Acidente escorpiônico moderado ou grave: identificação de fatores de risco

RESUMO

Objetivo:

Caracterizar os acidentes escorpiônicos do Centro de Informação e Assistência Toxicológica (CIATox) de Campinas, analisar fatores de risco relacionados à classificação moderada e grave e determinar faixa etária de maior risco para esta classificação.

Método:

Estudo transversal e retrospectivo, com pacientes atendidos presencialmente pelo CIATox, que sofreram acidente escorpiônico, de janeiro de 2015 a dezembro de 2019. Foi realizada análise descritiva e inferencial. Para a variável idade foi construída uma curva ROC com o intuito de determinar pontos de corte em relação à classificação de gravidade. Foram ajustados modelos de regressão Poisson considerando a classificação de gravidade como variável dependente.

Resultados:

Foram analisados 754 casos com idade média de 36,05 anos, maioria do sexo feminino e acidentes não ocupacionais ocorridos na zona urbana. O escorpião mais frequente foi o Tityus serrulatus. Os fatores de risco encontrados para maior gravidade foram faixa etária até 22 anos e atendimento prévio em outros serviços de saúde.

Conclusão:

A faixa etária até 22 anos deve ser usada como fator preditivo de gravidade na avaliação clínica dos pacientes picados por escorpião para realização de manejo adequado dos casos.

DESCRITORES
Picadas de Escorpião; Fatores de Risco; Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

To characterize scorpion accidents at the Information and Toxicological Assistance Center (CIATox) in Campinas, to analyze risk factors related to the moderate and severe classification, and to determine the age group at greatest risk for this classification.

Method:

Cross-sectional and retrospective study, with patients assisted in person at CIATox, who had a scorpion accident, from January 2015 to December 2019. Descriptive and inferential analysis was conducted. For the age variable, a ROC curve was constructed to determine cutoff points in relation to the severity classification. Poisson regression models were adjusted considering severity classification as the dependent variable.

Results:

A total of 754 cases with a mean age of 36.05 years, mostly female and non-occupational accidents that occurred in the urban area, was analyzed. The most frequent scorpion was the Tityus serrulatus. The risk factors found for greater severity were age group up to 22 years and previous care in other health services.

Conclusion:

The age range up to 22 years old should be used as a predictive factor of severity in the clinical evaluation of patients stung by scorpions to carry out adequate management of cases.

DESCRIPTORS
Scorpion Stings; Risk Factors; Nursing

RESUMEN

Objetivo:

Caracterizar los accidentes de escorpiones en el Centro de Información y Asistencia Toxicológica (CIATox) de Campinas, analizar los factores de riesgo relacionados con la clasificación moderada y severa y determinar el grupo etario de mayor riesgo para esta clasificación.

Método:

Estudio transversal y retrospectivo, con pacientes atendidos presencialmente por el CIATox, que sufrieron un accidente de escorpión, desde enero de 2015 a diciembre de 2019. Se realizó un análisis descriptivo e inferencial. Para la variable edad se construyó una curva ROC con el fin de determinar puntos de corte en relación a la clasificación de severidad. Los modelos de regresión de Poisson se ajustaron considerando la clasificación de severidad como variable dependiente.

Resultados:

Se analizaron 754 casos con edad media de 36,05 años, en su mayoría mujeres y accidentes no laborales ocurridos en la zona urbana. El escorpión más frecuente fue el Tityus serrulatus. Los factores de riesgo encontrados para mayor gravedad fueron el grupo etario hasta 22 años y la atención previa en otros servicios de salud.

Conclusión:

El grupo etario hasta los 22 años debe ser utilizado como factor predictivo de severidad en la evaluación clínica de los pacientes picados por escorpiones para realizar un manejo adecuado de los casos.

DESCRIPTORES
Picaduras de Escorpión; Factores de Riesgo; Enfermería

INTRODUÇÃO

Os escorpiões são animais peçonhentos presentes em diversas partes do mundo e a importância clínica de sua picada decorre de sua evolução, que pode apresentar manifestações graves e ameaçadoras à vida, como dano ao miocárdio, arritmias cardíacas, edema pulmonar e choque(¹-⁵).

O número anual de picadas de escorpião ultrapassa 1,2 milhões, levando a mais de 3.250 mortes(⁵). No Brasil, constitui um problema de saúde pública e, de acordo com os dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação do Ministério da Saúde, houve um aumento importante no número de casos de 2007 até 2022(⁶). Dados de 2020 a 2022, mostram 308.904 casos notificados de escorpionismo, sendo registrados 375 óbitos relacionados à picada do escorpião. Os estados de Minas Gerais e São Paulo foram os que mais registraram notificações(⁶).

