Fatores de risco para a saúde mental da população em meio a pandemia de COVID-19

RESUMO

Objetivo:

Identificar fatores de risco para a saúde mental na população em tempos de COVID-19 por meio da análise dos níveis atenção plena sociocognitiva e de percepção ao estresse nos indivíduos.

Método:

Trata-se de um estudo observacional do tipo transversal com abordagem quantitativa, realizado por meio de coleta de dados online utilizando a Escala de Estresse Percebido e a Escala de Atenção Plena de Langer em uma amostra de 955 indivíduos de diversas regiões do Brasil.

Resultados:

Mulheres, pessoas mais jovens e indivíduos com baixas condições socioeconômicas apresentaram maiores níveis de estresse percebido. Em contrapartida, os homens mais velhos e indivíduos com altas condições socioeconômicas apresentaram maiores níveis de atenção plena.

Conclusão:

A atenção plena sociocognitiva não se constituiu fator de proteção ao estresse percebido no contexto pandêmico da COVID-19.

DESCRITORES
Infecções por Coronavírus; COVID-19; Estresse Psicológico; Atenção Plena; Enfermagem; Saúde Mental

ABSTRACT

Objective:

To identify risk factors for mental health in the population in times of COVID-19 through the analysis of levels of socio-cognitive mindfulness and perception of stress in individuals.

Method:

This is a cross-sectional observational study with a quantitative approach, carried out through online data collection using the Perceived Stress Scale and the Langer Mindfulness Scale in a sample of 955 individuals from different regions of Brazil.

Results:

Women, younger people and individuals with low socioeconomic conditions had higher levels of perceived stress; on the other hand, older men and individuals with high socioeconomic status had higher levels of mindfulness.

Conclusion:

Socio-cognitive mindfulness was not a protective factor for perceived stress in the context of the COVID-19 pandemic.

Coronavirus Infection; COVID-19; Stress; Psychological; Mindfulness; Nursing; Mental Health

RESUMEN

Objetivo:

Identificar factores de riesgo para la salud mental en la población en tiempos de COVID-19 a través del análisis de los niveles de mindfulness sociocognitivo y percepción de estrés en los individuos.

Método:

Se trata de un estudio observacional transversal con enfoque cuantitativo, realizado a través de la recolección de datos en línea utilizando la Escala de Estrés Percibido y la Escala de Mindfulness de Langer en una muestra de 955 individuos de diferentes regiones de Brasil.

Resultados:

Las mujeres, los jóvenes y las personas con condiciones socioeconómicas bajas presentaron mayores niveles de estrés percibido. Por el contrario, los hombres mayores y las personas con un nivel socioeconómico alto tenían niveles más altos de atención plena.

Conclusión:

El mindfulness sociocognitivo no fue un factor protector para el estrés percibido en el contexto de la pandemia de COVID-19.

DESCRIPTORES
Infecciones por Coronavirus; COVID-19; Estrés Psicológico; Atención Plena; Enfermería; Salud Mental

INTRODUÇÃO

Em dezembro de 2019, na província de Hubei, na China, foram relatados os primeiros casos de uma pneumonia de causa desconhecida, o novo coronavírus (COVID-19), fazendo com que as autoridades daquele país começassem uma investigação para caracterizar e controlar a doença(¹). Dentre as medidas de controle adotadas, estavam o isolamento social dos casos suspeitos, o monitoramento dos contatos e a coleta de dados clínicos e epidemiológicos dos pacientes(¹). Em janeiro de 2020, o governo chinês divulgou uma notificação especificando que a intervenção em crise psicológica também seria parte da resposta da saúde pública ao surto(²).

Apesar das medidas adotadas, a nova doença rapidamente se espalhou por 114 países, levando a Organização Mundial de Saúde (OMS) a declarar oficialmente o quadro de pandemia global em 11 de março de 2020(³). No Brasil, o primeiro caso da COVID-19 foi registrado em 26 de fevereiro em São Paulo. Um mês depois, todos os estados estavam com casos confirmados, e o país já registrava oficialmente 77 mortes pela COVID-19(⁴).

O decreto da pandemia de COVID-19 colocava o mundo diante de uma nova doença com alto poder de contágio e das incertezas decorrentes da falta de um tratamento seguro e eficaz. Desse modo, a COVID-19 causou transformações profundas, espalhando-se rapidamente pelas interconexões de um mundo globalizado, atingindo essas interconexões e exigindo uma rápida reorganização dos diversos setores da sociedade para compreender, adaptar-se e combater o novo vírus. Nesse contexto, a restrição da mobilidade adotada em diversos países, as incertezas econômicas, o medo, as mortes diárias pela doença e a explosão de informações para cobrir a situação local e mundial passaram a fazer parte do cotidiano(⁵).

