Infecção pelo vírus da imunodeficiência humana em gestantes e sua correlação com os determinantes socioeconômicos

RESUMO

Objetivo:

Analisar o padrão espacial da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana em gestantes e sua correlação com os determinantes socioeconômicos.

Método:

Estudo ecológico, realizado com casos de infecção pelo vírus da imunodeficiência humana em gestantes no estado do Pará, Brasil, de 2010 a 2017. A análise das taxas foi realizada por meio do método bayesiano empírico e Moran local univariado. As análises bivariadas foram empregadas para examinar a correlação entre a infecção e os determinantes socioeconômicos.

Resultados:

Verificaram-se altas taxas da infecção em municípios das mesorregiões Sudeste Paraense e Metropolitana de Belém. Identificou-se correlação espacial significativa entre as taxas de infecção pelo vírus da imunodeficiência humana em gestantes e os indicadores índice de desenvolvimento humano (I = 0,2836; p < 0,05), renda média (I = 0,6303; p < 0,05) e taxa de analfabetismo (I = 0,4604; p < 0,05).

Conclusão:

O padrão espacial da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana em gestantes correlacionada aos determinantes socioeconômicos reforça a necessidade de reestruturação de políticas públicas de controle e prevenção do vírus da AIDS que atentem para os fatores socioeconômicos desse público específico e disparidades locorregionais no Pará.

DESCRITORES
Infecções por HIV; Gestantes; Análise Espacial; Sistemas de Informação Geográfica; Desigualdades em Saúde

ABSTRACT

Objective:

To analyze the spatial pattern of human immunodeficiency virus infection in pregnant women and its correlation with socioeconomic determinants.

Method:

Ecological study, carried out with cases of human immunodeficiency virus infection in pregnant women in the state of Pará, Brazil, from 2010 to 2017. Rate analysis was performed using the empirical Bayesian method and univariate local Moran. Bivariate analyses were used to examine the correlation between infection and socioeconomic determinants.

Results:

High rates of infection were observed in municipalities in the mesoregions of Southeast of Pará and Metropolitan area of Belém. A significant spatial correlation was found between human immunodeficiency virus infection rates in pregnant women and human development index indicators (I = 0.2836; p < 0.05), average income (I = 0.6303; p < 0.05), and illiteracy rate (I = 0.4604; p < 0.05).

Conclusion:

The spatial pattern of human immunodeficiency virus infection in pregnant women correlated to socioeconomic determinants highlights the need to restructure public policies for the control and prevention of AIDS virus that take into account the socioeconomic factors of this specific population and locoregional disparities in Pará.

DESCRIPTORS
HIV Infections; Pregnant Women; Spatial Analysis; Geographic Information Systems; Health Status Disparities

RESUMEN

Objetivo:

Analizar el estándar espacial de la infección por el virus de la inmunodeficiencia humana en mujeres embarazadas y su correlación con determinantes socioeconómicos.

Método:

Estudio ecológico, realizado con casos de infección por el virus de la inmunodeficiencia humana en mujeres embarazadas en el estado de Pará, Brasil, de 2010 a 2017. El análisis de tasas se realizó mediante el método bayesiano empírico y Moran local univariado. Se emplearon análisis bivariados para examinar la correlación entre la infección y los determinantes socioeconómicos.

Resultados:

Se observaron altas tasas de infección en municipios de las mesorregiones Sudeste de Pará y Metropolitana de Belém. Se identificó una correlación espacial significativa entre las tasas de infección por el virus de la inmunodeficiencia humana en mujeres embarazadas y los indicadores del índice de desarrollo humano (I = 0,2836; p < 0,05), ingreso medio (I = 0,6303; p < 0,05) y tasa de analfabetismo (I = 0,4604; p < 0,05).

Conclusión:

El estándar espacial de la infección por el virus de la inmunodeficiencia humana en mujeres embarazadas correlacionado con determinantes socioeconómicos refuerza la necesidad de reestructurar políticas públicas para el control y la prevención del virus del SIDA que tengan en cuenta los factores socioeconómicos de esta población específica y las disparidades locorregionales en Pará.

