Comparação entre sistemas de classificação de pacientes para o dimensionamento do pessoal de enfermagem

RESUMO

Objetivo:

Comparar a carga de trabalho e o dimensionamento do pessoal de enfermagem mensurados por dois sistemas de classificação de pacientes.

Método:

Estudo transversal, desenvolvido em uma unidade de internação clínica de um hospital de grande porte do sul do Brasil, entre junho e agosto de 2022. Os pacientes incluídos (n = 260) foram avaliados por dois diferentes sistemas de classificação de pacientes. Aplicou-se o cálculo de dimensionamento previsto pela norma e estatística descritiva.

Resultados:

Sobre o total de pacientes, foram realizadas 1.248 classificações com cada um dos sistemas de classificação. Um dos instrumentos demonstrou concentração de demanda de cuidados mínimos (54,5%) e outro de cuidados intermediários (63,4%). A previsão de horas de enfermagem requeridas foi discrepante (235,58 e 298,16 horas), bem como a projeção do pessoal de enfermagem dimensionado, que foi de 53 e 67 trabalhadores, respectivamente.

Conclusão:

A mensuração da carga de trabalho e o dimensionamento foram distintos ao se utilizar dois sistemas de classificação de pacientes numa mesma amostra. Sugere-se que sejam realizados estudos adicionais de acurácia.

DESCRITORES
Redução de Pessoal; Carga de trabalho; Recursos Humanos de Enfermagem no Hospital; Avaliação em Enfermagem; Gestão de Recursos Humanos

ABSTRACT

Objective:

To compare nursing staff workload and dimensioning measured by two patient classification systems.

Method:

Cross-sectional study, developed in a clinical inpatient unit of a large hospital in southern Brazil, between June and August 2022. Included patients (n = 260) were assessed through two different patient classification systems. The dimensioning calculation provided by the standard and descriptive statistics were applied.

Results:

Of the total number of patients, 1,248 classifications were performed with each of the classification systems. One of the instruments showed a concentration of demand for minimal care (54.5%) and the other for intermediate care (63.4%). The anticipation of required nursing hours was discrepant (235.58 and 298.16 hours), as well as the projected nursing staff, which was of 53 and 67 workers, respectively.

Conclusion:

Measurement of workload and dimensioning were different when using two patient classification systems in the same sample. Additional accuracy studies shall be carried out.

DESCRIPTORS
Personnel Downsizing; Workload; Nursing Staff, Hospital; Nursing Assessment; Personnel Management

RESUMEN

Objetivo:

Comparar la carga de trabajo y el dimensionamiento del personal de enfermería medidod por dos sistemas de clasificación de pacientes.

Método:

Estudio transversal, desarrollado en una unidad clínica de hospitalización de un gran hospital en el sur de Brasil, entre junio y agosto de 2022. Los pacientes incluidos (n = 260) fueron evaluados utilizando dos sistemas de clasificación de pacientes diferentes. Se aplicó el cálculo de dimensionamiento proporcionado por la norma y estadística descriptiva.

Resultados:

Del total de pacientes se realizaron 1.248 clasificaciones con cada uno de los sistemas de clasificación. Uno de los instrumentos mostró una concentración de la demanda de cuidados mínimos (54,5%) y otro de cuidados intermedios (63,4%). La previsión de horas de enfermería requeridas fue discrepante (235,58 y 298,16 horas), así como la proyección de enfermería dimensionada, que fue de 53 y 67 trabajadores, respectivamente.

Conclusión:

La medición y el dimensionamiento de la carga de trabajo fueron diferentes al utilizar dos sistemas de clasificación de pacientes en la misma muestra. Se sugiere que se lleven a cabo estudios de precisión adicionales.

DESCRIPTORES
Reducción de Personal; Carga de Trabajo; Personal de Enfermería en Hospital; Evaluación en Enfermería; Administración de Personal

INTRODUÇÃO

A gestão de recursos humanos é considerada um fator de impacto direto na qualidade dos serviços de saúde oferecidos à população(¹). Na enfermagem, essa dinâmica é complexa, ininterrupta e demanda elevado tempo dos líderes e gerentes da área. Precisamente, na gestão dos recursos humanos de enfermagem constam os processos de dimensionamento de pessoal, recrutamento, seleção, avaliação de desempenho, desenvolvimento e também alocação de pessoal(²).