Estudo ecológico e retrospectivo com dados secundários sobre acidentes escorpiônicos no estado de São Paulo de 2008 a 2018 analisou 145.464 casos e constatou um aumento gradativo da incidência de escorpionismo, iniciando com 14 casos por 100.000 habitantes-anos em 2008 e chegando a aproximadamente 70 casos por 100.000 habitantes-anos em 2018, correspondendo a um aumento de 378,5% no período(⁷).

No Brasil, escorpiões de importância clínica, que podem causar envenenamento grave, pertencem à família Buthidae, gênero Tityus(¹-⁵). Predominam as espécies Tityus serrulatus (escorpião amarelo) com boa adaptação ao ambiente urbano e grande proliferação partenogenética, presentes praticamente em todas as regiões, incluindo Sudeste, Centro-oeste e Sul, com exceção de alguns estados da região Norte, e Tityus bahiensis (escorpião marrom), originário da região Nordeste e presente em Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Santa Catarina, com distribuição mais limitada devido a seu nicho ecológico e reprodução sexuada(⁷,⁸).

A picada do Tityus serrulatus é responsável pela maioria dos casos de evolução grave e fatal(³,⁴,⁹). As toxinas liberadas na picada podem causar graves efeitos cardiovasculares e respiratórios devido à ação do veneno em estruturas do tronco cerebral e da medula espinal que atuam no controle neurovegetativo(³,⁹), e maciça resposta autonômica(⁴,⁹). O veneno ou parte dele pode atravessar a barreira hematencefálica, principalmente em indivíduos jovens, em que ela não está completamente formada, alcançando o sistema nervoso central. Outros autores afirmam que os efeitos centrais seriam ocasionados pela estimulação periférica do veneno(¹⁰).

O Ministério da Saúde propõe a classificação de gravidade do acidente escorpiônico de acordo com as manifestações clínicas: o acidente é considerado leve se apresenta somente dor local, com ou sem parestesia; moderado, se dor local intensa e manifestações sistêmicas (sudorese discreta, náuseas, vômitos ocasionais, taquicardia, taquipneia e hipertensão); se além da forma moderada apresentar vômitos profusos e incoercíveis, sudorese profusa, sialorreia intensa, prostração, convulsão, coma, bradicardia, insuficiência cardíaca, edema pulmonar grave e choque, os casos são classificados como graves. Os casos moderados e graves deverão ser tratados com soroterapia(¹¹).

Outra taxonomia utilizada para comparar acidentes escorpiônicos entre diferentes países é a de Khattabi, elaborada por um consenso internacional de especialistas, que avalia o desfecho do acidente escorpiônico(¹²). Essa classificação divide os casos em picada seca (sem envenenamento), classe I (somente manifestações locais), classe II (manifestações clínicas não ameaçadoras à vida), classe III (manifestações sistêmicas ameaçadoras à vida - insuficiência respiratória, edema pulmonar, choque cardiogênico e danos cerebrais) e desfecho letal(¹²).

Os fatores preditores de gravidade descritos pelo Ministério da Saúde (MS) são espécie e tamanho do escorpião, a quantidade de veneno inoculado, a massa corporal do acidentado e a sensibilidade do paciente ao veneno. As formas moderadas e graves são reportadas como mais frequentes em crianças(¹¹).

Além disso, há outros fatores de risco, como diagnóstico precoce, tempo decorrido entre a picada e a administração do soro(²,¹¹), crianças menores de 7 anos e idosos(²,⁹,¹³). Entretanto, adultos hígidos não estão isentos de evoluírem para casos graves e óbitos(²).

Há estudos brasileiros que analisam aspectos clínicos e epidemiológicos do escorpionismo, como o realizado em Minas Gerais, em que predomina o Tityus serrulatus(¹³), onde não houve diferença estatística entre os gêneros dos indivíduos acometidos e a faixa etária entre 55 e 64 anos foi a que apresentou maior risco para escorpionismo. Na região Sudeste, foi realizado um estudo na região metropolitana de Campinas, com pacientes atendidos pelo Centro de Informação e Assistência Toxicológica de Campinas (CIATox de Campinas), que analisou acidentes escorpiônicos no período de 1994 até 2011. Houve um aumento no número de casos atendidos, que evoluíram somente com manifestações locais (classe I). Todos os casos graves (classificados como III ou fatal) ocorreram em menores de 15 anos associados a picada do Tityus serrulatus. Estes casos foram tratados com soro antiescorpiônico(⁴).

