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Fatores associados à evolução da COVID-19 em gestantes: estudo brasileiro de base populacional* ASSOCIATE EDITOR Maria Helena Baena de Moraes Lopes

RESUMO

Objetivo:

Avaliar a evolução da COVID-19 entre gestantes brasileiras, identificando-se os preditores sociodemográficos e clínicos relacionados à internação em unidade de terapia intensiva e ao óbito.

Método:

Estudo transversal e de base populacional, realizado com banco de dados secundários, a partir de dados do Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe. Realizou-se análise descritiva, seguida de regressão linear múltipla com resposta Poisson, adotando-se p crítico <0,05.

Resultados:

Identificaram-se taxas de internação em terapia intensiva de 28,2% e de óbito de 9,5%. Região de residência, trimestre gestacional, número de comorbidades e sinais e sintomas respiratórios associaram-se ao risco de internação em terapia intensiva. Idade superior a 34 anos, comorbidades, saturação de oxigênio igual ou inferior a 95%, internação em terapia intensiva e suporte ventilatório, invasivo ou não, aumentaram o risco de óbito.

Conclusão:

Preditores sociodemográficos e clínicos mostraram associação com a hospitalização em terapia intensiva e com o óbito de gestantes com COVID-19.

DESCRITORES
COVID-19; Complicações Infecciosas na Gravidez; Gravidez; Hospitalização; Morte Materna; Unidades de Terapia Intensiva

ABSTRACT

Objective:

To assess the evolution of COVID-19 among Brazilian pregnant women, identifying sociodemographic and clinical predictors related to admission to ICU - Intensive Care Unit and death.

Method:

Cross-sectional, population-based study, carried out with a secondary database, based on data from the Influenza Epidemiological Surveillance Information System. Descriptive analysis was performed, followed by multiple linear regression with Poisson response, adopting critical p < 0.05.

Results:

Intensive care admission rates of 28.2% and death rates of 9.5% were identified. Region of residence, gestational trimester, number of comorbidities and respiratory signs and symptoms were associated with the risk of admission to intensive care. Age over 34 years, comorbidities, oxygen saturation equal to or less than 95%, admission to intensive care and ventilatory support, invasive or not, increased the risk of death.

Conclusion:

Sociodemographic and clinical predictors showed an association with hospitalization in intensive care and death of pregnant women with COVID-19.

DESCRIPTORS
COVID-19; Pregnancy Complications; Infectious; Pregnancy; Hospitalization; Maternal Death; Intensive Care Units

RESUMEN

Objetivo:

Evaluar la evolución de la COVID-19 entre gestantes brasileñas, identificando predictores sociodemográficos y clínicos relacionados con el ingreso en unidad de cuidados intensivos y la muerte.

Método:

Estudio transversal, de base poblacional, realizado con una base de datos secundaria, a partir de datos del Sistema de Información de Vigilancia Epidemiológica de Influenza. Se realizó un análisis descriptivo, seguido de regresión lineal múltiple con respuesta de Poisson, adoptando una p crítica <0,05.

Resultados:

Se identificaron tasas de ingreso a cuidados intensivos del 28,2% y tasas de mortalidad del 9,5%. La región de residencia, el trimestre gestacional, el número de comorbilidades y los signos y síntomas respiratorios se asociaron con el riesgo de ingreso a cuidados intensivos. La edad mayor de 34 años, las comorbilidades, la saturación de oxígeno igual o inferior al 95%, el ingreso a cuidados intensivos y el soporte ventilatorio, sea invasivo o no, aumentaron el riesgo de muerte.

Conclusión:

Los predictores sociodemográficos y clínicos mostraron asociación con la hospitalización en cuidados intensivos y la muerte en gestantes con COVID-19.

DESCRIPTORES
COVID-19; Complicaciones Infecciosas del Embarazo; Embarazo; Hospitalización; Muerte Materna; Unidades de Cuidados Intensivos

INTRODUÇÃO

Em dezembro de 2019 indivíduos começaram a desenvolver doença respiratória grave de causa desconhecida em Wuhan, na China. Foi descoberta a existência de um beta coronavírus denominado Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 (SARS-COV-2) - Síndrome Respiratória Aguda Grave 2, popularmente conhecido como Coronavirus Disease 2019 (COVID-19), que causa infecção no trato respiratório potencialmente grave e de elevada transmissibilidade. Em 30 de janeiro do mesmo ano, em decorrência do crescimento do número de casos, foi declarada Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional(11. Croda JHR, Garcia LP. Resposta imediata da Vigilância em Saúde à epidemia da COVID-19. Epidemiol Serv Saude. 2020;29(1):e2020002. doi: http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742020000100021. PubMed PMID: 32215535.
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). No Brasil, o primeiro caso de COVID-19 foi confirmado em 26 de fevereiro de 2020 e em 3 de março do mesmo ano já havia 488 casos suspeitos notificados, dois confirmados e 240 descartados no país(22. Freitas ARR, Napimoga M, Donalisio MR. Análise da gravidade da pandemia de Covid-19. Epidemiol Serv Saude. 2020;29(2):e2020119. doi: http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742020000200008. PubMed PMID: 32267300.
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).

