Análise e avaliação do Modelo de Cuidados Geropaliativos segundo critérios de Fawcett

RESUMO

Objetivo:

Analisar e avaliar o Modelo de Cuidados Geropaliativos de Lee segundo os critérios de Fawcett.

Método:

Estudo teórico-reflexivo acerca do Modelo de Cuidados Geropaliativos. A análise suscitou em uma revisão detalhada do escopo, contexto e conteúdo de uma Teoria de Situação Específica, a fim de determinar os aspectos relacionados à prática e pesquisa na enfermagem, e a avaliação abordou os conceitos concretos desenvolvidos na teoria, sua significância, consistência interna, parcimônia, testabilidade e adequação empírica e pragmática na enfermagem enquanto disciplina.

Resultados:

A partir da análise, utilizou-se uma Teoria de Situação Específica baseada na ciência do cuidar e direcionada aos cuidados à pessoa idosa em paliação e sua família, estruturada em quatro domínios, a saber: (1) alinhamento dos cuidados; (2) manutenção da segurança; (3) conforto corpo/mente/espírito; e (4) facilitação dos processos de transições.

Considerações finais:

A teoria analisada e avaliada direciona para uma estrutura que contempla conceitos bem definidos, delimitados e inter-relacionados, com base na ciência do cuidar enquanto grande teoria que permitiu a derivação do Modelo de Cuidados Geropaliativos.

DESCRITORES
Enfermagem de Cuidados Paliativos na Terminalidade da Vida; Idoso; Processo de Enfermagem; Teoria de Enfermagem; Estudo de Avaliação

ABSTRACT

Objectives:

To analyze and assess Lee Geropaliative Caring Model according to Fawcett’s criteria.

Method:

A theoretical-reflective study about the Geropaliative Caring Model. The analysis resulted in a detailed review of the scope, context and content of a situation-specific theory, in order to determine aspects related to nursing practice and research, and assessment addressed the concrete concepts developed in theory, their significance, internal consistency, parsimony, testability and empirical and pragmatic adequacy in nursing as a discipline.

Results:

Based on the analysis, a situation-specific theory was used based on the science of care and aimed at caring for older adults undergoing palliation and their families, structured into four fields, namely: (1) aligning care; (2) keeping safe; (3) comforting body/mind/spirit; and (4) facilitating transitions.

Final considerations:

The analyzed and assessed theory leads to a structure that includes well-defined, delimited and interrelated concepts, based on the science of care as a grand theory that allowed Geropaliative Care Model derivation.

DESCRIPTORS
Hospice and Palliative Care Nursing; Aged; Nursing Process; Nursing Theory; Evaluation Study

RESUMEN

Objetivo:

Analizar y evaluar el Modelo de Atención Geropaliativa de Lee según los criterios de Fawcett.

Método:

Estudio teórico-reflexivo sobre el Modelo de Atención Geropaliativa. El análisis resultó en una revisión detallada del alcance, contexto y contenido de una Teoría de Situaciones Específicas, con el fin de determinar aspectos relacionados con la práctica y la investigación de la enfermería, y la evaluación abordó los conceptos concretos desarrollados en la teoría, su significado, consistencia interna, parsimonia, contrastabilidad y adecuación empírica y pragmática en la enfermería como disciplina.

Resultados:

A partir del análisis, se utilizó una Teoría de Situaciones Específicas basada en la ciencia del cuidado y orientada al cuidado de las personas mayores en paliación y de sus familias, estructurada en cuatro dominios, a saber: (1) alineación del cuidado; (2) mantener la seguridad; (3) comodidad cuerpo/mente/espíritu; y (4) facilitación de los procesos de transición.

Consideraciones finales:

La teoría analizada y evaluada conduce a una estructura que incluye conceptos bien definidos, delimitados e interrelacionados, basándose en la ciencia del cuidado como una gran teoría que permitió derivar el Modelo de Cuidado Geropaliativo.

DESCRIPTORES
Enfermería de Cuidados Paliativos al Final de la Vida; Anciano; Proceso de Enfermería; Teoría de Enfermería; Estudio de Evaluación

INTRODUÇÃO

Na perspectiva da Organização Mundial da Saúde, os cuidados paliativos (CP) visam proporcionar uma abordagem de cuidados integral e ativo aos indivíduos de todas as idades que se encontram em intenso sofrimento relacionados à sua saúde, decorrente de uma doença grave e crônica, especialmente aqueles que estão no final da vida, tendo como core uma melhora na qualidade de vida dos pacientes, de suas famílias e de seus cuidadores(¹).

