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Crianças e adolescentes em hemodiálise: atributos associados à qualidade de vida

Resumos

Objetivo: Identificar atributos impactantes da qualidade de vida relacionada à saúde de crianças e adolescentes com insuficiência renal crônica, em hemodiálise, como etapa inicial para a construção do módulo específico DISABKIDS®. Método: Estudo exploratório descritivo, de abordagem qualitativa, cujos dados foram coletados entre agosto de 2011 e março de 2013, por meio da técnica do grupo focal, com 42 participantes, entre 8 e 18 anos, e seus pais ou cuidadores. Os dados foram analisados segundo análise de conteúdo temática, com a utilização do programa Qualitative Data Analysis Software. Resultados: Foram identificados sete temas: restrições hídricas e alimentares, limitações impostas pelo tratamento, tempo dedicado ao tratamento, alteração da imagem corporal relacionada ao acesso vascular e crescimento, estigma, autocuidado e esperança do transplante renal. Conclusão: Aspectos relevantes da vivência dos participantes em relação à doença e ao tratamento foram apreendidos, buscando compreender de que forma esse processo associa-se à sua qualidade de vida.


Criança; Adolescente; Insuficiência renal crônica; Diálise renal; Qualidade de vida



The aim of this study was to estimate the prevalence and factors associated with the occurrence of incidents related to medication, registered in the medical records of patients admitted to a Surgical Clinic, in 2010. This is a cross-sectional study, conducted at a university hospital, with a sample of 735 hospitalizations. Was performed the categorization of types of incidents, multivariate analysis of regression logistic and calculated the prevalence. The prevalence of drug-related incidents was estimated at 48.0% and were identified, as factors related to the occurrence of these incidents: length of hospitalization more than four days, prescribed three or more medications per day and realization of surgery intervention. It is expected to have contributed for the professionals and area managers can identify risky situations and rethink their actions.



Medication errors; 
Patient safety; 
Nursing
; Gestión en salud





Estudio de corte transversal, realizado en un Hospital docente, con una muestra de 735 internaciones, cuyo objetivo fue estimar la prevalencia y los factores asociados a la ocurrencia de incidentes relacionados a la medicación, registrados en las historias clínicas de los pacientes hospitalizados en el Servicio de Cirugía, en el año de 2010. Se realizó la categorización de los tipos de incidentes y fueron presentados la frecuencia absoluta y relativa, calculando la prevalencia y realizando el análisis multivariante. La prevalencia de los incidentes relacionados a la medicación se estimó en 48,0% y fueron identificados como factores relacionados a la ocurrencia de estos incidentes: tiempo de la hospitalización igual o superior a cuatro días, prescripción de tres o más medicamentos por día y realización de la intervención quirúrgica. Se espera haber contribuido para que los profesionales y administradores del área puedan identificar situaciones de riesgo y revisar su actuación.

Errores de medicación; 
Seguridad del paciente
; Enfermería
; Gestión en salud


Introdução

Qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) se traduz pela necessidade de medir as repercussões de uma determinada doença e seu tratamento, segundo a percepção das pessoas sobre o quanto esses fatores interferem em sua capacidade de desenvolver suas potencialidades(101 1.Holmes S. Assessing the quality of life: reality or impossible dream? A discussion paper. Int J Nurs Stud. 2005; 42(4):493-501).

Os estudos acerca da QVRS de crianças e adolescentes têm despertado o interesse de pesquisadores, o que levou a um maior desenvolvimento de instrumentos para avaliação desses aspectos.

Entretanto, ainda são poucos ou inexistentes, dependendo do país, os instrumentos validados para utilização nessa população, o que se justifica, principalmente, pelas dificuldades para construção de ferramentas direcionadas a essa faixa etária com este intuito específico(202 2.Mackensen S, Bullinger M; Haemo-Qol Group. Development and testing of an instrument to assess the Quality of Life in Children with Haemophilia in Europe (Haemo-Qol). Haemophilia. 2004;10 Suppl 1:17-25-303 3.Bullinger M, Schmidt S, Petersen C; The DISABKIDS Group. Assessing quality of life of children with chronic health conditions and disabilities. Int J Rehabil Res. 2002; 25(3):197-206). É, portanto, necessário o desenvolvimento de instrumento próprio no sentido de representar adequadamente domínios e dimensões que sejam relevantes para esse grupo, os quais, no entanto, já foram identificados para a clientela de adultos.

A Insuficiência Renal Crônica (IRC), como condição crônica, pode acometer crianças e adolescentes, com repercussões em vários aspectos da vida, o que inclui modificações na rotina familiar e no convívio social diante de necessidades dietéticas específicas, do compromisso com o tratamento dialítico, da realização de procedimentos invasivos, do uso constante de medicamentos específicos e das hospitalizações necessárias em virtude de alterações clínicas frequentes(404 4.opes M, Koch VHK, Varni JW. Tradução e adaptação cultural do Peds QLTM ESDR para a língua portuguesa. J Bras Nefrol. 2011;33(4):448-56). Esses fatores, entre outros, levam crianças e adolescentes a apresentarem alterações emocionais, físicas e sociais, influenciando sua QVRS.