Levando em conta esse contexto de transformações, medos e incertezas, as Nações Unidas reconheceram que a crise causada pela pandemia possuía as sementes para uma crise de saúde mental de grandes proporções, se nenhuma ação fosse tomada, por isso, a necessidade de priorizar ações que promovessem suporte para os indivíduos lidarem com esse momento(⁶). A necessidade de lidar com as incertezas e o medo da crise são fatores de risco para o desenvolvimento de diversos transtornos mentais, desde perda da produtividade até o suicídio. Nesse contexto, o medo da pandemia causa ansiedade e estresse, afetando diretamente o modo como as pessoas percebem os acontecimentos ao seu redor.

Situações de crise como a pandemia de COVID-19 têm potencial de causar danos generalizados que requerem da sociedade preparo e resiliência. Assim, com a finalidade de contribuir na instrumentalização da sociedade para lidar com essas situações, consideramos importante conhecer como os indivíduos foram afetados pela pandemia e sua capacidade de enfrentar as transformações decorrentes da crise. O presente estudo teve por objetivo identificar fatores de risco para a saúde mental em tempos da COVID-19 na população em geral.

MÉTODO

Tipo de Estudo

Trata-se de um estudo observacional do tipo transversal com abordagem quantitativa. A pesquisa foi realizada online com base nos protocolos Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE) e Checklist for Reporting Results of Internet E-Surveys (CHERRIES).

População e Amostra

Intencionou-se envolver toda a população residente no Brasil. A amostra foi autosselecionada pela população geral, composta segundo o critério da acessibilidade ou conveniência, constituindo-se, portanto, uma amostra não probabilística de voluntários que responderam espontaneamente aos questionários. No total, participaram do estudo 955 pessoas de diferentes estados brasileiros.

Critérios de Seleção

Foi usado o critério de seleção da acessibilidade, e as pessoas foram abordadas pelas redes sociais, e-mails, sistema acadêmico da universidade e aplicativos de celular. Foram incluídos voluntários maiores de 18 anos, com acesso à internet e capacidade de ler e compreender o questionário disponibilizado em português. Para minimizar o viés da pesquisa online, foram tomados cuidados necessários ao destinar o questionário para grupos distintos, utilizando diversos instrumentos de divulgação. Foram excluídos os participantes que deixaram de responder a pelo menos 20% dos itens de cada questionário e com tempo de resposta ao questionário muito curto (até dois minutos).

Coleta de Dados

A coleta ocorreu de setembro de 2020 até janeiro de 2021. A divulgação foi feita nas redes sociais de grupos de pesquisa, estudantes, gestantes, esportistas de todo o país. O link com acesso aos instrumentos foi disponibilizado nos sistemas de informação e nas redes sociais da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Ao todo, esse link recebeu 1.927 cliques. Nesse sentido, o link era composto por instrumentos autoaplicáveis: um questionário sociodemográfico e de saúde elaborado para este estudo, bem como as versões validadas para o contexto brasileiro da Escala de Estresse Percebido (Perceived Stress Scale – PSS)(⁷) e da Escala de Atenção Plena de Langer (LMS)(⁸). As questões não possuíam respostas obrigatórias conforme recomendações do protocolo CHERRIES.

O questionário sociodemográfico foi composto por perguntas relacionadas ao sexo, idade, estado civil, escolaridade, vínculo empregatício, modalidade do trabalho (remoto ou presencial), cor da pele (branca ou não branca), crença religiosa, renda familiar (em salários mínimos) e filhos. As questões relacionadas aos dados de saúde se o participante tinha ou morava com alguém com doença crônica, se o participante ou familiar teve COVID-19, se alguém próximo (parentes, amigos, vizinhos) faleceu em decorrência da COVID-19, frequência de consumo de bebida alcoólica, se realizava acompanhamento psicoterápico (sim/não) e se fazia tratamento com psicotrópico (sim/não e qual). As questões buscavam saber informações do momento da pandemia. A exceção foi sobre o sentimento de sobrecarga (trabalho e atividades do cotidiano) que foi solicitada uma comparação com o período anterior da pandemia por meio da resposta em uma escala numérica que variava de 1 a 4 (1 = concordo totalmente a 4 = discordo totalmente) à seguinte afirmação: sinto-me mais sobrecarregado hoje do que antes do isolamento social.