Com a evolução dos casos de COVID-19, tornou-se importante a definição de grupos prioritários, nestes, incluídas as gestantes(33. Brasil. Ministério da Saúde. Recomendação n° 020 de 07 de Abril de 2020 - Recomenda a observância do Parecer Técnico nº 128/2020, que dispõe sobre as orientações ao trabalho/atuação dos trabalhadores e trabalhadoras, no âmbito dos serviços de saúde, durante a Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional em decorrência Doença por Coronavírus – COVID-19. 2020 [cited 2023 Feb 22]. Available from: http://conselho.saude.gov.br/recomendacoes-cns/1103-recomendac-a-o-no-020-de-07-de-abril-de-2020
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,44. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégica. Nota Informativa nº 13/2020 – SE/GAB/SE/MS – Manual de Recomendações para a Assistência à Gestante e Puérpera frente à Pandemia de Covid-19. 2020 [cited 2023 Feb 22]. Available from: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/documentos/corona/manual_recomendacoes_gestantes_covid19.pdf
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), pois a gestação constitui período de diversas alterações fisiológicas, e que gestantes, em situação de infecções causadas por outros coronavírus, como a SARS-CoV e Middle East Respiratory Syndrome Coronavírus (MERS-CoV) apresentaram complicações frequentes e necessidade de internação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI)(55. Alfaraj SH, Al-Tawfiq JA, Memish ZA. Middle East Respiratory Syndrome Coronavirus (MERS-CoV) infection during pregnancy: report of two cases & review of the literature. J Microbiol Immunol Infect. 2019;52(3):501–3. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.jmii.2018.04.005. PubMed PMID: 29907538.
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,66. Wong SF, Chow KM, Leung TN, Ng WF, Ng TK, Shek CC, et al. Pregnancy and perinatal outcomes of women with severe acute respiratory syndrome. Am J Obstet Gynecol. 2004;191(1):292–7. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.ajog.2003.11.019. PubMed PMID: 15295381.
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). Em grande parte dos casos de COVID-19 os sintomas apresentados são leves, com febre e tosse seca, porém, em alguns casos, especialmente na segunda metade da gestação, outros sintomas podem surgir com intensidade, como: fadiga, dispneia, diarreia, sendo também possível a ocorrência de complicação potencialmente letal, como a evolução para Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG)(77. Zaigham M, Andersson O. Maternal and perinatal outcomes with Covid-19: a systematic review of 108 pregnancies. Acta Obstet Gynecol Scand. 2020;99(7):823–9. doi: http://dx.doi.org/10.1111/aogs.13867. PubMed PMID: 32259279.
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).

Evidências apontam que gestantes com COVID-19 grave têm maior risco de evoluir para operação cesariana de emergência e/ou prematuro e, consequentemente, para morte materna ou neonatal(88. Li N, Han L, Peng M, Lv Y, Ouyang Y, Liu K, et al. Maternal and neonatal outcomes of pregnant women with coronavirus disease 2019 (COVID-19) pneumonia: a case-control study. Clin Infect Dis. 2020;71(16):2035–41. doi: http://dx.doi.org/10.1093/cid/ciaa352. PubMed PMID: 32249918.
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). Estudos entre gestantes sugerem possível aumento de outros desfechos negativos, como: abortamento espontâneo, rotura prematura de membranas, restrição de crescimento intrauterino, sofrimento fetal e trabalho de parto prematuro(99. Karimi-Zarchi M, Neamatzadeh H, Dastgheib SA, Abbasi H, Mirjalili SR, Behforouz A, et al. Vertical transmission of coronavírus disease 19 (COVID-19) from infected pregnant mothers to neonates: a review. Fetal Pediatr Pathol. 2020;39(3):246–50. doi: http://dx.doi.org/10.1080/15513815.2020.1747120. PubMed PMID: 32238084.
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). Destaca-se que a gestante pode ter seu diagnóstico de SARS-COV-2 atrasado, por apresentar alterações fisiológicas e próprias da gravidez mascarando o quadro, como a rinite gestacional, causada por hiperemia da nasofaringe, mediada pela alta de estrogênio presente na gravidez(1010. Dashraath P, Wong JLJ, Lim MXK, Lim LM, Li S, Biswas A, et al. Coronavirus disease 2019 (COVID-19) pandemic and pregnancy. Am J Obstet Gynecol. 2020;222(6):521–31. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.ajog.2020.03.021. PubMed PMID: 32217113.
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).