A QVRS em crianças com IRC raramente é mensurada e, quando ocorre, a maioria dos estudos tem avaliado a QVRS de adolescentes por meio de instrumentos específicos para adultos com IRC ou, então, instrumentos genéricos(404 4.opes M, Koch VHK, Varni JW. Tradução e adaptação cultural do Peds QLTM ESDR para a língua portuguesa. J Bras Nefrol. 2011;33(4):448-56). Assim, torna-se importante a realização deste estudo como etapa para a construção de um instrumento direcionado à clientela infantojuvenil. Acresce-se o fato de que a ausência de instrumentos específicos para crianças e adolescentes com IRC, no Brasil pode ser um fator impeditivo de algumas ações para os profissionais da área de nefrologia, dificultando a compreensão da doença como incapacitante das atividades cotidianas, a identificação de complicações específicas, a avaliação do impacto do tratamento e a comparação entre os tratamentos realizados(505 5.Shroff R, Leadermann S. Long term outcome of chronic dialysis in children. Pediatr Nephrol. 2009;24(3):463-74).

Assim, o presente estudo teve como objetivo identificar os atributos impactantes na QVRS de crianças e adolescentes com IRC em tratamento hemodialítico como etapa inicial para a construção de um instrumento de mensuração da QVRS para essa população.

Método

Estudo exploratório descritivo, realizado segundo uma abordagem qualitativa de pesquisa(606 6.Polit DF, Beck CT. Fundamentos de pesquisa em enfermagem: avaliação de evidências para as práticas da enfermagem. 7ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2011), que seguiu o referencial metodológico utilizado pelo grupo europeu DISABKIDS®(707 7.Disabkids Goup. Translation and validation procedure: guidelines and documentation form. Leiden: The Disabkids Group; 2004), cujo foco é estudar e desenvolver instrumentos de QVRS para crianças e adolescentes com condições crônicas, nas versões self report, para crianças e adolescentes, na faixa etária de 8 a 18 anos de idade, e proxy report, destinado aos pais ou cuidadores.

Os passos propostos pelo grupo para elaboração de um instrumento de QVRS de crianças e adolescentes com condições crônicas são: revisão da literatura, grupos focais com a população-alvo, entrevistas com especialistas, seleção de itens, tradução, estudo piloto, estudo de campo e execução do estudo(808 8.Baars REA. The European DISBKIDS Project: development of seven condition-specific modules to measure health related quality of life in children and adolescents. Health Qual Life Outcomes. 2005;3:70). Neste estudo, é apresentada a etapa referente aos procedimentos empíricos, os quais compreendem as etapas e técnicas para a coleta de dados com o público estudado.

Como técnica para coleta de dados, utilizou-se o Grupo Focal (GF), baseado na interação grupal em discussões sobre vasta problematização a respeito de um tema ou foco específico(909 9.Lunardi VL, Erdmann RH, Colomé JS, Backes DS. Grupo focal como técnica de coleta e análise de dados em pesquisas qualitativas. Mundo Saúde. 2011;35(4):438-42).

A população foi constituída por crianças e adolescentes de 8 a 18 anos com IRC e seus pais ou cuidadores. Para a fase dos GF, foi fundamental definir os critérios de seleção dos participantes: ser portador de IRC e encontrar-se em tratamento hemodialítico há, pelo menos, três meses. Para preservar as identidades dos depoentes, letras maiúsculas foram utilizadas para representar cada um dos participantes. Desse modo, a letra C representou o depoimento de uma criança, A de um adolescente, P de um pai, M de uma mãe e I, de um irmão (21 anos). Os depoimentos de avós foram representados pela letra V, porém nenhum deles foi aqui incluído.

Foram realizados 14 GF, sendo dois com as crianças, cinco com os adolescentes e sete com os respectivos pais ou cuidadores; em cada grupo havia participantes de ambos os sexos. Primeiramente foram realizados os grupos de crianças e adolescentes, separadamente de seus pais ou cuidadores. O total de participantes foi de três componentes por grupo e o tempo de duração foi de, em média, 30 minutos para as crianças e os adolescentes e de 60 minutos para pais ou cuidadores.

Esta pesquisa teve como referencial o método utilizado pelo grupo DISABKIDS®(808 8.Baars REA. The European DISBKIDS Project: development of seven condition-specific modules to measure health related quality of life in children and adolescents. Health Qual Life Outcomes. 2005;3:70) para a realização dos GF. Para cada faixa etária, 8 a 12 anos e 13 a 18 anos, foram selecionados, no mínimo, três a quatro crianças e adolescentes de ambos os sexos e seus respectivos pais ou cuidadores e, no máximo, seis crianças e adolescentes de ambos os sexos e seus respectivos pais ou cuidadores.

Os GF foram realizados entre agosto de 2011 a março de 2013 em duas instituições hospitalares, uma no interior do estado de São Paulo e outra na capital do Paraná, ambas referências na assistência a crianças e adolescentes com IRC. Aqueles realizados no interior paulista foram conduzidos por um moderador, pesquisadora principal e responsável pelo desenvolvimento do estudo, e duas assistentes com conhecimento da metodologia DISABKIDS® (uma enfermeira e outra farmacêutica), responsáveis por observar a dinâmica do grupo e auxiliar no registro de pontos relevantes para discussão, além de intervirem em momentos oportunos de forma a suscitar questionamentos ou complementarem questões em discussão. Os grupos realizados na outra instituição foram conduzidos apenas pela pesquisadora principal.