Considerando o envelhecimento populacional mundial, ações relacionadas aos CP se tornam cada vez mais necessárias. A cada ano, cerca de 22 milhões de pessoas idosas com 70 anos ou mais necessitam desses cuidados sem, no entanto, ter acesso e, dessas, 78% vivem em países de baixa renda(²). Assim sendo, a oferta dos CP segue como um desafio constante para os sistemas de saúde.

As necessidades de cuidados para pessoas idosas em paliação não são diferentes das demais populações (crianças, jovens e adultos), todavia possuem particularidades relacionadas ao fenômeno do envelhecimento ou atributos críticos dos CP geriátricos, que são: vulnerabilidade no controle da dor; trajetórias imprevisíveis da doença; síndromes geriátricas; condições crônicas e comorbidades; diminuição das redes de apoio sociais; limitações dos seguros saúde; múltiplos contextos na transição para o envelhecimento; risco de uma comunicação ineficaz; e situações próprias do envelhecimento que independem da doença(³). Assim, diante do crescimento sem precedentes do envelhecimento populacional, é urgente e necessária a atenção aos atributos críticos relacionados aos CP geriátricos.

A literatura está repleta de modelos de CP para contextos e populações diferenciadas, como para situações mais focalizadas como as de emergências(⁴), situações de condições clínicas como na insuficiência cardíaca(⁵), com modelos para segmentos populacionais específicos ou para todos os usuários com necessidades de CP em âmbitos nacionais(⁶,⁷). Tais propostas se conformam como modelos ou estruturas de cuidado, geralmente não assumindo uma configuração de teoria ou tendo seu foco estabelecido a partir da perspectiva da disciplina da enfermagem.

Em 2018, a enfermeira norte-americana Susan M. Lee propõe que o Modelo de Cuidados Geropaliativos de Lee seja considerado uma Teoria de Situação Específica (TSE). Na perspectiva da teorista, a mencionada teoria guiaria a prática da equipe de enfermagem no cuidado a pessoas idosas nos seus últimos um a dois anos de vida(⁸). A autora reconhece que pessoas idosas estão mais vulneráveis às doenças crônicas em estágio avançado, a exemplos do câncer, das doenças cardiorrespiratórias ou demências(³). Logo, estão mais suscetíveis às necessidades dos CP. De modo geral, a TSE é baseada nos pressupostos da filosofia e ciência do cuidar(⁹), utilizando uma perspectiva fundamental de proporcionar o bem-estar entre os idosos baseada na avaliação subjetiva que leva a pessoa a perceber a vida de forma positiva e com esperança no futuro(³).

A base do Modelo de Cuidados Geropaliativos de Lee aplica elementos de uma grande teoria de enfermagem, a Teoria do Cuidado Humano da Dr^a. Jean Watson(⁹), como estrutura teórica que aborda aspectos fenomenológicos da enfermagem de maneira generalizada, honrando a autonomia, as escolhas e os significados para a pessoa a partir de uma conexão profunda entre paciente, profissional e família, com intencionalidade, escuta compassiva e promoção de bem-estar.

Diante desse cenário, emerge a relevância de planejar ações para proporcionar à pessoa idosa em CP e sua família uma experiência menos dolorosa, além de perceber suas necessidades e atitudes, a fim de respondê-las atentando para o contexto sociocultural em que estão inseridas. Os familiares, por sua vez, precisam respeitar e ter sensibilidade diante da dor do paciente em CP, mantendo sua individualidade e dignidade(¹⁰).

Por ser classificada como uma TSE, o Modelo de Cuidados Geropaliativos de Lee tem facilitado o potencial de utilização empírica, englobando tema de grande impacto social. Entretanto, sua publicação é recente e a disseminação por publicações ainda é escassa, o que suscita a realização da avaliação teórica. A própria teorista afirma que, ainda que o modelo tenha sido avaliado na prática por sete anos por mais de quinhentos enfermeiros, ainda considera ser necessária uma avaliação teórica formal(⁸).

A avaliação de teorias como estratégia metateórica, estruturada e formal pode auxiliar na determinação de qual teoria é mais apropriada ao uso na pesquisa e na prática da enfermagem, permitindo comparar e contrastar diferentes explicações para um mesmo fenômeno de enfermagem(¹¹). Além disso, o processo avaliativo pode ser considerado um tipo de validação interna, focando-se na determinação de sua adequação para uso e na verificação da abordagem epistemológica(¹²). Sendo assim, do ponto de vista científico, uma avaliação por critérios estruturados pode ser uma estratégia útil para antecipar a etapa do teste empírico.