O dimensionamento de pessoal de enfermagem (DPE) tem por finalidade a previsão da quantidade de trabalhadores ajustada por categoria para suprir as necessidades de assistência direta ou indiretamente prestada aos pacientes(³). O enfermeiro torna-se protagonista do processo de dimensionar, pois é o responsável pela escolha do método de dimensionamento, execução e, ainda, por analisar os resultados dele decorrentes, instrumentalizando o processo decisório na gestão de pessoas(⁴).

Pesquisas acerca da associação do DPE e da carga de trabalho com diversas variáveis de interesse ao serviço de enfermagem demonstram que o dimensionamento inadequado, além dos conhecidos riscos à segurança do paciente, está relacionado com consequências negativas para a experiência do paciente e a qualidade do atendimento, aumento dos eventos adversos e desgastes à saúde dos trabalhadores(⁵–⁸).

Estudo observacional realizado em 300 hospitais de nove países europeus identificou que o aumento na carga de trabalho dos enfermeiros elevou em 7% a probabilidade de um paciente internado morrer dentro de 30 dias após a admissão(⁹). No Brasil, estudo transversal realizado em um hospital universitário verificou associação significativa entre a carga de trabalho e a função exercida, demonstrando que trabalhadores da enfermagem obtiveram maior carga, assim como relação significativa entre carga de trabalho e desgastes à saúde dos trabalhadores em geral(⁸).

Os parâmetros do dimensionamento qualiquantitativo de profissionais de enfermagem brasileiros são normatizados pelo Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) por meio da Resolução nº 543/2017, vigente na atualidade(³). Para o dimensionamento na área hospitalar, em especial nas Unidades de Internação (UI), recomenda-se a utilização de um Sistema de Classificação de Pacientes (SCP) validado(³).

O SCP corresponde a um meio sistemático de avaliar o paciente sob alguns aspectos/áreas de interesse ao cuidado e ao trabalho de enfermagem, atribuindo um julgamento do enfermeiro sobre cada um deles e, consequentemente, enquadrando o paciente em determinada gradação/nível de complexidade(¹⁰–¹²). Por meio do SCP é possível mensurar a carga de trabalho, uma vez que este instrumento evidencia a variação do tempo médio de trabalho. Desse modo, o SCP fornece subsídios para o gerente realizar a realocação de recursos humanos, auxiliando nas justificativas para os processos de tomada de decisão referentes ao ajuste de pessoal(¹¹,¹³).

Considera-se que, ao comparar diferentes SCP, seja possível encontrar dissonâncias e consonâncias que influenciem na precisão do DPE. É provável que essa diferença de resultados entre distintos SCP impacte diretamente na previsão dos recursos humanos. Essas considerações ancoram-se sobre o fato já conhecido de que os SCP não são exatamente iguais, inclusive os recomendados pela normatização vigente(³), apesar de terem a seguinte lógica em comum: classificar o paciente num determinado estrato de complexidade assistencial. Portanto, a lacuna no conhecimento a respeito das possíveis diferenças visualizadas por avaliações com SCP diferentes é um potencial norte para o (re)planejamento científico, institucional e até mesmo político sobre os procedimentos que regem o DPE na área hospitalar.

Tendo em vista os fatores citados, por meio deste estudo espera-se auxiliar na consolidação de melhores conhecimentos gerenciais e busca-se responder a seguinte questão de pesquisa: “Existe diferença na carga de trabalho e consequente dimensionamento de pessoal de enfermagem mensurados por dois diferentes sistemas de classificação de pacientes?” Para tanto, o objetivo consistiu em comparar a carga de trabalho e o dimensionamento do pessoal de enfermagem mensurados por dois sistemas de classificação de pacientes.

MÉTODO

Desenho do Estudo

Pesquisa de delineamento transversal, descritiva, de abordagem quantitativa.