Para a realização dos GF, foram consideradas a realidade e a rotina das respectivas unidades de diálise, além do número de pacientes e seus pais ou cuidadores. As atividades foram previamente agendadas com os próprios participantes, de acordo com suas disponibilidades. Em cada instituição foram realizados dois contatos prévios com os participantes: o primeiro objetivou conhecê-los e explicar o propósito da realização dos grupos e, o segundo, foi para agendamento dos grupos.

Os grupos foram distribuídos de acordo com o horário de hemodiálise e os dias em que os pacientes se encontravam na clínica; ocorreram após o término das sessões de hemodiálise, em local definido pelas enfermeiras do setor, com especial atenção para preservação da privacidade dos participantes e ausência de ruídos no ambiente que pudessem interferir negativamente na qualidade das gravações, uma vez que todos os GF foram registrados em gravador, mediante prévia autorização dos sujeitos.

Antecedendo a coleta de dados, foi realizada leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), a fim de esclarecer os participantes sobre aspectos éticos, objetivos, tempo estimado de duração do grupo e como ele seria conduzido. Com o assentimento verbal das crianças e adolescentes e o consentimento de seus pais ou responsáveis, as participações eram firmadas mediante a assinatura do TCLE, sendo que uma via era entregue às famílias. Neste momento também era solicitada a autorização para gravação dos grupos. Em observância à legislação que regulamenta a pesquisa com seres humanos, submeteu-se o protocolo de pesquisa ao Comitê de Ética em Pesquisa das instituições onde o estudo foi realizado, tendo sido aprovado, respectivamente, pelos processos HCRP 13484/10 e HPP 0962/11.

Para a operacionalização dos GF, todos os integrantes permaneciam sentados em círculo, facilitando a visualização, a comunicação e a interação. Pesquisadores, assistentes e participantes eram apresentados ao grupo. Em seguida, eram explicitados os objetivos do grupo e fornecidas orientações sobre o seu modo de condução.

O foco de discussão foi explorar o significado da QV, segundo as percepções dos participantes, com base em instrumento desenvolvido pelo grupo DISABKIDS® especificamente para esse fim, denominado Interview Focus Groups. A finalidade foi conduzir e direcionar o diálogo entre os participantes de modo a possibilitar o emergir, no grupo, de aspectos relevantes sobre a temática. Tal instrumento foi validado para o Brasil e é composto por 12 questões abertas, por meio das quais os participantes são estimulados a interagir, conversando e compartilhando suas ideias sobre o tema proposto. Exemplos das questões abertas utilizadas são: O que você gosta em sua vida? O que deixa você feliz? O que mais incomoda você em sua vida? Como a IRC afeta você nas atividades na escola ou em casa? As mesmas questões foram utilizadas para os grupos realizados com os pais ou cuidadores, mudando apenas a forma como foram a eles dirigidas, com enfoque em suas percepções sobre seus filhos: O que o seu filho(a) gosta na vida dele(a)? O que deixa seu filho(a) feliz? O que mais incomoda seu filho(a) na vida dele? Como a IRC afeta seu filho(a) nas atividades na escola ou em casa? Ao final, o moderador elaborava uma síntese da discussão, sendo oportunizado aos participantes acrescentar mais opiniões, dúvidas, questionamentos e novas ideias. Neste momento, eles também avaliavam a atividade realizada.

O material empírico proveniente de todos os GF teve como referência a abordagem qualitativa(1010.Aquino MA, Alves EC. A pesquisa qualitativa: origens, desenvolvimento e utilização nas dissertações do PPGCI/UFPB - 2008-2012. Inf Soc Est (João Pessoa). 2012;22(1):79-100), sendo que para a categorização dos itens utilizou-se a análise de conteúdo temática(1111.Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2004), composta de: pré-análise, que correspondeu à fase de organização, tendo como objetivo operacionalizar e sistematizar as ideias iniciais; exploração do material, que consistiu na codificação dos dados, transformando-os sistematicamente e agregando-os segundo unidades temáticas e, por fim, foi realizado o tratamento dos resultados, que compreendeu a inferência e a sua interpretação.

Como ferramenta de apoio para a análise, foi utilizado o programa MAQXDA(1212.MAXQDA. Qualitative Data Analisys Software [Internet]. 2013 [cited 2013 June 10]. Available from: http://www.maxqda.com/
http://www.maxqda.com/...
), Computer Aided Qualitative Data Analysis Software – CAQDAS, o qual pode auxiliar na análise qualitativa dos dados, com a contagem de palavras, palavras-chaves na recuperação de um contexto, indexação de palavras e construção de análise de discurso. Neste estudo, o MAXQDA foi utilizado na análise e codificação das informações empíricas. Após leitura desses dados, foram selecionados fragmentos dos depoimentos considerados relevantes pelas pesquisadoras e importados para o software, dentro de cada domínio e dimensão correspondentes, com base na definição de saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS), seguida pelos do grupo DISABKIDS®, em que os domínios físico, mental e social foram considerados como as categorias principais (Tabela 1).

Tabela 1
Tabela 1 - Domínios e dimensões do módulo genérico DISABKIDS® - Ribeirão Preto, 2013

Resultados

Foram realizados 14 grupos focais, em um total de 42 participantes. Com base na leitura e exploração do material resultante dos depoimentos nos GF, o mesmo foi organizado segundo os seguintes temas: restrições hídricas e alimentares; limitações impostas pelo tratamento, tempo dedicado ao tratamento, alteração da imagem corporal relacionada ao acesso vascular e ao crescimento, estigma, autocuidado e esperança do transplante renal.

