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Carga de trabalho de enfermagem: preditor de infecção relacionada à assistência à saúde na terapia intensiva?

La carga de trabajo de enfermeira: predictor de infección hospitalaria en unidades de cuidados intensivos?

RESUMO

Objetivo

Analisar a influência da carga de trabalho de enfermagem na ocorrência de infecção relacionada à assistência à saúde (IRAS) em pacientes na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), segundo o tipo de tratamento.

Método

Estudo de coorte retrospectivo desenvolvido em nove UTI em São Paulo, Brasil, de setembro a dezembro de 2012. A carga de trabalho de enfermagem foi mensurada pelo Nursing Activities Score (NAS). Os testes T-Student, Exato de Fisher e regressões logísticas foram utilizados nas análises.

Resultados

A casuística foi composta por 835 pacientes (54,3±17,3 anos; 57,5% do sexo masculino), dentre os quais 12,5% adquiriram IRAS na UTI. O NAS dos pacientes admitidos para tratamento clínico foi de 71,3±10,9 e para cirúrgico, 71,6±9,2. O tempo de permanência na unidade e a gravidade foram fatores preditivos para ocorrência de IRAS em pacientes admitidos nas UTI para tratamento clínico ou cirúrgico e o sexo masculino apenas para pacientes cirúrgicos. Ao considerar as admissões independentes do tipo de tratamento, além das variáveis citadas, o índice de comorbidades também permaneceu no modelo de regressão. O NAS não foi fator preditivo de IRAS.

Conclusão

A carga de trabalho de enfermagem não exerceu influência na ocorrência de IRAS nos pacientes deste estudo.

Carga de Trabalho; Fatores de Risco; Infecção Hospitalar; Equipe de Enfermagem; Unidades de Terapia Intensiva

RESUMEN

Objetivo

Analizar la influencia de la carga de trabajo de enfermería en caso de infección hospitalaria (IH) en pacientes en la Unidad de Cuidados Intensivos (UCI) segundo tipo de tratamiento.

Método

Estudio retrospectivo de cohorte realizado en nueve unidades de cuidados intensivos, en Sao Paulo, Brasil, de septiembre a diciembre de 2012. La carga de trabajo de enfermería se midió por lo Nursing Activities Score (NAS). Las pruebas t de Student, test exacto de Fisher y regresiones logísticas fueron utilizados.

Resultados

La muestra fue de 835 pacientes (54,3±17,3 años; 57,5% hombres), entre los cuales el 12,5% adquirió IH. El NAS de pacientes admitidos a tratamiento clínico fue de 71,3±10,9 y quirúrgico, 71,6±9,2. La duración de la estancia en la unidad y la gravedad fueron factores predictivos de la ocurrencia de IH en pacientes ingresados en la UCI para el tratamiento médico o quirúrgico y los hombres sólo para los pacientes quirúrgicos. Al considerar las admisiones independientes del tipo de tratamiento, índice de comorbilidad también se mantuvo en el modelo de regresión. El NAS no fue predictivo de IH.

Conclusión

La carga de trabajo de enfermería ejerce ninguna influencia sobre la ocurrencia de IH en los pacientes analizados.

Carga de Trabajo; Factores de Riesgo; Infección Hospitalaria; Grupo de Enfermería; Unidades de Cuidados Intensivos

ABSTRACT

Objective

To analyze the influence of nursing workload on the occurrence of healthcare associated infection (HAI) in patients in the intensive care unit (ICU), according to type of treatment.

Method

Retrospective cohort study developed in nine ICUs in São Paulo, Brazil, from September to December 2012. Nursing workload was measured by the Nursing Activities Score (NAS). The Student’s t and Fisher’s exact tests and logistic regressions were used in the analyses.

Results

The sample was composed of 835 patients (54.3±17.3 years; 57.5% male), of which 12.5% acquired HAI in the ICU. The NAS of the patients admitted for clinical treatment was 71.3±10.9, and for surgery 71.6±9.2. Length of stay in ICU and severity were predictive factors for occurrence of HAI in patients admitted to the unit for clinical or surgical treatment, and male sex only for surgical patients. When considering the admissions independent of type of treatment, in addition to the variables mentioned above, index of comorbidities also remained in the regression model. The NAS was not a predictive factor of HAI.

Conclusion

Nursing workload did not influence occurrence of HAI in the patients included in this study.

