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Singularidades culturais: o acesso do idoso indígena aos serviços públicos de saúde* * Extraído da dissertação "Perspectiva de idosos Kaingang da terra indígena Faxinal-Paraná sobre a assistência no Sistema Único de Saúde", Universidade Estadual do Maringá, 2013.

Resumos

OBJETIVO

Descrever como idosos Kaingang e seus cuidadores principais experienciam o acesso aos serviços públicos de saúde.

MÉTODO

Estudo qualitativo, norteado pela etnografia, realizado com 28 idosos e 19 cuidadores. Os dados foram coletados entre novembro de 2010 e fevereiro de 2013 por intermédio de entrevistas e observação participante, analisados por meio da etnografia.

RESULTADOS

Revelaram as facilidades e as dificuldades no acesso do idoso aos serviços de saúde. Facilidade para obter recursos de saúde como consultas, medicamentos e procedimentos rotineiros. Dificuldades como falhas nos serviços para a assistência diferenciada e lentidão no processo de encaminhamento entre os serviços de referência.

CONCLUSÃO

Reforça-se a importância de conhecer e compreender as especificidades culturais do grupo, a fim de oferecer maiores oportunidades de acesso do idoso ao serviço de saúde.

Idoso; População Indígena; Acesso aos Serviços de Saúde; Saúde de Populações Indígenas; Enfermagem em Saúde Pública


OBJECTIVE

Describing how Kaingang seniors and their primary caregivers experience access to public health services.

METHOD

A qualitative study guided by ethnography, conducted with 28 elderly and 19 caregivers. Data were collected between November 2010 and February 2013 through interviews and participative observation analyzed by ethnography.

RESULTS

The study revealed the benefits and difficulties of the elderly access to health services, the facility to obtain health care resources such as appointments, medications and routine procedures, and the difficulties such as special assistance service problems and delays in the dispatching process between reference services.

CONCLUSION

The importance of knowing and understanding the cultural specificities of the group in order to offer greater opportunities for the elderly access to health services was reinforced.

Aged; Indigenous Population; Health Services Accessibility; Heath of Indigenous; Peoples; Public Health Nursing


OBJETIVO

Describir cómo prueban los ancianos Kaingang y sus cuidadores principales el acceso a los servicios públicos de salud.

MÉTODO

Estudio cualitativo orientado por la etnografía realizado con 28 ancianos y 19 cuidadores. Los datos fueron recogidos entre noviembre de 2010 y febrero de 2013 por medio de entrevistas y observación participante analizados mediante etnografía.

RESULTADOS

Revelaron las facilidades y las dificultades en el acceso del añoso a los servicios de salud. Facilidad para lograr recursos de salud como consultas fármacos y procedimientos rutineros. Dificultades como fallos en los servicios de asistencia distintiva y lentitud en el proceso de tramitación entre los servicios de referencia.

CONCLUSIÓN

Se refuerza la importancia de conocer y comprender las especificidades culturales del grupo, a fin de brindar más oportunidades de acceso del anciano al servicio de salud.

Anciano; Población Indígena; Accesibilidad a los Servicios de Salud; Salud de Poblaciones Indígenas; Enfermería en Salud Pública


Introdução

O envelhecimento populacional decorre de mudanças em alguns indicadores de saúde, sobretudo a queda da fecundidade e mortalidade. Entre os povos indígenas, além das mudanças nos indicadores de saúde, o aumento, ainda que tímido, do número de idosos nas últimas décadas, pode estar relacionado à melhora dos parâmetros de saúde desta população, consequentemente contribuindo para o aumento da expectativa de vida.

Esse processo de envelhecimento implica a necessidade de ampliação do acesso aos serviços de saúde, uma vez que os idosos são mais susceptíveis a doenças e incapacidades. Os idosos indígenas partilham daquelas necessidades que são universais do processo de envelhecer, diferenciando dos outros grupos populacionais, principalmente, quanto aos aspectos culturais do cuidado. Nas populações indígenas, o idoso é aquele que detém conhecimento das práticas tradicionais do cuidado cultural e, por isso, suas crenças e saberes podem influenciar o acesso aos serviços de saúde.

Ao idoso indígena, por meio da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígena (PNASPI), é garantido o acesso à atenção integral à saúde, de acordo com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), contemplando a diversidade social, cultural, geográfica, histórica, política e reconhecendo o direito desses povos à sua cultura(1Brasil. Ministério da Saúde; Fundação Nacional de Saúde. Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas. 2ª ed. Brasília: FUNASA; 2002.). Contudo, mesmo garantido por lei, a população indígena ainda enfrenta dificuldades de acesso aos serviços de saúde(2Cardoso AM, Coimbra Junior CEA, Tavares FG. Morbidade hospitalar Indígena Guarani no Sul e Sudeste do Brasil. Rev Bras Epidemiol. 2010;13(1):21-34.). Ainda após a implantação do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena no Brasil e investimento na estruturação de serviços de saúde locais em Terras Indígenas (TI) por todo o País, com forte ampliação da cobertura da atenção primária, as barreiras de acesso dos indígenas ao SUS não foram superadas(2Cardoso AM, Coimbra Junior CEA, Tavares FG. Morbidade hospitalar Indígena Guarani no Sul e Sudeste do Brasil. Rev Bras Epidemiol. 2010;13(1):21-34.). Mesmo após todos esses anos o modelo atual de atenção à saúde indígena no Brasil ainda pode ser caracterizado como um processo em construção(3Vieira HTG, Oliveira JEL, Neves RCM. A Relação de intermedicalidade nos Índios Truká, em Cabrobó - Pernambuco. Saúde Soc. 2013;22(2):566-74.).