Participaram do estudo seis crianças (8 a 12 anos) e 15 adolescentes (13 a 18 anos), em tratamento hemodialítico, e seus respectivos pais ou cuidadores, perfazendo um total de 14 mães, três avós, três pais e um irmão. A idade média das crianças (8 a 12 anos) foi de 9,8 anos; entre os adolescentes (13 a 18 anos), a média foi de 14,4 anos e, em relação à etiologia da IRC, a maioria apresentou o diagnóstico de válvula de uretra posterior, seguida por refluxo vesicouretral e síndrome nefrótica.

Restrições hídricas e alimentares

Na infância, a adaptação à IRC é um processo complexo enfrentado diariamente por crianças e adolescentes. As dificuldades permeiam desde o momento do diagnóstico até tratamento, particularmente no que se refere a conviver com as restrições alimentares e hídricas impostas pela doença e seu tratamento. Vejamos algumas falas nesse sentido:

A comida é ruim, porque tem que ser sem sal (C1).

Cuido da dieta, tomo o remédio certo e controlo bastante o líquido. Não como muito sal e tomo muito pouca água. É difícil (A1).

Pelos depoimentos, percebe-se como é difícil para esses pacientes conviver com a restrição alimentar e o controle hídrico, principalmente o consumo limitado de sal nas refeições, o que torna o sabor dos alimentos pouco agradável e atrativo. Os discursos de crianças e adolescentes evidenciam que, de maneira precoce, eles assumem responsabilidades em relação à doença e seu tratamento, sobre o que devem ou não devem fazer ou sobre o que é, ou não, permitido realizar. Precocemente, modificam seu processo de autoconhecimento, tornam-se maduros e procuram compreender e conviver com suas limitações.

Limitações impostas pelo tratamento

Este tema está relacionado, sobretudo, às questões da evasão escolar e do prejuízo de atividades sociais, como brincar com os amigos e viajar, em decorrência da hemodiálise. Para essas crianças e adolescentes, a interrupção de suas atividades diárias significou, muitas vezes, deixar de brincar, de ir à escola, a necessidade forçada de mudar hábitos, de deixar de realizar aquilo que normalmente integrava sua rotina diária face aos cuidados relacionados ao tratamento. Algumas falas explicitam essas dificuldades de maneira muito clara:

A diálise atrapalha um pouco, porque só vou para a escola na terça e na quinta de manhã. Só que assim, não aprende muito (C1).

Na escola, tem dias que não dá para ir, porque tem que ficar aqui na diálise. Eu não sei como não repeti a quarta série de novo! (C2).

A hemodiálise atrapalha mais ou menos nosso dia a dia. Quando eu quero ir viajar para algum lugar, fica mais difícil; não dá para nadar, ir à praia (A2).

A interrupção das atividades escolares é um fator importante e de destaque na vida dessas crianças e adolescentes, o que se traduziu na falta às aulas, ou no fato de ter que sair mais cedo e chegar atrasado à escola devido a sessões de diálise, consultas médicas, realização de exames, alterações clínicas imprevistas relacionadas à diálise em si, uso de medicamentos ou acesso venoso utilizado para a realização do tratamento, o que também resultou, muitas vezes, na necessidade de hospitalizações.

Tempo dedicado ao tratamento

O compromisso com o tratamento e, portanto, a necessidade de acordar muito cedo, de manter a frequência de três vezes por semana para viabilizar a realização das sessões de hemodiálise e o tempo de permanência de quatro horas na máquina foram enfatizados pelos participantes. Essas queixas refletem e demonstram a repercussão da enfermidade em suas vidas, impondo modificações cotidianas.

É duro ter que ficar quatro horas na máquina, ter de acordar de madrugada (A2).

Ficar aqui quatro horas, três vezes na semana, é muito desperdício (A3).

Tanto a criança quanto o adolescente percebem que suas vidas se tornaram mais limitadas, sem possibilidades de manter atividades anteriormente realizadas Percebem, também, mudanças significativas em seu cotidiano e em sua dinâmica familiar e notam que seus familiares, particularmente os pais, abdicam de coisas importantes em suas vidas para cuidarem deles, muitas vezes em detrimento das atividades de lazer da família.

Nós queremos viajar, [mas] não dá, porque eles têm que estar fazendo a hemodiálise. Não dá para fazer uma programação para viajar. Compromete não só a vida deles, mas de uma família toda (M1).

Alteração da imagem corporal relacionada ao acesso vascular e ao crescimento

A questão da autoimagem foi abordada, sobretudo, pelos adolescentes, em virtude das alterações em sua aparência física, dada sua condição clínica. Essas alterações se evidenciam pela presença do cateter ou da fístula arteriovenosa (FAV), dos acessos vasculares utilizados para a realização da hemodiálise ou, ainda, por alterações relacionadas ao crescimento e desenvolvimento, tendo em vista que a IRC pode acarretar menor estatura, além de alterações metabólicas e hormonais.