Contexto

O estudo foi desenvolvido em uma unidade de internação clínica de um hospital universitário público, de grande porte, da região Sul do Brasil. A unidade possui 45 leitos e realiza atendimento em várias especialidades clínicas, sendo referência institucional na oncologia. A totalidade dos leitos é credenciada ao Sistema Único de Saúde.

Participantes

A população do estudo foi composta por todos os pacientes internados na unidade no período de coleta de dados. A composição da amostra não probabilística, consecutiva e por conveniência, baseou-se na inclusão de pacientes com tempo mínimo de 24 horas de internação. Foram excluídos pacientes menores de 18 anos que se encontravam desacompanhados por familiar e/ou responsável, assim como pacientes adultos que não estavam em condições de responder ao consentimento (por questões clínicas e/ou psicológicas) e não possuíam acompanhante. Tais condições foram averiguadas por pesquisadora habilitada para tal.

Variáveis

As variáveis do estudo foram classificadas em: 1) variáveis demográficas: idade e sexo; 2) variáveis relacionadas à internação: dias de internação e especialidade médica responsável pela internação; e, 3) variáveis gerenciais: nível de complexidade assistencial mensurado por dois SCP diferentes e número de leitos ocupados na unidade.

Variáveis Quantitativas

Os dados coletados foram armazenados em planilhas do programa Microsoft Office Excel ^® onde foi realizada análise estatística descritiva. As variáveis categóricas foram expressas em medidas de proporção percentual e frequência absoluta, e as variáveis quantitativas foram descritas por média, desvio padrão, mediana e intervalo interquartílico.

Viés

A coleta de dados foi realizada por uma equipe de pesquisa formada por duas enfermeiras da unidade, uma delas doutoranda em enfermagem, e uma acadêmica bolsista de iniciação científica, todas sob a supervisão direta de um pesquisador na área de DPE. A qualificação distinta entre as coletadoras foi considerado um viés de coleta, o qual foi minimizado por meio de um treinamento em um estudo piloto prévio à coleta de dados de duas etapas, a saber: antes do consenso sobre os itens dos dois SCP e após consenso entre as avaliadoras. Durante cada uma das etapas foram avaliados 15 pacientes de forma independente por cada avaliadora. Ao todo, foram realizadas 180 classificações piloto, sendo 90 de cada um dos SCP. No período anterior ao consenso, a concordância geral entre as avaliações no SCP Fugulin et al.(¹¹) foi de 67% e no SCP Perroca(¹²) foi de 60%. Após consenso, a concordância geral entre as avaliações foi de 93,3% em ambos os SCP. As poucas divergências residuais foram tratadas em reunião de equipe e consideradas devidamente sanadas.

Fonte de Dados

Foram utilizados os SCP de Fugulin et al.(¹¹) e Perroca(¹²). Optou-se por essa escolha de instrumentos pois o SCP de Perroca é atualmente utilizado pelo hospital do estudo e o de Fugulin é um dos mais utilizados para avaliar pacientes adultos internados em unidades clínicas, de acordo com a literatura(²,¹⁴). Além disso, ambos os instrumentos são recomendados pela Resolução n°543/2017 do COFEN(³). A classificação de pacientes com os dois instrumentos foi realizada durante um total de 30 dias no recorte temporal citado, conforme recomendações de estudiosos da área(²,¹³). A cada dia de coleta de dados, os pacientes internados foram avaliados de acordo com os dois sistemas de classificação escolhidos.

O SCP Perroca(¹²) compreende nove áreas de cuidados de enfermagem requeridos por pacientes internados: 1. Planejamento e coordenação do processo de cuidar; 2. Investigação e monitoramento; 3. Cuidado corporal e eliminações; 4. Cuidado pele e mucosas; 5. Nutrição e hidratação; 6. Locomoção e atividade; 7. Terapêutica; 8. Suporte emocional; 9. Educação em saúde. Cada uma das áreas pode ser pontuada de 1 a 4, com os maiores escores indicando o aumento dos níveis de complexidade. O grau de complexidade do cuidado do paciente é definido pela somatória dos pontos de todos os indicadores. A somatória é ilustrada por quatro categorias: cuidados mínimos de 9 a 12 pontos; cuidados intermediários de 13 a 18 pontos; cuidados semi-intensivos de 19 a 24 pontos; e cuidados intensivos de 25 a 36 pontos. A versão do instrumento utilizada neste estudo foi uma versão adaptada pelos enfermeiros da instituição do local da pesquisa, devidamente validada e autorizada pela autora(¹⁵).