Desse modo, fica presumida a necessidade de avaliar teoricamente o Modelo de Cuidados Geropaliativos de Lee para fornecer indícios úteis da capacidade de generalização de seus conceitos e afirmativas, particularmente porque elementos de indução da prática que constituíram a teoria foram obtidos somente no cuidado de saúde de hospitais norteamericanos(⁸), o que exige a avaliação do caráter de aplicação a populações e contextos diferentes.

Diante de tais considerações, o estudo tem como objetivo analisar e avaliar o Modelo de Cuidados Geropaliativos de Lee segundo os critérios de Fawcett.

MÉTODO

Estudo teórico-reflexivo, desenvolvido no primeiro semestre de 2023, decorrente de pesquisa de doutorado realizado em uma universidade pública no Nordeste do Brasil. O estudo avalia o Modelo de Cuidados Geropaliativos proposto por Suzan Lee^(3,8,13), uma TSE que tem como particularidade os cuidados de fim de vida para pessoas idosas.

A análise e a avaliação da referida TSE foram suportadas em critérios propostos por Jacqueline Fawcett(¹⁴), cuja aplicação possibilitou um desenvolvimento de visão descritiva, analítica e crítica sobre o fenômeno em questão.

A etapa de análise requereu revisão detalhada de todas as fontes primárias disponíveis e acessáveis à equipe de pesquisadores para verificar os critérios de escopo, conteúdo e contexto^{(3,8,13,15,16)}. Com isso, a meta foi determinar os aspectos relacionados à prática e pesquisa na enfermagem para uma descrição objetiva e sem julgamentos acerca da teoria, realizando um exame sistemático de exatamente o que a autora escreveu sobre a teoria, o seu escopo, contexto e conteúdo(¹⁴).

Já a etapa de avaliação exigiu julgamentos sobre como a TSE satisfaz os critérios de significância, consistência interna, parcimônia, testabilidade, adequação empírica e adequação pragmática(¹⁴), de modo a proporcionar um arcabouço teórico para contribuir com reflexões sobre a teoria e seus aspectos intrínsecos, como a sua influência, significância, consistência interna, parcimônia, testabilidade, e adequação empírica e pragmática para a disciplina da enfermagem(¹⁴).

Esse método de investigação, com as etapas de análise e avaliação de teorias, visa fortalecer as práticas da enfermagem e tem por finalidade confirmar sua utilidade, sua aplicabilidade e seu valor na educação, na prática e na pesquisa em enfermagem. Nesse sentido, merecem destaque os estudos(¹⁷,¹⁸) que têm utilizado tal estratégia para análise e avaliação de teorias de enfermagem.

RESULTADOS E REFELXÃO

Se comparadas com as teorias de médio alcance, as TSE são muito menos abstratas, podendo trazer em suas estruturas um nível de abstração comparável ao de modelos de documentação da prática profissional, a exemplo do histórico de enfermagem ou de planos de cuidados. Usualmente, uma TSE tem como propósito responder a um conjunto de questões coerentes sobre dada situação limitada a um escopo e foco(¹⁹). São orientadas para um fenômeno específico da enfermagem que reflita a prática clínica, peculiar a uma população ou campo particular da prática.

As TSE são contextualizadas histórica e socialmente, desenvolvidas para incorporar e não transcender o tempo ou estruturas sociais e políticas. Embora limitadas em escopo e conteúdo, seu contexto é abrangente(²⁰). Seu maior desenvolvimento e publicações a partir da derivação e dedução de grandes teorias ou de teorias de médio alcance ocorreu na última década do século XX e na primeira do XXI(²¹).

A partir da análise, verificamos que o escopo do Modelo de Cuidados Geropaliativos de Lee, enquanto um modelo operacional com aplicação mais acessível nas situações clínicas, está direcionado aos CP, focado nas pessoas idosas em cuidados de fim de vida. Foi derivado da Teoria do Cuidado Humano(⁹), sendo essa uma grande teoria de enfermagem e a primeira a sustentar a prática da enfermagem em CP(⁸).

