidade do MTS para detectar emergências foi de 63% e a especificidade foi de 78%(26).
Os estudos encontrados que avaliaram a validade do MTS pela sensibilidade e especificidade mostram resultados variados, e parecem apontar para níveis equivalentes e satisfatórios de sensibilidade e especificidade do instrumento. Entretanto, recomenda-se a realização de novos estudos que visem avaliar a sensibilidade e especificidade do MTS para determinar o grau de prioridade de pacientes em serviços de urgência, de modo a se obter resultados mais uniformes.
Outro parâmetro utilizado para avaliar a validade do MTS nos estudos encontrados foi a porcentagem de pacientes triados acima do nível de gravidade real, denominada overtriage na língua inglesa, e de pacientes triados abaixo do nível de gravidade real, denominada undertriage.
Em estudo realizado na Holanda, a porcentagem de pacientes triados para níveis de gravidade menores à condição real apresentada foi de 15%, e 96% destes pacientes pertenciam a uma categoria inferior ao nível de urgência real da classificação. No mesmo estudo, a classificação acima do nível de gravidade real ocorreu em 40% dos pacientes, principalmente naqueles classificados em categorias inferiores do MTS(25). Quando avaliado em um hospital de emergências pediátricas, 54% dos pacientes apresentaram classificação acima do nível de gravidade real, e 12% foram triados para níveis de gravidade menores à condição real apresentada. A porcentagem de pacientes triados para níveis mais baixos de gravidade utilizando o MTS foi menor (11%) quando comparada à da escala ESI (20%)(22). Estes achados reforçam o caráter inclusivo do MTS e a baixa sensibilidade do mesmo para identificar pacientes com níveis menores de urgência.
A necessidade de hospitalização também foi indicada como parâmetro de mensuração da validade do MTS. Estudos encontraram associação positiva entre os níveis de risco estabelecidos pelo MTS e a necessidade de internação hospitalar(22-23). Ou seja, quanto maior o nível de urgência maior a necessidade de internação.
Assim como a necessidade de hospitalização, a taxa de mortalidade configurou-se como um importante desfecho utilizado para mensurar a validade do MTS. Estudo realizado em Portugal(23) mostrou uma forte associação entre o grupo de prioridade estabelecido pelo MTS e as taxas de mortalidade em curto prazo, sendo que quanto maior o nível de prioridade estabelecido no MTS, maior a taxa de mortalidade. Dentre os pacientes classificados em vermelho, 31,8% morreram contra 1,4% de mortalidade nos pacientes classificados em azul.
Estudos têm sido desenvolvidos para verificar a capacidade do MTS em triar pacientes com dor torácica típica(20-21). O MTS é capaz de atribuir com 87,3% de sensibilidade, nível de prioridade emergente ou muito urgente a pacientes com síndrome coronariana aguda(21). Este achado é corroborado por outro estudo(20) que mostrou que a mortalidade precoce nos pacientes com infarto agudo do miocárdio, classificados utilizando o fluxograma de Dor torácica, foi menor entre os pertencentes aos níveis mais altos de gravidade, ou seja, o protocolo identificou casos graves que receberam tratamento precoce, resultando em maior chance de sobrevida para o paciente(20).
Cabe ressaltar que os estudos encontrados nesta revisão integrativa no período de tempo estipulado (1999-2013), referem-se à avaliação da versão inglesa e portuguesa do MTS. Recentemente, estudo realizado na Alemanha(28), avaliou a validade e confiabilidade da versão alemã do protocolo de triagem de Manchester. A versão alemã difere da versão inglesa, pois foi submetida a processo de adaptação cultural que resultou em alterações nos fluxogramas de apresentação e nos discriminadores. Os resultados mostraram que a concordância entre enfermeiros para a versão alemã foi quase perfeita (K = 0,95), com valor de Kappa superior ao encontrado nos estudos que avaliaram a versão inglesa e portuguesa do protocolo, o que indica que estas versões necessitam de revisão quanto à validade de conteúdo, de modo a aumentar a confiabilidade do instrumento. Quanto à validade, a versão alemã do Protocolo de Manchester mostrou ser equivalente à versão inglesa e portuguesa, sendo bom preditor da admissão hospitalar, da necessidade de internação em unidade de terapia intensiva e da mortalidade.
Conclusão
A partir dos estudos avaliados, conclui-se que a confiabilidade do MTS varia entre moderada (K = 0,40) a quase perfeita (K = 0,84), sendo maior intraavaliadores. Este achado aponta para a necessidade de revisão do protocolo, de modo a aumentar sua reprodutibilidade, que é uma das condições mais importantes para garantir a confiabilidade de um instrumento de medida.
Cabe ressaltar que a classificação de risco é dependente da interação enfermeiro-paciente para identificação correta da queixa principal que irá ditar a escolha do fluxograma e dos discriminadores utilizados para definir o nível de risco do paciente. Assim, a garantia de um local e recursos adequados para avaliação do paciente, bem como a capacitação prévia dos enfermeiros na utilização do protocolo são intervenções necessárias para aumentar a confiabilidade da classificação de risco.
Quanto à validade, o MTS mostrou-se um protocolo mais inclusivo, ou seja, aumenta o nível de gravidade face à condição real apresentada pelo paciente. Estes achados puderam ser comprovados pelas porcentagens maiores de pacientes triados acima do nível de gravidade real, quando comparados àqueles triados para níveis inferiores de gravidade a que pertenciam. Assim, conclui-se que o MTS protege os pacientes, ao garantir um maior nível de prioridade e um menor tempo de espera para avaliação médica.
O MTS mostrou-se um bom preditor da necessidade de internação e da mortalidade, sendo, portanto, um instrumento útil, não só para gestão do risco clínico nas portas de entrada dos serviços de urgência e emergência, mas também para auxiliar no gerenciamento das demandas posteriores à classificação de risco, como recursos humanos e tecnológicos necessários ao atendimento dos pacientes, de acordo com os níveis de prioridade estabelecidos pelo protocolo.
Os protocolos direcionadores são necessários para guiar a avaliação do enfermeiro na classificação de risco e para diminuir o viés da subjetividade inerente ao processo de decisão clínica. A partir dos artigos encontrados, percebeu-se a necessidade da realização de novos estudos que investiguem a validade e confiabilidade do MTS, de modo a recomendar as modificações necessárias para que o mesmo seja utilizado com maior segurança pelos enfermeiros na gestão do risco clínico dos pacientes em serviços de urgência e emergência.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Jan-Feb 2015
Histórico
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Recebido
17 Ago 2014 -
Aceito
19 Out 2014