O SCP Fugulin também compreende nove áreas de cuidados de enfermagem, a saber: 1. Estado mental; 2. Oxigenação; 3. Sinais vitais; 4. Motilidade; 5. Deambulação; 6. Alimentação; 7. Cuidado corporal; 8. Eliminação; 9. Terapêutica. Cada uma das áreas possui uma gradação de 4 a 1 e a definição de cada categoria de cuidados determina a complexidade assistencial do paciente. A soma dos escores varia de 9 a 36 pontos, sendo os intervalos de pontuação definidos por cinco categorias: cuidados mínimos de 9 a 14 pontos; cuidados intermediários de 15 a 20 pontos; cuidados de alta dependência de 21 a 26 pontos; cuidados semi-intensivos de 27 a 31 pontos; e cuidados intensivos acima de 31 pontos(¹¹).

Para as variáveis sociodemográficas, gerenciais e clínicas, aplicou-se questionário semiestruturado, que continha as seguintes variáveis: número de leitos ocupados, idade, sexo, especialidade médica responsável pela internação e dias de internação hospitalar. Esses dados foram coletados in loco na visita aos pacientes e consulta em prontuário.

Coleta de Dados

A coleta de dados foi realizada no período de junho a agosto de 2022, durante um total de 30 dias – considerado mínimo suficiente para efetuar o DPE(²) – não ininterruptos e aleatórios neste recorte temporal. A interrupção no período de coleta foi eleita para agregar viabilidade de estudo e aumentar a variabilidade da clientela avaliada pelos SCP.

Métodos Estatísticos

O método e os parâmetros de dimensionamento empregados sobre os resultados de ambos os SCP foi o recomendado pela Resolução nº 543/2017 do COFEN. Sendo assim, de acordo com os resultados de cada um dos SCP, foram realizados os cálculos dos quadros de pessoal (QP) dimensionados da unidade por meio da equação: QP = THE X KM. Foram considerados como parâmetros as horas diárias de cada categoria/nível de dependência de cuidados de cada SCP para o cálculo do Total de Horas de Enfermagem (THE), com base na média de pacientes de cada estrato/nível de cada SCP do período de 30 dias de avaliação da clientela.

Neste estudo, foi considerado o Índice de Segurança Técnica (IST) mínimo de 15% e a Constante de Marinho (KM) de 0,2236, que se refere à jornada de trabalho semanal de 36h, 7 dias de trabalho na semana (trabalho hospitalar ininterrupto)(³). O IST é o percentual a ser acrescentado ao quantitativo de profissionais para assegurar a cobertura de férias e ausências não previstas. Ao quantitativo de profissionais estabelecido deverá ser acrescido o IST de no mínimo 15% do total, dos quais 8,3% são referentes a férias e 6,7% a ausências não previstas(³).

Os quadros de pessoal de enfermagem dimensionados pelos resultados dos SCP Perroca e Fugulin foram ajustados proporcionalmente entre enfermeiros e técnicos/auxiliares de enfermagem, utilizando os parâmetros normativos vigentes e considerando a categoria/nível de complexidade assistencial com maior demanda de horas de enfermagem(³). Por fim, para comparar os quadros dimensionados com o disponível/real da unidade de internação, foram utilizados os dados fornecidos pela Coordenadoria de Gestão de Pessoas do hospital.

Aspectos Éticos

O projeto que fomentou este estudo foi submetido e aprovado por comitê de ética em pesquisa, sob parecer 4.932.314 de 2021, em conformidade com a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde(¹⁶), sendo utilizado instrumento de consentimento.

RESULTADOS

Foram incluídos 260 pacientes. Sobre estes, foram realizadas 1.248 classificações com cada um dos SCP entre os pacientes. Logo, a soma entre os dois instrumentos totalizou 2.496 avaliações.

