Problemas éticos vivenciados por enfermeiros durante a COVID-19 em hospitais universitários^*

RESUMO

Objetivo:

Identificar os problemas éticos vivenciados por enfermeiros no atendimento ao paciente com COVID-19 e os fatores que influenciam a sua ocorrência.

Método:

Estudo transversal, quantitativo, realizado entre fevereiro e maio de 2022 com 101 enfermeiros de dois hospitais universitários, através do questionário semiestruturado sociolaboral Ethical Problems Experienced by Nurses in Emergency Questionnaire, adaptado e validado para brasileiros. Realizaram-se análise estatística descritiva, teste de correlação de Pearson e regressão linear, adotando-se p-valor.

Resultados:

Evidenciaram-se problemas éticos referente à preocupação e ao estresse no cuidado a pacientes infectados, sendo influenciados pela percepção da estigmatização social (p = ,003) e percepção de medidas hospitalares (p = ,000). Concordância com as medidas de controle de infecção (4,46) e percepção das medidas hospitalares contra a COVID-19 (3,26) foram fatores com maior média entre os construtos.

Conclusão:

Os enfermeiros deparam-se com problemas éticos diante da preocupação e do estresse no atendimento aos pacientes com COVID-19, que são afetados por questões sociais e assistências. É essencial apoiá-los, promovendo o seu bem-estar mental e social para lidar com novas situações emergenciais.

DESCRITORES
Enfermagem; Coronavírus; Ética em Enfermagem; Saúde do Adulto; Equipe de Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

To identify the ethical issues experienced by nurses in the care for patients with COVID-19 and the factors that influence their occurrence.

Method:

This is a cross-sectional, quantitative study, carried out between February and May 2022 with 101 nurses from two university hospitals, through the socio-occupational Ethical issues Experienced by Nurses in Emergency Questionnaire, adapted and validated for Brazilians. Descriptive statistical analysis, Pearson’s correlation test and linear regression were performed, adopting p-value.

Results:

Ethical issues related to concern and stress in caring for infected patients were evidenced, being influenced by perception of social stigmatization (p = .003) and perception of hospital measures (p = .000). Agreement with infection control measures (4.46) and perception of hospital measures against COVID-19 (3.26) were factors with the highest mean between the constructs.

Conclusion:

Nurses are faced with ethical issues in the face of concern and stress in caring for patients with COVID-19, who are affected by social issues and assistance. It is essential to support them, promoting their mental and social well-being to deal with new emergency situations.

DESCRIPTORS
Nursing; Coronavirus; Ethics, Nursing; Adult Health; Nursing, Team

RESUMEN

Objetivo:

Identificar los problemas éticos vividos por los enfermeros en el cuidado de pacientes con COVID-19 y los factores que influyen en su ocurrencia.

Método:

Estudio transversal, cuantitativo, realizado entre febrero y mayo de 2022 con 101 enfermeros de dos hospitales universitarios, utilizando el cuestionario sociolaboral semiestructurado Ethical Problems Experienced by Nurses in Emergency Questionnaire, adaptado y validado para brasileños. Se realizó análisis estadístico descriptivo, prueba de correlación de Pearson y regresión lineal, adoptando p-valor.

Resultados:

Se evidenciaron problemas éticos relacionados con la preocupación y el estrés en el cuidado de pacientes infectados, siendo influenciados por la percepción de estigmatización social (p = .003) y percepción de medidas hospitalarias (p = .000). La concordancia con las medidas de control de infecciones (4,46) y la percepción de las medidas hospitalarias frente a la COVID-19 (3,26) fueron los factores con mayor promedio entre los constructos.

Conclusión:

Los enfermeros se enfrentan a problemas éticos ante la preocupación y el estrés en el cuidado de los pacientes con COVID-19, que se ven afectados por cuestiones sociales y asistenciales. Es fundamental apoyarles, promoviendo su bienestar mental y social para afrontar nuevas situaciones de emergencia.

DESCRIPTORES
Enfermería; Coronavirus; Ética en Enfermería; Salud del Adulto; Grupo de Enfermería

INTRODUÇÃO

A COVID-19, ocasionada pelo coronavírus 2019 (SARS-CoV-2), foi declarada como uma pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 11 de março de 2020, devido à sua rápida disseminação mundial de crescimento exponencial, e, desde então, vem acometendo mais de 762 milhões de pessoas, causando mais de 6 milhões de mortes em todo o mundo. Até 04 de abril de 2023, o Brasil relatou mais de 37 milhões de casos confirmados de COVID-19 e mais 700 mil mortes(¹).