Workload; Risk Factors; Cross Infection; Nursing; Team; Intensive Care Units

INTRODUÇÃO

As infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS) são um problema de saúde pública, por representarem significativo risco à segurança do paciente e pelo impacto econômico que geram, especialmente, nos países em desenvolvimento, onde se observa que, quanto menor o desenvolvimento econômico, maiores os índices de IRAS(11. Al-Tawfiq JA, Tambiah PA. Healthcare associated infections (HAI) perspectives. J Infect Public Health. 2014;7(4):339-44.-22. Allegranzi B, Bagheri Nejad S, Combescure C, Graafmans W, Attar H, Donaldson L, et al. Burden of endemic health-care-associated infection in developing countries: systematic review and meta-analysis. Lancet. 2011;377(9761):228-41.).

No entanto, apesar de constituírem-se no mais frequente evento adverso dentro das instituições hospitalares, a baixa qualidade dos registros, a dificuldade em se obter dados confiáveis, ou ainda, a falta de padronização de termos torna um desafio as ações de vigilância referentes a IRAS(33. World Health Organization. Report of the burden of endemic health care-associated infection worldwide: clean care is safer care. Geneva: WHO; 2011.).

As IRAS adquiridas nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI) representam quase 20% de todas as infecções hospitalares diagnosticadas entre pacientes hospitalizados, com importante morbimortalidade e elevados custos para o sistema de saúde, pacientes e seus familiares(33. World Health Organization. Report of the burden of endemic health care-associated infection worldwide: clean care is safer care. Geneva: WHO; 2011.

4. Osman MF, Askari R. Infection control in the intensive care unit. Surg Clin North Am. 2014;94(6):1175-94.
-55. Kelly D, Kutney-Lee A, Lake ET, Aiken LH. The critical care work environment and nurse-reported health care-associated infections. Am J Crit Care. 2013;22(6):482-8.).

Pacientes internados em UTI, por estarem criticamente doentes e necessitarem de diversos procedimentos invasivos, são frequentemente acometidos por variados tipos de IRAS. Estima-se que, cerca de 30% dos pacientes admitidos nestas unidades apresentam, pelo menos, um episódio infeccioso, destacando-se as infecções do trato urinário (ITU), pneumonias associadas à ventilação mecânica (PVM) e infecções de corrente sanguínea (ICS)(33. World Health Organization. Report of the burden of endemic health care-associated infection worldwide: clean care is safer care. Geneva: WHO; 2011.

4. Osman MF, Askari R. Infection control in the intensive care unit. Surg Clin North Am. 2014;94(6):1175-94.
-55. Kelly D, Kutney-Lee A, Lake ET, Aiken LH. The critical care work environment and nurse-reported health care-associated infections. Am J Crit Care. 2013;22(6):482-8.).

A ocorrência destas infecções está associada ao envelhecimento populacional, à crescente complexidade dos pacientes atendidos nas UTI, aliados à presença, tipo e duração de muitos procedimentos invasivos como a cateterização vesical e venosa, a intubação orotraqueal para ventilação mecânica ou, ainda, às falhas relacionadas ao emprego de antimicrobianos(11. Al-Tawfiq JA, Tambiah PA. Healthcare associated infections (HAI) perspectives. J Infect Public Health. 2014;7(4):339-44.).

Sublinha-se que o desenvolvimento de IRAS, aliado à já presente complexidade para o cuidado destes pacientes, pode impactar diretamente na assistência de enfermagem gerando sobrecarga para a equipe. Por outro lado, a sobrecarga de trabalho da equipe de enfermagem nas unidades de terapia intensiva pode favorecer ou predispor o desenvolvimento de IRAS.

Neste sentido, a carga de trabalho de enfermagem excessiva foi apontada como um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento de IRAS em pacientes clínicos internados em UTI, a despeito dos outros fatores relacionados ao paciente e aos procedimentos analisados(66. Daud-Gallotti RM, Costa SF, Guimarães T, Padilha KG, Inoue EN, Vasconcelos TN, et al. Nursing workload as a risk factor for healthcare associated infections in ICU: a prospective study. PLoS One. 2012;7(12):e52342.).

Reforçando este aspecto, outros estudos recentes analisando mais de 300 UTI reportam que ambientes de trabalho com melhor relação entre enfermeiros por número de pacientes atendidos refletem na diminuição do índice relatado de IRAS, bem como dos índices de mortalidade. Destaca-se também que, quanto maior o número de profissionais de enfermagem graduados, maior o impacto na sobrevivência dos pacientes(55. Kelly D, Kutney-Lee A, Lake ET, Aiken LH. The critical care work environment and nurse-reported health care-associated infections. Am J Crit Care. 2013;22(6):482-8.,77. Kelly DM, Kutney-Lee A, McHugh MD, Sloane DM, Aiken LH. Impact of critical care nursing on 30-day mortality of mechanically ventilated older adults. Crit Care Med. 2014;42(5):1089-95.).