Entre os pacientes, observou-se discreto predomínio do sexo feminino (52,3%), com idade média de 56,1 ± 17,1 anos, internados majoritariamente pela especialidade de Oncologia (23,5%). Outras informações sobre o perfil clínico e demográfico da amostra de pacientes seguem apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1
Perfil clínico e demográfico da amostra de pacientes hospitalizados – Porto Alegre, RS, Brasil, 2022.

Variáveis	(n = 260)
Sexo (feminino)*	136 (52,3)
Idade (anos)π	56,1 ± 17,1
Especialidade Médica*
Oncologia	61 (23,5)
Gastroenterologia	34 (13,1)
Cardiologia	33 (12,7)
Medicina Interna	30 (11,5)
Hematologia	25 (9,6)
Nefrologia	19 (7,3)
Pneumologia	12 (4,6)
Neurologia	11 (4,2)
Infectologia e Reumatologia	8 (3,1)
Endocrinologia e Tratamento da Dor	7 (2,7)
Cirurgia Vascular	2 (0,8)
Coloproctologia, Dermatologia e Geriatria	1 (0,4)
Dias de Internação π	8,7 ± 10,8
Ocupação da Unidade (Leitos) π	43,6 ± 1,8

• Fonte: dados da pesquisa.
• *Varáveis expressas em número absoluto e (%);
• ^πmédia ± desvio padrão.

A Tabela 2 apresenta a distribuição do nível de dependência de cuidados de enfermagem, por SCP. Em relação ao escore de classificação do instrumento de Fugulin, destacou-se o nível de cuidados mínimos (54,5%), e o SCP de Perroca apresentou predominância de cuidados intermediários (63,4%).

Tabela 2
Distribuição do nível de dependência de cuidados de enfermagem, por Sistema de Classificação de Pacientes (SCP) entre as avaliações. Porto Alegre, RS, Brasil, 2022 (n = 1.248).

Nível de dependência de cuidados de enfermagem*	SCP fugulin (n = 1.248)	SCP perroca (n = 1.248)	Amostra geral (n = 2.496)
Cuidados Mínimos	680 (54,5)	82 (6,6)	762 (30,5)
Cuidados Intermediários	333 (26,7)	792 (63,4)	1.125 (45,1)
Cuidados de Alta Dependência	217 (17,4)	–	217 (8,7)
Cuidados Semi -Intensivos	18 (1,4)	358 (28,7)	376 (15,1)
Cuidados Intensivos	–	16 (1,3)	16 (0,6)

• Fonte: dados da pesquisa.
• *Varáveis expressas em número absoluto e (%).

A Tabela 3 demonstra os achados quanto às horas de enfermagem diárias requeridas, por nível de dependência de cuidados, entre os dois SCP.

Tabela 3
Horas de enfermagem requeridas por nível de dependência de cuidados e Sistema de Classificação de Pacientes (SCP). Porto Alegre, RS, Brasil, 2022.

	SCP Fugulin		SCP Perroca
	Média de pacientes	Horas requeridas	Média de pacientes	Horas requeridas
Nível de Dependência de Cuidados de Enfermagem
Cuidados Mínimos	22,67	90,68	2,73	10,92
Cuidados Intermediários	11,1	66,6	26,4	158,4
Cuidados de Alta Dependência	7,23	72,3	–	–
Cuidados Semi-Intensivos	0,6	6	11,93	119,3
Cuidados Intensivos	0	0	0,53	9,54
Total de Horas de Enfermagem	–	235,58	–	298,16

• Fonte: dados da pesquisa.

Em posse das horas de enfermagem requeridas, os quadros de pessoal de enfermagem foram devidamente dimensionados de acordo com os dois SCP. Acerca disso, a Figura 1 demonstra que o quadro de pessoal projetado pelo SCP Perroca demonstrou maior discrepância em comparação ao quadro real/disponível.

Figura 1
Comparativo do dimensionamento de pessoal projetado pelos SCP Perroca e Fugulin com o quadro de pessoal real/disponível na unidade de internação. Porto Alegre, RS, Brasil, 2022.