No ano de 2021, entre janeiro e maio, foram notificados 6.416 casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) em gestantes (257,9 casos por 100.000 gestantes), dos quais 4.103 foram confirmados como COVID-19 (167,9 casos por 100.000 gestantes), em 38 casos foram confirmados outro diagnóstico, 1.248 não tinham diagnóstico definido e 1.027 estavam sob investigação. Do total de casos de SRAG em gestantes, 505 evoluíram para o óbito (20,30 óbitos por 100.000 gestantes), 475 dos quais foram confirmados para COVID-19 (19,1 óbitos por 100.000 gestantes)(33. Brasil. Ministério da Saúde. Recomendação n° 020 de 07 de Abril de 2020 - Recomenda a observância do Parecer Técnico nº 128/2020, que dispõe sobre as orientações ao trabalho/atuação dos trabalhadores e trabalhadoras, no âmbito dos serviços de saúde, durante a Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional em decorrência Doença por Coronavírus – COVID-19. 2020 [cited 2023 Feb 22]. Available from: http://conselho.saude.gov.br/recomendacoes-cns/1103-recomendac-a-o-no-020-de-07-de-abril-de-2020
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).

Quanto à letalidade da COVID-19 no Brasil, em 2020, entre gestantes internadas, foi de 5,5% e entre puérperas 12,9%, aumentando no ano seguinte para 11,5% e 22,3%, respectivamente, sendo que a presença de comorbidades aumentou o risco de pior evolução(44. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégica. Nota Informativa nº 13/2020 – SE/GAB/SE/MS – Manual de Recomendações para a Assistência à Gestante e Puérpera frente à Pandemia de Covid-19. 2020 [cited 2023 Feb 22]. Available from: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/documentos/corona/manual_recomendacoes_gestantes_covid19.pdf
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). Estudo de revisão sistemática mostrou que as gestantes apresentam evolução mais rápida para quadros moderados e graves(1111. Bubonja-Šonje M, Batičić L, Abram M, Cekinović Grbeša Ð. Diagnostic accuracy of three SARS-CoV2 antibody detection assays, neutralizing effect and longevity of serum antibodies. J Virol Methods. 2021;293:114173. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.jviromet.2021.114173. PubMed PMID: 33930473.
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), de 1 a 5% necessitam de suporte ventilatório e/ou cuidados em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), sendo verificado maior risco de complicações maternas principalmente nos dois últimos trimestres da gravidez e no puerpério(1212. Rasmussen SA, Smulian JC, Lednicky JA, Wen TS, Jamieson DJ. Coronavirus disease 2019 (COVID-19) and pregnancy: what obstetricians need to know. Am J Obstet Gynecol. 2020;222(5):415–26. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.ajog.2020.02.017. PubMed PMID: 32105680.
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). Como consequência, as razões de morte materna, neste período de pandemia mostraram-se aumentadas em países em desenvolvimento(1313. Hantoushzadeh S, Shamshirsaz AA, Aleyasin A, Seferovic MD, Aski SK, Arian SE, et al. Maternal death due to COVID-19. Am J Obstet Gynecol. 2020;223(1):109-e1. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.ajog.2020.04.030. PubMed PMID: 32360108.
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), inclusive no Brasil, onde dados epidemiológicos apontam elevação dos casos de morte materna por SRAG(1414. Francisco RPV, Lacerda L, Rodrigues AS. Obstetric Observatory BRAZIL-COVID-19: 1031 maternal deaths because of COVID-19 and the unequal access to health care services. Clinics (São Paulo). 2021;76:e3120. doi: http://dx.doi.org/10.6061/clinics/2021/e3120. PubMed PMID: 34190858.
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).

Considerando-se as lacunas do conhecimento frente à evolução da COVID-19 entre gestantes e a possibilidade de desfechos clínicos diversos, em diferentes locais de ocorrência, justifica-se o presente estudo. Assim, objetivou-se avaliar a evolução da COVID-19 entre gestantes brasileiras notificadas no Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe), identificando-se os preditores sociodemográficos e clínicos relacionados à internação em unidade de terapia intensiva e ao óbito.

MÉTODO

Tipo de Estudo

Trata-se de estudo transversal e de base populacional, realizado com banco de dados secundários a partir do Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe).

População e Amostra

Foram incluídas as semanas epidemiológicas de 2020, entre 13 (22-28/03/2020) e 53 (27/12/2020-02/01/2021) e de 2021, entre 1 (03-09/01/2021) e 31 (01-07/08/2021), ­considerando-se dados de todo país. Partindo-se do banco completo (n = 1.048.573 casos), fez-se a seleção das gestantes (n = 19.689 casos); em seguida, selecionou-se a classificação final de COVID-19 (n = 11.245 casos). Depois, considerando-se que em algumas situações estava assinalado tratar-se de gestante e puérpera, possivelmente por evolução do caso, foram mantidas aquelas assinaladas apenas como gestante (n = 10.541 casos); a seguir, foram selecionadas as mulheres na faixa etária que corresponde à idade fértil, entre 10 e 49 anos, buscando-se excluir possíveis erros de digitação no banco de dados, visto que constavam alguns casos de gestantes com idade incompatível com a gravidez (n = 10.370 casos); por fim, selecionaram-se os casos com evolução final anotada (n = 8.999 casos), visto estar relacionada ao desfecho deste estudo (hospitalização em UTI e óbito: sim, não). A amostra final foi definida com a inclusão de participantes que tinham todas as informações de interesse anotadas (n = 6.276) (Figura 1).