A disseminação da COVID-19 tornou-se um evento desafiador para todas as pessoas, especialmente para os profissionais de saúde, que desenvolveram suas atividades na linha de frente de combate ao vírus, mantendo contato direto com pacientes infectados pelo vírus e expostos a uma alta carga viral, sendo mais vulneráveis ao risco de infecção(²).

Nesse contexto, foi identificado durante o estágio inicial da COVID-19 nos Estados Unidos, em que a prevalência da infecção por SARS-CoV-2 entre os profissionais de saúde foi de 7,3% e, particularmente, as infecções foram mais comuns entre os enfermeiros(³). Na Holanda, em apenas 10 dias após o primeiro caso relatado de COVID-19 no país, 96 (5%) dos 1.796 profissionais de saúde rastreados em três hospitais testaram positivo para SARS-CoV-2(⁴).

Dessa forma, o cenário da COVID-19 gerou uma série de problemas éticos no cotidiano dos profissionais da saúde, em especial com os enfermeiros, que desenvolvem suas atividades 24 horas por dia diretamente com o paciente suspeito ou infectado, sendo expostos ao risco de infecção e transmissão para a família, colegas e amigos, somado ao conhecimento em constantes alterações sobre o comportamento do vírus e a falta de tratamento específico para o combate da doença, falta de recursos materiais e humanos, resultando em contaminação e infecção cruzada entre os profissionais e pacientes(⁵).

Nessa perspectiva, pesquisas relacionadas a surtos e epidemias anteriores evidenciaram que, em situações de crise, além do alto risco de infecção, os profissionais de saúde vivenciaram problemas éticos diante do conflito entre o dever e o cuidar, causando estresse e medo generalizado, resultando em problemas éticos(⁶–⁹).

Os problemas éticos surgem quando há quebra da ordem, ou seja, quando os profissionais necessitam tomar decisões diante de situações divergentes que necessitam de cautela, ponderação e criatividade para resolução(¹⁰).

É possível afirmar que, frente a situações de emergência em saúde pública, os enfermeiros experimentam sentimentos de medo, incerteza e estigmatização, os quais podem atuar como barreiras para o desempenho das suas atividades de forma ­qualificada, empática e humana(¹¹,¹²). Nesse contexto, o reconhecimento da dimensão ética desses problemas pode tornar os profissionais menos vulneráveis a desenvolver problemas de saúde mental(¹³), visto que, muitas vezes, os enfermeiros se deparam com problemas éticos e preferem ficar omissos ou inertes, justamente pelo fato de não saberem como se comportar.

No cenário internacional, é possível verificar que existem estudos que exploraram os riscos e problemas éticos vivenciados por enfermeiros durante o atendimento a pacientes suspeitos e confirmados pela COVID-19(¹²–¹⁶). No entanto, no Brasil, as pesquisas que analisam os problemas éticos vivenciados por enfermeiros na linha de frente à COVID-19 são incipientes, restringindo-se a apenas a estudos reflexivos e de revisão da literatura(⁵,¹⁷,¹⁸).

Com base nisso, a pesquisa justificou-se pelo fato de ser fundamental o reconhecimento dos problemas éticos vivenciados pelos enfermeiros durante a COVID-19, bem como os fatores que influenciam a ocorrência desses problemas como forma de nortear o desenvolvimento e a implementação de avaliação, suporte, tratamento que considerem não apenas a saúde física, moral e mental dos profissionais no atual contexto, mas também na experiência de novas situações de infecções graves em todo o mundo(¹⁹). Perante o exposto, teve-se como objetivo identificar os problemas éticos vivenciados por enfermeiros no atendimento ao paciente com COVID-19 e os fatores que influenciam a sua ocorrência.

MÉTODO

Delineamento do Estudo

Tratou-se de um estudo transversal, de abordagem quantitativa, descritiva e exploratória, desenvolvido com enfermeiros atuantes em hospitais universitários do sul do Brasil, baseado nas diretrizes do STrengthening the Reporting of OBservational studies in Epidemiology (STROBE)(²⁰) e as recomendações de segurança do Checklist for Reporting Results of Internet ESurveys (CHERRIES) como guidelines para coletas de dados online(²¹).

Local

Os dados foram coletados, de forma online, em dois hospitais universitários públicos federais de ensino, com médio porte (H1 e H2), localizados em dois municípios no sul do Brasil. O H1 possui 237 leitos, e o H2, 175 leitos. As duas instituições contam com unidade de atendimento de urgência e emergência, clínico, cirúrgico, tratamento intensivo e unidades específicas para atendimentos suspeitas ou confirmados pela COVID-19.