Suas percepções diante da FAV, relacionadas à presença das cicatrizes e aneurismas dela decorrentes, afetam sua autoimagem e podem gerar sentimentos de angústia, muitas vezes não verbalizados ou expressos, tornando-os frágeis diante da situação que vivenciam, uma vez que precisam enfrentar este processo de adaptação. Algumas falas permitem essa apreensão:

Os meninos não deixam eu jogar bola na quadra, falam que eu vou me machucar. Eu acho que eles têm dó de mim, por causa do cateter e por causa das cicatrizes no meu braço. Eles sabem o que eu tenho. Eu contei(C3).

As pessoas ficam perguntando o que é isso no meu pescoço (C2).

Tinha vergonha do cateter, não queria sair de casa, nem andar de ônibus. Ficava só no quarto (A2).

Ele não quer ir para escola, porque fica com vergonha do cateter (I).

A IRC também pode comprometer o crescimento e o desenvolvimento dessas crianças e adolescentes de modo que parecem ter uma estatura inferior, não condizente com a idade cronológica.

O [filho] reclama, também, muito do crescimento dele. As pessoas falam: o seu menino é novinho ainda, tem uns dez anos, e ele [o filho] fica sem graça. Ele fala: imagina eu com quinze anos, com este tamanho de dez anos! Ah mãe, eu fico com vergonha! Eu me sinto tão estranho! (M2).

Esses discursos evidenciam a presença de um sentimento de vergonha associado à aparência física. Há receio em imaginar o que as pessoas diriam ou perguntariam a respeito do uso do cateter, das alterações no braço onde se encontra a fístula ou, ainda, em relação à estatura, o que contribui para uma autoimagem negativa e sentimentos de inferioridade em relação aos seus pares.

Estigma

As alterações na imagem corporal, assim como o retardo do desenvolvimento e do crescimento em decorrência da IRC, fazem com que, tanto as crianças quanto os adolescentes, sintam-se vítimas de preconceito, o que os incomoda e os entristece. Queixam-se, principalmente de serem vistos como doentes, merecedores do sentimento de pena.

Muitas pessoas não compreendem o nosso problema. Na escola é que é mais difícil, com os colegas (C3).

Quando as outras crianças na escola me chamam de doente, isso me deixa triste (C3).

A escola não me aceita e eu quero estudar. Eu tenho este direito (A2).

Teve uma menina que falou para mim que esse cateter no meu pescoço era um nojo (A2).

Ela se sente diferente das meninas da idade dela. Ela diz: eu não sou normal! (M1).

Na escola, apelidaram meu filho de bexiguinha, porque, às vezes, ele ficava inchado. Isso é bullying (P1).

Para os participantes, a maior dificuldade reside no meio escolar, considerado um espaço de convivência com outras crianças, as quais demonstram, muitas vezes, curiosidade diante da situação. Isso faz com que a criança e o adolescente com IRC sintam-se diferentes de seus pares e esse sentimento, por sua vez, pode gerar dificuldades de relacionamento com os demais colegas, além de um mau desempenho e evasão escolar.

Autocuidado

Observou-se que, apesar das dificuldades e das mudanças enfrentadas por essas pessoas, muitas têm a preocupação com o cuidado da saúde, principalmente no que se refere à atenção com o acesso vascular. Este zelo com o próprio corpo e com a manutenção da saúde pode se justificar pela cronicidade da doença, o que os leva a aprender a conviver e a se adaptar com o tratamento e com suas novas condições:

Eu cuido do meu braço, não deixo ninguém pegar na minha fístula (C1).

Na hora do banho, cuido para não molhar o cateter. Coloco um plástico para proteger (A2).

A conscientização e a atenção são fatores importantes para o enfrentamento da situação, bem como a compreensão do que vivenciam e a consciência dos riscos inerentes à doença e ao seu tratamento:

Em casa, eu me cuido, cuido da dieta, tomo o remédio certo, controlo o líquido, não como muito sal, nem muito açúcar, nem muita água (C3).

Eu tento tomar meus remédios bem certinho e evitar coisas com potássio (A3).

Esperança do transplante renal

O desejo de recuperação da saúde, independentemente da faixa etária, esteve presente nos depoimentos, expresso por sentimentos de esperança e expectativa em realizar o transplante renal como forma de ter a saúde de volta, ter um novo rim. Significa, também, a possibilidade de desvincular de suas vidas a necessidade de hemodiálise. Os trechos a seguir ilustram esse aspecto:

Eu queria transplantar logo, para parar de vir aqui (A3).

Eu não vejo a hora de fazer transplante! Minha mãe vai doar o rim para mim; não vejo a hora de chegar logo (C1).

A preferência pelo transplante deve-se, principalmente, à esperança de não mais realizar sessões de hemodiálise, eliminar a dor da punção da fístula ou o desconforto causado durante a manipulação do cateter arteriovenoso e à liberdade de poder utilizar o tempo requerido pela hemodiálise de maneira mais prazerosa.

A realização do transplante renal pode estar relacionada, ainda, à expectativa de melhora da QVRS e ao desejo de ser como qualquer outra criança ou adolescente, podendo viver com alívio, sem as restrições impostas pela doença, retornar às brincadeiras anteriormente proibidas, às atividades escolares e ao existir sem a doença.