O acesso do indígena nos serviços de saúde é pouco retratado nas pesquisas, com números insuficientes de trabalhos científicos publicados que analisam o tema nos grupos indígenas brasileiros e, estes, em sua maioria, restringem-se a algumas etnias(3Vieira HTG, Oliveira JEL, Neves RCM. A Relação de intermedicalidade nos Índios Truká, em Cabrobó - Pernambuco. Saúde Soc. 2013;22(2):566-74.), ou não tem o acesso como objeto central da discussão(4Garnelo L. Aspectos socioculturais de vacinação em área indígena. História Ciênc Saúde Manguinhos. 2011;18(1):175-90.-5Ferreira LO. O Desenvolvimento participativo da área de medicina tradicional indígena: Projeto Vigisus II/Funasa. Saúde Soc.2012;21 Supl.1:265-77.). Nas bases de dados nacionais, até o momento não foram identificados estudos que retratam o acesso do idoso indígena aos serviços de saúde. Em contrapartida, o tema já vem sendo abordado em pesquisas internacionais(6Habjan S, Prince H, Kelley ML. Caregiving for elders in first nations communities: social system perspective on barriers and challenges. Can J Aging. 2012;31(2):209-22.).

O acesso aos serviços de saúde pode ser identificado em dois componentes: geográfico e sócio organizacional(7Brasil. Ministério da Saúde; Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Atenção Primária e Promoção da Saúde. Brasília: CONASS; 2007.). O primeiro envolve características relacionadas à distância e aos meios de transporte a serem utilizados para obter o cuidado(7Brasil. Ministério da Saúde; Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Atenção Primária e Promoção da Saúde. Brasília: CONASS; 2007.). O segundo inclui aquelas características e recursos que facilitam ou impedem os esforços das pessoas em receber os cuidados de uma equipe de saúde, por exemplo, horário de funcionamento, forma de marcação de consulta, presença de longas filas, oferta de cobertura após o horário de funcionamento e a explicitação dos serviços a serem utilizados pela população quando a UBS não está disponível, além da aceitabilidade das diferenças culturais(7Brasil. Ministério da Saúde; Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Atenção Primária e Promoção da Saúde. Brasília: CONASS; 2007.).

Por se tratar de uma população indígena, os aspectos culturais devem ser levados em consideração, uma vez que a cultura influencia diretamente os pensamentos, decisões e ações, especialmente as ações referentes aos cuidados(8Geertz CA. Interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC; 2011.). Com base no exposto, e considerando os pressupostos apresentados sobre o acesso do usuário ao serviço de saúde, esta pesquisa norteou-se pela seguinte pergunta: como ocorre o acesso do idoso indígena aos serviços de saúde? Busca-se, portanto, descrever como os idosos Kaingang e seus cuidadores principais experienciam o acesso aos serviços públicos de saúde.

Método

Este foi um estudo de abordagem qualitativa, fundamentado pelos pressupostos etnográficos. A etnografia é definida como a compreensão do ponto de vista do outro, a sua relação com a vida, bem como a sua visão do mundo(9Malinowski B. Malinowiski: antropologia. São Paulo: Ática; 1986.), propiciando uma descrição detalhada da realidade e a integração de informações de diversos atores que atuam numa mesma microrrealidade, palco de interações e conflitos(8Geertz CA. Interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC; 2011.-9Malinowski B. Malinowiski: antropologia. São Paulo: Ática; 1986.).

O estudo foi realizado na Terra Indígena Faxinal (TIF), localizada no município de Cândido de Abreu, Paraná, Brasil, onde vivem aproximadamente 600 indígenas, distribuídas em 120 famílias. Os sujeitos da pesquisa foram 28 idosos Kaingang e 19 cuidadores principais residentes na TIF. Considerou-se idoso as pessoas com 60 anos ou mais de idade e cuidador principal a pessoa que acompanhava ou prestava cuidados ao idoso, podendo ser familiar ou não. Por se tratar de um estudo etnográfico foram elegidos dois informantes-chave, para auxiliar os pesquisadores na compreensão dos achados e aprofundar os conhecimentos da cultura bem como a visão de mundo do pesquisados.

Por fazer parte do projeto de pesquisa Os Saberes e Práticas de saúde de Famílias de idosos Kaingang na Terra Indígena Faxinal-PR, as observações tiveram início em novembro de 2010, totalizando 11 momentos em campo, com a permanência dos pesquisadores por períodos de sete a dez dias. Nos primeiros momentos em campo foi possível estabelecer uma relação de vínculo entre os pesquisadores e os participantes do estudo, o que permitiu apreender as visões de mundo, os sentimentos e as vivências dos idosos e cuidadores com os serviços de saúde. Ressalta-se que em cada momento em campo os pesquisadores fortaleciam os vínculos, estabelecendo uma relação de confiança.

Os últimos momentos em campo, que abrangeu o período de dezembro de 2012 a fevereiro de 2013, tiveram por objetivo a observação e a participação no dia a dia dos idosos e cuidadores com o propósito de retratar como ocorre o acesso do idoso indígena aos serviços de atenção básica e de referência do SUS.