Estudo realizado na Bahia avaliou 3.565 casos de escorpionismo, dos quais 15,9% foram classificados como de maior gravidade com associação para as faixas etárias de 0 a 19 anos e de 60 ou mais, e ao tempo transcorrido entre o momento da picada e o atendimento hospitalar superior a 3 horas(¹⁴). Outro estudo, conduzido na região de Santarém (Pará), revelou que a maioria das vítimas era do sexo masculino (83,3%) com média de idade 33,6 +/– 18,3 anos e o tempo de atendimento médico de 4,6 +/– 3,2 horas. Sintomas locais ocorreram em 91,7% dos casos e manifestações sistêmicas em 98,6% dos acidentes. Apesar de apenas 8,3% de identificação, todos eram da espécie Tityus cambridgei, apresentando manifestações neurológicas, o que é particularmente diferente dos envenenamentos causados por outras espécies de escorpiões presentes no Brasil(¹⁵). Pesquisa com dados de 2007 a 2017 no estado de Alagoas, Nordeste do Brasil, em um hospital de referência para atendimento e tratamento de acidentes por animais peçonhentos, analisou 27.988 casos, e observou maior frequência de picadas de escorpião no sexo feminino, faixa etária mais acometida de 20 a 29 anos, associando significativamente a ocorrência de manifestações sistêmicas e a gravidade dos casos aos pacientes pediátricos até 4 anos (69,4%) e 50% do total de casos tratados com soroterapia corresponderam a pacientes nessa faixa etária(¹⁶).

Desta forma, considerando a heterogeneidade da distribuição epidemiológica e dos fatores de risco associados à gravidade do escorpionismo, torna-se fundamental o estudo das características dos acidentes escorpiônicos relacionados à região de abrangência do CIATox Campinas/SP para que os atendimentos possam ser cada vez mais direcionados e casos graves prevenidos.

Portanto, objetiva-se caracterizar os acidentes escorpiônicos do CIATox Campinas, analisar fatores de risco relacionados à classificação moderada e grave e determinar a faixa etária de maior risco para esta classificação.

MÉTODO

Desenho Do Estudo, Local E População

Trata-se de estudo descritivo, transversal e retrospectivo, realizado com todos os pacientes atendidos presencialmente pelo CIATox de Campinas inserido no Hospital de Clínicas da Unicamp (HC) que sofreram acidente escorpiônico, no período de 01 de janeiro de 2015 até 31 de dezembro de 2019. É importante destacar que todos os pacientes que procuram o atendimento de urgência e emergência do HC em decorrência de um acidente escorpiônico, são atendidos presencialmente pelos plantonistas do CIATox, bem como aqueles atendidos primariamente em outros serviços e referenciados ao CIATox, por terem sido classificados como casos moderados ou graves.

Coleta de Dados

Os dados foram coletados das fichas de atendimento eletrônico pelos pesquisadores de setembro de 2020 a fevereiro de 2021. Foram coletados: iniciais do nome, número de prontuário, idade, tipo de acidente ocupacional/acidental, bairro/subdistrito, cidade, estado de residência, dia, mês, ano e hora do atendimento, dia do acidente escorpiônico, tempo até o início do atendimento no CIATox, identificação/espécie do escorpião, região anatômica da picada, tratamentos realizados em outros serviços (denominados como prévios) e diretamente no CIATox, sinais e sintomas apresentados e classificação do acidente segundo o Ministério da Saúde(¹¹) e Khattabi et al.(¹²).

Análise e Tratamento de Dados

Após a coleta dos dados, estes foram inseridos diretamente em um banco de dados do Excel. Todos os dados foram checados por meio de dupla digitação e inconsistências foram corrigidas. Foi realizada análise descritiva e inferencial, utilizando os testes de Mann-Whitney e Qui-quadrado(¹⁷), conforme pertinência. Para os casos em que os pressupostos do teste Qui-quadrado não foram atendidos foi aplicado o teste exato de Fisher(¹⁸). Foram ajustados modelos de regressão Poisson múltiplos modificados, com variância robusta, considerando a classificação de gravidade como variável dependente(¹⁹). Nos resultados foram apresentadas as estimativas obtidas de razão de prevalência, assim como os seus respectivos intervalos de confiança e p-valores.