Definição da Amostra

Para o cálculo amostral, considerou-se o quadro funcional de enfermeiros atuantes na linha de frente contra a COVID-19 dos dois hospitais universitários, os quais são compostos por 133 profissionais, sendo 90 do H1 e 43 do H2. Participaram deste estudo 101 enfermeiros, selecionados por meio de amostragem não probabilística por conveniência, com a finalidade de atingir o maior número de participantes. Utilizou-se o programa StatCalc do programa EpiInfo, versão 7, utilizando o nível de confiança de 95%, o que exigia uma amostra mínima de 99 participantes, com um mínimo de 50% mais um de participantes de cada instituição.

Critérios de Seleção

Para a seleção dos participantes, foi utilizado como critérios de inclusão ser enfermeiro envolvido diretamente na assistência de enfermagem ou gestão das unidades que prestam atendimento a pacientes com COVID-19. Como critérios de exclusão, consideraram-se os enfermeiros que estavam em trabalho remoto em razão dos fatores de risco relacionados à pandemia e a ausência do participante por motivo de férias, licença ou benefício.

Coleta de Dados

A coleta de dados ocorreu após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa, no período de fevereiro a maio de 2022, de forma online, através da tecnologia digital livre e ­gratuita do Google Docs da Google Company Inc. e após a ­autorização da gerência de ensino e pesquisa dos dois hospitais universitários selecionados. Para o recrutamento dos participantes, foi encaminhado o convite via correio eletrônico. No conteúdo do e-mail, estava a descrição da proposta da pesquisa, seus respectivos objetivos, link de acesso ao instrumento, instruções e prazo (quatro semanas) para o seu preenchimento online. Também foram enviados lembretes semanais por e-mail relembrando a importância e contribuição para o desenvolvimento da pesquisa.

Logo, foi encaminhado o link com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), apontando o objetivo e demais preceitos éticos como garantia do anonimato. O instrumento de pesquisa só poderia ser preenchido após manifestação de aceite dos enfermeiros. Aqueles que aceitaram participar da pesquisa, assinaram o TCLE, o qual ficou registrado.

Instrumento de Coleta de Dados

Para a coleta, utilizou-se um questionário composto de duas partes. A primeira parte tinha questões semiestruturadas, mistas que possibilitaram identificar as características do participante, como idade, sexo, estado civil, titulação máxima, tempo de experiência profissional, se tinham filhos ou viviam com familiares do grupo de risco para COVID-19 e variáveis acerca da atuação durante a COVID-19.

A segunda parte foi composta pelo questionário desenvolvido(²²), Ethical Problems Experienced by Nurses in Emergency Questionnaire, adaptado e validado para o contexto brasileiro de acordo com as diretrizes internacionais(²³).

O instrumento busca investigar os problemas éticos vivenciados por enfermeiros em contexto de emergências em saúde, a partir de uma escala Likert de cinco pontos com intervalos de respostas que variam entre um (“discordo totalmente”), dois (“discordo muito”), três (“não discordo e nem concordo”), quatro (“concordo muito”) e cinco (“concordo totalmente”), composto por 16 questões, e todos os resultados são somados, produzindo uma pontuação geral dos problemas éticos(²²).

Os dados obtidos foram submetidos à análise fatorial, e os resultados foram agrupados em cinco grupos de respostas denominados construtos. O nível de confiabilidade do instrumento foi verificado através da fidedignidade composta, que apresentou valor de 0,86 de consistência interna. Já os coeficientes dos construtos apresentaram os valores entre 0,76 e 0,87, e o teste de esfericidade de Barlett (BTS) identificou significância estatística de 0,000, comprovando a fidedignidade dos construtos gerados.

O pré-teste da versão validada foi aplicada em uma amostra de 32 estudantes de pós graduação, sendo 10 de mestrado e 22 de doutorado e 3 enfermeiros atuantes em dois hospitais universitário do sul do Rio Grande do Sul, recrutados de forma online. Nessa fase, não foram necessárias adequações, pois menos de 10% dos participantes relatou dúvidas sobre os itens(²³). Os participantes relataram média de 12–15 minutos para concluir a pesquisa.

Análise dos Dados

A análise dos dados ocorreu por meio de dupla digitação no Microsoft Excel 2016 e, posteriormente, esses foram inseridos no software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 23. Realizou-se análise estatística descritiva por meio de distribuição de frequências e medida de posição. A normalidade dos dados foi verificada através do teste Kolmogorov-Smirnov e homocedasticidade através do teste de Levene(²⁴).