Os dados foram coletados por meio da observação participante e entrevistas etnográficas auxiliadas por dois instrumentos, roteiro para observação em campo, e outro para a entrevista. Utilizou-se a entrevista para complementar e validar as percepções obtidas com a observação participante, as quais foram gravadas em aparelho MP4 e, em seguida, transcritas. Os registros realizados no diário de campo também foram utilizados como fonte de dados.

Os dados foram analisados por meio da etnografia(9Malinowski B. Malinowiski: antropologia. São Paulo: Ática; 1986.), ocorrendo simultaneamente a coleta e documentação dos dados. As análises foram realizadas com base nos registros realizados em campo, gerando novas questões para observação, entrevistas e registros no diário de campo, em um feedback constante que proporcionou a direção do estudo.

O estudo atendeu às exigências da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, com apreciação e aprovação pelo Comitê Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), Parecer n.° 760/2010. De modo a preservar a identidade dos pesquisados, os idosos foram codificados com números arábicos precedidos da letra I e os cuidadores principais pela letra C, ambos identificados pela letra F para o sexo feminino e M para o sexo masculino, seguido da idade. Os informantes-chave foram identificados com as letras IC, seguindo o mesmo padrão de identificação dos idosos e cuidadores.

Resultados

Conhecendo os sujeitos do estudo

Verificou-se que 17 idosos indígenas eram do sexo feminino, tinham idade entre 60 e 103 anos, com média de 72,9 anos. A faixa etária predominante foi a de 60 a 69 anos (n=14), seguido por idosos na faixa etária de 70 a 79 anos (n=6). Identificaram-se, ainda, sete idosos indígenas com 80 anos e mais e um com 103 anos. Entre os idosos Kaingang, 16 eram casados e 14 viviam em famílias extensas, constituídas por até sete pessoas. No entanto, observaram-se famílias constituídas apenas por casais de idosos (n=4) e idosos residindo sozinhos (n=3). Quanto à escolaridade, nenhum dos idosos era alfabetizado na língua portuguesa (n=28), demonstrando baixo nível de instrução. Majoritariamente eram aposentados (n=26), com renda de um salário mínimo.

Os problemas de saúde citados foram: hipertensão arterial (n=4), doença pulmonar obstrutiva crônica (n=1) e artrite (n=1), havendo também relato de outras doenças como a gripe (n=16), o resfriado (n=7) e a bronquite (n=5).

Os cuidadores, predominantemente do sexo feminino (n=13), tinham idade entre 22 e 53 anos, média de 32,1 anos. A maioria era casada (n=13) e residia com os idosos (n=14). Vale ressaltar que apenas dois cuidadores não tinham parentesco com o idoso. Estes apresentaram baixa escolaridade, a maioria tinha quatro anos de estudo (n=16). A principal fonte de renda dos cuidadores era o artesanato.

O trabalho desenvolvido em campo e a análise do arcabouço de informações coletadas permitiu a construção de duas categorias: "O acesso do idoso Kaingang aos serviços de saúde no seu dia a dia" e "Contrastes culturais: como os idosos Kaingang vivenciam o acesso aos serviços de saúde".

O acesso do idoso Kaingang aos serviços de saúde no seu dia a dia

Os serviços de assistência à saúde estão presentes no cotidiano dos idosos e seus cuidadores por meio do trabalho da Equipe Multidisciplinar de Saúde Indígena (EMSI), que oferece consultas com clínico geral e odontólogo, além de consultas de enfermagem e procedimentos como administração de medicamentos, inalação e curativos, encaminhamento a serviços especializados e campanhas de imunização.

O acesso do idoso à Unidade Básica de Saúde (UBS) ocorre de duas maneiras, por livre e espontânea demanda ou por solicitação da equipe de saúde, quase sempre articulada pela enfermagem. O acesso do idoso ao serviço de saúde é marcado pela facilidade em conseguir assistência na UBS, seja por meio de consultas médicas, odontológicas, de enfermagem, e/ou de outros procedimentos.

Observou-se que a enfermagem participa de modo eficaz no processo de assistência ao idoso, se faz presente em ações que antecedem as consultas médicas, prestando cuidados e, muitas vezes, em situações mais graves, que precedem o período de trabalho do médico, encaminha-o para o serviço de referência. Estas ações permitem que o acesso do idoso ao serviço de saúde seja ágil.

No postinho é rápido para ser atendido. Esses dias eu estava me sentindo mal, fui ao posto e já fui atendida. (...) o enfermeiro viu a minha pressão que estava alta (...) fiz a consulta e o médico me encaminhou para o hospital, porque a minha pressão não baixava (I7;F62).

O enfermeiro sempre dá um jeitinho de encaixar as consultas. (...) o médico só vem à tarde e, se precisar consultar, ele atende sem ter marcado antes (I17;M65).

Já fui com febre e vômito ao postinho, o enfermeiro me consultou e me mandou para o hospital, porque o médico só vinha à tarde e eu estava muito ruim (I10;F64).

Por outro lado, observou a dificuldade que alguns idosos têm em ir à UBS, pela distância entre suas residências e o serviço de saúde. O aspecto geográfico dificulta, mas não impede o acesso à unidade de saúde, posto que a equipe de saúde, disponibiliza de um meio de veiculo para atender as necessidades dos idosos.