DESCRIPTORES
Infecciones por VIH; Mujeres Embarazadas; Análisis Espacial; Sistemas de Información Geográfica; Disparidades en el Estado de Salud

INTRODUÇÃO

A resposta mundial à infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), agente etiológico da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), vem retrocedendo nos últimos anos(¹), reforçando os desafios para o cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), propostos por iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU), que visam acabar com a epidemia da AIDS até 2030(²).

O incremento no número de casos de HIV em gestantes vem recebendo atenção especial no planejamento das ações de prevenção e controle do HIV/AIDS, pois a transmissão vertical do vírus constitui a principal fonte de infecção em crianças menores de 13 anos(³).

No Brasil, no período de 2000 até junho de 2021, foram notificadas 141.025 gestantes infectadas com HIV. Entre os anos de 2010 a 2020, verificou-se elevação de 30,3% na taxa de detecção de HIV em gestante no país (passando de 2,1 casos/mil nascidos vivos para 2,7 casos/mil nascidos vivos). Esse aumento pode ser explicado, em parte, pela ampliação do diagnóstico no pré-natal devido ao maior acesso aos testes rápidos, e a melhoria da vigilância epidemiológica da transmissão vertical do HIV(⁴).

No mesmo período, a região Norte teve destaque no cenário nacional como a que deteve o maior incremento na taxa de HIV em gestantes, correspondendo ao aumento de 111,3%. Acompanhando o panorama epidemiológico da infecção na região, o estado do Pará apresentou, no ano de 2020, a oitava maior taxa de detecção de HIV em gestantes entre as 27 unidades da Federação, registrando índice de 3,3 casos/mil nascidos vivos(⁴).

Diante da magnitude dessa problemática no Pará, verifica-se a necessidade de investigações mais ampliadas sobre os condicionantes e determinantes do HIV nesse público específico, para a melhoria dos indicadores de morbimortalidade da doença no Estado(⁵).

Estudos recentes apontam o papel significativo dos indicadores socioeconômicos do território como determinantes da infecção pelo HIV, visto que condições sociais e econômicas podem interferir, positivamente ou negativamente, na saúde dos grupos populacionais(⁵,⁶). Contudo, pesquisas cujo objeto aborde o HIV em gestante, associado aos determinantes socioeconômicos, ainda são pouco exploradas, especialmente no Norte do Brasil(⁶), região que apresentou o maior crescimento na taxa de detecção de HIV em gestantes na última década(⁴).

Do mesmo modo, a utilização de ferramentas de geoprocessamento e técnicas de análise espacial no mapeamento de casos de HIV/AIDS, em diferentes territórios, tem obtido êxito no delineamento de áreas prioritárias para o planejamento e programação de estratégias de prevenção e controle da doença, bem como na avaliação das ações executadas, resultando em maior impacto sobre as condições de risco e sobre os indicadores de morbidade(⁶-⁸).

Além disso, entende-se que a correlação da ocorrência de HIV em gestantes notificadas no sistema de informação em saúde com questões espaciais relevantes poderá identificar padrões espaciais que subsidiarão gestores públicos na implementação de estratégias programáticas direcionadas e implantação de novos serviços, visto que o mapeamento da infecção, nesse público específico, pode apontar aglomerados espaciais de alto risco para transmissão vertical, possibilitando controle e prevenção mais eficazes de novos casos de HIV(⁹).

Do mesmo modo, o olhar ampliado sobre a infecção pelo HIV em gestantes, além do aspecto biológico, poderá contribuir para a reflexão sobre o cuidado qualificado dos profissionais de saúde, orientando-os para práticas sensíveis às necessidades de saúde dessas mulheres, favorecendo o desenvolvimento de competências essenciais para a assistência da gestante vivendo com HIV/AIDS, as quais não devem ser descontextualizadas da realidade social em que ela está inserida.

Diante do exposto, partindo da hipótese de que a ocorrência de casos de infecção por HIV em gestantes apresenta correlação com os determinantes socioeconômicos, objetivou-se analisar o padrão espacial da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana em gestantes e sua correlação com os determinantes socioeconômicos.