Embora denominado de “Modelo de Cuidados Geropaliativos de Lee”, a teorista o considera uma TSE pelo baixo nível de abstração, por refletir o fenômeno específico do cuidado de enfermagem no contexto de expectativa de vida limitada e por ser ligada à prática e limitada em generalização(⁸). Ainda em escopo, apresenta-se como teoria descritiva(¹⁴) que aborda as necessidades específicas de pessoas idosas com doença crônica em estágio avançado, com risco de vida, a exemplo do câncer, da demência e das fragilidades do envelhecimento e que podem se beneficiar da abordagem dos CP, mais especificamente dos cuidados de fim de vida, a partir da promoção de um cuidado que tem como cerne o bem-estar no contexto do envelhecimento. Para tanto, é indispensável uma relação interativa entre o enfermeiro, a pessoa idosa e sua família. É caracterizada por um modelo de cuidado dirigido para o aumento da eficácia das ações dos enfermeiros em prol do alcance do bem-estar^(3,8,9).

Uma TSE torna-se, por suas propriedades, mais operacional e aplicável nas situações clínicas, usualmente possuindo um nível de abstração mais baixo quando comparadas a teorias de médio alcance. Esse tipo de teoria foi proposto pelas enfermeiras e teóricas Eun Ok Im e Afaf Ibraim Meleis, no ano de 1999, em resposta às limitações da teorização de um escopo de maior abrangência, em particular o alcance excessivo da generalização incorporada nas teorias de grande e médio alcance(¹⁹).

Seu conteúdo e contexto orienta-se por lidar com cuidados ao fim da vida. Entendem-se cuidados ao fim da vida como uma abordagem dos CP que a pessoa idosa deve receber durante os últimos dias de sua vida, a partir do instante em que fica claro que ela se encontra em estado de declínio progressivo e inexorável, aproximando-se da morte(²²). Nesse contexto, o enfermeiro assume um papel de destaque no planejamento e na implementação de ações/intervenções de enfermagem voltadas para o bem-estar físico e emocional, assim como para a independência da pessoa idosa na realização das atividades da vida diária sempre que possível, devendo, para tanto, documentar sua prática com base em um suporte teórico no Processo de Enfermagem e no uso dos Sistemas de Linguagem Padronizada(²³).

Em relação ao conteúdo, a proposta de critérios descrita por Jacqueline Fawcett(¹⁴) requer a identificação de conceitos e proposições do metaparadigma da enfermagem abordado pela teoria, as reivindicações filosóficas de base, o modelo conceitual da derivação teórica e as contribuições do conhecimento da enfermagem e circunscrito para a teoria.

Assim, o Modelo de Cuidados Geropaliativos deriva da Teoria do Cuidado Humano(⁹), que pode ser considerado o modelo conceitual de derivação e o fornecedor das suas reivindicações filosóficas. A Teoria do Cuidado Humano tem como aspectos centrais o Processo Clinical Caritas, composto por 10 elementos pautados no apoio à pessoa sob cuidados com forte preditor de bem-estar que deve ser o resultado a ser alcançado pelo paciente e família a partir dos cuidados prestados pelo enfermeiro.

Para tanto, alguns indicadores são marcantes no alcance do bem-estar do paciente e da família, como a vontade expressa em manter uma interação paciente/família/enfermeiro e a promoção de ações que proporcionem conforto e bem-estar a partir de uma sintonia com as perspectivas futuras do paciente, de modo que seja possível criar um ambiente terapêutico (healing) em todos os níveis (físico e não físico), sensível de autêntica energia e consciência, no qual a totalidade, a beleza, o conforto, a dignidade e a paz sejam potencializados(⁸,⁹).

As contribuições do conhecimento da enfermagem e de outras disciplinas são decorrentes de múltiplas fontes que foram acessadas por meio da abordagem integrativa utilizada na construção teórica, utilizando processos de pesquisa baseados nos raciocínios de dedução e indução. Esses raciocínios foram compatibilizados por meio da combinação e agregação de distintas fontes de dados(²⁴), de maneira que a dedução se deu com base na Teoria do Cuidado Humano(⁹) e nos resultados de uma síntese de conceitos(³) que levou em consideração os conhecimentos sobre CP e gerontologia.

Já a estratégia indutiva partiu do desenvolvimento de um currículo educacional que tinha como propósito melhorar a efetividade da prática de enfermeiros no cuidado à pessoa idosa nos seus últimos dias de vida. Tal programa educacional foi concebido tendo por base a técnica de grupo focal com enfermeiros de um programa de residência em enfermagem em cuidados geropaliativos baseada em evidências vinculado a um hospital de ensino nos Estados Unidos da América(¹⁵).