(...) sempre o I24;M94 vai ao postinho fazer inalação (...) hoje ele não foi, porque estava muito cansado. (...) ele vai a pé com o apoio da bengala, mas é longe para ele ir e tem essa subida no caminho, como hoje ele esta se sentindo muito cansado ficou em casa (...), tem vez que o carro vem buscar ele, é só avisar o enfermeiro (I23;F75).

Ainda que a UBS esteja inserida na TIF e atue como fator facilitador do acesso destes idosos aos serviços de saúde, o seu horário de funcionamento representa uma barreira em determinados momentos. Fora do horário de funcionamento, é necessário o deslocamento dos indígenas aos serviços de emergência, situação que torna a busca pelo cuidado um ato cansativo e estressante. Isto porque as condições econômicas desses indivíduos os fazem dependentes dos serviços públicos de saúde.

(...) nos finais de semana, se você precisar de atendimento do serviço de saúde, a AIS (Agente Indígena de Saúde) tem que ligar para o motorista vir buscar (...) não temos outro carro para levar, dependemos do motorista vir nos buscar (...) (I15;F61).

Às vezes acontece do carro não estar aqui quando alguém precisa. Já aconteceu comigo. Eu precisei ir para o hospital e o carro não estava aqui (na Terra Indígena), tinha ido levar outro doente (...) fiquei esperando o carro voltar (I28;M72).

Nos serviços de referências do SUS, o acesso ao atendimento necessário foi marcado pela demora, sobretudo, quando existia a necessidade de encaminhamento do idoso a outros serviços da rede.

Uma vez no hospital tive que ficar esperando um monte (...) demorou muito (...) fiquei de cedo até à tarde para a minha tia (I15;F61) ser encaminhada para outro hospital (C1;F45).

(...) o atendimento no hospital muitas vezes é demorado, porque tem muita gente na fila. É preciso ficar esperando o médico atender às pessoas que estão na sua frente (...) demora muito" (I7;F62).

Observou-se certo descontentamento dos idosos e cuidadores frente à lentidão no processo de atendimento e encaminhamento na rede de referência no SUS, pois, a experiência que estes idosos têm na atenção primária é diferente, consultas a livre demanda, sem filas de espera. Ademais, as dificuldades experienciadas por estes indígenas nos serviços de referência do SUS mostram a necessidade de reestruturação do serviço de saúde na oferta de cuidados aos idosos indígenas.

Contrastes culturais: como os idosos Kaingang vivenciam o acesso aos serviços de saúde

Na cultura Kaingang, o idoso é um elo entre os antepassados e as novas gerações, e tem a responsabilidade de transmitir os aspectos culturais da etnia, como a cosmologia Kaingang, as crenças e os valores, ensinando noções de conduta moral e aprendizado de habilidades. Em muitos casos, os idosos atuam como conselheiros e curandeiros, conhecedores de remédios feitos com ervas medicinais. Em função do contato interétnico, e das mudanças introduzidas pelo sistema público de saúde, essa realidade, tem se modificado.

Desde 2003, a TIF possui em seu território uma UBS, local onde é realizada a assistência à saúde do idoso indígena. Por ocasião de necessidades de cuidados mais complexos, os idosos são encaminhados aos hospitais do município mais próximo. Desta forma, com as alterações no modo de cuidar experienciadas por estes indígenas no decorrer da implantação dos serviços de saúde, os idosos Kaingang demonstraram percepções díspares quanto ao acesso a estes serviços. Para alguns idosos, os medicamentos industrializados, advindos dos serviços de saúde, são elementos importantes na promoção do acesso à UBS, em consequência de experiências anteriores.

(...) eu tenho esse problema na coluna, eles chamam de hérnia de disco (...) os nossos remédios não resolvem o problema, por isso faço tratamento na unidade de saúde. (...) fiz o tratamento por muito tempo, tinha que tomar injeção todos os dias (I15;F61).

Observou-se que a procura por medicamentos é, em muitas situações, o modo como os idosos buscam acesso ao serviço de saúde. Nestas circunstâncias, o enfermeiro promove o acolhimento do idoso, realiza consulta de enfermagem, orientação para a saúde, ou simplesmente estabelece um diálogo, a fim de fortalecer vínculos.

Por outro lado, a visão de mundo, as prioridades de vida e conceitos de saúde-doença do idoso indígena podem diferir significativamente daquela da cultura do profissional de saúde e, assim, a ausência de cuidados diferenciados que atendam às suas necessidades de saúde pode interferir no acesso aos serviços de saúde.

Na aldeia Faxinal ainda existe algumas pessoas mais resistentes ao tratamento médico, que só acreditam na medicina indígena tradicional, principalmente alguns idosos (C1; M53).

(...) os idosos viviam nos matos e não aceitavam os remédios dos brancos. Eles mesmos faziam os remédios ou procuravam ajuda do Kujà para curar as doenças. Agora tem o postinho aqui, mas alguns idosos ainda preferem fazer seus remédios e usar as práticas antigas de cura. Como o serviço de saúde não sabe usar esses recursos, os idosos se afastam do serviço (IC1;M68).

No postinho só tem os remédios dos brancos. Eles são bons para curar a dor, mas não para as doenças do espírito (I6;M65).

Paralelamente à percepção da carência de cuidados congruentes, encontram-se as barreiras linguísticas, visto que quando os idosos conseguem o acesso aos serviços de saúde sentem certa limitação e dificuldade em fazer entender suas necessidades e interpretar as orientações da equipe de saúde, em virtude do idioma Kaingang.