Figura 1
Composição da amostra, a partir de dados do Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe. Brasil, 2020-2021

Coleta de Dados

A coleta de dados foi realizada nos meses de julho a setembro de 2021, a partir de dados do SIVEP Gripe, bancos INFLUD21-09-08-21 e INFLUD09-08-21, disponibilizado pelo Ministério da Saúde (MS) do Brasil (Disponível em: https://opendatasus.saude.gov.br/dataset/bd-srag-2020).

As variáveis desfecho são: internação em UTI e óbito por COVID-19 (variáveis dicotômicas, classificadas em sim, não). As variáveis de exposição incluem características sociodemográficas: idade (anos), cor da pele (branca ou amarela, parda, preta, indígena); região de residência (sudeste, nordeste, sul, norte, centro-oeste) trimestre gestacional; comorbidades relatadas no momento da notificação (sim, não): cardiopatia, doença hematológica, síndrome de Down, hepatopatia, asma, diabetes, doença neurológica, pneumopatia, imunodepressão, nefropatia, obesidade e número de comorbidades; doenças relacionadas à gestação (sim, não): diabetes gestacional e síndromes hipertensivas; sinais e sintomas relatados no momento da notificação (sim, não): febre, tosse, odinofagia, dispneia, desconforto respiratório, saturação de oxigênio inferior a 95%, diarreia, vômito, perda de olfato e perda de paladar e outros sinais e sintomas (sim, não): coriza, mialgia, cefaleia, náusea, congestão nasal, inapetência, dor torácica, calafrio, fraqueza, taquicardia, dor abdominal, fadiga, sinusite, cianose de extremidades, dor lombar ou em baixo ventre, sangramento vaginal e otalgia; número de sinais e sintomas e suporte ventilatório (não, sim e não invasivo, sim e invasivo). Considerando-se que no SIVEP-Gripe solicita-se que seja sinalizada a presença do evento, seja comorbidade, sejam sinais e sintomas, os casos ignorados (em branco) foram incluídos no grupo não. Destaca-se que pelo pequeno número de casos e semelhança quanto aos aspectos sociais, gestantes informadas com cor da pele amarela foram analisadas em conjunto com as brancas.

Análise e Tratamento dos Dados

Inicialmente, realizou-se análise descritiva das variáveis relativas à sociodemografia, comorbidades, doenças relacionadas à gestação e sinais e sintomas referidos no momento da internação. Em seguida, foram ajustados modelos de regressão linear múltipla com resposta Poisson por meio da classe dos modelos lineares generalizados para explicar a internação em UTI e o óbito por COVID-19 incluindo, no componente determinístico dos modelos, as variáveis as quais, isoladamente, associaram-se a nível p < 0,10 com os desfechos. A medida de efeito adotada foi o risco relativo, com os respectivos intervalos de confiança de 95%. Nos modelos de regressão múltipla finais, as associações foram consideradas estatisticamente significativas se p <0,05. Análises foram realizadas com o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) 21.

Aspectos Éticos

Foi assegurada a preservação dos aspectos éticos, de acordo com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde no 510, de 7 de abril de 2016, parágrafo único, que apresenta que não serão registradas nem avaliadas pelo sistema Comitê de Ética em Pesquisa/Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CEP/CONEP), item II: pesquisa que utilize informações de acesso público, nos termos da Lei no 12.527, de 18 de novembro de 2011. Destaca-se que o banco de dados utilizado é de acesso público, não contém o nome das participantes ou qualquer outra possibilidade de identificação individual das mulheres, de forma a garantir-se o anonimato. Por tratar-se de pesquisa com banco de dados de acesso público, não foi necessário encaminhamento para apreciação de Comitê de Ética em Pesquisa(1515. Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução n° 510, de 7 de abril de 2016. Diário Oficial da União [Internet]; 24 Maio 2016 [cited 2023 Feb 22]. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&data=24/05/2016&pagina=44
https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/...
).

Resultados

As características das gestantes incluídas no estudo constam da Tabela 1.

Tabela 1
Características sociodemográficas e clínicas das gestantes participantes do estudo (n = 6.276) – Brasil, 2020–2021.

A maioria das gestantes tinha entre 20 e 34 anos de idade; cor da pele parda; residia nas regiões sudeste ou nordeste; estava no terceiro trimestre gestacional; não tinha comorbidade; referiu entre dois e quatro sinais e sintomas, inclusive dispneia, mas não apresentou desconforto respiratório ou saturação de oxigênio igual ou inferior a 95% e precisou de algum tipo de suporte ventilatório. A proporção de internação em UTI e óbito foi 28,2% e 9,5%, respectivamente. A Tabela 2 é relativa às comorbidades e aos sinais e sintomas apresentados pelas gestantes. As comorbidades mais frequentemente referidas foram diabetes, obesidade, cardiopatia e asma. Entre os principais sinais e sintomas estavam: tosse, febre, odinofagia e fadiga (Tabela 2).