Para a variável idade, a distribuição de casos moderados e graves foi separada por faixa etária até 14 anos, de acordo com os dados apresentados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), para possibilitar comparações. Também foi construída uma curva ROC com o intuito de determinar um ponto de corte da idade em relação à classificação de gravidade. Os resultados da Curva ROC foram descritos por meio da representação gráfica da curva e a área sob a curva com seu respectivo intervalo de confiança. A área sob a curva representa a capacidade de o teste discriminar os indivíduos portadores ou não do desfecho. Valores maiores ou iguais a 0,70 podem ser considerados adequados(²⁰).

Um primeiro ponto de corte foi estabelecido de acordo com o maior índice de Youden et al.(²¹), calculado deduzindo 1 a partir da soma de sensibilidade e especificidade do teste e não expressa como porcentagem, mas como parte de um número inteiro: (sensibilidade + especificidade) – 1. O segundo ponto de corte foi determinado considerando o marco onde a sensibilidade apresentou valor igual à especificidade. Para realização das análises foi considerado um nível de significância de 5% e os softwares SAS 9.4 e SPSS 23.

Aspectos Éticos

A pesquisa seguiu as diretrizes da Resolução n° 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) para pesquisa científica em seres humanos, com dispensa de apresentação do termo de consentimento livre e esclarecido, visto que os dados foram obtidos de fontes secundárias. Foram garantidos sigilo e anonimato dos participantes. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), sob parecer número 4.218.549 de 2020.

RESULTADOS

Foram analisados 754 casos de acidentes escorpiônicos atendidos presencialmente no CIATox Campinas no período de janeiro de 2015 até dezembro de 2019. A idade dos pacientes foi registrada em 753 fichas de atendimento e variou de 1 até 87 anos (média 36,05; desvio padrão 19,13 anos, mediana de 35,0). A caracterização da amostra, do acidente e a distribuição dos casos de escorpionismo, segundo as taxonomias do Ministério da Saúde e Khattabi, são apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1
– Variáveis epidemiológicas relacionadas ao paciente e ao acidente e distribuição das classificações do acidente escorpiônicos – Campinas, SP, Brasil, 2021.

Variáveis epidemiológicas	N	%
Idade
0 a 14 anos	106	14,08
15 anos ou mais	647	85,92
Sexo
Feminino	421	55,84
Masculino	333	44,16
Local do acidente
Urbano	658	87,27
Rural	80	10,61
Não especificado	16	2,12
Tipo do acidente
Não ocupacional	604	80,11
Ocupacional	149	19,76
Não especificado	1	0,13
Tipo de escorpião
Tityus serrulatus	142	18,83
Tityus bahiensis	50	6,63
Não identificado	562	75,54
Classificação Ministério da Saúde
Leve	710	94,16
Moderado	36	4,77
Grave	8	1,06
Classificação Khattabi
Picada seca	20	2,65
Classe I	690	91,51
Classe II	33	4,38
Classe III	10	1,33
Fatal	1	0,13

Observando a distribuição epidemiológica apresentada na Tabela 1, verificam-se correspondências entre as duas taxonomias: os casos classificados como leves pelo MS correspondem à picada seca somados a classe I de Khattabi; os moderados do MS equivalem à classe II (Khattabi); e os casos graves do MS são representados pela classe III mais o desfecho fatal. Desta forma, todas as análises foram realizadas conforme a classificação do MS.

A Tabela 2 mostra a associação entre as variáveis relacionadas ao paciente, ao acidente escorpiônico e ao atendimento em função da classificação de gravidade do Ministério da Saúde.

Tabela 2
– Associação entre as variáveis relacionadas ao paciente, ao acidente escorpiônico e ao atendimento em função da classificação de gravidade do Ministério da Saúde – Campinas, SP, Brasil, 2021.

Variáveis	Classificação Ministério Saúde		p-valor
	Leve n (%)	Moderado/Graves n (%)
Idade
0–14 anos	76 (10,72)	30 (68,18)	<0,0001*
15 anos ou mais	633 (89,28)	14 (31,82)
Tipo de escorpião
Tityus bahiensis	49 (6,90)	1(2,27)	0,478*
Tityus serrulatus	134 (18,87)	8 (18,18)
Não identificado	527 (74,23)	35 (79,55)
Número de picadas
Picada única	682 (96,06)	39 (88,64)	0,373**
Mais de uma picada	28 (3,94)	5 (11,36)
Atendimento inicial
CIATox	597 (84,08)	11 (25,00)	<0,0001*
Atendimento prévio	113 (15,92)	33 (75,00)
Analgesia prévia
Não	620 (87,32)	23 (52,27)	<0,0001*
Sim	90 (12,68)	21 (47,73)
Administração de SAE
Não	710 (100,00)	12 (27,27)	<0,0001**
Sim	0 (0,00)	32 (72,73)

• ^*
  p-valor obtido por meio do teste Qui-quadrado; **p-valor obtido por meio do teste exato de Fisher. SAE: soro antiescorpiônico.