(...) muitas vezes eles não conseguem entender o que o médico explica. Eles sabem falar que estão com dor, onde dói. É difícil porque quando não tem alguém para ajudar eles não entendem. O enfermeiro, quando não entende, ele pede ajuda para os índios mais novos, eles sabem o português (C19;F22).

(...) ela (Agente Indígena de Saúde) me acompanha na internação. Ela sabe explicar o que eu estou sentindo (...), às vezes eu não sei dizer como é a doença que tenho" (I15;M61).

A enfermagem, por sua vez, mostrou maior articulação na comunicação com os idosos indígenas, superando esta dificuldade com estratégias simples, como o auxílio do Agente Indígena de Saúde (AIS) ou de indígenas jovens, que compreendem os dois idiomas, o português e o Kaingang.

As dificuldades de comunicação entre idosos indígenas e profissionais de saúde podem, ainda, interferir na qualidade da assistência oferecida a esta população, e até mesmo o afastamento do idoso dos serviços de saúde.

Discussão

A implementação das UBS nas TI permitiu maior agilidade no acesso dos indígenas aos serviços de saúde e utilização dos recursos de saúde oferecidos, como consultas médicas, de enfermagem e odontológicas, hospitalizações, exames e procedimentos, configurando como porta de entrada do idoso indígena nos serviços da rede de referência do SUS.

Diferentemente do observado na população estudada, em muitas TI os indígenas enfrentam dificuldades que vão além de conseguir marcar consultas e obter atendimento em UBS. Isto porque muitas TI, ainda, não disponibilizam serviços de atenção primária à saúde(5Ferreira LO. O Desenvolvimento participativo da área de medicina tradicional indígena: Projeto Vigisus II/Funasa. Saúde Soc.2012;21 Supl.1:265-77.,1010 Welch JR, Coimbra Junior. CEA. Perspectivas culturais sobre transmissão e tratamento da tuberculose entre os Xavánte de Mato Grosso, Brasil. Cad Saúde Pública. 2011;27(1):190-4.), de tal modo que o acesso geográfico representa barreira para a assistência. Estudo internacional constata que viver em áreas remotas, em particular, pode afetar a saúde dos pacientes, aumentando o nível de risco devido ao isolamento e à falta de acesso aos serviços de saúde(1111 Brundisini F, Giacomini M, DeJean D, Vanstone M, Winsor S, Smith A. Chronic disease patients' experiences with accessing health care in rural and remote areas: a systematic review and qualitative meta-synthesis. Ont Health Technol Assess Ser. 2013;13(15):1-33.).

A distância geográfica observada dificulta, em alguns momentos, o acesso do idoso com limitações físicas, mas não o impede. Em outras TI o aspecto geográfico é uma barreira importante para o acesso do idoso ao serviço de saúde. Apesar de comprometimentos advindos do processo de envelhecimento, o isolamento de algumas etnias, o afastamento das comunidades dos centros urbanos, bem como a baixa disponibilidade de serviços nas aldeias são as principais barreiras que contribuem para o acesso limitado dos indígenas aos serviços de saúde(5Ferreira LO. O Desenvolvimento participativo da área de medicina tradicional indígena: Projeto Vigisus II/Funasa. Saúde Soc.2012;21 Supl.1:265-77.-6Habjan S, Prince H, Kelley ML. Caregiving for elders in first nations communities: social system perspective on barriers and challenges. Can J Aging. 2012;31(2):209-22.,1212 Mcbain-Rigg K, Veitch C. Cultural barriers to health care for aboriginal and Torres Strait Islanders in Mount Isa. Aust J Rral Health. 2011;19(2):70-4.).

A estratégia da enfermagem, para minimizar a barreira geográfica entre determinadas residências e a UBS, como já identificado nesta TI, é o uso do veículo disponibilizado pela Secretária Especial de Saúde Indígena (SESAI), para o deslocamento do idoso no ambiente interno da aldeia, por exemplo, levá-lo à UBS, ainda que a função deste veículo seja transportar pacientes indígenas a outros serviços de referência do SUS (1313 Rissardo LK, Carreira L. Organization of healthcare and assistance to the elderly indigenous population: synergies and particularities of the professional context. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2014 [cited 2014 Feb 23];48(1):72-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v48n1/0080-6234-reeusp-48-01-72.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v48n1/00...
), localizados nos municípios de Cândido de Abreu e Ivaiporã - Paraná.

A utilização desse veículo para o transporte do idoso auxilia na assistência de enfermagem, que acompanha, de perto, a saúde do idoso Kaingang, uma iniciativa de atenção diferenciada, embora esta não seja sua principal função. O veículo da SESAI, é entendido, no ponto de vista do profissional de saúde, como uma ferramenta que facilita a assistência ao idoso indígena(1313 Rissardo LK, Carreira L. Organization of healthcare and assistance to the elderly indigenous population: synergies and particularities of the professional context. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2014 [cited 2014 Feb 23];48(1):72-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v48n1/0080-6234-reeusp-48-01-72.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v48n1/00...
). A estratégia identificada permite sua reprodução em outras TI, de modo a auxiliar a enfermagem e toda a equipe de saúde no cuidado ao idoso indígena.