A PSS, elaborada por Cohen et al.(⁹), é um instrumento de domínio público que determina o grau de percepção de situações consideradas estressantes(⁹). A versão utilizada neste estudo é a composta por 14 itens, traduzida do inglês americano para o português e validada no Brasil(⁷). As afirmativas da PSS têm as suas opções de respostas variando de 0 a 4 (0 = nunca a 4 = sempre) com um escore total que varia de 0 a 56 pontos. Pontuações mais altas indicam maior estresse percebido(⁷). A consistência interna da PSS foi avaliada pelo alfa de Cronbach (α), apresentando um índice de consistência interna muito bom (α = 0,91).

A LMS, elaborada por Pirson et al.(¹⁰), avalia o estado de atenção plena sociocognitiva e tem 21 itens(¹⁰). Foi traduzida do inglês americano e validada para o Brasil(⁸), e sua utilização no presente estudo foi autorizada pela autora original. A atenção plena, também conhecida como mindfulness, pode ser compreendida como sendo uma mentalidade ativa caracterizada por uma nova percepção dos acontecimentos que resulta em ser (1) situado no presente, (2) sensível ao contexto e perspectiva, e (3) guiado mas não governado por regras e rotinas. Nesse sentido, a atenção plena se manifesta na flexibilidade cognitiva que aumenta o grau em que um indivíduo está buscando novas perspectivas, envolvido em atividades criativas e a capacidade de envolvimento com o momento presente(¹⁰). As afirmativas da LMS oferecem respostas em uma escala do tipo Likert, que varia de 1 a 7 (1 = discordo totalmente a 7 = concordo totalmente). A soma das respostas dos itens é o escore geral da LMS, o qual pode variar de 21 a 147 pontos(¹⁰). Quanto maior o valor, maior o nível de atenção plena. A LMS apresentou uma boa consistência interna (α = 0,80).

Análise e Tratamento de Dados

Os dados coletados foram transferidos para planilhas de cálculo do Microsoft Excel. Após a exclusão dos endereços eletrônicos dos participantes pelo pesquisador principal, os dados foram transferidos para a versão 27.0 do software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) para as análises iniciais e testes de hipóteses. Também foi utilizado o software R por meio da interface Rstudio e o pacote ggstatsplot (General Public Licence, v3.0) para demais análises. Foram realizadas análises descritivas dos dados sociodemográficos, dos níveis de atenção plena e qualidade de vida. Na análise preliminar, as distribuições de frequência de todas as variáveis foram examinadas por meio do teste de Shapiro-Wilk.

A relação das variáveis sociodemográficas e de saúde com os resultados da LMS e da PSS apresentaram uma distribuição não normal e foram testadas quanto à significância das diferenças de grupo por análise não paramétrica de variância, testes de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis. Na análise das correlações entre o nível de estresse percebido e o escore total de atenção plena, houve uma distribuição normal. Foi aplicado o teste de correlação de Pearson e analisado de acordo com as convenções de Cohen para análise do poder estatístico: pequeno (0,10 – 0,29), médio (0,30 – 0,49) e grande (0,50 – 1,00)(¹¹). O nível de significância adotado no estudo foi de 0,05.

Aspectos Éticos

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, sob Parecer 4.250.872 de 2020, seguindo as recomendações da Resolução 466/2012 e contando com a participação voluntária. Na etapa inicial da pesquisa, os voluntários tinham acesso ao TCLE com instruções sobre a natureza e objetivos do estudo. Apenas após manifestar aceite de participação da pesquisa junto ao TCLE eletrônico, ocorria a liberação dos questionários para serem respondidos.

RESULTADOS

Caracterização Sociodemográfica e de Saúde

A partir da divulgação do link dos instrumentos de coleta, 1.024 indivíduos responderam ao TCLE disponibilizado na primeira etapa da coleta. Desses, 13 (1,3%) optaram por marcar o item de que não concordavam em participar da pesquisa, 47 (4,6%) respostas foram duplicadas e 5 (0,5%) clicaram em participar, porém não responderam aos questionários. Foram excluídos ainda 4 (0,4%) participantes que deixaram mais de 20% das questões em branco. Assim, a amostra final desse estudo foi composta por 955 participantes.