MÉTODO

Tipo ou Desenho do Estudo

Trata-se de um estudo ecológico, analítico, direcionado pelo instrumento metodológico Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE)(¹⁰).

Local do Estudo

Realizado no Pará, região Norte do Brasil. O Estado é constituído por 144 municípios, distribuídos em seis mesorregiões: Baixo Amazonas, Marajó, Metropolitana de Belém, Nordeste Paraense, Sudeste Paraense, Sudoeste Paraense. Uma mesorregião constitui-se como divisão geográfica regional, adotada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que congrega municípios com características geográficas e socioeconômicas similares. Sua importância está no fato de serem espaços regionais de ações integradas de desenvolvimento que imprimem uma identidade local(¹¹).

O Pará configura-se como o segundo maior Estado do Brasil em extensão territorial, com 1.248.042,515 km² e população estimada de 8.777.124 habitantes em 2021(¹¹).

População e Critérios de Seleção

A população do estudo constituiu-se de casos de gestantes com infecção por HIV notificados ao Sistema de Informações de Agravos de Notificações (SINAN), no período de 2010 a 2017, residentes no estado do Pará. Das 2.923 notificações registradas, foram excluídos 431 casos por motivo de duplicidade e/ou incompletude no campo de informação referente ao município de residência da gestante. Assim, foram elegíveis para o estudo 2.492 casos.

Coleta de Dados

Os dados foram coletados em dezembro de 2018 após serem solicitados à Coordenação Estadual de Infecções Sexualmente Transmissíveis/AIDS e Hepatites Virais da Secretaria de Saúde Pública do Pará (SESPA), sendo disponibilizados no formato de arquivo no programa Microsoft Office Excel^® 2010.

Os dados referentes aos indicadores socioeconômicos, como índice de desenvolvimento humano (IDH), renda média, taxa de analfabetismo e índice de Gini, foram obtidos no site do IBGE por meio do Sistema de Informações de Recuperação Automática (SIDRA). As bases cartográficas com limites municipais, mesorregiões e estados, no formato shapefile (.shp), também foram obtidas no site do referido instituto.

Análise e Tratamento dos Dados

Inicialmente, o banco de dados do SINAN foi organizado de acordo com as variáveis de interesse (número de notificação, idade, escolaridade, ocupação e município de residência da gestante), em seguida foi realizada a decodificação das informações. Para isso, utilizou-se o dicionário de dados SINAN NET Versão 5.0 referente à gestante HIV.

Para identificação de duplicidades, conferiram-se todos os homônimos, relacionando-os à data de nascimento da gestante, nome da mãe e endereço de cada caso. Confirmada a duplicidade, considerou-se para análise a notificação mais antiga, sendo antes observado o preenchimento de outros campos, objetivando a recuperação de informações.

A fim de caracterizar a população, as variáveis idade, escolaridade e ocupação foram submetidas à análise descritiva, cujos resultados foram expressos em frequências relativas e absolutas.

Após esse processo, procedeu-se à construção do banco de dados geográfico (BDGeo). As unidades de análise foram os municípios.

Os cálculos das taxas de detecção de HIV em gestantes (por mil nascidos vivos) do estado do Pará e dos seus municípios foram realizados por meio da soma dos casos do período do estudo, dividida pelo total dos nascidos vivos no mesmo período(⁵). Para a composição dos denominadores, utilizou-se o número de nascidos vivos fornecidos pelo Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC), disponível no site do DATASUS.

Com o objetivo de minimizar a instabilidade das taxas brutas, essas foram suavizadas por meio do método Bayesiano Empírico Local para corrigir flutuações aleatórias causais que ocorrem, especialmente, em municípios pequenos.

Para o cálculo dessa estimativa empregou-se a matriz de vizinhança segundo o critério de contiguidade, em que o valor “1” foi atribuído quando os municípios possuíam fronteiras em comum e “0” quando não compartilhavam fronteiras(⁶). O cálculo das taxas suavizadas foi realizado no TerraView versão 4.2.2 e o mapa de distribuição foi produzido no software ArcGis^® versão 10.