O tempo médio entre o acidente escorpiônico e o atendimento no CIATox foi de 119,84 (144,18) minutos para os casos considerados moderados/graves e de 197,38 (359,07) minutos para os casos leves, não havendo diferença estatística significante nessa variável em função da classificação de gravidade (p = 0,3845).

A Figura 1 apresenta a curva ROC, elaborada com a finalidade de estabelecer uma idade de corte para o desfecho do caso ser classificado como moderado ou grave. Definimos dois pontos de corte por meio da curva ROC, sendo um a partir dos 19 anos, estabelecido pelo índice de Youden (0,581), e outro a partir de 22 anos, marco onde a sensibilidade apresentou valor igual à especificidade (0,77).

Figura 1
– Curva ROC: idade em comparação à classificação de gravidade – Campinas. SP, Brasil, 2021. AUC: área sob a curva.

A Tabela 3 mostra a razão de prevalência dos casos moderados ou graves de acordo com faixas etárias definidas pela curva ROC.

Tabela 3
– Estimativas de razão de prevalência dos casos moderados e graves para modelos com cortes de faixas etárias definidas pela curva ROC, em função da classificação da gravidade do acidente de acordo com o Ministério da Saúde (n = 737) – Campinas, SP, Brasil, 2021.

Variáveis independentes	Razão de prevalências*	I. C. 95%		p-valor
		L. I.	L. S.
Modelo 1
Sexo feminino	0,89	0,52	1,51	0,6610
Idade ≤ 19 anos	8,21	4,47	15,10	< 0,0001
Acidente rural	1,28	0,73	2,24	0,3945
Causa ocupacional	1,13	0,35	3,62	0,8342
Tratamento prévio	8,76	4,72	16,25	< 0,0001
2 ou mais picadas	2,07	0,85	5,06	0,1087
Modelo 2
Sexo feminino	0,90	0,54	1,49	0,6684
Idade ≤ 22 anos	6,40	3,43	11,94	< 0,0001
Acidente rural	1,52	0,87	2,67	0,1409
Causa ocupacional	0,85	0,27	2,69	0,7885
Tratamento prévio	8,83	4,79	16,26	< 0,0001
2 ou mais picadas	1,98	0,89	4,40	0,0943

• p-valor obtido pela Regressão de Poisson. I.C. intervalo de confiança. L.I. limite inferior, L.S. limite superior.

DISCUSSÃO

O presente trabalho revela que, para esta amostra, o corte de idade igual ou menor a 22 anos, bem como o tratamento prévio de sintomas, foram considerados fatores de risco para maior gravidade dos casos de acidente escorpiônico.

Dados fornecidos pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), no período de 2015 até 2019, mesmo período de coleta de dados deste estudo, mostram o perfil etário do acidente escorpiônico no Brasil, em que a distribuição de casos moderados e graves na faixa etária até 14 anos foi de 32,53%; entre 15 e 19 anos, de 6,18%; e entre 20 até 39 anos, 25,56%(⁶). No presente trabalho, encontrou-se uma distribuição de 68,18% desse mesmo nível de gravidade para a idade até 14 anos, mais que o dobro da frequência relativa desta faixa etária notificada pelo SINAN.

Estudo anterior realizado no mesmo CIATox(⁴), entre os anos de 1994 e 2011, revelou maior gravidade do acidente escorpiônico na faixa etária correspondente a menores de 15 anos, abrangendo 100% dos casos graves ou fatais. Considerando apenas os casos moderados, foram registrados 201 acidentes, sendo 126 (62,69%) em pacientes com 15 anos ou mais. Nosso estudo apontou 44 casos moderados e graves, sendo 14 (31,82%) desses casos de pacientes com 15 anos ou mais. Entretanto, divergindo do estudo anterior, foram encontrados 3 (37,5%) casos graves em maiores de 14 anos.