Tabela 2
Prevalência de comorbidades e sinais e sintomas das ­gestantes participantes do estudo (n = 6.276) – Brasil, 2020–2021.

A Tabela 3 é relativa às análises bivariadas e regressão múltipla entre as variáveis de interesse e o desfecho internação em UTI. As variáveis que associaram-se ao desfecho no nível de p < 0,10 foram incluídas no modelo final de regressão logística. No modelo final, ter idade ≤ 19 anos, comparada a ter entre 20–34 anos, de maneira independente, protegeu a gestante da internação em UTI (RR = 0,78, IC95% = 0,62–0,99, p = 0,044). Comparada à região norte, residir na região sudeste (RR = 1,25, IC95% = 1,04-1,49, p = 0,016) ou nordeste (RR = 1,22, IC95% = 1,01–1,47, p = 0,042), estar no terceiro (RR = 1,41, IC95% = 1,16–1,70, p < 0,001) ou segundo trimestre de gestação (RR = 1,40, IC95% = 1,15–1,71, p = 0,001), o número de comorbidades (RR = 1,14, IC95% = 1,07–1,22, p < 0,001) e os sintomas: dispneia (RR = 1,79, IC95% = 1,56–2,04, p < 0,001), desconforto respiratório (RR = 1,14, IC95% = 1,03–1,28, p < 0,015) e saturação de oxigênio igual ou inferior a 95% (RR = 2,12, IC95% = 1,89–2,38, p < 0,001) também, de maneira independente, se associaram à internação em UTI. Em termos de magnitude de efeito, os maiores foram relacionados a apresentar dispneia ou saturação de oxigênio igual ou inferior a 95%, que aumentaram o risco de internação em UTI em aproximadamente duas vezes.

Tabela 3
Análises bivariadas de Poisson simples e regressão múltipla entre variáveis de interesse e o desfecho internação em Unidade de Terapia Intensiva – Brasil, 2020–2021.

A Tabela 4 é referente ao desfecho óbito. As variáveis as quais associaram-se ao óbito em nível de p < 0,10 foram incluídas no modelo final de regressão logística. No modelo final, de maneira independente, residir nas regiões sudeste (RR = 0,72, IC95% = 0,55–0,94, p = 0,016) ou sul (0,60, IC95% = 0,42–0,84, p = 0,003), em relação à região norte, protegeu da ocorrência de óbito, assim como houve proteção com o aumento no número de sinais e sintomas (RR = 0,94, IC95% = 0,89–0,99, p = 0,010). Também de maneira independente, aumentaram o risco de óbito: ter idade acima de 34 anos, comparada à faixa etária entre 20–34 anos (RR = 1,21, IC95% = 1,02–1,44, p = 0,027); o aumento no número de comorbidades (RR = 1,17, IC95% = 1,06–1,30, p < 0,003) ou saturação de oxigênio igual ou inferior a 95% (RR = 1,24, IC95% = 1,01–1,53, p = 0,038), ter estado internado em UTI (RR = 2,49, IC95% = 1,93–3,21, p < 0,001) e necessitar de ventilação invasiva (RR = 10,25, IC95% = 7,11–14,76, p < 0,001) ou não invasiva (RR = 2,44, IC95% = 1,73–3,43, p < 0,001). Em termos de magnitude de efeito, o maior foi relacionado à necessidade de ventilação invasiva o que aumentou o risco de óbito em aproximadamente 10 vezes (Tabela 4).

Tabela 4
Análises bivariadas de Poisson simples e regressão múltipla entre variáveis de interesse e o desfecho óbito – Brasil, 2020–2021.

DISCUSSÃO

O presente estudo permitiu avaliar a evolução da COVID-19 entre gestantes brasileiras notificadas no SIVEP-Gripe, identificando-se os preditores sociodemográficos e clínicos relacionados à internação em unidade de terapia intensiva e ao óbito. Identificou taxas de internação em UTI de 28,2% e de óbito de 9,5%. Entre os preditores para internação em UTI em decorrência da COVID-19, residir nas regiões sudeste ou nordeste, quando comparado à residência na região norte; estar no segundo ou no terceiro trimestres da gestação, comparados ao primeiro trimestre; o número de comorbidades e apresentar sinais e sintomas respiratórios: dispneia, desconforto respiratório ou saturação de oxigênio igual ou inferior a 95%, aumentaram o risco de a gestante necessitar de UTI, enquanto que ter idade até 19 anos foi fator independente de proteção para esse desfecho. Ter idade acima de 34 anos, comparada à faixa etária entre 20-34 anos; o número de comorbidades; apresentar saturação de oxigênio igual ou inferior a 95%; necessitar de internação em UTI e de ventilação invasiva ou não aumentaram, de maneira independente, o risco de óbito entre as gestantes com COVID-19. Também de maneira independente, quando comparado a residir na região norte, residir nas regiões sudeste ou sul do país foi fator de proteção com relação ao óbito, assim como o número de sinais e sintomas relatados.