Logo, foram realizados os seguintes testes estatísticos paramétricos: teste de correlação de Pearson (considerando como associação muito forte variação entre 0,91 e 1,00; associação forte, de 0,71 a 0,90; associação moderada, de 0,41 a 0,70; associação fraca, entre 0,21 e 0,40; associação muito fraca, de 0,01 a 0,20) para a associação entre as variáveis idade e me preocupo em ser infectado(a) pela COVID-19 com os fatores do instrumento. A análise de regressão buscou avaliar quais fatores têm maior efeito nos problemas éticos dos enfermeiros. Utilizou-se o p-valor <0,05 como significância estatística para todas as análises(²⁴).

Aspectos Éticos

Os aspectos éticos foram respeitados na sua integralidade, de acordo com a Resolução 466/12, sendo o projeto previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, sob Parecer 5.074.202/2021 e a coleta mediante a assinatura do TCLE.

RESULTADOS

Participaram do estudo 101 enfermeiros com média (M) de idade de 39,9 anos (desvio padrão (DP) = 7,8). Os indivíduos eram predominantemente do sexo feminino (84,2%; 85), casados (41,6%; 42) e com filhos (68,3%; 69).

Em relação à atividade profissional, a média de tempo de atuação profissional foi de 14,5 anos (DP = 7,75). Ademais, a maioria dos enfermeiros (48,5%; 49) possui especialização, seguida de (29,7%; 30) mestrado e (9,9%; 10) doutorado. Em relação à infecção pela COVID-19 55,4% (56) relataram ter sido infectados e 95% (96) foram vacinados com 3 doses da vacina contra a COVID-19. O perfil sociodemográfico e as características laborais dos indivíduos estão detalhados na Tabela 1.

Tabela 1
Caracterização dos enfermeiros de acordo com variáveis sociodemográficas e laborais – Rio Grande, RS, Brasil, 2020 (N = 101).

Variáveis	Categorias	N	%
Idade	24 – 29 anos	7	6,9
	30 – 39 anos	51	50,5
	40 – 49 anos	31	30,7
	50 – 59 anos	9	8,9
	60 anos ou mais	3	3
Sexo	Feminino	85	84,2
	Masculino	16	15,8
Estado civil	Solteiro	31	30,7
	Casado	42	41,6
	União estável	30	19,8
	Divorciado	8	7,9
Possui filhos	Sim	69	68,3
	Não	32	31,7
Tempo de experiência profissional	01 – 5 anos	10	9,9
	06 – 10 anos	20	19,8
	11 – 15 anos	37	36,6
	16 – 20 anos	10	9,9
	21 – 25 anos	17	16,8
	26 anos ou mais	7	6,9
Hospital de atuação	H1	79	78,2
	H2	22	21,8
Titulação máxima	Graduação	06	5,9
	Especialização	49	48,5
	Residência	06	5,9
	Mestrado	30	29,7
	Doutorado	10	9,9
Testei positivo para COVID-19	Sim	56	55,4
	Não	45	44,6
Recebi a vacina contra a COVID-19	1 dose	1	1
	2 doses	3	3
	3 doses	96	95
	Não vacinei	1	1
Me preocupo em ser infectado(a) com COVID-19	Sim	98	97
	Não	3	3

Através da análise descritiva (Tabela 2), foi possível identificar a relação da média e desvio padrão dos construtos e dos itens do instrumento. A média de problemas éticos no atendimento a pacientes (F1) foi de 3,38 (DP = 1,02). Os itens com maior média foram: questão um: me preocupo em prestar cuidados aos pacientes com COVID-19 devido ao alto grau de infectividade (3,83); questão três: é estressante e desafiador para mim prestar cuidados aos pacientes com COVID-19 (3,52); e questão dois: se puder atender pacientes com COVID-19 e pacientes com outras patologias, prestarei cuidados a pacientes com outras patologias (2,73).

Tabela 2
Media ($\overline{\text{X}}$) e desvio padrão (DP) dos construtos e questões relacionados aos problemas éticos no atendimento de pacientes durante a COVID-19 e fatores associados. Rio Grande, RS, Brasil, 2022 (N = 101).