Importa destacar que o programa de educação, uma prática reflexiva baseada em evidências e guiada pelo Modelo de Cuidados Geropaliativos, desenvolvido em hospital de ensino(¹⁵), foi denominado de AgeWISE e disseminado em 14 hospitais com o objetivo de melhorar as habilidades das enfermeiros em CP como uma competência básica da prática(⁸).

A matriz curricular do programa AgeWISE foi desenvolvida não como um currículo prescritivo, mas como um portfólio de atividades de aprendizado facilmente personalizáveis para orientar cada equipe local na sua implementação. A matriz curricular centrou-se em oito domínios para a abordagem dos CP: 1) estruturas e processos dos domínios dos cuidados; 2) domínio físico; 3) domínio psicológico e emocional; 4) domínio social; 5) domínio espiritual, religioso e existencial; 6) domínio cultural; 7) domínio dos cuidados de fim de vida; e 8) domínio da legislação e ética(¹⁶).

Com relação aos conceitos metaparadigmáticos da enfermagem empregados por Fawcett(¹⁴), como saúde, enfermagem, ambiente e pessoa, não verificamos uma clara distinção do conteúdo mais geral da TSE. Todavia, é possível identificá-los a partir de inferências com base na compreensão do Modelo de Cuidados Geropaliativos com relação aos conceitos de ser humano, ambiente, saúde e enfermagem, seguindo as recomendações do método de análise que preconiza que, quando a autora da teoria não é clara sobre determinado ponto ou não apresenta algumas informações, pode ser necessário fazer inferências ou recorrer a outras revisões da teoria.

Assim, é possível inferir que “ser humano” é visto na sua integralidade como mente/corpo/espírito/universo, e o Modelo de Cuidados Geropaliativos se centra na pessoa e sua família como unidade de cuidados, de modo que os valores, as necessidades e as preferências são as diretrizes para o planejamento dos cuidados(²). Assim, espera-se que a equipe de enfermagem assegure condições para que a pessoa idosa e sua família não se sintam sozinhas ou abandonadas(⁸).

O “ambiente” deve retratar um espaço com condições de promover o cuidado sensível e responsivo às necessidades da pessoa idosa em cuidados de fim de vida e sua família(¹⁵), a partir de habilidades específicas, autêntica energia e consciência da equipe de enfermagem, com atenção plena, escuta sensível e presença verdadeira em um ambiente terapêutico (healing) em todas as dimensões do cuidar, além da devida atenção às medidas de segurança do paciente(⁸).

Já os conceitos de enfermagem e saúde se entrelaçam com o propósito de promover bem-estar à pessoa. Assim sendo, a “enfermagem” tem como escopo promover condições que favoreçam a proteção, promoção e restauração da saúde e bem-estar, além da prevenção de doenças e lesões e alívio do sofrimento da pessoa idosa em cuidados de fim de vida e sua família. O bem-estar é o resultado esperado das ações da equipe de enfermagem.

A equipe de enfermagem deve advogar pela pessoa/família usando seu conhecimento de enfermagem clínica e suas habilidades de comunicação, princípios éticos e morais para defender a pessoa idosa quando outros (profissionais ou familiares) optam por prosseguir com um tratamento diferente daquele que a pessoa idosa deseja ou quando outros tentam recusar o tratamento que ela escolheu para si(⁸). Desse modo, o enfermeiro se constitui uma plataforma de mediação entre o paciente/família e a equipe de CP diante da sua posição privilegiada de proximidade com a unidade de cuidados, possibilitando advogar pelo paciente e incentivando-o a lutar pelo exercício de sua autonomia(²⁵).

No tocante à “saúde”, também tem como objetivo essencial a promoção do bem-estar ético-moral-filosófico coerente com os princípios filosóficos dos CP(¹,²). Logo, quando a restauração da saúde não é possível, diante da severidade da doença terminal, o bem-estar deve ser o foco das ações dos cuidados de fim de vida(⁸) a serem desenvolvidas pela equipe de enfermagem para com a pessoa idosa e sua família em prol do alívio do sofrimento e promoção do conforto e dignidade humana.

A teórica explorou o conteúdo do Modelo de Cuidados Geropaliativos pela síntese do conceito de “cuidados geropaliativos”(³).

A síntese de conceito é uma estratégia para desenvolver conceitos baseada na observação ou na busca por evidências empíricas, haja vista que os conceitos podem ser desenvolvidos a partir da observação, da experiência clínica, da coleta de dados qualitativos e quantitativos ou da combinação deles. Vale destacar que a síntese de conceito difere da análise de conceito, de maneira que a primeira é útil quando poucos ou nenhum conceito está disponível ou quando os atributos são desconhecidos. Já a última é conveniente quando o conceito já está disponível na área de interesse(²⁶).