Discussão

Os discursos dos participantes permitiram identificar os principais atributos mentais, físicos e sociais associados à QVRS das crianças e adolescentes com IRC em tratamento hemodialítico. Os resultados possibilitaram a apreensão de percepções e experiências dos participantes acerca de sua doença e de como ela afeta sua QVRS, evidenciando as dificuldades enfrentadas em decorrência da IRC e da terapêutica. Neste estudo, as dimensões tiveram que ser consideradas de forma geral para crianças e adolescentes, pois não existem dimensões específicas, uma vez que o instrumento a ser construído é destinado à faixa etária de 8 a 18 anos. Em relação ao tema restrições hídricas e alimentares, os depoimentos mostraram as privações face à dieta a ser seguida, o que representou, para a grande maioria dos pacientes, uma das etapas mais difíceis do tratamento, por se tratar de uma dieta altamente restritiva, hipossódica e com baixa ingesta hídrica, gerando tristeza, irritabilidade, ansiedade e insegurança(1313.Riaño-Galán I, Málaga S, Rajmil L, Ariceta G, Navarro M, Loris C, et al. Quality of life of adolescents with end-stage renal disease and kidney transplant. Pediatr Nephrol. 2009;24(8):1561-8-1414.Vieira SS, Dupas G, Ferreira NMLA. Doença renal crônica: conhecendo a experiência da criança. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2009;13(1):74-83). Tais recomendações nutricionais impõem mudanças no estilo de vida, contrárias às preferências e antigos hábitos alimentares(1515.Pennafort VPS, Queiroz MVO, Jorge MSB. Children and adolescents with chronic kidney disease in an educational-therapeutic environment: support for cultural nursing care. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2012 [cited 2013 June 10];46(5):1057-65. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v46n5/en_04.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v46n5/en...
). Essas modificações representam um desafio para essas pessoas e podem, inclusive, prejudicar a adesão à dieta. É perceptível nos discursos que, tanto as crianças e adolescentes quanto seus pais e cuidadores reconhecem a importância e a necessidade de realizarem a dieta adequada, porém, muitas vezes, não a seguem(1616.Diniz DP, Romano BW, Canziani MEF. Dinâmica de personalidade de crianças e adolescentes portadores de insuficiência renal crônica e submetidos à hemodiálise. J Bras Nefrol. 2006;28(1):31-8). Sabe-se que as restrições tornam-se penosas, embora fundamentais para manutenção de um estado de saúde adequado(1717.Abrahão SS, Ricas J, Andrade DF, Pompeu FC, Shamahum L, Araujo TM, et al. Dificuldades vivenciadas pela família e pela criança/adolescente com doença renal crônica. J Bras Nefrol. 2010;32(1):18-22-1818.Oller GSAO, Ribeiro RCHM, Travagim DAS, Batista MA, Marques S, Kusumota L. Functional Independence in patients with kidney disease being treated with haemodialysis. Rev Latino Am Enferm. 2012;20(6):1033-40).

Quanto às limitações impostas pelo tratamento, os participantes ressaltaram alterações cotidianas, especialmente a interrupção das atividades escolares e sociais em virtude da hemodiálise. Em pesquisa realizada com crianças e adolescentes com doença crônica constatou-se que a mesma gera repercussões na vida dos pacientes e altera seu cotidiano diante da necessidade de frequentes hospitalizações, consultas médicas e realização de exames. Assim, este cotidiano preenchido por demandas próprias de saúde interfere na participação na escola, reduzindo a frequência, e na socialização, por comprometer a autoestima e, consequentemente, prejudicar o relacionamento com os colegas e professores(1515.Pennafort VPS, Queiroz MVO, Jorge MSB. Children and adolescents with chronic kidney disease in an educational-therapeutic environment: support for cultural nursing care. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2012 [cited 2013 June 10];46(5):1057-65. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v46n5/en_04.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v46n5/en...
).

Ressalta-se que o ambiente da escolar é fundamental para essas crianças e adolescentes, pois nele constroem, ampliam e mantêm vínculos necessários ao desenvolvimento de sua capacidade de interação social e crescimento intelectual. No entanto, em virtude do tratamento, necessitam se ausentar deste espaço fecundo, o que acarreta atraso e prejuízos ao aprendizado e também pode constituir fator gerador de isolamento social(1919.Frota MA, Machado JC, Martins MC, Vasconcelos VM, Landin FLP. Qualidade de vida da criança com insuficiência renal crônica. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2010;14(3):527-33-2020.Marciano RC, Soares CMB, Diniz JSS, Lima EM, Silva JMP, Canhestro MR, et al. Transtornos mentais e qualidade de vida em crianças e adolescentes com doença renal crônica e em seus cuidadores. J Bras Nefrol. 2010;32(3):316-22). Nos depoimentos dos pais ou cuidadores, pode-se observar que, muitas vezes, a evasão escolar decorre da tentativa de priorizar atividades pertinentes ao tratamento, passando a negligenciar outros aspectos importantes em seu dia a dia, por exemplo, as atividades escolares, o que resulta em faltas consecutivas ou até mesmo abandono. O processo de aprendizagem torna-se, portanto, prejudicado, assim como se agrava a dificuldade para o processo de socialização dessas crianças e adolescentes no espaço escolar. Essas transformações, somadas às limitações físicas e alimentares impostas pelo tratamento e pela CC, interferem diretamente na adaptação escolar e na socialização(1414.Vieira SS, Dupas G, Ferreira NMLA. Doença renal crônica: conhecendo a experiência da criança. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2009;13(1):74-83), podendo gerar desordens de origem emocional e comportamental(2121.Gerson AC, Wentz A, Abraham AG, Mendley SR, Hooper SR, Butler RW, et al. Health-related quality of life of children with mild to moderate chronic kidney disease. Pediatrics. 2010;125(2):e349-57).