Fatores	N	$\overline{\text{X}}$	DP
F1 – PROBLEMAS ÉTICOS NO ATENDIMENTO A PACIENTES	101	3,38	1,023
Q01. ME PREOCUPO EM PRESTAR CUIDADOS AOS PACIENTES COM COVID-19.	101	3,83	1,217
Q02. SE TIVER QUE ESCOLHER ENTRE PACIENTES COM COVID-19 E OUTROS TIPOS DE PACIENTES, PRESTAREI CUIDADOS A OUTROS TIPOS DE PACIENTES.	101	2,73	1,288
Q03. SERÁ ESTRESSANTE PARA MIM PRESTAR CUIDADOS AOS PACIENTES COM COVID-19.	101	3,52	1,154
F2 – RISCO PERCEBIDO DE INFECÇÃO E DISPOSIÇÃO PARA O TRABALHO	101	1,57	,650
Q04. SE NÃO FOR REQUISITADO(A) PELOS PACIENTES COM COVID-19, NÃO PRESTAREI CUIDADOS ADICIONAIS POR CONTA PRÓPRIA.	101	1,86	1,059
Q05. É NECESSÁRIO REDUZIR O CUIDADO HOLÍSTICO PRESTADO AOS PACIENTES COM COVID-19.	101	1,49	, 743
Q07. SE TIVER QUE CUIDAR DE PACIENTES COM COVID-19 TODOS OS DIAS, VOU ABANDONAR MEU EMPREGO.	101	1,56	, 888
Q08. EU GOSTARIA DE MUDAR DE PROFISSÃO POR CAUSA DA COVID-19.	101	1,29	, 589
F3 – PERCEPÇÃO DE ESTIGMATIZAÇÃO SOCIAL	101	2,45	1,050
Q10. SE AS PESSOAS SOUBESSEM DO FATO DE QUE ESTOU PRESTANDO CUIDADO AOS PACIENTES COM COVID-19, EU PODERIA TER DESVANTAGENS.	101	3,15	1,299
Q11. TENHO RECEIO DE FICAR ISOLADO(A) CASO MEUS VIZINHOS DESCUBRAM QUE PRESTO CUIDADOS AOS PACIENTES COM COVID-19.	101	2,10	1,136
Q12. TENHO RECEIO QUE MINHA FAMÍLIA FIQUE ISOLADA CASO MEUS VIZINHOS DESCUBRAM QUE PRESTO CUIDADOS AOS PACIENTES COM COVID-19.	101	2,12	1,160
F4 – CONCORDÂNCIA COM MEDIDAS DE CONTROLE DE INFECÇÃO	101	4,46	,500
Q13. QUANDO ATENDO UM PACIENTE COM DOENÇAS RESPIRATÓRIAS ACOMPANHADAS DE FEBRE, VERIFICO SE O(A) PACIENTE VEIO DE UM HOSPITAL COM SUSPEITA DE INFEÇÃO POR COVID-19, SE TEVE CONTATO COM UM(A) PACIENTE COM COVID-19, OU SE VIAJOU RECENTEMENTE.	101	4,10	1,118
Q14. LAVO AS MÃOS ANTES E DEPOIS DE TER CONTATO COM UM(A) PACIENTE COM COVID-19 OU COM SUBSTÂNCIA INFECIOSA E ANTES DEPOIS DE COLOCAR MEU EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL.	101	4,85	, 410
Q17. AO TOSSIR, CUBRO MINHA BOCA E NARIZ COM LENÇO DE PAPEL, E O DESCARTO EM LOCAL APROPRIADO.	101	4,22	1,035
Q18. LAVO MINHAS MÃOS CASO CUBRA MINHA BOCA COM AS MÃOS AO TOSSIR.	101	4,66	, 637
F5 – PERCEPÇÃO DE MEDIDAS HOSPITALARES CONTRA A COVID-19	101	3,26	,974
Q19. MEU HOSPITAL ESTÁ EQUIPADO COM INSTALAÇÕES SUFICIENTES PARA PREVENIR A PROPAGAÇÃO DA COVID-19.	101	3,14	1,158
Q20. MEU HOSPITAL SEGUE AS MELHORES DIRETRIZES PARA O CONTROLE DE INFEÇÃO PARA PREVENIR A PROPAGAÇÃO DA COVID-19.	101	3,49	1,128
Q21. MEU HOSPITAL DISCUTE REGULARMENTE COMO PREVENIR A COVID-19.	101	3,15	1,152

• X¯ – média; DP – desvio padrão.