Por fim, para verificar a correlação entre a taxa de detecção de HIV em gestantes e os indicadores socioeconômicos, foi utilizado o índice (I) de Moran Local Bivariado. Assim, foi admitida a hipótese de autocorrelação espacial “inversa” (I < 0) e “direta” (I > 0), além de considerarmos “aleatoriedade” (I = 0), com significância para p < 0,05. Foi considerada forte autocorrelação espacial para (I) próximo a –1 ou 1.

Essas informações foram espacializadas no Software GeoDa™ versão 1.14 permitindo a identificação de 4 padrões de conglomerados espaciais (alto-alto, baixo-baixo, baixo-alto, alto-baixo). O padrão alto – alto refere-se a áreas com altas taxas de detecção de HIV em gestantes cujas áreas vizinhas apresentam indicadores socioeconômicos relativamente elevados (IDHM, renda média, taxa de analfabetismo e índice de Gini). O padrão do tipo baixo-baixo corresponde a áreas com baixas taxas de detecção de HIV em gestantes circunvizinhas de áreas geográficas com índices socioeconômicos relativamente baixos. As áreas classificadas com o padrão baixo-alto configuram-se como aquelas que apresentam taxas baixas de detecção de HIV em gestantes, cujas vizinhanças detêm índices socioeconômicos altos. Por fim, as áreas geográficas de padrão alto-baixo são aquelas com altas taxas de detecção de HIV em gestantes vizinhas das áreas com indicadores socioeconômicos mais baixos.

Aspectos Éticos

Este estudo foi aprovado no ano de 2018 pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade do Estado do Pará (UEPA), conforme as recomendações da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, sob o parecer de nº 2.997.808.

RESULTADOS

Foram analisados 2.492 casos de HIV em gestantes no Pará, cuja taxa de detecção de HIV nesse grupo específico foi de 2,2 casos/1.000 nascidos vivos no período. Os casos tinham idade média de 25 anos (Desvio padrão = ±6), a faixa etária mais prevalente foi de 20 a 29 anos, com 59,9% (n = 1.498). Quanto à escolaridade, verificou-se que 42,7% (n = 1.064) das gestantes tinham menos de 8 anos de estudo. Em relação à ocupação, 46,5% (n = 1.159) dos casos eram donas de casa.

A distribuição espacial das taxas suavizadas de detecção de HIV em gestantes/1.000 nascidos vivos (Figura 1) evidenciou municípios com índices muito altos concentrados nas mesorregiões Sudeste Paraense, Nordeste Paraense e Metropolitana de Belém.

Figura 1
Distribuição espacial da taxa de HIV em gestantes suavizada pelo método bayesiano empírico local. Pará, Brasil, 2010–2017.

A correlação espacial, obtida pelo índice de Moran (I), entre a taxa de detecção do HIV em gestantes e os indicadores socioeconômicos IDH, renda média e taxa de analfabetismo demonstrou dependência espacial significativa (p-valor < 0,05) entre eles, exceto com o índice de Gini (I = 0,2783; p-valor = 0,12), conforme visualizado na Figura 2.

Figura 2
Correlação espacial entre a taxa de detecção do HIV em gestantes no estado do Pará e os indicadores socioeconômicos. Pará, Brasil, 2010–2017.

A taxa de detecção do HIV entre as gestantes, quando associada ao IDH, apresentou índice de correlação positiva (I = 0,2836; p-valor < 0,05), demonstrando padrão espacial do tipo alto-alto concentrado nos municípios do Sudeste Paraense e da mesorregião Metropolitana de Belém, conforme figura 2A. Verificou-se, ainda, a formação de aglomerados de padrão baixo-baixo em municípios localizados na mesorregião do Marajó.

A taxa de HIV em gestante, associada à renda média mensal, apresentou índice de correlação positiva, (I = 0,6303; p-valor < 0,05) revelando padrão de agrupamento alto-alto em municípios da mesorregião Sudeste Paraense. O padrão espacial do tipo baixo-baixo foi verificado em municípios localizados, majoritariamente, na mesorregião do Marajó (Figura 2B).

A autocorrelação espacial das taxas de HIV em gestantes e a de analfabetismo foi significante (I = 0,4604; p-valor < 0,05), indicando formação de aglomerado do tipo baixo-baixo em municípios localizados na mesorregião do Baixo Amazonas e mesorregião Sudoeste Paraense (Figura 2C).