De fato, a carga de trabalho de enfermagem tem sido demonstrada como fator importante no desenvolvimento de eventos adversos em pacientes internados em UTI. Além disso, é razoável considerar que a ocorrência de tais eventos reflete diretamente na ruptura dos pressupostos de segurança do paciente. Considerando a escassez de pesquisas que investiguem aspectos relacionados à relação entre carga de trabalho de enfermagem e IRAS em pacientes críticos, o presente estudo teve como objetivo analisar a influência da carga de trabalho de enfermagem na ocorrência de IRAS em pacientes internados em UTI segundo tipo de tratamento.

MÉTODO

Trata-se de um estudo de coorte retrospectivo realizado em nove UTI de especialidades (Cirúrgica, Clínica Médica, Clínica Médica de Emergência, Infectologia, Nefrologia, Neurologia, Pneumologia, Trauma e Queimados), de um hospital público, de alta complexidade, situado no município de São Paulo, Brasil e que juntas totalizam aproximadamente 75 leitos de cuidados intensivos. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da instituição (Processo número 0196/2011) e seguiu as recomendações vigentes para pesquisas envolvendo seres humanos(88. Brasil. Ministério da Saúde; Conselho Nacional de Saúde. Resolução n. 466, de 12 de dezembro de 2012. Dispõe sobre as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos [Internet]. Brasília; 2012 [citado 2015 jan. 11]. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf
http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/...
).

A amostragem ocorreu de forma não probabilística e os seguintes critérios de inclusão foram considerados na seleção dos pacientes: idade igual ou superior a 18 anos e ser admitido em uma das UTI na instituição no período de 03 de setembro a 01 de dezembro de 2012 para tratamento clínico ou cirúrgico. A coleta de dados foi realizada por meio da análise dos prontuários dos pacientes e, portanto, foram excluídos aqueles cujos prontuários não foram localizados no Departamento de Arquivo Médico da instituição até 31 de janeiro de 2013.

A variável dependente do estudo foi a ocorrência de IRAS durante a permanência dos pacientes na UTI, distribuídos em dois grupos estratificados de acordo com a ausência ou presença de IRAS. Para a identificação dessas infecções utilizou-se a classificação de eventos adversos/incidentes (EA/I) proposta pela Organização Mundial da Saúde(99. World Health Organization. The Conceptual Framework for the International Classification for Patient Safety: final technical report, 2009 [Internet]. Geneva: WHO; 2009 [cited 2015 Jan 10]. Available from: http://www.who.int/patientsafety/taxonomy/icps_full_report.pdf
http://www.who.int/patientsafety/taxonom...
).

Por definição, incidentes são eventos ou circunstâncias que resultaram ou poderão resultar em dano desnecessário ao paciente, sendo divididos em quatro subgrupos: circunstância de risco, quase erro, incidente sem dano ou evento adverso (conhecido como incidente com dano). Os eventos adversos/incidentes são classificados em 13 grupos(99. World Health Organization. The Conceptual Framework for the International Classification for Patient Safety: final technical report, 2009 [Internet]. Geneva: WHO; 2009 [cited 2015 Jan 10]. Available from: http://www.who.int/patientsafety/taxonomy/icps_full_report.pdf
http://www.who.int/patientsafety/taxonom...
), dentre os quais, o de infecção hospitalar é de especial interesse para este estudo.

As variáveis independentes analisadas foram sexo, idade, tempo de permanência na UTI, carga de trabalho de enfermagem segundo o Nursing Activities Score(NAS)(1010. Miranda DR, Raoul N, Rijk A, Schaufeli W, Iapichino G. Nursing activities score. Crit Care Med. 2003;31(2):374-82.), comorbidades segundo o Índice de Comorbidade de Charlson (ICC)(1111. Charlson ME, Pompei P, Ales KL, MacKenzie CR. A new method of classifying prognostic comorbidity in longitudinal studies: development and validation. J Chronic Dis. 1987;40(5):373-83.), e gravidade por meio do risco de morte calculado pelos índices Simplified Acute Physiologic II (SAPS II)(1212. Le Gall JR, Lemeshow S, Saulnier F. A new simplified acute physiology score (SAPS II) based on a European/North American Multicenter Study. JAMA.1993; 270(24):2957-63.) e Logistic Organ Dysfunction System (LODS)(1313. Le Gall JR, Klar J, Lemeshow S, Saulnier F, Alberti C, Artigas A, et al. The logistic organ dysfunction system: a new way to assess organ dysfunction in the Intensive Care Unit. JAMA.1996;276(10):802-8.).