O construto “concordância com as medidas controle de infecção contra a COVID-19” (M = 4,46; DP =, 500) apresentou maior média entre os construtos. O item “lavo as mãos antes e depois de ter contato com um(a) paciente com COVID-19 ou com substância infeciosa e antes depois de colocar meu equipamento de proteção individual” apresentou maior média entre as questões (4,85). Evidenciou-se que os profissionais percebem a importância em seguir as recomendações para evitar a propagação do vírus e a infecção cruzada.

O segundo construto com maior média foi “percepção das medidas hospitalares contra a COVID-19” (M = 3,26; DP =, 974), identificando que os enfermeiros percebem que a instituição de trabalho seguiu as normas e adequações para enfrentar a emergência internacional em saúde pública. O item “meu hospital segue as melhores diretrizes para o controle de infeção para prevenir a propagação da COVID-19” teve maior média (3,49), seguido de “meu hospital discute regularmente como prevenir a COVID-19” (3,15).

Já o construto “percepção da estigmatização social” obteve média de 2,45 (DP = 1,05), apresentando como item de maior média a questão “se as pessoas soubessem do fato de que estou prestando cuidado aos pacientes com COVID-19, eu poderia ter desvantagens” (3,15).

O enfermeiro percebe que poderá ser excluído ou sofrer algum tipo de preconceito caso as pessoas souberem que ele ­trabalha em um hospital durante a COVID-19. O ­construto “risco percebido de infecção e disposição para o trabalho” ­apresentou média de 1,57 (DP = 1,113). O “se não for requisitado(a) pelos pacientes com COVID-19, não prestarei cuidados adicionais por conta própria” (1,89) foi o item de maior média, demonstrando que, por mais que as situações de estresse e medo se manifestem de forma intensa, os profissionais sentem obrigação moral de desenvolver o cuidado.

Através da correlação de Pearson, identificou-se correlação significativa e moderada entre a variável “me preocupo em ser infectado(a) pela COVID-19” com os construtos F1 – Problemas éticos no atendimento de pacientes (r =, 527; p =, 022) e F4 – Concordância com medidas de controle de infecção (r = 596; p =, 049), tendo como valor de referência para associação ­moderada 0,41 – 0,70.

Para determinar os fatores que influenciam os problemas éticos dos enfermeiros durante a COVID-19, este estudo inseriu as principais variáveis (problemas éticos no atendimento a pacientes, risco percebido de infecção e disposição para o trabalho, percepção da estigmatização social, concordância com as medidas de controle de infecção e percepção de medidas hospitalares contra COVID-19) em uma análise de regressão linear múltipla utilizando o método Enter.

A análise resultou em um modelo estatisticamente significativo (F (4,96) = 5,608; p < 0,001; R², 661), evidenciando que os problemas éticos dos participantes foram influenciados por todos os construtos, sendo mais afetados pela percepção de estigmatização social (β =, 376, p =, 003). Os problemas éticos dos participantes também foram altos, quando não houve percepção das medidas de controle de infecção no trabalho (β =, 373, p =, 000) (Tabela 3).

Tabela 3
Regressão linear dos fatores que impactam os problemas éticos dos enfermeiros na COVID-19. Rio Grande, RS, Brasil, 2022 (n = 101).

Variáveis	Beta (β)	T	p
F2 – Risco percebido de infecção e disposição para o trabalho	,178	2,653	,009*
F3 – Percepção da estigmatização social	,376	5,778	,003*
F4 – Concordância com as medidas de controle de infecção	,172	2,760	,007*
F5 – Percepção das medidas hospitalares de controle de infecção	,373	5,792	,000*

• ^*
  Nível de significância p < 0,05.

Além disso, o teste obteve como coeficiente de determinação ajustado (R2) valor de, 661, representando 66% de explicação da variação de fatores relacionados aos problemas éticos durante a COVID-19 dos enfermeiros. No que tange à estatística de Durbin-Watson, o valor obtido foi de 1,771 no teste de autocorrelação de erro para análise de regressão, indicando que não houve autocorrelação. Outrossim, identificou-se a ausência de multicolinearidade, apresentando como a tolerância para o teste, 847 –, 982, superior a 0,1 e o fator de inflação da variância (VIF) de 1,018 – 1,180, inferior ao nível de referência de 10. Quanto à ausência de outliers, apresentou estatística residual de –2,183 – 2,443, dentro do valor de referência de –3 e 3.