Em relação ao tempo dedicado ao tratamento, os participantes destacaram a necessidade de permanecer quatro horas na máquina de diálise, com uma frequência de três vezes por semana, o que interfere em sua rotina diária. Referiram-se ao incômodo de ter que acordar muito cedo, uma vez que muitos não residiam na mesma cidade onde realizavam o tratamento, geralmente disponível apenas em grandes centros, obrigando-os a longas e constantes viagens. Vale salientar que alguns tiveram que mudar para o município onde o tratamento era realizado, em virtude da distância ou por impossibilidades pessoais ou financeiras, o que provocou também mudanças na estrutura familiar.

Foi observado que os depoimentos acerca desta temática foram, em sua maioria, de adolescentes, o que se torna compreensível considerando que vivenciam o seu adolescer, momento em que passam a interagir mais com os colegas, participando de atividades pertinentes à idade, tendo seus próprios horários e compromissos. O tempo que deverão dedicar à hemodiálise e às demandas do tratamento certamente limitará essa e outras dimensões de suas vidas.

Em pesquisa sobre crianças e adolescentes renais crônicos, os resultados são semelhantes aos encontrados neste estudo no que se refere às dificuldades enfrentadas por eles e seus familiares quanto à locomoção até a clínica de diálise ou hospital, tendo em vista que os serviços estão localizados, em sua maioria, nos grandes centros, o que limita o acesso às unidades de tratamento hemodialítico pela distância e condições de transporte. Destaca-se que esses aspectos podem também interferir diretamente na situação financeira e de moradia da família e dificultar, inclusive, a realização do tratamento e o acompanhamento contínuo na clínica de diálise(1515.Pennafort VPS, Queiroz MVO, Jorge MSB. Children and adolescents with chronic kidney disease in an educational-therapeutic environment: support for cultural nursing care. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2012 [cited 2013 June 10];46(5):1057-65. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v46n5/en_04.pdf
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).

O tema alterações da imagem corporal apreendido nos relatos, ou seja, da aparência física em decorrência da IRC, está, sem dúvida, relacionado à presença do acesso vascular para a hemodiálise e ao crescimento prejudicado. O cateter venoso aparente ou a presença de cicatrizes e aneurismas decorrentes da FAV são vistos como algo estranho em seu corpo(2222.Koepe GBO, Araújo STC. A percepção do cliente em hemodiálise frente à fístula arterio venosa em seu corpo. Acta Paul Enferm. 2008;21(n.esp):147-51). Sentem-se, assim, diferentes ou inferiores diante de outras pessoas pela forma como a FAV ou o cateter alteram o seu corpo, denunciando uma especial condição, pois podem ser facilmente visualizados pelas outras pessoas. O acesso venoso, em especial a FAV, é o primeiro sinal físico da presença da doença no corpo do paciente; é o significado concreto de sua iniciação na hemodiálise(2323.Cabral LC, Trindade FR, Branco FMFC, Baldoino LS, Silva MLR, Lago EC. A percepção dos pacientes hemodialíticos frente à fístula arteriovenosa. Rev Interd. 2013;6(2):15-25). Acresce-se que a baixa estatura em relação à faixa etária também gera, nessas crianças e adolescentes, sentimentos de vergonha, sofrimento e angústia em relação à opinião ou comentários de outras pessoas, muitas vezes preconceituosos; tais sentimentos podem resultar também em isolamento e baixa autoestima(2424.Vieira MA, Lima RAG. Crianças e adolescentes com doença crônica: convivendo com mudanças. Rev Latino Am Enferm. 2002;10(4):552-60).

A autoimagem pode ser definida como a visão que cada um tem de si mesmo e surge das interações com o contexto social, com as outras pessoas e consigo mesmo. Crianças e adolescentes renais crônicos, em virtude da doença e do tratamento a que são submetidos, apresentam um comprometimento de sua autoimagem, que se reflete em uma sensação de diferença em relação aos seus pares, de forma especial nos adolescentes(1616.Diniz DP, Romano BW, Canziani MEF. Dinâmica de personalidade de crianças e adolescentes portadores de insuficiência renal crônica e submetidos à hemodiálise. J Bras Nefrol. 2006;28(1):31-8). Encontram-se ainda limitados no que se refere à participação em atividades consideradas prazerosas, o que, mais uma vez, pode interferir de forma negativa na autoestima(2525.Pittet I, Berchtold A, Akré C, Michaud PA, Surís JC. Are adolescents with chronic conditions particularly at risk for bullying? Arch Dis Child. 2009;95(9):711-1).