O número de comorbidades constitui fator de risco identificado tanto quando se considera a necessidade de hospitalização em UTI quanto a evolução para óbito entre gestantes com COVID-19, sendo as mais frequentemente encontradas no presente estudo a diabetes e a obesidade. Comorbidades clínicas também foram apontadas em estudo de coorte prospectivo realizado na Turquia: estavam presentes em 10 casos (34,5%), sendo que a obesidade foi a principal condição (50%), seguida pelo hipotireoidismo (40%), de forma que os autores concluíram que indivíduos com comorbidades são mais suscetíveis à COVID-19, embora indiquem a necessidade de novos estudos sobre o tema(1616. Sahin D, Tanacan A, Erol SA, Anuk AT, Eyi EG, Ozgu-Erdinc AS, et al. A pandemic center’s experience of managing pregnant women with COVID-19 infection in Turkey: a prospective cohort study. Int J Gynaecol Obstet. 2020;151(1):74–82. doi: http://dx.doi.org/10.1002/ijgo.13318. PubMed PMID: 2682342.
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). Em estudo realizado na Inglaterra, Irlanda do Norte e Escócia, entre as grávidas internadas por SARS-CoV-2, um terço tinha comorbidades pré-existentes, sendo as principais a obesidade, a hipertensão e a diabetes(1717. Knight M, Bunch K, Vousden N, Morris E, Simpson N, Gale C, et al. Characteristics and outcomes of pregnant women admitted to hospital with confirmed SARS-CoV-2 infection in UK: national population based cohort study. BMJ. 2020;369:m2107. doi: http://dx.doi.org/10.1136/bmj.m2107. PubMed PMID: 32513659.
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). Outras pesquisas reforçam que grávidas com doenças como hipertensão, diabetes mellitus e asma são mais suscetíveis ao vírus e têm curso mais grave da doença, levando à insuficiência respiratória e necessidade de ventilação mecânica(1616. Sahin D, Tanacan A, Erol SA, Anuk AT, Eyi EG, Ozgu-Erdinc AS, et al. A pandemic center’s experience of managing pregnant women with COVID-19 infection in Turkey: a prospective cohort study. Int J Gynaecol Obstet. 2020;151(1):74–82. doi: http://dx.doi.org/10.1002/ijgo.13318. PubMed PMID: 2682342.
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17. Knight M, Bunch K, Vousden N, Morris E, Simpson N, Gale C, et al. Characteristics and outcomes of pregnant women admitted to hospital with confirmed SARS-CoV-2 infection in UK: national population based cohort study. BMJ. 2020;369:m2107. doi: http://dx.doi.org/10.1136/bmj.m2107. PubMed PMID: 32513659.
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18. World Association of Perinatal Medicine. Working Groupon COVID-19. Maternal and perinatal outcomes of pregnant women with SARS-CoV-2 infection. Ultrasound Obstet Gynecol. 2021;57(2):232–41. doi: http://dx.doi.org/10.1002/uog.23107. PubMed PMID: 32926494.
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-1919. Melo GC, Araújo KCGM. COVID-19 infection in pregnant women, preterm delivery, birth weight, and vertical transmission: a systematic review and meta-analysis. Cad Saude Publica. 2020;36(7):e00087320. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00087320. PubMed PMID: 32696830.
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). Em contraponto, estudo de coorte multinacional e retrospectivo, o qual incluiu grávidas com infecção por SARS-CoV-2 de 22 países diferentes, realizou análise de regressão de potenciais preditores de resultado adverso e não identificou associação com a presença de comorbidades crônicas ou obesidade(1818. World Association of Perinatal Medicine. Working Groupon COVID-19. Maternal and perinatal outcomes of pregnant women with SARS-CoV-2 infection. Ultrasound Obstet Gynecol. 2021;57(2):232–41. doi: http://dx.doi.org/10.1002/uog.23107. PubMed PMID: 32926494.
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). Dessa maneira, outros estudos ainda merecem abordar o papel das comorbidades crônicas na evolução da COVID-19.