Dos 955 participantes, a maioria era do estado do Maranhão, com 831 (87,0%); 622 (65,1%) eram mulheres; 465 (48,7%) estavam na faixa etária dos 21 aos 30 anos; 600 (62,8%) declararam ter cor de pele não branca; 699 (73,2%) tinham alguma crença religiosa; 509 (53,3%) tinham ensino superior incompleto; 392 (41,5%) tinham renda mensal de 1 – 3 salários mínimos; 692 (72,9%) não viviam com companheiro; 725 (80,8%) não tinham filhos; e 584 (63,8%) não estavam em home office. Sobre o sentimento de sobrecarga ser maior no momento da pandemia de COVID-19 do que antes, a maioria 409 (42,8%) afirmou que concordava completamente com o sentimento de sobrecarga (Tabela 1).

Tabela 1.
Variáveis sociodemográficas dos participantes (n = 955), Imperatriz, MA, Brasil, 2021.

Variáveis sociodemográficas		n (%)
Sexo (n = 952)	Feminino	622 (65,1)
	Masculino	333 (34,9)
Faixa etária (anos)	<21	192 (20,1)
	21 – 30	465 (48,7)
	31 – 40	168 (17,6)
	41 – 50	81 (8,5)
	51 – 60	37 (3,9)
	≥61	12 (1,3)
Cor da pele (n = 944)	Branca	344 (36,0)
	Não branca	600 (62,8)
Crença religiosa (n = 951)	Possui crença	699 (73,2)
	Não possui crença	252 (26,4)
Grau de instrução	Ensino fundamental completo	4 (0,4)
	Ensino médio incompleto	6 (0,6)
	Ensino médio completo	101 (10,6)
	Ensino superior incompleto	509 (53,3)
	Ensino superior completo	110 (11,5)
	Especialização	87 (9,1)
	Mestrado	66 (6,9)
	Doutorado	72 (7,5)
Renda mensal (em salários mínimos)	<1	151 (16,0)
	1 – 3	392 (41,5)
	3 – 6	201 (21,3)
	6 – 10	169 (17,9)
	11 – 15	31 (3,3)
Estado de residência	Maranhão	831 (87,0)
	Goiás	34 (3,6)
	Rio Grande do Norte	33 (3,5)
	Pará	10 (1,0)
	São Paulo	10 (1,0)
	Outros estados	37 (3,7)
Vive com companheiro(a)	Sim	257 (27,1)
	Não	692 (72,9)
Filhos	0	725 (80,8)
	1	106 (11,8)
	2	66 (7,4)
Trabalho em home office	Sim	331 (36,2)
	Não	584 (63,8)
Sinto-me mais sobrecarregado hoje do que antes do isolamento social	(1) Concordo totalmente	409 (42,8)
	(2) Concordo parcialmente	368 (38,5)
	(3) Discordo parcialmente	113 (11,8)
	(4) Discordo totalmente	65 (6,8)

• Fonte: dados da pesquisa.

Com relação às variáveis de saúde, a maioria referiu não ser portador nem morar com pessoas portadoras de doenças crônicas (78,6% e 59,1%, respectivamente). Afirmou que algum familiar já tinha se contaminado com a COVID-19 um total de 390 (40,9%) da amostra, e 504 (52,9%) respondentes conheciam alguém próximo que faleceu em decorrência da COVID-19. Dos participantes, 813 (85,1%) não faziam acompanhamento psicoterápico; 324 (56,2%) não bebiam com frequência; 871 (91,5%) não fumavam; e 863 (90,4%) não faziam uso de psicotrópico durante o período da pandemia de COVID-19 (Tabela 2).

Tabela 2.
Distribuição dos participantes segundo variáveis de saúde (n = 955), Imperatriz, MA, Brasil, 2021.

Variáveis de saúde		N (%)
Doença crônica	Sim	203 (21,4)
	Não	744 (78,6)
Mora com alguém com doença crônica	Sim	389 (40,9)
	Não	561 (59,1)
Quem teve COVID-19	Eu	221 (23,2)
	Familiares	390 (40,9)
	Outros	299 (31,3)
	Não conheço	44 (4,6)
Alguém próximo faleceu por COVID-19	Sim	504 (52,9)
	Não	448 (47,1)
Acompanhamento psicoterápico	Sim	142 (14,9)
	Não	813 (85,1)
Frequência de consumo de bebidas alcoólicas	Uma vez por mês ou menos	324 (56,2)
	2 a 4 vezes por mês	195 (33,8)
	2 a 3 vezes por semana	51 (8,8)
	4 ou mais vezes por semana	7 (1,2)
Fuma	Sim	81 (8,5)
	Não	871 (91,5)
Usa psicotrópico	Sim	92 (9,6)
	Não	863 (90,4)

• Fonte: dados da pesquisa.