DISCUSSÃO

Os resultados deste estudo evidenciaram que o problema ético mais comum vivenciado pelos enfermeiros foi relacionado à preocupação, ao estresse e à tensão em prestar atendimento a pacientes infectados pela COVID-19, demonstrando que os enfermeiros apresentam mentalidade para aceitar e declarar a sua vontade de, se possível, evitar desenvolver cuidados a pacientes infectados pela COVID-19, dando preferência para cuidar de pacientes não infectados. Além disso, identificou-se que a ocorrência de problemas éticos experimentados pelos profissionais foi mais influenciada pela percepção do estigma social.

Estudo realizado na China com enfermeiros e estudantes de enfermagem mostrou que os enfermeiros da linha de frente exibem ansiedade, medo, tristeza e raiva, por desenvolverem suas atividades em contexto de pandemia(¹¹). Portanto, identificar os problemas éticos dos enfermeiros durante a COVID-19 são de fundamental importância para que os profissionais se sintam mais acolhidos e melhor preparados para a atuação e tomada de decisão em futuras emergências.

Até o aparecimento do primeiro paciente, a COVID-19 era uma doença totalmente desconhecida mundialmente. Conforme era esperado, o número de infectados aumentou rapidamente e, globalmente, a nação foi envolvida pela ansiedade, levando a uma depressão socioeconômica(²⁵).

À medida que países, profissionais de saúde pública e formuladores de políticas se moviam para enfrentar a COVID-19, surgiam decisões e implicações éticas e sociais moralmente difíceis. Entre elas, cabe destacar os deveres profissionais e éticos de tratar e cuidar frente ao grave risco para a saúde e perigo pessoal para as equipes assistenciais, especialmente os enfermeiros, que desenvolvem o cuidado em tempo integral, expostos a uma alta carga viral. Portanto, o cuidar tornou-se extremamente estressante e tenso, resultando em problemas éticos no fazer do enfermeiro(²⁶).

O fator que apresentou maior média entre os construtos foi a concordância com as medidas de controle de infecção (M = 4,46). Essa descoberta é consistente com a descoberta de estudos realizados na China(¹²), Israel(²⁶) e Egito(²⁷), em que os comportamentos de prevenção e controle de infecções dos profissionais de saúde que trabalham em hospitais melhoraram amplamente, impactando diretamente no risco potencial de COVID-19. Seguir as medidas de controle de infecção contribuiu para um maior senso geral de competência dos enfermeiros em prestar assistência segura, humana e eficaz, repercutindo diretamente na disposição para o trabalho e na tomada de ­decisão ética frente aos problemas enfrentados.

Diante do surgimento de uma doença contagiosa, evidencia-se a importância do apoio do governo, hospitais e gestão para estabelecer protocolos de precauções contra a doença infecciosa, bem como promover a educação através de treinamentos aos enfermeiros, para reforçar seu comportamento de prevenção de infecções(¹⁵), resultando na minimização dos problemas éticos dos enfermeiros no atendimento aos pacientes em situações emergenciais.

Neste estudo, o segundo construto com maior média foi o F5, evidenciando que os profissionais identificam o comprometimento institucional em prover recursos ou processos organizacionais para auxiliá-los com suas preocupações éticas. Tais achados corroboram com estudo israelense(²⁶), com o objetivo de avaliar como os enfermeiros respondem à tensão e aos dilemas éticos durante a COVID-19, que evidenciou uma correlação significativa na existência de diretrizes políticas para o tratamento de pacientes com COVID-19 no local de trabalho dos entrevistados (p = 0,02), ou ter recebido treinamento específico sobre o assunto (p = 0,00) no que se refere às recomendações de controle de disseminação do vírus.

Nesta pesquisa, o risco percebido de infecção e disposição para o trabalho apresentou como média de respostas 1,57. De acordo com investigação(²⁸), inicialmente, o grau de risco percebido dos enfermeiros para contrair COVID-19 foi bem maior do que com o decorrer da pandemia. Provavelmente, esse fato ocorreu devido às mensagens conflitantes emitidas pela mídia, bem como atualizações em tempo real sobre a doença, seu progresso, a disponibilidade de medidas de proteção e sua eficácia. Tal resultado leva a acreditar que, à medida que os profissionais se tornaram mais familiarizados com a doença, sua carga emocional de percepção de risco foi diminuindo.

Por outro lado, a variável “me preocupo em ser infectado(a) pela COVID-19” apresentou correlação estatisticamente significativa com os construtos F1 e F3, evidenciando que o aumento do risco percebido e da preocupação com o atendimento a pacientes infectados pela COVID-19 está relacionado à forma com que os profissionais de saúde adotam medidas preventivas apropriadas de forma mais eficaz contra a doença. Corroborando com pesquisa quantitativa com profissionais de saúde da Etiópia, com o objetivo de avaliar comportamentos de proteção, percepções de risco e preocupação com a COVID-19, identificou-se que, quanto maior o nível de preocupação e percepção de risco de infecção, mais evidente é a motivação dos profissionais em adotar medidas preventivas adequadas(¹³).