DISCUSSÃO

O comparativo entre o dimensionamento do pessoal de enfermagem, de acordo com cada um dos SCP, demonstrou uma diferença expressiva entre os resultados fornecidos pelos instrumentos. Estudo realizado em um hospital filantrópico referência em trauma no Rio Grande do Sul utilizou os instrumentos de Perroca e Fugulin para classificação dos pacientes internados. O escore médio dos 157 pacientes avaliados foi de 18,74 no de Fugulin, cuja complexidade assistencial foi classificada como cuidados intermediários, e no de Perroca os pacientes avaliados apresentaram escore médio de 27,04, classificados como cuidados intermediários(¹⁷). No presente estudo, escores semelhantes foram encontrados no SCP de Perroca, sendo o escore médio de 26,4 classificados como cuidados intermediários; entretanto, no SCP de Fugulin, o escore médio encontrado foi de 22,67 com a classificação de cuidados mínimos.

Em relação ao sistema de classificação de Perroca, 30% dos pacientes foram classificados como cuidados semi-intensivos ou intensivos. Cuidados intensivos não são esperados em uma unidade de internação não crítica. No entanto, o perfil clínico da unidade de maior predomínio são pacientes oncológicos (23,5%), os quais exigem cuidados mais complexos. Estudo composto por pacientes com câncer de mama em uma unidade de oncologia clínica no Rio de Janeiro encontrou predominância de cuidados semi-intensivos (36,1%) e cuidados intensivos (36,1%) ao utilizar o SCP Perroca(¹⁸).

Nas classificações com o SCP Fugulin, evidenciou-se que mais da metade dos pacientes foi classificada como de cuidados mínimos, bem como nenhum paciente foi classificado como cuidados intensivos. Pesquisa realizada em uma unidade de clínica médica de um hospital universitário também encontrou predominância de pacientes classificados como cuidados mínimos (35,8%) ao utilizar o mesmo SCP referido(¹⁹). Este é um achado, atrelado ao resultado discutido anteriormente, que merece ser analisado de forma crítica por gestores e tomares de decisão, pois atesta que a previsão de pessoal de enfermagem claramente é influenciada pela escolha do instrumento de mensuração da carga de trabalho, que no caso da hospitalização, é centrada na classificação dos pacientes(¹⁰). Isso não quer dizer que este estudo sinaliza que um SCP é melhor ou mais acurado do que o outro, até mesmo porque os resultados empíricos da pesquisa não dão conta de afirmações como essas, mas sim, que há diferença na avaliação dos pacientes e consequente projeção do quadro de pessoal por meio da aplicação de SCP diferentes, mesmo que ambos sejam validados e recomendados.

A Resolução nº 543/2017 do COFEN normatiza os parâmetros de dimensionamento do quantitativo de profissionais. Para o dimensionamento em unidades de internação, o referido documento sugere cinco SCP como instrumentos metodológicos para subsidiar o cálculo do dimensionamento, entre eles, três vinculados a pacientes médico-cirúrgicos, um voltado à clientela pediátrica e outro destinado à psiquiatria(³). Apesar da resolução não distinguir os instrumentos, neste estudo foi claramente possível observar diferenças de resultados entre um e outro.

O SCP Fugulin é um instrumento mais objetivo na descrição de seus indicadores dentro de cada área. Além disso, não considera a demanda de tempo e impacto na carga de trabalho da sistematização da assistência de enfermagem (SAE), do suporte emocional e da educação em saúde. Todas essas atividades demandam tempo da equipe de enfermagem. O Processo de Enfermagem, por exemplo, é uma atividade essencial realizada pelo enfermeiro para organização do cuidado. Considerando que o SCP Perroca abrange essas três áreas, é possível que isso esteja relacionado com o maior número de pacientes classificados como cuidados intermediários comparados com os cuidados mínimos predominantes identificados pelo SCP de Fugulin.