Comparação do Estresse Percebido e da Atenção Plena com as Variáveis Sociodemográficas e de Saúde

Todos os participantes responderam à PSS, sendo que o escore geral foi de 32,2 (±9,8). Um total de 952 indivíduos responderam a LMS, com escore total de 94,4 (±14,5).

A Tabela 3 apresenta a relação das variáveis sociodemográficas e de saúde dos participantes com os resultados da LMS e da PSS quanto à significância das diferenças de grupo por análise não paramétrica de variância, permitindo uma análise estatística de significância das variáveis quantitativas e variáveis qualitativas nominais e ordinais.

Tabela 3.
Relação das variáveis sociodemográficas e de saúde dos participantes com os resultados da LMS e da PSS, (N = 955), Imperatriz, MA, Brasil, 2021.

Variáveis sociodemográficas e de saúde		PSS (n = 955)		LMS (n = 952)
		Mediana (máx – mín)	p	Mediana (máx – mín)	p
Sexo (n = 952)	Feminino	34 (56 – 5)	<0,00*	93 (132 – 35)	<0,00*
	Masculino	30 (53 – 5)		98 (132 – 50)
Faixa etária (anos) (n = 955)	<21	36 (55 – 6)	<0,00**	94 (123 – 50)	<0,00**
	21 – 30	35 (56 – 5)		92 (132 – 35)
	31 – 40	30 (53 – 6)		95 (124 – 55)
	41 – 50	28 (51 – 5)		101(130 – 67)
	51 – 60	25 (43 – 8)		101 (132 – 50)
	≥61	25 (39 – 9)		100 (129 – 78)
Cor da pele (n = 944)	Branca	32 (56 – 5)	0,32*	96 (130 – 55)	0,02*
	Não branca	33 (56 – 5)		94 (132 – 35)
Crença religiosa (n = 951)	Crente	32 (56 – 5)	<0,00*	94 (132 – 50)	0,04*
	Não crente	36 (56 – 7)		97 (132 – 50)
Grau de instrução	Ensino fundamental completo	34 (44 – 29)	<0,00**	87 (91 – 72)	<0,00**
	Ensino médio incompleto	43 (48 – 16)		97 (103 – 71)
	Ensino médio completo	33 (53 – 5)		91 (123 – 50)
	Ensino superior incompleto	35 (56 – 6)		93 (130 – 53)
	Ensino superior completo	31 (53 – 11)		94 (126 – 63)
	Especialização	30 (51 – 5)		96 (132 – 35)
	Mestrado	30 (45 – 8)		99 (132 – 65)
	Doutorado	28 (45 – 5)		103 (135–65)
Renda mensal (em salários mínimos)	<1	34 (56 – 6)	<0,00**	91 (129 – 55)	<0,00**
	1 – 3	34 (56 – 5)		95 (132 – 35)
	3 – 6	33 (55 – 8)		95 (132 – 50)
	6 – 10	30 (56 – 5)		98 (130 – 63)
	11 – 15	28 (45 – 8)		98 (129 – 73)
Vive com companheiro(a)	Sim	30 (54 – 5)	<0,00*	95 (132 – 56)	0,04*
	Não	34 (56 – 5)		95 (132 – 35)
Filhos	0	34 (56 – 5)	<0,00**	95 (132 – 50)	0,10**
	1	29 (50 – 5)		95 (121 – 35)
	2	27 (50 – 11)		98 (126 – 64)
Trabalho em home office	Sim	31 (55 – 5)	<0,00*	98 (130 – 35)	<0,00*
	Não	34 (56 – 5)		92 (132 – 53)
Sinto-me mais sobrecarregado do que antes do isolamento social	(1) Concordo totalmente	35 (56 – 6)	<0,00**	97 (132 – 35)	0,48**
	(2) Concordo parcialmente	31 (53 – 6)		94 (132 – 56)
	(3) Discordo parcialmente	30 (49 – 7)		94 (129 – 53)
	(4) Discordo totalmente	25 (53 – 5)		94 (130 – 50)
Doença crônica	Sim	34 (56 – 9)	0,10*	97 (129 – 55)	<0,00*
	Não	33 (56 – 5)		94 (132 – 35)
Mora com alguém com doença crônica	Sim	34 (56 – 6)	<0,00*	95 (132 – 50)	0,52*
	Não	31 (56 – 5)		95 (130 – 35)
Quem teve COVID-19	Eu	35 (56 – 6)	<0,00**	94 (129 – 35)	0,38**
	Familiares	34 (55 – 5)		95 (132 – 55)
	Outros	31 (54 – 6)		95 (132 – 59)
	Não conheço	32 (52 – 14)		95 (128 – 67)
Acompanhamento psicoterápico	Sim	35 (56 – 13)	<0,00*	99 (130 – 55)	0,01*
	Não	32 (56 – 5)		94 (132 – 35)
Usa psicotrópico	Sim	34 (56 – 13)	0,03*	95 (129 – 55)	0,93*
	Não	33 (56 – 5)		95 (132 – 35)
Fuma	Sim	34 (54 – 11)	0,01*	94 (124 – 63)	0,49*
	Não	32 (56 – 5)		95 (132 – 35)