Foram realizadas análises descritivas apontando medidas de tendência central e de dispersão. Para a comparação de médias entre variáveis contínuas foi utilizado o teste T-Student e para testar a associação entre variáveis nominais foi utilizado o teste Exato de Fisher.

Regressões logísticas múltiplas foram utilizadas para identificar os fatores preditivos de ocorrência de IRAS nas UTI, de acordo com a causa da admissão. Desse modo, três modelos foram construídos: 1) para o total de admissões, independente da causa; 2) para as admissões para tratamento clínico e 3) para as admissões para tratamento cirúgico. Para a construção dos modelos finais destas regressões todas as variáveis do estudo foram testadas pelo método stepwise backward. A capacidade preditiva dos modelos foi avaliada pela Receiver Operating Characteristics Curve (Curva ROC). Para a análise do poder discriminante do modelo o valor da área sobre a curva (AUC) foi fixado em >0,70 para ser considerado como indicador de poder discriminante aceitável(1414. Hosmer DW, Lemershow S, Sturdivant RX. Applied logistic regression. 3rd ed. New Jersey: John Wiley & Sons; 2013.). Todos os testes foram bicaudais e o valor de p foi fixado em 0,05 para um α de 5%.

RESULTADOS

A amostra foi composta por 835 participantes admitidos nas nove UTI do estudo, em sua maioria homens (57,5%). A média de idade dos participantes foi de 54,3±17,3 anos, sendo as mulheres significativamente mais velhas do que os homens (56,3±17,8vs 52,8±16,8; p<0,003).

Em relação às causas de admissão, 63,4% dos pacientes foram admitidos nas unidades críticas para tratamento clínico e 36,6% para tratamento cirúrgico. Houve maior número de admissões nas UTI da Clínica Médica de Emergência (26,6%) e do Trauma (22,8%), seguidas pela UTI cirúrgica (17,0%) e da Neurologia (15,1%); 4,2% dos casos foram admitidos na UTI da Infectologia.

A mediana do tempo de internação dos pacientes foi de 4,0 dias (zero a 118 dias), sendo maior, na UTI de queimados 22,5 dias (um a 71 dias). A UTI com o segundo maior tempo de internação foi a de Infectologia, com sete dias (zero a 42 dias). Nas demais UTI, a mediana do tempo de internação variou de três a cinco dias.

Do total de participantes, 104 (12,5%) apresentaram IRAS durante a permanência na UTI, sendo que a maioria (n=57, 54,8%) teve apenas um evento infeccioso. Os demais (n=47; 45,2%) apresentaram de dois a oito eventos infecciosos. A ocorrência de IRAS foi mais frequente nas UTI do trauma (26,9%) e da Clínica Médica de Emergência (19,2%).

Os pacientes do sexo masculino apresentaram mais episódios de IRAS do que as do sexo feminino (67,3% vs 32,7%; p<0,034). A ocorrência de IRAS foi significativamente maior nas admissões para tratamento clínico do que cirúrgico (p<0,003). O tempo de internação em UTI (18,6±16,7 dias), o risco de morte estimado pelo LODS (27,9±10,6 pontos) e pelo SAPS II (23,8±8,5 pontos) estiveram associados à ocorrência de IRAS (p<0,001). A Tabela 1apresenta as características dos participantes em relação à causa de admissão (clínica ou cirúrgica).

Tabela 1
Característica dos participantes com IRAS, segundo a causa da admissão - São Paulo, SP, Brasil, 2012.

Considerando todas as admissões, clínicas ou cirúrgicas nas UTI do estudo é possível observar que o sexo masculino, o tempo de permanência na UTI, o ICC e o risco de morte avaliado pelo SAPS II foram fatores preditivos de ocorrência de IRAS nos pacientes durante a permanência na UTI. A razão de chance de indivíduos do sexo masculino, apresentarem IRAS foi de 1,65, quando comparados com as mulheres. Ademais, para cada dia de internação ou acréscimo de um ponto no ICC e no risco de morte calculado pelo SAPS II, a probabilidade do paciente adquirir infecção aumentou em 9%, 13% e 7%, respectivamente (Tabela 2).