Lee(³) identificou as singularidades entre os CP e a gerontologia, considerando que ambos os campos de conhecimentos enfatizam a importância de uma atuação em equipe interdisciplinar, dos cuidados centrados no paciente e na família, do alívio do sofrimento e da busca por proporcionar melhor qualidade de vida à pessoa. No caso em questão, à época, primeira década do século XXI, o conceito ainda não tinha seus atributos claros.

A partir da aplicação da síntese do conceito, foi possível depreender que os cuidados geropaliativos representam mais do que a soma dos cuidados geriátricos com os CP, destacando-se que todos os princípios filosóficos dos CP se aplicam aos cuidados com a pessoa idosa. No entanto, foi possível relacionar os atributos essenciais dos CP com especificidade da pessoa idosa, de tal modo que seja possível promover um cuidado seguro e eficaz(³). Tal conceito possui nove atributos críticos, nomeadamente: 1) alto risco para controle ineficaz da dor; 2) trajetória imprevisível da doença; 3) síndromes geriátricos (fragilidade, polifarmácia e farmacocinética alterada, demência, delirium e quadros clínicos incomuns); 4) condições crônicas e comorbidades; 5) diminuição das redes de apoio sociais; 6) limitações dos seguros saúde; 7) múltiplos cenários/contextos do cuidado; 8) risco para uma comunicação ineficaz; e 9) benefício apenas em virtude da idade, independentemente da doença(³,¹³).

Com base em tais atributos críticos, é possível afirmar que os cuidados geropaliativos são tanto uma postura filosófica(¹,²) quanto um modelo estruturado e interdisciplinar de prestação de cuidados que orienta o planejamento dos cuidados aos pacientes e familiares nos seus últimos cinco anos de vida, independentemente de estar com uma doença ou não(³).

A partir de tais atributos, foi possível estruturar o Modelo de Cuidados Geropaliativos com base em quatro domínios: 1) alinhamento dos cuidados; 2) manutenção da segurança; 3) conforto do corpo/mente/espírito; e 4) facilitador da transição (Figura 1). Cada domínio se correlaciona com os quatro princípios da bioética, como autonomia, não maleficência, beneficência e justiça, respectivamente(⁸).

Figura 1.
Modelo de Cuidados Geropaliativos de Lee(⁸,¹³).

Os cuidados geropaliativos englobam princípios filosóficos e valores morais que são centrais aos CP, reconhecendo que a não maleficência e a beneficência demandam conhecimento específico dos fenômenos relacionados à idade para otimizar os cuidados à pessoa idosa nos últimos anos de vida e sua família. Assim, o escopo dos cuidados geropaliativos é o de promover o bem-estar à pessoa idosa e sua família por meio de intervenções que reduzam o sofrimento e melhorem a qualidade de vida(³,⁸).

Um conceito marcante no modelo é o de “transição”, o qual está intimamente relacionado com os conceitos de saúde e bem- estar, envolvendo processos psicológicos e emocionais nos quais a pessoa idosa e sua família necessitam de tempo e suporte para se adaptarem a uma realidade em mudança(²⁷). A teórica reconhece que a transição é, portanto, uma inquietação basilar na disciplina da enfermagem, independentemente da especialidade, por envolver processos de movimento de um estado, condição ou situação para outro, nesse contexto, de uma vida saudável para o conviver com uma doença crônica e ameaçadora da vida, o que demanda uma abordagem dos CP(³,⁸).

O conceito de transição embasa o quarto domínio do modelo, que é caracterizado pelos atos de ajudar pessoas/famílias na transição para uma condição de vida marcada por uma doença crônica ou mudanças no estado funcional da pessoa idosa e até para uma morte digna^(3,8,27).

A avaliação da teoria requer a interpretação dos critérios de significância, consistência interna, parcimônia, testabilidade, adequação empírica e adequação pragmática do Modelo de Cuidados Geropaliativos(¹⁴).