No entanto, em alguns momentos o transporte emergiu como obstáculo fora do horário de funcionamento da UBS. Em razão da organização do serviço de saúde, o veículo utilizado para o deslocamento dos pacientes aos serviços de emergência fica na cidade de Cândido de Abreu, sendo necessária a solicitação de tal serviço quando há uma intercorrência na TIF.

Em razão das dificuldades socioeconômicas, os indígenas dependem exclusivamente dos recursos oferecidos pelo SUS(1010 Welch JR, Coimbra Junior. CEA. Perspectivas culturais sobre transmissão e tratamento da tuberculose entre os Xavánte de Mato Grosso, Brasil. Cad Saúde Pública. 2011;27(1):190-4.). Em algumas regiões do Brasil, esta situação se agrava, pois além dos indígenas viverem em condições econômicas precárias e da limitação de transporte nas aldeias, existe, ainda, a escassez de serviços de atenção básica nas TI para atender à população(5Ferreira LO. O Desenvolvimento participativo da área de medicina tradicional indígena: Projeto Vigisus II/Funasa. Saúde Soc.2012;21 Supl.1:265-77.), condições também observadas em estudos internacionais(6Habjan S, Prince H, Kelley ML. Caregiving for elders in first nations communities: social system perspective on barriers and challenges. Can J Aging. 2012;31(2):209-22.,1212 Mcbain-Rigg K, Veitch C. Cultural barriers to health care for aboriginal and Torres Strait Islanders in Mount Isa. Aust J Rral Health. 2011;19(2):70-4.). As dificuldades no deslocamento da comunidade de origem para os centros de saúde ou hospitais podem reduzir o acesso do idoso indígena aos serviços de saúde(6Habjan S, Prince H, Kelley ML. Caregiving for elders in first nations communities: social system perspective on barriers and challenges. Can J Aging. 2012;31(2):209-22.). De modo a minimizar estas disparidades de saúde, nos Estados Unidos, a tecnologia da Telemedicina está sendo avaliada como uma estratégia para melhorar o acesso e a qualidade dos cuidados de saúde de comunidades indígenas remotas(1414 Hiratsuka V, Delafield R, Starks H, Ambrose AJ, Mau MM. Patient and provider perspectives on using telemedicine for chronic disease management among Native Hawaiian and Alaska Native people. Int J Circumpolar Health [Internet]. 2013 [cited 2014 Feb 23];72. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3751232/
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles...
).

Outro fato que pode contribuir para o afastamento do idoso ao serviço de saúde é a demora no atendimento nos serviços da rede de referência do SUS, principalmente quanto há necessidade de encaminhamento a serviços especializados. Este, não é um problema experienciado exclusivamente por indígenas, mas por toda a população. A ineficácia do sistema de saúde, incapaz de oferecer a esses indivíduos um acesso mais fácil à rede de atenção primária, superlota os serviços de referência do SUS.

As dificuldades vivenciadas por estes idosos e cuidadores, nos serviços de referência, demonstram falhas na organização dos serviços de saúde indígena, sendo necessárias avaliações periódicas dos serviços e a implementação de ações que reorganize o funcionamento destes, no intuito de melhorar o acesso da população indígena aos serviços de saúde. Tal situação poderia ser minimizada com a implantação de UBS nas TI e ações de promoção de saúde junto aos indígenas, além de profissionais capacitados para trabalhar nas TI(1515 Oliveira JWB, Aquino JM, Monteiro EMLM. Promoção da saúde na comunidade indígena Pankararu. Rev Bras Enferm. 2012;65(3):437-44.). Em estudo internacional, além da qualificação dos profissionais para o atendimento dos indígenas, as estratégias para melhorar os resultados de saúde devem ser apoiadas por uma forte e visível força de trabalho entre profissionais e usuários, tendo como base o reconhecimento da família e do indivíduo no planejamento dos cuidados(1616 Aspin C, Brown N, Jowsey T, Yen L, Leeder S. Strategic approaches to enhanced health service delivery for Aboriginal and Torres Strait Islander people with chronic illness: a qualitative study. BMC Health Serv Res. 2012;12:143.). Estratégias que podem contribuir para a redução de encaminhamentos aos serviços de maior complexidade de atendimento, minimizando a sua superlotação.

A atual política de saúde indígena determina respeito às práticas tradicionais de cura e não a substituição por serviços biomédicos, mas pouco se faz para implementar políticas de atenção voltadas para o problema da interculturalidade, sendo preciso, portanto, que se estabeleçam medidas que valorizem a articulação das práticas de cura tradicionais com a biomedicina(3Vieira HTG, Oliveira JEL, Neves RCM. A Relação de intermedicalidade nos Índios Truká, em Cabrobó - Pernambuco. Saúde Soc. 2013;22(2):566-74.). A falta de acesso aos serviços de saúde culturalmente apropriados, ou seja, culturalmente congruentes, pode apresentar influências negativas no atendimento profissional(1616 Aspin C, Brown N, Jowsey T, Yen L, Leeder S. Strategic approaches to enhanced health service delivery for Aboriginal and Torres Strait Islander people with chronic illness: a qualitative study. BMC Health Serv Res. 2012;12:143.), uma vez que a cultura pode atenuar ou agravar os desafios de acesso do indígena nos serviços de saúde(1111 Brundisini F, Giacomini M, DeJean D, Vanstone M, Winsor S, Smith A. Chronic disease patients' experiences with accessing health care in rural and remote areas: a systematic review and qualitative meta-synthesis. Ont Health Technol Assess Ser. 2013;13(15):1-33.).