Tabela 2
Modelo de regressão logística dos fatores preditivos de ocorrência de IRAS nos pacientes admitidos nas UTI do estudo - São Paulo, SP, Brasil, 2012.

Ao analisar o modelo de regressão nos pacientes admitidos para tratamento clínico nas diferentes UTI do estudo, observou-se que o tempo de permanência na UTI e risco de morte identificado pelo SAPS II, estão independentemente associados à ocorrência deste desfecho. Para cada dia de internação na unidade crítica ou a cada acréscimo de um ponto no risco de morte calculado pelo SAPS II, a chance do paciente adquirir infecção na UTI aumentou em 9% e 6%, respectivamente. O sexo masculino e o ICC não se mantiveram neste modelo (Tabela 3).

Tabela 3
Modelo de regressão logística dos fatores preditivos de ocorrência de IRAS em pacientes admitidos para tratamento clínico nas UTI do estudo - São Paulo, SP, Brasil, 2012.

A análise do modelo para pacientes admitidos para tratamento cirúrgico indicou que a chance de adquirir IRAS foi aproximadamente três vezes maior em homens do que mulheres. Além disso, o acréscimo de um dia de internação da unidade crítica e um ponto no risco de morte apontado pelo escore SAPS II aumentou a chance do paciente ter infecção em 9%. O ICC não se manteve neste modelo (Tabela 4).

Tabela 4
Modelo de regressão logística dos fatores preditivos de ocorrência de IRAS em pacientes admitidos para tratamento cirúrgico nas UTI do estudo - São Paulo, SP, Brasil, 2012.

As AUC dos modelos de regressão para o total de admissões, admissões para tratamento clínico e admissões para tratamento cirúrgico foram de 0,841, 0,832 e 0,849, respectivamente, indicando excelente poder discriminante, ou seja, satisfatória capacidade dos modelos para identificar os fatores preditivos de ocorrência de IRAS em pacientes com diferentes causas de admissão, nas diferentes unidades críticas (Figura 1).

Figura 1
Curvas ROC dos modelos de regressão logística relacionadas aos fatores preditivos de ocorrência de IRAS (A – Total de admissões; B – Admissões para tratamento clínico; C – Admissões para tratamento cirúrgico) - São Paulo, SP, Brasil, 2012.

O NAS variável, de interesse deste estudo, não permaneceu em nenhum dos modelos descritos anteriormente, ou seja, a carga de trabalho de enfermagem não exerceu influência na ocorrência de IRAS nas UTI do estudo.

DISCUSSÃO

O presente estudo identificou as variáveis preditivas de IRAS em pacientes clínicos e cirúrgicos internados em UTI. Verificou-se que o sexo masculino, tempo de permanência na unidade, gravidade e comorbidades foram fatores preditivos independentes do desenvolvimento de IRAS nesses pacientes. A ocorrência de IRAS se associou significativamente às admissões para tratamento clínico quando comparadas às admissões para tratamento cirúrgico. A literatura científica aponta que a ocorrência de IRAS tem sido associada a estadias prolongadas em UTI, aumento da mortalidade, custos e sobrecarga da equipe de enfermagem, independente da idade dos pacientes(1515. Giakoumidakis K, Baltopoulos GI, Charitos C, Patelarou E, Galanis P, Brokalani H. Risk factors for prolonged stay in cardiac surgery intensive care units. Nurs Crit Care. 2011;16(5):243-51.-1616. Maillet JM, Guérot E, Novara A, Le Guen J, Lahjibi-Paulet H, Kac G, et al. Comparison of intensive care unit acquired infections and their outcomes among patients over and under 80 years of age. J Hosp Infect. 2014;87(3):152-8.).

Neste sentido, estudo recente objetivando identificar quais variáveis estavam associadas à mortalidade entre pacientes clínicos e cirúrgicos internados em UTI observou entre 827 admissões que, apesar dos pacientes de clínica médica apresentarem mais IRAS, as infecções foram fatores de risco independentes para a mortalidade apenas entre os pacientes internados nas UTI cirúrgicas. Cabe ressaltar que a gravidade dos pacientes analisada pelo SAPS II foi associada de forma independente à mortalidade nas duas categorias de pacientes(1717. Toufen Jr C, Franca SA, Okamoto VN, Salge JM, Carvalho CR. Infection as an independent risk factor for mortality in the surgical intensive care unit. Clinics. 2013;68(8):1103-8.). Apesar da variável mortalidade não ter sido foco do presente estudo ressalta-se a influência que a infecção e a gravidade dos pacientes exercem sobre este desfecho.