A presença de sinais e sintomas respiratórios foi preditor de doença grave, o que está de acordo com a literatura científica(1616. Sahin D, Tanacan A, Erol SA, Anuk AT, Eyi EG, Ozgu-Erdinc AS, et al. A pandemic center’s experience of managing pregnant women with COVID-19 infection in Turkey: a prospective cohort study. Int J Gynaecol Obstet. 2020;151(1):74–82. doi: http://dx.doi.org/10.1002/ijgo.13318. PubMed PMID: 2682342.
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,1818. World Association of Perinatal Medicine. Working Groupon COVID-19. Maternal and perinatal outcomes of pregnant women with SARS-CoV-2 infection. Ultrasound Obstet Gynecol. 2021;57(2):232–41. doi: http://dx.doi.org/10.1002/uog.23107. PubMed PMID: 32926494.
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,2020. Menezes MO, Takemoto MLS, Nakamura-Pereira M, Katz L, Amorim MMR, Salgado HO, et al. Risk factors for adverse outcomes among pregnant and post partum women with acute respiratory distress syndrome due to COVID-19 in Brazil. Int J Gynaecol Obstet. 2020;151(3):415–23. doi: http://dx.doi.org/10.1002/ijgo.13407. PubMed PMID: 33011966.
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,2121. Furlan MC, Jurado SR, Uliana CH, da Silva ME, Nagata LA, Maia AC. Gravidez e infecção por Coronavírus: desfechos maternos, fetais e neonatais: revisão sistemática. Revista Cuidarte. 2020;11(2):1–5. doi: http://dx.doi.org/10.15649/cuidarte.1211
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) porém, destaca-se que são variados tanto os sinais e sintomas associados à COVID-19 descritos, quanto sua gravidade. Na Turquia, tosse e mialgia foram os principais sintomas iniciais relatados por gestantes, enquanto que aumento de temperatura, taquipneia e taquicardia foram os sinais vitais anormais mais comumente relatados no momento da admissão em hospital: 27,6%, 24,1% e 27,6%, respectivamente(1616. Sahin D, Tanacan A, Erol SA, Anuk AT, Eyi EG, Ozgu-Erdinc AS, et al. A pandemic center’s experience of managing pregnant women with COVID-19 infection in Turkey: a prospective cohort study. Int J Gynaecol Obstet. 2020;151(1):74–82. doi: http://dx.doi.org/10.1002/ijgo.13318. PubMed PMID: 2682342.
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). Em estudo de coorte multinacional, o sintoma mais comum foi tosse (52,1%), seguido de febre (44,1%) e falta de ar (15,5%), enquanto 24,2% eram assintomáticas(1818. World Association of Perinatal Medicine. Working Groupon COVID-19. Maternal and perinatal outcomes of pregnant women with SARS-CoV-2 infection. Ultrasound Obstet Gynecol. 2021;57(2):232–41. doi: http://dx.doi.org/10.1002/uog.23107. PubMed PMID: 32926494.
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). No presente estudo, a maioria das gestantes referiu entre dois e quatro sinais e sintomas e dois dos mais frequentes são similares aos anteriormente citados: febre e tosse, enquanto outros dois, fadiga e odinofagia, não.

Destaca-se, porém, que o aumento no número de sinais e sintomas foi fator de proteção com relação ao óbito. Assim, considerando-se as inúmeras variantes do vírus já descritas e que ainda virão, novas pesquisas deverão abordar a prontidão da assistência recebida e não apenas o número cumulativo de sinais e sintomas, pois aprofundar na análise de aspectos clínicos poderá trazer informações que permitam compreender melhor a ocorrência e evolução da doença.

Residir nas regiões sudeste ou nordeste, quando comparada à norte, constituiu fator de risco para internação em UTI. Outro estudo brasileiro, cujo objetivo foi identificar fatores de risco para desfechos adversos em gestantes e puérperas com COVID-19, analisando o acesso à saúde e os fatores de risco social, apontou que a distribuição dos leitos de UTI não é homogênea no país, o que pode explicar por que não ter uma UTI local reduziu o risco de internação nessas Unidades(2020. Menezes MO, Takemoto MLS, Nakamura-Pereira M, Katz L, Amorim MMR, Salgado HO, et al. Risk factors for adverse outcomes among pregnant and post partum women with acute respiratory distress syndrome due to COVID-19 in Brazil. Int J Gynaecol Obstet. 2020;151(3):415–23. doi: http://dx.doi.org/10.1002/ijgo.13407. PubMed PMID: 33011966.
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). De modo similar, menos internação em UTI na região norte pode decorrer da menor disponibilidade de leitos, explicação plausível quando se considera outro resultado obtido: residir nas regiões sul ou sudeste foi fator de proteção para o óbito, quando comparadas à região norte.

Outros fatores de risco precisam ser destacados: estar no segundo ou terceiro trimestres da gestação aumentou o risco de internação em UTI, mantendo o padrão observado para outros vírus respiratórios, visto que em geral mulheres no final da gravidez são mais gravemente afetadas(1717. Knight M, Bunch K, Vousden N, Morris E, Simpson N, Gale C, et al. Characteristics and outcomes of pregnant women admitted to hospital with confirmed SARS-CoV-2 infection in UK: national population based cohort study. BMJ. 2020;369:m2107. doi: http://dx.doi.org/10.1136/bmj.m2107. PubMed PMID: 32513659.
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,1919. Melo GC, Araújo KCGM. COVID-19 infection in pregnant women, preterm delivery, birth weight, and vertical transmission: a systematic review and meta-analysis. Cad Saude Publica. 2020;36(7):e00087320. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00087320. PubMed PMID: 32696830.
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). A idade até 19 anos foi fator de proteção para internação em UTI e a idade acima de 34 anos foi fator de risco para o óbito, quando comparadas àquelas entre 20-34 anos, provavelmente devido à maior prevalência de comorbidades, como a hipertensão e a diabetes. A associação entre gravidade e comorbidade tem sido descrita desde o início da pandemia: estudo de coorte retrospectiva multinacional realizada em 72 Centros Perinatais de 22 países da Europa, Estados Unidos da América, Ásia, América do Sul e Austrália, entre fevereiro e abril de 2020, já descreveu especificamente três casos de óbito, sendo que um deles ocorreu em mulher diabética e outro em hipertensa, que desenvolveu pré-eclampsia grave(1818. World Association of Perinatal Medicine. Working Groupon COVID-19. Maternal and perinatal outcomes of pregnant women with SARS-CoV-2 infection. Ultrasound Obstet Gynecol. 2021;57(2):232–41. doi: http://dx.doi.org/10.1002/uog.23107. PubMed PMID: 32926494.
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).