• PSS: Escala de Estresse Percebido; LMS: Escala de Atenção Plena de Langer.
  *Mann-Whitney U Test. **Kruskal–Wallis test, p-valor < 0,05.
  Fonte: dados da pesquisa.

De acordo com a Tabela 3, foi estatisticamente significante (p< 0,00) a comparação das variáveis sexo, faixa etária, crença religiosa, grau de instrução, renda mensal, viver com companheiro, trabalho em home office, sentimento de sobrecarga, morar com alguém com doença crônica, quem teve COVID-19 e acompanhamento psicoterápico com a avaliação do estresse percebido (PSS). Também, foi estatisticamente significante (p< 0,00) a comparação das variáveis sexo, faixa etária, crença religiosa, renda mensal, trabalho em home office e doença crônica com a avaliação da atenção plena (LMS).

Correlação Entre Estresse Percebido e Atenção Plena

A correlação de Pearson mostrou que, em 952 participantes, a variável atenção plena (LMS) apresentou uma correlação negativa com o estresse percebido (PSS): t(950) = –8,57, p= 4,28e–17), ou seja, quanto maior a atenção plena, menor o estresse percebido. O tamanho do efeito (r = –0,27, IC95% [–0,33, –0,21]) foi pequeno, conforme as convenções de Cohen. O Fator de Bayes (log_e(BF₀₁) = –32,24, r = –0,27 IC95%[–0,33, –0,21]) para a mesma análise revelou uma forte evidência de que os resultados indicaram que o estresse percebido não teve associação estatisticamente significante na atenção plena na amostra deste estudo (Figura 1).

Figura 1.
Correlação entre atenção plena (LMS) e estresse percebido (PSS). PSS: Escala de Estresse Percebido; LMS: Escala de Atenção Plena de Langer. A distribuição de cada variável é mostrada nas diagonais do gráfico. Na parte central da figura, é exibido um diagrama de dispersão bivariado com uma linha ajustada indicando a direção da relação entre as variáveis. Da amostra de 955, três deixaram de responder a LSM na íntegra. Método: Pearson. Fonte: dados da pesquisa utilizando o pacote estatístico pacote ggstatsplot.

DISCUSSÃO

No geral, os resultados desta pesquisa mostraram que a maioria dos participantes apresentou escores gerais de estresse percebido variando de moderado (59,1%) a alto (32%) e atenção plena com níveis elevados (44,8%). Os fatores que mais influenciaram esses resultados foram o sexo, a faixa etária, a crença religiosa, a renda mensal familiar, a convivência com companheiro, a modalidade de trabalho e o acompanhamento psicoterápico.

Nessa pesquisa, as mulheres apresentaram maiores níveis de estresse percebido quando comparadas com os homens. Embora tais achados demonstrem que a pandemia não alterou essas diferenças entre homens e mulheres, estudos encontraram uma forte relação entre o gênero feminino e a experiência de solidão durante a pandemia de COVID-19(¹²) e uma propensão maior das mulheres a ter medo da COVID-19(¹³). Nesses estudos, a solidão e o medo foram fatores que influenciaram os níveis de estresse em mulheres durante a pandemia de COVID-19, em decorrência da necessidade de isolamento físico e do risco de adoecimento(¹²,¹³).

Os níveis de atenção plena foram maiores em pessoas mais velhas do sexo masculino, porém a literatura ainda é escassa quanto a estudos que descrevem a relação das características sociodemográficas com a atenção plena sociocognitiva, havendo uma maior gama de estudos relacionados a atenção plena meditativa(¹⁴). A resiliência pode ser um dos fatores que explicam maiores níveis de atenção plena em pessoas mais velhas, principalmente na capacidade de produzir diversas perspectivas e envolvimento com os acontecimentos do momento presente(⁸,¹⁵).