Ademais, o SCP Fugulin utiliza a categoria de pacientes de cuidados de alta dependência, a qual não é utilizada pelo SCP Perroca. São considerados de alta dependência os pacientes crônicos, incluindo os de cuidados paliativos, estáveis sob o ponto de vista clínico, porém com total dependência das ações de enfermagem para o atendimento das necessidades humanas básicas(³). Neste estudo, 17,4% da amostra foi classificada como alta dependência.

Em vista da não existência do nível de cuidados de alta dependência, é possível que no SCP Perroca pacientes que se enquadram como cuidados de alta dependência sejam classificados diretamente como semi-intensivos. Sendo assim, presume-se que o SCP de Perroca tende a avaliar alguns itens de forma mais rigorosa em comparação ao SCP Fugulin, refletindo em níveis de dependência mais elevados. O COFEN considera que os níveis de cuidados de “alta dependência” e “semi-intensivos” demandam igualmente 10 horas de enfermagem diárias por paciente. No entanto, para a distribuição percentual do total de profissionais de enfermagem é indicada a proporção mínima de 36% de enfermeiros e os demais técnicos e/ou auxiliares para cuidados de alta dependência e 42% de enfermeiros e os demais técnicos para cuidados semi-intensivos(³). Logo, a resolução deixa implícito que a existência de níveis de dependência distintos entre os SCP pode ocasionar diferenças durante o processo de dimensionar, principalmente na distribuição entre as categorias profissionais.

Neste estudo, o quadro de profissionais dimensionado de acordo com o preconizado pela normatização específica vigente foi de 17 enfermeiros e 36 técnicos/auxiliares de enfermagem, conforme a classificação de Fugulin. O quadro de pessoal dimensionado pelo SCP Perroca foi de 22 enfermeiros e 45 técnicos/auxiliares de enfermagem. Já o quadro real da unidade contava com 16 enfermeiros e 44 técnicos/auxiliares de enfermagem. Percebe-se que foi previsto um superávit do quadro real em relação ao quadro dimensionado pelo SCP Fugulin, sendo de 8 técnicos de enfermagem “excedentes” e um déficit de 1 enfermeiro, o que resultou em 7 profissionais a mais de enfermagem. Já em relação ao quadro dimensionado pelo SCP Perroca, foi encontrado um déficit de profissionais quando comparado ao quadro real, sendo de menos 6 enfermeiros e menos 1 técnico/auxiliar de enfermagem, no total um déficit de 7 trabalhadores. Essa constatação é, talvez, a maior implicação com potencial de translação do conhecimento advinda deste estudo, porque pode balizar de forma mais racional ou consciente a escolha de um SCP por gestores de enfermagem.

Uma equipe superdimensionada está diretamente relacionada com altos custos institucionais. No entanto, um déficit no dimensionamento de pessoal expõe os trabalhadores a sobrecargas de trabalho. A escassez de pessoal de enfermagem está relacionada com o comprometimento da qualidade e da quantidade de cuidados prestados, além de aumentar o estresse, exaustão e conflito entre os profissionais(²⁰).

Estudo realizado em quatro hospitais públicos no Irã com a participação de 616 enfermeiros verificou associação significativa entre sobrecarga de trabalho e todos os tipos de acidentes ocupacionais avaliados(²¹). Outra problemática é que a falta de enfermeiros faz com que os técnicos e auxiliares de enfermagem auxiliem, ou até mesmo se tornem responsáveis, por atividades que não são de sua competência profissional(²⁰).

Discussões acerca da aplicabilidade dos SCP vêm aumentando. Existem diversas atividades de enfermagem que não são sensíveis à aplicação desses instrumentos, o que pode resultar em uma carga de trabalho subestimada(¹⁰). Entretanto, o objetivo destes instrumentos é conter as dimensões do cuidado que mais impactam na carga de trabalho da equipe de enfermagem, pois torna-se inviável uma listagem que contemple todas as atividades realizadas pela enfermagem(¹²).

Estudo multicêntrico realizado na Holanda identificou que seis itens determinam a adequação do quadro de pessoal, sendo o enfermeiro capaz de: completar as atividades de cuidado, prestar cuidados de acordo com protocolo ou diretriz, preparar a alta com o paciente e familiares, educar o paciente, poder fazer pausas e orientar estudantes de enfermagem(²²). Sendo assim, torna-se necessário refletir que o estudo ora descrito foi realizado em um hospital universitário que conta com diversos estudantes, de graduação e pós-graduação, supervisionados pelos enfermeiros, uma atividade não contemplada em nenhum dos SCP utilizados.