Em estudo de base populacional realizado no Reino Unido, 70% das gestantes estavam com sobrepeso ou obesidade, 40% tinham 35 anos ou mais e um terço tinha comorbidades pré-existentes(1717. Knight M, Bunch K, Vousden N, Morris E, Simpson N, Gale C, et al. Characteristics and outcomes of pregnant women admitted to hospital with confirmed SARS-CoV-2 infection in UK: national population based cohort study. BMJ. 2020;369:m2107. doi: http://dx.doi.org/10.1136/bmj.m2107. PubMed PMID: 32513659.
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). Estudo realizado no Brasil apontou: idade superior a 35 anos, obesidade, diabetes, cor da pele preta e residir em área periurbana foram fatores associados a risco aumentado de resultados adversos, como abortamento espontâneo, parto prematuro, restrição de crescimento intra-uterino, admissão em UTI e morte materna. Ainda, destaca-se que as taxas de internação em UTI e de óbito foram elevadas: 28,2% e 9,5%, respectivamente, acima da encontrada em estudos internacionais, onde as taxas de internação em UTI foram próximas a 10%(1717. Knight M, Bunch K, Vousden N, Morris E, Simpson N, Gale C, et al. Characteristics and outcomes of pregnant women admitted to hospital with confirmed SARS-CoV-2 infection in UK: national population based cohort study. BMJ. 2020;369:m2107. doi: http://dx.doi.org/10.1136/bmj.m2107. PubMed PMID: 32513659.
https://doi.org/10.1136/bmj.m2107...
,1818. World Association of Perinatal Medicine. Working Groupon COVID-19. Maternal and perinatal outcomes of pregnant women with SARS-CoV-2 infection. Ultrasound Obstet Gynecol. 2021;57(2):232–41. doi: http://dx.doi.org/10.1002/uog.23107. PubMed PMID: 32926494.
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) e de morte materna em 0,8%(1818. World Association of Perinatal Medicine. Working Groupon COVID-19. Maternal and perinatal outcomes of pregnant women with SARS-CoV-2 infection. Ultrasound Obstet Gynecol. 2021;57(2):232–41. doi: http://dx.doi.org/10.1002/uog.23107. PubMed PMID: 32926494.
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). Esses dados evidenciam a gravidade da situação brasileira e indicam que a crise global humanitária e sanitária sem precedentes imposta pela pandemia assumiu no país face ainda mais dramática, somando à crise política vivenciada a adoção de postura de negação da ciência e sonegação de dados, desconsiderando o luto e o sofrimento de milhares de pessoas(2222. Giovanella L, Medina MG, Aquino R, Bousquat A. Denial, disdain and deaths: notes on the criminal activity of the federal government in fighting Covid-19 in Brazil. Saúde Debate. 2020;44(126):895–901. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0103-1104202012623
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), culminando nestes resultados alarmantes.

Por fim, aponta-se que a utilização de banco de dados secundários constitui limitação deste estudo, já que há dependência dos profissionais de saúde notificantes para sua alimentação, sem que os pesquisadores possam controlar sua qualidade. Além disso, como o banco é continuamente alimentado, pode não ter havido tempo de concluir a notificação, com anotação sobre a necessidade de internação em UTI ou mesmo a evolução para óbito, resultando em alguma subestimação. Por outro lado, é potência a ser destacada o fato de ter sido usado banco de dados de base populacional, de um país como o Brasil, que tem dimensões continentais.

CONCLUSÃO

Foram encontradas taxas elevadas de internação em UTI e de óbito. Entre os preditores para internação em UTI em decorrência da COVID-19 estavam: residir nas regiões sudeste ou nordeste, estar no segundo ou no terceiro trimestres da gestação, o número de comorbidades e apresentar sinais e sintomas respiratórios, como dispneia, desconforto respiratório ou saturação de oxigênio igual ou inferior a 95%; a gestação na adolescência foi o único fator de proteção identificado para esse desfecho. Idade superior a 34 anos, o número de comorbidades, apresentar saturação de oxigênio igual ou inferior a 95%, necessitar de internação em UTI e de ventilação, invasiva ou não, foram preditores para o óbito de gestantes com COVID-19, ao passo que residir nas regiões Sul ou Sudeste foi fator de proteção para esse desfecho negativo.

  • Apoio financeiro
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001

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Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Maria Helena Baena de Moraes Lopes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    22 Fev 2023
  • Aceito
    20 Jul 2023
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