Estudo realizado na Bahia analisando 3.565 casos de escorpionismo, sendo 13,9% moderados e 2,0% graves, constatou associação entre sua gravidade e a faixa etária de 0 a 9 anos, de 10 a 19 anos e 60 anos ou mais(¹⁴). Análise epidemiológica realizada com 3055 casos no sul da Bahia mostrou que os quadros graves foram mais frequentes entre menores de 15 anos(²²). Pesquisa similar realizada na Turquia, com 201 crianças entre 0 e 17 anos, mostrou 138 casos leves, 34 moderados e 29 graves(²³). Estes estudos mostram uma divergência na distribuição de casos de escorpionismo de maior gravidade em função da idade quando comparados ao presente estudo, que amplia a faixa etária de maior risco para 22 anos.

No nosso trabalho, a ocorrência de atendimento prévio pelo serviço de saúde de origem está relacionada de forma significante à classificação moderada e grave, com razão de prevalência crescente conforme aumento da faixa etária (0 a 19 anos – 8,76; 0 a 22 anos – 8,83).

No tratamento inicial, algumas condutas devem ser realizadas com cautela, devido a especificidades da ação do veneno do escorpião, além do encaminhamento do paciente o mais rápido possível para hospital de referência com soro antiescorpiônico (SAE) disponível(⁹) visando a precoce classificação e manejo adequado dos pacientes.

Foi demonstrado que, do total de casos que evoluíram com classificação moderada e grave, 25% receberam atendimento inicial direto no CIATox, e 75% receberam atendimento inicial em outros serviços. Vale ressaltar que não houve diferença estatística significante entre o tempo médio do acidente e o atendimento no CIATox quando comparados os casos moderados/graves com os considerados leves.

Esses resultados sugerem que o encaminhamento precoce dos casos moderados e graves de escorpionismo ao serviço de referência da região, o CIATox, indica uma maior capacidade dos serviços de saúde de identificar sinais e sintomas de gravidade e encaminhar esses pacientes para monitorização e tratamento adequados em tempo hábil, o que pode ter contribuído para uma melhor evolução clínica e redução de complicações decorrentes do envenenamento escorpiônico.

Foi encontrada associação entre a administração de soro antiescorpiônico e casos moderados e graves, sendo que 72,73% dos pacientes com essa classificação receberam SAE. Esta relação era esperada, visto que a recomendação do MS é de uso de soroterapia para todos os casos classificados como moderados ou graves(¹¹). Entretanto, foi possível notar que nem todos os pacientes inicialmente considerados moderados receberam SAE, talvez pelo fato de eles serem continuamente monitorizados e acompanhados por equipe especializada do CIATox, desde o momento da admissão até a alta segura.

Mas para que a equipe de saúde seja capaz de realizar prevenção, e atuar nos casos de acidente escorpiônico com efetividade, é essencial a capacitação dessa equipe, especificamente enfermeiros, que são responsáveis pelo acolhimento dos pacientes nas Unidades básicas de saúde. Esse treinamento deve visar a prevenção, detecção e o tratamento integral dos pacientes com intervenções rápidas e baseadas em evidências, reconhecendo os fatores de risco e manifestações clínicas de gravidade a fim de diminuir complicações e mortalidade. É necessário também considerar as mudanças do perfil epidemiológico dos acidentes escorpiônicos de cada região, com possibilidade de monitoramento constante por meio de sistemas informatizados, trazendo uma informação de qualidade, com atualizações constantes e de fácil acesso às equipes de saúde.

LIMITAÇÕES

No que se refere às limitações deste estudo, identifica-se uma discrepância nos estudos em relação aos cortes de idade para análises, pois não indicaram a eleição para as faixas etárias analisadas, o que comprometeu a comparabilidade dos resultados. Por se tratar de estudo retrospectivo com análise de prontuários previamente preenchidos (fonte secundária), cujas informações foram coletadas com objetivo de atendimento clínico e não de pesquisa, os dados coletados podem comprometer, em parte, a qualidade das informações. Também foi identificada uma limitação usual, como em qualquer estudo sobre envenenamentos por animais peçonhentos, de que os resultados obtidos não podem ser extrapolados para todo o país, por se tratar de pesquisa realizada em somente um serviço, extremamente especializado e de referência, e pela diversidade de espécies de Tityus presentes no Brasil, além de outras variáveis que influenciam a gravidade e o prognóstico desses casos.

CONCLUSÃO

O perfil epidemiológico encontrado nesta amostra foi idade média de 36,05 anos, sendo a maioria do sexo feminino, com acidentes não ocupacionais ocorridos na zona urbana. O escorpião identificado com mais frequência foi o Tityus serrulatus. Este estudo traz contribuição sobre as faixas etárias de risco mais elevado para gravidade do acidente escorpiônico. Nos modelos analisados, os fatores de risco encontrados para classificação moderada e grave foram faixa etária até 22 anos e atendimento prévio em outros serviços de saúde. Consideramos pertinente que estudos sejam realizados para se determinar qual faixa etária deve ser considerada fator de risco para gravidade do acidente escorpiônico. A idade deve ser usada como fator preditivo de gravidade na avaliação clínica dos pacientes picados por escorpião para realização de manejo adequado dos casos.