A alteração no modo de cuidar, modificado em função do contato interétnico e das mudanças introduzidas pelo sistema público de saúde, levaram os idosos a experienciar o acesso de várias maneiras. Alguns idosos, devido a experiências positivas das ações dos serviços de saúde, como a eficiência do tratamento de saúde, dão preferência à assistência profissional e, por conseguinte, têm maior acesso nestes serviços. Isso revela que a cultura Kaingang está em permanente e constante transformação e ressignificação, o que possibilita algumas práticas de cuidado, como o uso de medicamentos industrializados e sua validação entre as diferentes gerações, inclusive entre os idosos. O que só é possível porque a cultura não é estática, ou seja, acompanha as modificações da sociedade e se transforma de acordo com as interações sociais(9Malinowski B. Malinowiski: antropologia. São Paulo: Ática; 1986.).

Já incorporados à cultura Kaingang, os medicamentos industrializados são bastante solicitados pelos idosos. Além de simbolizarem uma questão de poder entre os grupos indígenas, são apontados como recurso indispensável à assistência da EMSI nas aldeias, e sua falta vista como um desrespeito à saúde, uma vez que é imprescindível no tratamento das doenças(1515 Oliveira JWB, Aquino JM, Monteiro EMLM. Promoção da saúde na comunidade indígena Pankararu. Rev Bras Enferm. 2012;65(3):437-44.), além de trazerem comodidade quanto às outras práticas terapêuticas.

A busca por medicamentos, em muitas situações, promoveu o acesso de alguns idosos indígenas ao serviço de saúde. Apesar da sobrecarga de trabalho do enfermeiro e outros fatores que interferem na assistência ao idoso, como já identificado(1313 Rissardo LK, Carreira L. Organization of healthcare and assistance to the elderly indigenous population: synergies and particularities of the professional context. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2014 [cited 2014 Feb 23];48(1):72-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v48n1/0080-6234-reeusp-48-01-72.pdf
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), nas ocasiões em que o idoso procura o serviço de saúde, devem ser valorizadas e interpretadas como oportunidade para a promoção da saúde e fortalecimento de vínculo. O enfermeiro pode trabalhar em parceria com os AIS, por meio do acompanhamento regular dos idosos, mediante visitas domiciliares e busca ativa dos faltosos que estão em tratamento. Assim, o enfermeiro disponibilizará de informações que facilitarão a construção de estratégias para o atendimento do idoso indígena.

Conforme a PNASPI, o acesso do indígena aos serviços de saúde deve ser efetivado em conformidade às especificidades culturais de cada grupo(1Brasil. Ministério da Saúde; Fundação Nacional de Saúde. Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas. 2ª ed. Brasília: FUNASA; 2002.). Contudo, observa-se a carência de cuidados culturais congruentes na assistência ao idoso indígena, afastando estes dos serviços de saúde. Isto porque a assistência à saúde indígena ainda é pautada nos conceitos biomédicos, sem ênfase aos aspectos culturais. São poucos os estudos que descrevem a prática da atenção diferenciada nas aldeias(5Ferreira LO. O Desenvolvimento participativo da área de medicina tradicional indígena: Projeto Vigisus II/Funasa. Saúde Soc.2012;21 Supl.1:265-77.).

A atenção diferenciada contempla noções de respeito às concepções, aos valores e às práticas em saúde de cada povo e de articulação entre os saberes indígenas e biomédicos, mediado pelo AIS, assim como entre a comunidade e os membros da equipe(1Brasil. Ministério da Saúde; Fundação Nacional de Saúde. Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas. 2ª ed. Brasília: FUNASA; 2002.). Entretanto, o êxito em oferecer serviços que respeitem e se articulem com as práticas tradicionais depende muito do compromisso e dos esforços para capacitar todos os membros da EMSI, inclusive os AIS, para a atenção diferenciada(1717 Diehl EE, Langdon EJ, Dias-Scopel RP. The contribution of indigenous community health workers to special healthcare for Brazilian indigenous peoples. Cad Saúde Pública. 2012;28(5):819-31.).

Ainda que os profissionais de saúde reconheçam a importância de uma assistência integral e diferenciada ao idoso Kaingang, os percalços na organização do serviço limitam uma assistência individualizada e curativa(1313 Rissardo LK, Carreira L. Organization of healthcare and assistance to the elderly indigenous population: synergies and particularities of the professional context. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2014 [cited 2014 Feb 23];48(1):72-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v48n1/0080-6234-reeusp-48-01-72.pdf
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). Muitas vezes, os profissionais de saúde não têm informação para entender como a cultura influencia a percepção do indígena na busca por assistência profissional(6Habjan S, Prince H, Kelley ML. Caregiving for elders in first nations communities: social system perspective on barriers and challenges. Can J Aging. 2012;31(2):209-22.), mesmo que o respeito aos aspectos culturais dos povos indígenas esteja previstos na PNASPI(1Brasil. Ministério da Saúde; Fundação Nacional de Saúde. Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas. 2ª ed. Brasília: FUNASA; 2002.). Isto favorece o desapontamento dos idosos com a prestação de cuidado e, em alguns casos, leva à relutância desses indígenas em utilizar o serviço de saúde(6Habjan S, Prince H, Kelley ML. Caregiving for elders in first nations communities: social system perspective on barriers and challenges. Can J Aging. 2012;31(2):209-22.). Por conseguinte, os profissionais de saúde, em especial da enfermagem, precisam ser preparados para promover e prestar cuidados de saúde culturalmente congruentes.