Além disso, F1 e F3 apresentaram maior influência sobre os problemas éticos dos enfermeiros, demonstrando que os profissionais experimentam problemas éticos diante do medo de se infectar e de sofrer algum preconceito ou que sua família seja prejudicada, caso saibam que desenvolvem suas atividades na linha de frente contra a COVID-19. Nessa perspectiva, investigação qualitativa, com objetivo de determinar as experiências e problemas psicossociais entre enfermeiras da Turquia que atuam na COVID-19, relatou que o estigma foi um dos problemas éticos de efeito social identificados pelos participantes(¹⁶).

Problemas éticos relacionados ao estresse, ao medo, à incerteza e ao estigma são supostamente comuns em situações de emergência em saúde e, por isso, demandam a implementação de intervenções para promover a saúde mental para enfrentar a COVID-19 e demais eventos adversos em saúde(¹⁹,²⁹,³⁰).

Os resultados deste estudo evidenciaram, ainda, que o F5 também apresentou influência significativa sobre os problemas éticos dos enfermeiros. Tal resultado corrobora com achados de pesquisa com profissionais de saúde que atuam na linha de frente contra a COVID-19, evidenciando que fatores como falta de recursos materiais, baixo dimensionamento de funcionários, alto risco de se infectar e medo de transmitir para familiares foram elencados como os principais problemas éticos relacionados ao medo e à ansiedade vivenciados pelos profissionais(³⁰).

Embora os enfermeiros experimentem problemas éticos ao perceber o alto risco de infecção ao desenvolver o cuidado, não é fácil para eles abandonar sua obrigação moral como profissional para promover a assistência(²⁶). Isso vem ao encontro deste estudo, no qual apresentou o F2 como o construto de menor média. Portanto, é fundamental o apoio e a implementação de políticas estruturais, protocolos, educação permanente e treinamentos com ênfase na autonomia e reconhecimento das preocupações dos profissionais, para que os enfermeiros possam desenvolver o cuidado de pacientes em ambientes seguros e humanizados.

As descobertas deste estudo contribuem para a prática clínica no fornecimento de informações úteis sobre os problemas éticos enfrentados por enfermeiros durante a pandemia e incentivar a gestão a desenvolver estratégias que possam minimizar a ocorrência de problemas e oferecer suporte para enfrentamento de outras emergências em saúde pública de importância nacional e internacional.

A limitação deste estudo é a generalização de seus resultados, porque foi realizado com uma amostra específica de enfermeiros de dois hospitais universitários, selecionadas por amostragem de conveniência durante a COVID-19. Outrossim, o estudo analisou apenas quatro variáveis que podem influenciar os problemas éticos dos enfermeiros, mas pode haver outras variáveis que influenciam em outros contextos assistências de saúde. Assim, mais pesquisas são necessárias para analisar fatores de influência, além das características gerais e variáveis usadas neste estudo.

CONCLUSÃO

Neste estudo, foi possível analisar que o problema ético mais comum vivenciado pelos enfermeiros foi relacionado à preocupação e ao estresse em prestar atendimento a pacientes infectados pela COVID-19 e que os problemas éticos vivenciados pelos enfermeiros foram mais afetados pela percepção da estigmatização social. Tais resultados evidenciam a importância do incentivo aos profissionais em tomar precauções ativas contra infecções em seu fazer assistencial, os quais irão afetar diretamente na sua disposição e segurança para prestar um cuidado humanizado e qualificado.

Portanto, é importante a promoção da conscientização pública, institucional e gerencial apropriada, reforçando a necessidade de fornecer aos profissionais de saúde ambientes de trabalho favorável. Além disso, deve-se oferecer espaços para que os enfermeiros possam refletir e discutir sobre as questões éticas que permeiam a vivência da enfermagem, não só em contexto de pandemia, mas também no seu fazer assistencial, de forma a instigá-los a desenvolver maior habilidade ética para enfrentamento dos conflitos e dilemas, tornando-os melhor preparados para realizarem a tomada de decisão justa, prudente e empática diante dos problemas vivenciados.

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Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Thiago da Silva Domingos

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  13 Out 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  24 Abr 2023
• Aceito
  01 Ago 2023