Os participantes que relataram renda mais baixa e ensino fundamental e médio completos obtiveram maiores níveis de estresse percebido. Durante a pandemia de COVID-19, uma renda familiar adequada e uma boa formação educacional foram fatores protetores da saúde mental por permitirem processar melhor as informações e a instabilidade econômica provocada durante a crise(¹⁶). Por outro lado, a insegurança financeira, a incapacidade de lidar com o excesso de falsas informações, a extensa cobertura da mídia sobre a COVID-19, a morte e o infortúnio contribuíram para aumentar a angústia da população(¹⁶).

De acordo com os resultados deste estudo, os indivíduos sem crença religiosa apresentaram maiores níveis de estresse percebido e maiores níveis de atenção plena. Interpretando esses achados, conforme a teoria da atenção sociocognitiva(¹⁰), é provável que o contexto de pandemia de COVID-19 tenha estimulado a produção de novidades e a flexibilidade em pessoas não religiosas, pois essas características relacionam-se com a forma como a pessoa se movimenta em seu ambiente(¹⁰). A tendência para a produção de novidades leva a uma capacidade de atuar no ambiente criando ativamente categorias novas ao invés de depender do modo já habitual de lidar com as situações do cotidiano. A flexibilidade é a capacidade de observar conscientemente as próprias experiências a partir de diferentes perspectivas, causando mudanças necessárias no próprio comportamento(¹⁷).

Neste estudo, as pessoas solteiras e sem filhos apresentaram níveis de estresse mais elevados, o que contrasta com os resultados de uma pesquisa com 53.524 usuários de internet realizada em 26 países(¹⁸), mostrando que indivíduos com filhos relataram maiores níveis de estresse durante a pandemia de COVID-19, em comparação com pessoas que moravam sozinhas ou com adulto.

Todavia, os níveis de estresse mais elevados em solteiros e sem filhos podem ter consonância com a literatura ao mostrar que a ausência de relações familiares privam o indivíduo de oportunidade de interação social, sobretudo em tempos de isolamento físico, que por sua vez tem potencial de impactar no bem-estar biopsicossocial(¹⁹).

Sabe-se que ter filhos pode ser um fator estressante em decorrência da sobrecarga de serviços domésticos, do medo que a criança possa contrair a COVID–19 e até mesmo dos gastos econômicos mais elevados. Essas questões podem aumentar os níveis de estresse percebido em pessoas com maior quantidade de crianças em casa(¹⁸). Todavia, nossos achados mostraram que indivíduos com duas crianças em casa apresentaram menores níveis de estresse durante a pandemia de COVID-19. É possível que o bem-estar de crianças com irmãos tenha sido menos afetado, quando comparado com filhos únicos, porque ter com quem brincar durante o período de distanciamento físico contribuiu para o bem-estar infantil(²⁰).

Os participantes que estavam trabalhando em home office atingiram graus mais elevados de atenção plena. O trabalho em casa em épocas como a da pandemia de COVID–19 tem o potencial de promover benefícios como um menor risco de infecção e um maior sentimento de segurança. Esses benefícios podem ser relacionados a um estado de atenção plena maior(²¹).

Todavia, os indivíduos que concordaram totalmente com o sentir-se mais sobrecarregados no momento da pesquisa do que antes da pandemia de COVID-19 apresentaram maiores níveis de estresse. Em relação à sobrecarga nesse período, os principais achados são relacionados aos meios tecnológicos. As pessoas que relataram maior desenvolvimento de atividades assíncronas utilizando ferramentas digitais tiveram maior percepção de sobrecarga, enquanto o desenvolvimento de atividades síncronas não foi associado à sobrecarga(²²).

A partir da análise das variáveis de saúde, percebeu-se que aqueles que tinham alguma doença crônica obtiveram maior nível de atenção plena, apesar de essa população ser enquadrada no grupo de risco durante a pandemia de COVID-19(²³). A experiência de viver com uma doença crônica pode ter contribuído para o desenvolvimento de uma maior atenção aos acontecimentos do presente e maior habilidade de autocuidado nesse grupo, e isso pode favorecer o estado de atenção plena(²⁴).

Os resultados que indicaram maiores níveis de estresse em indivíduos que afirmaram ter contraído COVID–19 e que moravam com pessoas portadoras de doença crônica podem ter relação com a insegurança sobre as condições de saúde e o grande fluxo de notícias insuficientes para oferecer segurança para o controle da doença. Esses fatores foram considerados potenciais desencadeadores tanto de estresse como de transtorno de estresse pós-traumático(²⁵). Ainda que o estresse seja uma condição presente naqueles que moram ou são cuidadores de pessoas com doenças crônicas(²³), o contexto pandêmico pode ter incrementado essa condição. Em concordância com os nossos achados, uma pesquisa com 1.210 pessoas na China demonstrou impacto psicológico de moderado a grave em mais da metade dos entrevistados, sendo que 75,2% apresentaram preocupação com a possibilidade dos familiares terem COVID-19(²⁶).