Quanto à sua significância, o que requer justificação da teoria para a disciplina, são explícitos, claros integrados aos conceitos centrais da teoria, representados pelos quatro domínios: 1) alinhamento dos cuidados; 2) manutenção da segurança; 3) conforto do corpo/mente/espírito; e 4) facilitador da transição. Isso é significante para uso da teoria em prol do bem-estar da pessoa idosa em cuidados de fim de vida e de sua família. Além disso, seu desenvolvimento se sustenta na justificativa de que existe a necessidade de CP para as pessoas idosas, o que se caracteriza em particularidades relacionadas ao processo de envelhecimento, conforme os já mencionados nove atributos críticos que diferenciam os CP da população de pessoas idosas das demais fases do desenvolvimento humano(³).

Há ainda significância para a formação. A teorista destaca contribuições da teoria para o aprimoramento do currículo de formação de enfermeiros de um programa de residência em enfermagem em cuidados geropaliativo baseada em evidências(¹⁵), o qual foi replicado enquanto programa de educação AgeWISE(¹⁶) em 14 hospitais dos Estados Unidos em prol de melhorias das habilidades das enfermeiras em CP gerontológico.

A consistência interna do Modelo de Cuidados Geropaliativos está ligada ao conteúdo e contexto teórico. Verificamos consistência semântica nos conceitos da TSE, assim como sua consistência estrutural está baseada nos quatro domínios e sua interrelação com os princípios bioéticos da autonomia, não maleficência, beneficência e justiça. Há relevância na premissa central na busca pelo bem-estar da pessoa idosa em cuidados de fim de vida e sua família, promovendo ambiente terapêutico (healing) e de cuidado, respeitando as preferências da pessoa idosa, aliviando seu sofrimento e incentivando medidas de conforto em prol de uma morte digna(⁸). Também, o conteúdo da teoria indica que caberia ao enfermeiro propiciar discussões e orientações antecipatórias que possibilitem acolher as demandas do paciente e nortear a família na tomada de decisões(⁸).

Ainda em relação à consistência interna segundo os critérios de avaliação de Fawcett(¹⁴), julgamos que a TSE possui clareza, concisão e articulação entre os domínios do Modelo de Cuidados Geropaliativos em prol do bem-estar da pessoa idosa em cuidados de fim de vida e de sua família, o que reflete o critério de parcimônia da teoria, além de coadunar com os princípios filosóficos dos CP pré-estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde(¹,²).

O critério de testabilidade da teoria foi avaliado a partir da consideração de que a articulação dos conceitos da TSE sustentou a construção e aplicação de um currículo para enfermeiros gerontólogos com especialização em CP em programa de residência que formou 108 enfermeiros(¹⁶). Assim, constitui-se um compromisso de promover medidas para um cuidado de enfermagem de alta qualidade a partir das competências adquiridas, indicando que os cuidados geropaliativos têm o potencial de promover um cuidado centrado no alívio do sofrimento e melhora na qualidade de vida de idosos que vivem com doenças crônicas (doença de Alzheimer, insuficiência cardíaca/hepática/renal, câncer, doenças neurológicas, entre outras) e/ou fragilidades próprias do envelhecimento e de suas famílias(¹⁶).

Para os critérios de adequação empírica e pragmática, existe ainda potencial de avanço da verificação de novos dados do uso prático da TSE à medida que sua aplicação a outras realidades ocorre ao longo dos anos. Para além da testabilidade da teoria a partir do programa AgeWISE(¹⁶), faz-se necessária a replicação em outros cenários, inclusive em culturas diferentes. Também, é essencial a ampliação dos estudos de aplicabilidade prática da teoria, de modo a permitir que seus resultados gerem novas evidências científicas que venham subsidiar pesquisas do tipo metanálises ou metassínteses de maneira a integrar os resultados de estudos relacionados(¹⁴).

A análise e a avaliação do Modelo de Cuidados Geropaliativos realizadas neste artigo têm algumas contribuições que podem auxiliar um usuário da teoria não experimentado no conhecimento metateórico. Inicialmente, uma teoria de enfermagem em médio alcance ou de TSE deve dispor de elementos para guiar a prática profissional, e algumas perguntas podem ser aplicadas para essa finalidade: há necessidade de estudos adicionais? O que ainda deve ser feito? O que pode ser tentado e o que não deve ser feito(¹⁴)?

Ao usar os critérios de adequação empírica e pragmática, ficou estabelecido que estudos adicionais precisam ser realizados para verificar bons ou maus resultados do uso da TSE nas situações de cuidado para além daqueles já documentados na literatura. Por exemplo, extrapolações conjecturais podem indicar que a teoria pode não ser totalmente aceita em contextos fortemente funcionalistas, onde o cuidado não seja centrado na pessoa e em critérios humanistas no qual a teoria de Lee foi baseada.