Por fim, a caracterização dos dados demográficos dos pacientes internados apresentou predomínio de pacientes do sexo feminino e idade média de 56 ± 17,1 anos, dados correlatos a estudo recente realizado no Ceará que investigou clientela oncológica em regime de internação(²³). A média de dias internação pode ser considerada elevada de acordo com a recomendação de média de permanência geral para hospitais de grande porte entre 4-5 dias(²⁴); no entanto, outras pesquisas apontam resultados semelhantes(²⁵). Este ponto pode ser explicado devido ao fato de que pacientes clínicos possuem um perfil epidemiológico de doenças crônicas com recorrentes agudizações, resultando na necessidade de procura de atendimento em maiores níveis de complexidade e consequente tempo de internação prolongado(¹⁴).

Este estudo teve como principal limitação a falta de dados sobre as ausências e presenças dos trabalhadores da unidade de internação em questão, o que poderia resultar na redefinição do IST utilizado. Apesar de não ter sido escopo do estudo, podem ser consideradas como outras limitações a não verificação da preferência sobre qual SCP utilizar e sobre o tempo dispendido para a avaliação com cada um dos instrumentos, o que, somado à análise de acurácia destes e de eventuais outros SCP, merecem ser pontos considerados por estudos futuros a fim de que decisões mais assertivas sobre o planejamento de pessoal de enfermagem possam ser vislumbradas.

Esse é um dos poucos estudos no Brasil comparando sistemas de classificação de pacientes e possivelmente o primeiro a relacionar tal comparação ao dimensionamento de pessoal de enfermagem. Além disso, o estudo tem como uma de suas principais contribuições evidências de que avaliações realizadas por SCP distintos divergem em diversos aspectos, o que pode causar impacto direto no quadro de pessoal de enfermagem dimensionado. Ou seja, a escolha do SCP é uma decisão crucial durante o processo de dimensionar. Espera-se que os resultados do estudo sirvam de incentivo para que enfermeiros, pesquisadores e gestores realizem novos estudos sobre a temática e também sejam precursores para a revisão dos procedimentos relacionados ao DPE no Brasil.

CONCLUSÃO

A mensuração da carga de trabalho e o dimensionamento do pessoal de enfermagem foram claramente distintos ao se utilizar dois SCP diferentes numa mesma amostra de pacientes, o que evidencia a importância de reflexões mais avançadas sobre a aplicabilidade dos SCP e suas limitações. As atividades de enfermagem avaliadas em cada um dos instrumentos diferem entre si, assim como as categorias de classificação final dos pacientes; contudo, mais do que isso, as projeções de pessoal de enfermagem para uma mesma unidade (em tese, uma mesma demanda de carga de trabalho) são muito diferentes. Isso implica diretamente na distribuição orçamentária do serviço de enfermagem, além de uma possibilidade de incorrer em sub ou superestimação de pessoal, o que é muito relevante.

Observou-se que um dos SCP não considera a demanda de tempo e impacto na carga de trabalho proveniente do processo de enfermagem, do suporte emocional prestado ao paciente/família e da educação em saúde. O SCP Perroca tendeu a uma determinação mais rigorosa da carga de trabalho de enfermagem e, consequentemente, projetou maior volume de horas de trabalho requeridas e profissionais dimensionados.

As constatações verificadas não significam que um SCP é melhor do que o outro. Portanto, sugere-se que sejam realizados estudos adicionais de acurácia e espera-se que esses dados sejam considerados nas decisões institucionais e político-profissionais sobre planejamento de pessoal de enfermagem hospitalar.

• Apoio financeiro O presente trabalho foi realizado com apoio do Programa de Apoio à Pós-Graduação (PROAP) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) – Código de Financiamento 001.

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Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Marcia Cubas

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  28 Ago 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  24 Fev 2023
• Aceito
  29 Jun 2023