DISCUSSÃO

O Pará apresenta uma das maiores taxas de detecção do HIV em gestantes do Brasil(⁴), apontando a necessidade de estratégias mais eficientes de enfretamento ao HIV/AIDS, a fim de atingir as metas programáticas do Estado e contribuir para o cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, referentes à saúde e bem-estar, no que diz respeito à erradicação da AIDS e de outras epidemias até 2030(²).

A distribuição espacial das taxas de HIV em gestantes demonstra maiores índices nas mesorregiões Sudeste Paraense e Metropolitana de Belém. O padrão espacial do HIV, nesse público, apresentou correlação positiva significativa com os determinantes socioeconômicos IDH, renda média e taxa de analfabetismo. Desse modo, elevadas taxas de detecção de HIV em gestantes foram visualizadas em municípios vizinhos àqueles com maiores IDH e renda média, enquanto que municípios com menores taxas de HIV estavam circunvizinhados por municípios com baixos índices de analfabetismo.

A mesorregião Sudeste Paraense tem sido marcada pelo intenso processo de urbanização, promovido pela expansão de indústrias de mineração, atividades pecuaristas e construções de grandes obras, como a usina hidrelétrica de Tucuruí, responsáveis por impulsionarem a mobilidade da população em busca de oportunidades de empregos e melhores condições de vida(¹²,¹³). Do mesmo modo, a mesorregião Metropolitana de Belém agrega expressiva oferta de serviços e empregos, sobretudo no setor terciário da economia(¹⁴).

Os altos índices de HIV em gestantes, evidenciados nos municípios das mesorregiões Sudeste Paraense e Metropolitana de Belém, indicam necessidade de ampliação de ações nesses territórios para prevenção da transmissão vertical do vírus e reforçam a importância da triagem sorológica realizada no pré-natal para detecção do HIV e início da TARV em tempo oportuno a fim de minimizar os riscos de transmissão vertical, especialmente em áreas geográficas com maiores coeficientes de detecção(¹⁵-¹⁷).

No entanto, pesquisas têm relatado fragilidades na assistência prestada durante o pré-natal, evidenciando baixa cobertura de testagem para HIV e outras Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), mesmo diante da realização de seis ou mais consultas pelas gestantes(⁹,¹⁸).

As elevadas taxas de HIV em gestantes em municípios com melhores IDH e renda média identificadas neste estudo corroboram resultados de outras pesquisas que comprovaram dependência espacial entre focos epidêmicos do HIV/AIDS e regiões com alto crescimento econômico e melhores índices de desenvolvimento humano(⁷,¹²).

Esses achados podem ser explicados pelo fato de que municípios com IDH mais elevados apresentam maior disponibilidade de recursos e acesso aos serviços de saúde, bem como implantação de novos serviços de atenção à saúde, especialmente da atenção primária. Esse aumento na cobertura dos serviços pode ter promovido maior acesso aos testes rápidos, diagnóstico em tempo oportuno, e consequentemente, maiores possibilidades de detecção de casos(¹⁹).

Observou-se ainda que municípios das mesorregiões Metropolitana de Belém e Sudeste Paraense com maiores coeficientes de detecção do HIV em gestantes estavam localizados próximos à grandes rodovias, cuja construção está associada ao processo de urbanização e desenvolvimento econômicos desses espaços geográficos(⁷).

A relação entre o aumento de casos de HIV e a presença de rodovias tem sido explicada pelo fato de que essas favorecem diferentes mudanças no ambiente social e desempenham papéis preponderantes na disseminação e manutenção de agravos de saúde e doenças na população em seu entorno, visto que atuam como elos entre diferentes localidades, tornando-os ambientes propícios para maior interação social e sexual(⁷,²⁰).