Toda teoria precisa ser continuamente atualizada à medida que situações da prática indiquem limites em sua aplicação. Sendo assim, testes com pesquisas de campo podem empregar hipóteses de trabalho elaboradas a partir de proposições e conceitos do Modelo de Cuidados Geropaliativos. Isso em última análise reforça a segurança em boas virtudes da teoria.

A criação de novos produtos ligados à teoria pode ser tentada como estratégia que avançaria o desenvolvimento teórico. Diretrizes, protocolos e escalas apoiadas no Modelo de Cuidados Geropaliativos podem ser criados, garantindo que os elementos da teoria possam transladar mais facilmente para a prática clínica.

Explicitamente, o que não deve ser feito é supor que uma teoria é irrefutável ou não tenha limitações. Embora não seja comum aos teoristas apontar as limitações, falhas ou problemas de sua “obra”, tais aspectos existem. A análise e a avaliação realizada neste estudo teórico indicaram algumas limitações da teoria naquilo que se pôde verificar na literatura e nas interpretações realizadas sobre tais publicações. Contudo, é no espaço da operacionalização prática e de pesquisa que uma teoria se demonstra útil, o que justifica a continuidade de avanço de investigação de aspectos relacionado ao Modelo de Cuidados Geropaliativos, principalmente das experiências de uso no cuidado.

Uma limitação deste estudo foi a de que a análise e a avaliação realizadas não foram capazes de identificar qual a acepção para os termos “modelo” e “teoria” que orientaram a teorista na construção da TSE. Verificamos que Lee por vezes usa o termo de forma intercambiável, sendo difícil recortar seus limites de uso em uma visão metateórica. Embora existam perspectivas que considerem “modelos como teorias”(²⁸), não foi possível verificar se de fato este é o caso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo permitiu avaliar o Modelo de Cuidados Geropaliativos a partir das etapas de análise e avaliação de teorias segundo Fawcett, destacando que se trata de uma teoria que foi desenvolvida a partir da trajetória profissional da teorista quando ocorreu a estruturação de um currículo para formação de residentes em enfermagem gerontológica, o que possibilitou compreender que a teoria tem como escopo o cuidado gerontológico em uma perspectiva filosófica dos CP, levando em consideração as especificidades do processo de envelhecimento.

A análise dos resultados demonstrou que a teorista a apresenta como uma TSE, tendo o bem-estar como conceito central. Foi derivada de uma grande teoria, a Teoria do Cuidado Humano, na qual o Processo Clinical Caritas, composto por 10 elementos, se interliga considerando seu nível de abstração com os quatro domínios do Modelo de Cuidados Geropaliativos: alinhamento dos cuidados; manutenção da segurança; conforto do corpo/mente/espírito; e facilitador da transição. Reconheceu-se o conceito de transição como uma preocupação basilar da equipe de enfermagem, por se tratar de uma condição que envolve mudanças na vida tanto da pessoa idosa em cuidados de fim de vida quanto da família que necessita aprender a lidar com o processo de morrer e morte do seu ente.

Possibilitou também incorporar a descrição dos quatro conceitos dos metaparadigmas da enfermagem, tendo como cerne o cuidado para o bem-estar da pessoa idosa em cuidados de fim de vida pautado nos princípios da bioética, tais como autonomia, não maleficência, beneficência e justiça, os quais se interligam com os quatro domínios da teoria.

As presumidas contribuições desta pesquisa de análise e avaliação são de ampliar o conhecimento de estudantes e profissionais de enfermagem acerca da TSE, estimulando reflexões sobre especificidades da pessoa idosa e do próprio contexto dos CP, influenciando a prática profissional por ações de cuidado para o bem-estar e uma morte digna dessas pessoas em cuidados de fim de vida, e, finalmente, oferecendo a oportunidade de um luto normal para seus familiares.

Reconhecemos que outros estudos, especialmente em testes e avaliações pragmáticas, sejam bem-vindos. A aplicação sistematizada da teoria em diferentes contextos pode gerar novas evidências que permitam estudos robustos que ampliem a avaliação da adequação teórica.

REFERENCES

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• Apoio financeiro O presente trabalho foi realizado com apoio da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Bahia – Brasil (FAPESB) – Bolsa de Mestrado. A pesquisa também teve o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – Bolsa de Produtividade em Pesquisa e do Edital ProPublic UNEB nº 087/2023.

Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Marcia Regina Martins Alvarenga

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  23 Fev 2024
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  28 Ago 2023
• Aceito
  28 Nov 2023