Outra questão apresentada nos relatos foi a do estigma por eles sofrido, com repercussão negativa em suas vidas e, consequentemente, no manejo de sua doença. A percepção de preconceito expressa nos depoimentos demonstra o sofrimento vivido por constantes comentários das pessoas, principalmente em relação à presença do cateter venoso aparente, pelo braço da FAV ou, ainda, pelo crescimento prejudicado. Situações assim ocorrem principalmente no ambiente escolar, sendo, portanto, vítimas de bullying pela forma como são tratados ou apelidados pelos colegas. Ressalta-se que a depressão associada ao bullying pode estar relacionada à menor adesão ao tratamento, prejudicando o autocuidado, podendo também trazer complicações futuras(2525.Pittet I, Berchtold A, Akré C, Michaud PA, Surís JC. Are adolescents with chronic conditions particularly at risk for bullying? Arch Dis Child. 2009;95(9):711-1). O estigma demonstra que as pessoas, em sua maioria, desconhecem a IRC, têm curiosidade ou se afastam daqueles que não se enquadram nos padrões de normalidade – atitudes que podem acentuar os sentimentos de isolamento experienciados por essas crianças e adolescentes(2424.Vieira MA, Lima RAG. Crianças e adolescentes com doença crônica: convivendo com mudanças. Rev Latino Am Enferm. 2002;10(4):552-60) e comprometer ainda mais a autoestima, uma vez que se sentem discriminados.

Os relatos dos pais ou cuidadores em relação ao estigma expressam, principalmente, suas preocupações com a reação das pessoas e o sentimento de preconceito sofrido, o que faz com que adotem atitudes de superproteção, algo também prejudicial ao seu desenvolvimento psíquico e emocional, tendo em vista que muitos passam a agir de forma infantilizada.

O autocuidado também foi evidenciado nos depoimentos, mostrando que, apesar das dificuldades enfrentadas, essas pessoas tentam se adaptar à situação, buscando, de certa forma, controlar a ingestão de líquidos, seguir a dieta recomendada, tomar os medicamentos prescritos e realizar os cuidados necessários ao acesso vascular para hemodiálise. Crianças e adolescentes com doença crônica devem estar cientes da importância de seguir os planos terapêuticos do tratamento ao qual estão sendo submetidos com o intuito de prevenir complicações ou agravar sua doença. Devem, para tanto, contar com o apoio de seus pais ou cuidadores, os quais também necessitam receber orientações dos profissionais de saúde(2626.Burille A, Zilmer JGV, Swarowsky GE, Schwartz E, Muni RM, Santos BP, et al. Os vínculos apoiadores como estratégia das famílias para lidar com a doença renal crônica e o tratamento. Rev Enferm UFPE [Internet]. 2010 [citado 2013 jun. 10];4(1):106-11. Disponível em: http://www.revista.ufpe.br/revistaenfermagem/index.php/revista/article/view/534
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).

A esperança e a expectativa frente à realização do transplante renal motivam e mobilizam os participantes em busca de uma melhor QVRS. O transplante significa a possibilidade de não mais ter que se deslocar para o hospital para as sessões de hemodiálise, além de aproximá-los de uma vida normal, livrando-os do estigma que sofrem em decorrência das alterações em sua aparência física e em suas vidas. Tais expectativas de mudança são destacadas pelo desejo de não mais terem que se submeter à diálise, de realizarem atividades próprias de sua idade e ingerirem alimentos e bebidas não permitidos durante o tratamento dialítico, ou seja, exercerem atividades comuns à maioria das crianças e adolescentes(2727.Setz VG, Pereira SR. O transplante renal sob a ótica de crianças portadoras de insuficiência renal crônica em tratamento dialítico: estudo de caso. Acta Paul Enferm. 2005;18(3):294-300).

O transplante renal é considerado o melhor tratamento para a IRC, quando comparado a outros métodos dialíticos, indicando que a sobrevida de pacientes transplantados, adultos ou pediátricos, é superior à sobrevida daqueles em diálise, o que traz a esperança de uma melhor qualidade de vida(2828.Carvalho LKAA, Lima CAA, Carneiro VA, Leite RF, Pereira AML, Pestana JO. Fatores de risco cardiovascular em pacientes pediátricos após um ano de transplante renal. Acta Paul Enferm. 2010; 23(1):114-8).

Conclusão

A realização deste estudo permitiu identificar necessidades e melhor compreender a vivência de crianças e adolescentes com IRC. A maior proximidade com esses pacientes e seus pais/cuidadores permitiu também que suas subjetividades fossem expressas e consideradas, assim como seus sentimentos e especificidades.

Diante do tema proposto para discussão nos GF e do objetivo do estudo, foi possível apreender aspectos relevantes à compreensão da rotina diária dos participantes após a doença e tratamento. Possibilitou também compreender de que forma este processo associa-se à sua QVRS.

A identificação dos atributos mentais, físicos e sociais associados à QVRS dessa população abre possibilidades pra que os profissionais de saúde repensem a assistência atualmente oferecida a esses pacientes, auxiliando-os, com o intuito de minimizar as diversas consequências negativas decorrentes da doença/tratamento. Ao final, devem conquistar uma melhor adaptação e convivência com as mudanças, criando suas próprias estratégias de enfrentamento às limitações impostas pela condição crônica.

A utilização da técnica do GF possibilitou que a coleta dos dados privilegiasse a interação e o compartilhamento de ideias e percepções acerca do tema proposto, de modo a favorecer o alcance do objetivo proposto.

Os aspectos relevantes identificados por meio de realização dos grupos focais com as crianças e adolescentes e seus pais ou cuidadores irão contribuir para a construção de um instrumento para mensuração da QVRS desta população específica.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2014

Histórico

  • Recebido
    04 Set 2013
  • Aceito
    10 Maio 2014
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