Disponibilidade de Dados

Conforme preconizado pela Ciência Aberta, os dados da pesquisa foram depositados no Repositório de Dados de Pesquisa (REDU) da UNICAMP, sob número DOI: https://doi.org/10.25824/redu/S42MWA

• ^1.
  Ward MJ, Ellsworth AS, Nystrom GS. A global accounting of medically significant scorpions: epidemiology, major toxins, and comparative resources in harmless counterparts. Toxicon. 2018;151:137–55. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.toxicon.2018.07.007. PubMed PMid: 30009779.
  » https://doi.org/10.1016/j.toxicon.2018.07.007
• ^2.
  Santos MS, Silva CG, Silva No B, Grangeiro Jr CR, Lopes VH, Teixeira Jr AG, et al. Clinical and epidemiological aspects of scorpionism in the world: a systematic review. Wilderness Environ Med. 2016;27(4):504–18. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.wem.2016.08.003. PubMed PMid: 27912864.
  » https://doi.org/10.1016/j.wem.2016.08.003
• ^3.
  Abroug F, Ouanes-Besbes L, Tilouche N, Elatrous S. Scorpion envenomation: state of the art. Intensive Care Med. 2020;46(3):401–10. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s00134-020-05924-8. PubMed PMid: 32125457.
  » https://doi.org/10.1007/s00134-020-05924-8
• ^4.
  Bucaretchi F, Fernandes LC, Fernandes CB, Branco MM, Prado CC, Vieira RJ, et al. Clinical consequences of Tityus bahiensis and Tityus serrulatus scorpion stings in the region of Campinas, southeastern Brazil. Toxicon. 2014;89:17–25. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.toxicon.2014.06.022. PubMed PMid: 25011046.
  » https://doi.org/10.1016/j.toxicon.2014.06.022
• ^5.
  Chippaux J, Goyffon M. Epidemiology of scorpionism: a global appraisal. Acta Trop. 2008;107(2):71–9. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.actatropica.2008.05.021. PubMed PMid: 18579104.
  » https://doi.org/10.1016/j.actatropica.2008.05.021
• ^6.
  Ministério da Saúde. Sistema de Informação de Agravos de Notificação [Internet]. Brasília: Portal SINAN; 2021 [cited 2021 June 17]. Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sinannet/animaisp/bases/animaisbrnet.def
  » http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sinannet/animaisp/bases/animaisbrnet.def
• ^7.
  Lacerda AB, Lorenz C, Azevedo TS, Cândido DM, Wen FH, Eloy LJ, et al. Detection of areas vulnerable to scorpianism and its association with environmental factors in São Paulo, Brazil. Acta Trop. 2022;230:106390. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.actatropica.2022.106390. PubMed PMid: 35245492.
  » https://doi.org/10.1016/j.actatropica.2022.106390
• ^8.
  Ministério da Saúde. Manual de controle de escorpiões [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2009 [cited 2021 June 17]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_controle_escorpioes.pdf
  » https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_controle_escorpioes.pdf
• ^9.
  Cupo P. Clinical update on scorpion envenoming. Rev Soc Bras Med Trop. 2015;48(6):642–9. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0037-8682-0237-2015. PubMed PMid: 26676487.
  » https://doi.org/10.1590/0037-8682-0237-2015
• ^10.
  Nencioni ALA, Neto EB, Freitas LA, Dorce VAC. Effects of Brazilian scorpion venoms on the central nervous system. J Venom Anim Toxins Incl Trop Dis. 2018;24(1):3. doi: http://dx.doi.org/10.1186/s40409-018-0139-x. PubMed PMid: 29410679.
  » https://doi.org/10.1186/s40409-018-0139-x
• ^11.
  Ministério da Saúde. Manual de diagnóstico e tratamento de acidentes por animais peçonhentos [Internet]. 2. ed. Brasília: Fundação Nacional de Saúde; 2001 [cited 2021 June 17]. Available from: https://www.icict.fiocruz.br/sites/www.icict.fiocruz.br/files/Manual-de-Diagnostico-e-Tratamento-de-Acidentes-por-Animais-Pe--onhentos.pdf
  » https://www.icict.fiocruz.br/sites/www.icict.fiocruz.br/files/Manual-de-Diagnostico-e-Tratamento-de-Acidentes-por-Animais-Pe--onhentos.pdf