Os resultados demonstraram, ainda, que municípios com baixo IDH, localizados na mesorregião Marajó, apresentam menores taxas de detecção de HIV em gestantes. Entretanto, não se pode descartar a possibilidade de subnotificação de casos nesses municípios, haja vista que a mesorregião apresenta baixa concentração de serviços da atenção primária e uma das menores coberturas de assistência pré-natal do estado do Pará(¹⁹,²¹). Esses aspectos sugerem necessidade de aperfeiçoamento das ações dos serviços de vigilância nos municípios nessa mesorregião, a fim de aumentar a possibilidade de detecção de novos casos de HIV e produção de indicadores epidemiológicos que expressem a real situação de saúde da população local(²¹).

A correlação positiva entre a taxa de HIV em gestantes e renda média pode ser explicada pelo maior acesso a exames diagnósticos e testagem sorológica, peculiar em territórios com melhores condições econômicas(²²). Contudo, estudo realizado na cidade de Recife apontou que condições econômicas desfavoráveis foram estatisticamente determinantes para o incremento na taxa de HIV em gestantes daquele município(²³). Essa divergência nos resultados ratifica a heterogeneidade das regiões e dos estados brasileiros no comportamento epidemiológico do HIV/AIDS e a influência dos determinantes socioeconômicos para saúde das populações(⁶).

Os resultados demonstraram formação de conglomerados entre os municípios com menores taxas de HIV em gestantes e que apresentam baixos índices de analfabetismo. Admite-se que os baixos níveis de educação formal possuem relação direta com o aumento de casos de HIV em países de média e baixa renda, como é o caso do Brasil(¹⁵,²⁴,²⁵). Entretanto, essa relação não foi observada neste estudo, que constatou conglomerados formados por municípios com altas taxas de HIV em gestantes localizados em regiões geográficas próximas às áreas com melhores índices de escolaridade.

Uma possível explicação para a disparidade entre a literatura científica e os resultados encontrados neste estudo foi a utilização de municípios como unidade de análise, uma vez que podem apresentar, internamente, áreas bastante heterogêneas(⁶,²³).

A limitação deste estudo decorre da utilização de dados secundários, os quais podem ser influenciados por fatores como subnotificações e incompletudes nas informações das fichas de notificação do SINAN, podendo produzir vieses nos resultados. Não obstante, os achados exibem robustez, oferecendo contribuições importantes, sobretudo aos gestores para a implantação de estratégias programáticas direcionadas, tendo em vista as áreas de maior risco para a transmissão vertical. Oportuniza, ainda, reflexão sobre a prática dos profissionais de saúde a respeito da qualificação da assistência pré-natal para a minimização dos danos à saúde materno infantil.

CONCLUSÃO

Os resultados permitiram identificar que o padrão da infecção pelo HIV em gestante não apresenta distribuição aleatória no estado do Pará e que os coeficientes de detecção do HIV nesse público feminino específico apresentam correlação espacial positiva com os determinantes socioeconômicos IDH, renda média e taxa de analfabetismo. Esses achados apontam para necessidade de reestruturação de políticas públicas para a prevenção da transmissão vertical do vírus, valorizando as condições socioeconômicas e as disparidades locorregionais no Pará.

Espera-se que esses resultados possam subsidiar os gestores na adoção de ações políticas intersetoriais fundamentadas em evidências científicas, bem como para identificação das iniquidades existentes nos territórios, favorecendo avaliação dos programas de vigilância local e otimização dos processos de trabalhos dos profissionais de saúde, a fim de obter maiores impactos sobre os indicadores de morbimortalidade do HIV/AIDS.

Os resultados contribuem, ainda, para a reflexão dos profissionais de saúde sobre a importância da qualidade da assistência pré-natal que possibilite o diagnóstico precoce do HIV e tratamento da gestante em tempo oportuno para controle da epidemia e redução das taxas de transmissão materno-infantil. Faz-se necessário, ainda, que os profissionais que prestam assistência às gestantes com HIV estejam atentos à influência do território e do contexto social sobre o processo saúde-doença dessas mulheres.

Por fim, tendo em vista a presença de possíveis desigualdades sociais dentro de um mesmo município, recomenda-se a realização de novas pesquisas que considerem a análise de unidades territoriais menores, como bairros e setores censitários, a fim de compreender melhor a dinâmica do HIV em gestantes.

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Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Elizabeth Fujimori

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  20 Nov 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  16 Ago 2022
• Aceito
  28 Set 2023