A carência de cuidado culturalmente congruente, juntamente com a inaptidão dos profissionais de saúde para conversar na língua nativa, apresentam uma situação difícil para os idosos Kaingang que usam o sistema profissional de saúde, bem como para muitos indígenas(6Habjan S, Prince H, Kelley ML. Caregiving for elders in first nations communities: social system perspective on barriers and challenges. Can J Aging. 2012;31(2):209-22.,1818 Carson PJ. Providing specialist services in Australia across barriers of distance and culture. World J Surg. 2009;33(8):1562-7.).

Para os idosos indígenas da TIF, o português é a segunda língua em termos de fluência e compreensão, uma vez que falar a língua nativa é uma forma de preservar as tradições culturais e a identidade Kaingang(1919 Moliterno ACM, Padilha AM, Faustino RC, Mota LT. Carreira L Dinâmica social e familiar: uma descrição etnográfica de famílias de idosos Kaingang. Ciênc Cuid Saúde. 2011;10(4):836-44.). As dificuldades de compreender a doença e os tratamentos necessários pode resultar em lacunas significativas na comunicação, afetando o acesso dos idosos aos serviços de saúde e a qualidade de suas experiências com estes serviços(1313 Rissardo LK, Carreira L. Organization of healthcare and assistance to the elderly indigenous population: synergies and particularities of the professional context. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2014 [cited 2014 Feb 23];48(1):72-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v48n1/0080-6234-reeusp-48-01-72.pdf
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,1818 Carson PJ. Providing specialist services in Australia across barriers of distance and culture. World J Surg. 2009;33(8):1562-7.).

Algumas iniciativas têm ajudado a diminuir as barreiras criadas por essas diferenças culturais, como a inclusão do AIS à EMSI(1Brasil. Ministério da Saúde; Fundação Nacional de Saúde. Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas. 2ª ed. Brasília: FUNASA; 2002.). Dentre os profissionais de saúde, o enfermeiro mostrou maior articulação na comunicação com os idosos indígenas, utilizando estratégias simples, como o auxilio dos AIS e/ou de indígenas jovens para minimizar as dificuldades impostas pela barreira linguística.

Os idosos Kaingang, sempre que possível, são acompanhados por um AIS na assistência nos serviços da rede de referência do SUS, com o intuito de facilitar a comunicação e, por conseguinte, proporcionar acesso de qualidade do idoso na assistência à saúde(1Brasil. Ministério da Saúde; Fundação Nacional de Saúde. Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas. 2ª ed. Brasília: FUNASA; 2002.). Na Austrália, alguns serviços hospitalares começaram a utilizar intérpretes conhecedores da língua indígena como forma de apoio às necessidades culturais de pacientes indígenas durante o seu contato com o sistema hospitalar para o melhor entendimento da doença e tratamento(1818 Carson PJ. Providing specialist services in Australia across barriers of distance and culture. World J Surg. 2009;33(8):1562-7.).

Conclusão

Este estudo permitiu descrever como ocorre o acesso do idoso indígena aos serviços públicos de saúde. Constatou facilidade para marcar consultas e obter recursos de saúde como consultas, medicamentos e procedimentos realizados pela equipe de enfermagem. Por outro lado, a distância de algumas residências à UBS e o horário de funcionamento representou uma barreira para o acesso. O acesso aos serviços da rede de referência do SUS foi marcado pela demora no atendimento e encaminhamento a outros serviços especializados.

A análise realizada demonstrou existência de falhas nos serviços de saúde para o atendimento diferenciado, como a ausência de cuidados congruentes às necessidades culturais do idoso indígena e a dificuldade de comunicação entre profissional/paciente, em razão do idioma Kaingang. Tais constatações reforçam a importância de conhecer e compreender as especificidades culturais do grupo, a fim de oferecer maiores oportunidades de acesso do idoso ao serviço de saúde, bem como um cuidado integral e efetivo que respeite as diferenças culturais.

O acesso constitui um desafio na construção do cuidado integral à saúde do idoso Kaingang e elemento importante para a gestão e avaliação de serviços de saúde indígena. Assim, o enfermeiro, que tem entre suas atribuições promover o acesso do usuário ao serviço de saúde, assume papel primordial para estabelecer estratégias e proporcionar ampliação do acesso do idoso indígena aos serviços de saúde.

Dentre os limites deste estudo, pondera-se o fato de se tratar de uma única TI Kaingang, portanto, sugere-se a realização de estudos semelhantes com outras etnias, para que seja possível apontar novas estratégias para o acesso do idoso indígena aos serviços de saúde.

Agradecimentos

Agradecemos a Fundação Araucária pelo financiamento do projeto de pesquisa "Os saberes e práticas de saúde de famílias de idosos Kaingang na Terra Indígena Faxinal-PR", através do Programa de Pesquisa para o SUS: Gestão compartilhada em Saúde PPSUS - 2008/2009 - Convênio n. 179/2010.

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  • *
    Extraído da dissertação "Perspectiva de idosos Kaingang da terra indígena Faxinal-Paraná sobre a assistência no Sistema Único de Saúde", Universidade Estadual do Maringá, 2013.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2015

Histórico

  • Recebido
    24 Maio 2014
  • Aceito
    03 Nov 2014
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