• ^12.
  Khattabi A, Soulaymani-Bencheikh R, Achour S, Salmi LR. Classification of clinical consequences of scorpion stings: consensus development. Trans R Soc Trop Med Hyg. 2011;105(7):364–9. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.trstmh.2011.03.007. PubMed PMid: 21601228.
  » https://doi.org/10.1016/j.trstmh.2011.03.007
• ^13.
  Barbosa AD, Magalhães DF, Silva JA, Silva MX, Cardoso MFEC, Meneses JNC, et al. Epidemiological study of scorpion stings in Belo Horizonte, Minas Gerais state, Brazil, 2005-2009. Cad Saude Publica. 2012;28(9):1785–9. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2012000900016. PubMed PMid: 23033192.
  » https://doi.org/10.1590/S0102-311X2012000900016
• ^14.
  Carmo EA, Nery AA, Pereira R, Rios MA, Casotti CA. Factors associated with the severity of scorpion poisoning. Texto Contexto Enferm. 2019;28:e20170561. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2017-0561.
  » https://doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2017-0561
• ^15.
  Pardal PP, Castro LC, Jennings E, Pardal JS, Monteiro MR. Epidemiological and clinical aspects of scorpion envenomation in the region of Santarém, Pará, Brazil. Rev Soc Bras Med Trop. 2003;36(3):349–53. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0037-86822003000300006. PubMed PMid: 12908035.
  » https://doi.org/10.1590/S0037-86822003000300006
• ^16.
  Taniele-Silva J, Martins LG, Sousa MB, Souza LM, Cardoso RMB, Velasco SRU, et al. Restrospective clinical and epidemiological analysis of scorpionism at a referral hospital for the treatment of accidents by venomous animals in Alagoas State, Northeast Brazil, 2007–2017. Rev Inst Med Trop S Paulo [Internet]. 2020;62:e26. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s1678-9946202062026. PubMed PMid: 32401958.
  » https://doi.org/10.1590/s1678-9946202062026
• ^17.
  Pagano M, Gauvreau K. Princípios de bioestatística. São Paulo: Thomson; 2004. 506 p.
• ^18.
  Mehta CR, Patel NR. A network algorithm for performing Fisher’s exact test in r x c contingency tables. JASA. 1983;78(382):427–34. doi: http://dx.doi.org/10.2307/2288652.
  » https://doi.org/10.2307/2288652
• ^19.
  Zou G. A modified poisson regression approach to prospective studies with binary data. Am J Epidemiol. 2004;159(7):702–6. doi: http://dx.doi.org/10.1093/aje/kwh090. PubMed PMid: 15033648.
  » https://doi.org/10.1093/aje/kwh090
• ^20.
  Zweig MH, Campbell G. Receiver-operating characteristic (ROC) plots: a fundamental evaluation tool in clinical medicine. Clin Chem. 1993;39(4):561–77. doi: http://dx.doi.org/10.1093/clinchem/39.4.561. PubMed PMid: 8472349.
  » https://doi.org/10.1093/clinchem/39.4.561
• ^21.
  Youden WJ. Index for rating diagnostic tests. Cancer. 1950;3(1):32–5. doi: http://dx.doi.org/10.1002/1097-0142(1950)3:1<32::AID-CNCR2820030106>3.0.CO;2-3. PubMed PMid: 5405679.
  » https://doi.org/10.1002/1097-0142(1950)3:1<32::AID-CNCR2820030106>3.0.CO;2-3
• ^22.
  Lisboa NS, Boere V, Neves FM. Escorpionismo no Extremo Sul da Bahia, 2010-2017: perfil dos casos e fatores associados à gravidade. Epidemiol Serv Saude. 2020;29(2):e2019345. doi: http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742020000200005. PubMed PMid: 32294754.
  » https://doi.org/10.5123/S1679-49742020000200005
• ^23.
  Çelik E, Çag˘lar A, Çelik SF. Clinical effects and predictive factors affecting the clinical severity of scorpion envenomations in Western Turkey. J Trop Pediatr. 2021;67(3):fmab053. doi: http://dx.doi.org/10.1093/tropej/fmab053.
  » https://doi.org/10.1093/tropej/fmab053

Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Elizabeth Fujimori

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  27 Out 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  02 Mar 2023
• Aceito
  20 Jul 2023