Os estressores relacionados à crise da COVID-19 terão impacto na saúde mental da população em geral por período indeterminado, gerando uma expectativa de que pelo menos 10,0% da população desenvolva sintomas do estresse pós-traumático(²⁷). Nesse contexto, o acompanhamento psicoterapêutico é uma ferramenta importante para ajudar os indivíduos a lidar com as sequelas de saúde mental e comportamental da pandemia(²⁷). Na nossa amostra, a maioria (85,1%) dos participantes respondeu que não estava fazendo acompanhamento psicoterápico no momento da pesquisa, e esses apresentaram níveis de atenção plena menores. Esse dado mostra a necessidade de popularizar e disseminar a importância do cuidado da saúde mental.

As correlações entre os escores gerais de avaliação da atenção plena (LMS) e do estresse percebido (PSS) indicaram que, quanto maior a atenção plena, menores os níveis de estresse percebido, sendo semelhante aos achados de outros estudos em que a atenção plena se associa positivamente à qualidade de vida e negativamente a diversos sintomas psicológicos e ao estresse percebido(²⁸). Todavia, neste estudo, a atenção plena sociocognitiva não apresentou uma diferença estatística na amostra no contexto da pandemia de COVID-19. Isso ocorreu, provavelmente, pelo fato de a LMS ser estruturada em construtos de percepção de novidade(¹⁰) e a pandemia ter sido um período de rápidas transformações sociais e cotidianas que foram necessárias para promover uma adaptação que representava uma necessidade real de preservação da vida.

Identificar os possíveis fatores de risco para a saúde mental na população geral durante a pandemia de COVID-10 por meio de uma avaliação dos níveis atenção plena sociocognitiva e do estresse percebido dos participantes foi importante para compreender melhor o processo de crise enfrentado pela população. As mudanças repentinas causadas pela COVID-19 trouxeram sentimentos de falta de controle e imprevisibilidade que requereram capacidade de adaptação por meio de atenção ao que estava acontecendo e sensibilidade ao contexto pandêmico(⁹,¹⁰).

Quanto às limitações desta pesquisa, em primeiro lugar, a coleta de dados online pode ter risco de viés, pois nem todas as pessoas têm chances iguais de receberem o convite de participação. Em segundo lugar, reconhecemos a característica não probabilística da amostra, a qual concentrou-se em sua maioria na região do nordeste, mesmo o questionário sendo divulgado em grupos de todas as regiões do país. Entretanto, essa limitação pode ter ocorrido pelo fato de que uma das ferramentas utilizadas que possibilitou uma divulgação mais ampla dos questionários foi através do Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas da UFMA, permitindo que os questionários tivessem maior alcance principalmente aos alunos e funcionários da UFMA em seus diversos polos. Ainda que não tenhamos dados que indiquem a distribuição da frequência desse tipo de estudo nas regiões do território nacional, hipoteticamente, pode haver uma relação entre a disponibilidade e o número de convites para participar voluntariamente.

Além disso, a pesquisa atual avaliou aspectos pontuais de um momento determinado em meio a pandemia de COVID-19, não havendo uma comparação do estado psíquico em momentos anteriores à pandemia. Ademais, tais questões sugerem necessidades de novos estudos, a fim de avaliar a extensão dos referentes resultados em outras populações.

CONCLUSÃO

Esta pesquisa permitiu verificar os fatores de risco para a saúde mental, os níveis de atenção plena e de estresse percebido dos indivíduos no contexto pandêmico de COVID–19. Em particular, os participantes do sexo feminino e os indivíduos com baixas condições socioeconômicas foram os mais afetados pela pandemia de COVID-19, apresentando níveis de estresse mais elevados. Por outro lado, o apoio psicológico, a presença de filhos em casa, os relacionamentos familiares e uma crença religiosa podem ser fatores protetores.

Apesar de consolidada na literatura a relação entre a atenção plena e menores níveis de estresse, a mensuração da atenção plena sociocognitiva mostrou que essa perspectiva fortemente influenciada por constructos sociais e novidades não se constituiu fator de proteção ao estresse percebido no contexto da pandemia de COVID-19.

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Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Thiago da Silva Domingos

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  23 Jun 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  24 Ago 2022
• Aceito
  25 Abr 2023