O NAS variável, de interesse da pesquisa, não permaneceu em nenhum dos modelos estatísticos utilizados, sugerindo que a carga de trabalho de enfermagem não exerceu influência na ocorrência de IRAS nas UTI do estudo. Este instrumento expressa a demanda de tempo para a prestação de assistência de enfermagem ao paciente grave, considerando um período de 24 horas. Para seu cálculo são consideradas 23 atividades desenvolvidas pela equipe de enfermagem divididas em sete grandes categorias (atividades básicas, suportes ventilatório, cardiovascular, renal, neurológico e metabólico e intervenções específicas)(1010. Miranda DR, Raoul N, Rijk A, Schaufeli W, Iapichino G. Nursing activities score. Crit Care Med. 2003;31(2):374-82.). O NAS tem sido amplamente utilizado para mensurar a carga de trabalho da equipe de enfermagem. Quanto mais elevado o escore, maior o tempo demandado para a assistência de enfermagem. Esse escore têm sido utilizado tanto em hospitais públicos quanto privados(66. Daud-Gallotti RM, Costa SF, Guimarães T, Padilha KG, Inoue EN, Vasconcelos TN, et al. Nursing workload as a risk factor for healthcare associated infections in ICU: a prospective study. PLoS One. 2012;7(12):e52342.,1818. Cremasco MF, Wenzel F, Zanei SSV, Whitaker IY. Pressure ulcers in the intensive care unit: the relationship between nursing workload, illness severity and pressure ulcer risk. J Clin Nurs. 2013;22(15-16):2183-91.-1919. Nogueira LS, Koike KM, Sardinha DS, Padilha KG, Sousa RM. Carga de trabalho de enfermagem em unidades de terapia intensiva públicas e privadas. Rev Bras Ter Intensiva. 2013; 25(3):225-32.).

No presente estudo, verificou-se que o NAS para pacientes clínicos foi de 71,3+10,9% e para os cirúrgicos, 71,6+9,2%. Na literatura, observa-se grande variação do NAS em relação aos pacientes internados em UTI de hospitais públicos(1919. Nogueira LS, Koike KM, Sardinha DS, Padilha KG, Sousa RM. Carga de trabalho de enfermagem em unidades de terapia intensiva públicas e privadas. Rev Bras Ter Intensiva. 2013; 25(3):225-32.-2020. Altafin JA, Grion CM, Tanita MT, Festti J, Cardoso LT, Veiga CF, et al. Nursing Activities Score and workload in the intensive care unit of a university hospital. Rev Bras Ter Intensiva. 2014;26(3):292-8.). Considerando, no entanto, pacientes críticos que desenvolveram infecção durante permanência na UTI, autores obtiveram NAS médio de 81,2+16,2%(66. Daud-Gallotti RM, Costa SF, Guimarães T, Padilha KG, Inoue EN, Vasconcelos TN, et al. Nursing workload as a risk factor for healthcare associated infections in ICU: a prospective study. PLoS One. 2012;7(12):e52342.).

Diferentemente do que foi observado no presente estudo, pesquisadores que analisaram 195 pacientes internados em UTI clínicas de hospital terciário identificaram que a carga de trabalho de enfermagem, medida pelo NAS, foi o mais importante fator de risco para IRAS(66. Daud-Gallotti RM, Costa SF, Guimarães T, Padilha KG, Inoue EN, Vasconcelos TN, et al. Nursing workload as a risk factor for healthcare associated infections in ICU: a prospective study. PLoS One. 2012;7(12):e52342.). Outros autores verificaram que a carga de trabalho da equipe de enfermagem foi maior em pacientes que desenvolveram eventos adversos, entre eles a infecção, durante sua internação em UTI do que naqueles que não desenvolveram(2121. Novaretti MCZ, Santos EV, Quiterio LM, Daud-Gallotti RM. Sobrecarga de trabalho da Enfermagem e incidentes e eventos adversos em pacientes internados em UTI. Rev Bras Enferm. 2014;67(5):692-9.). Os resultados destes estudos corroboram com pesquisa brasileira que analisou EA/I e identificou que quanto maior a diferença entre as horas disponíveis de enfermagem e as requeridas de cuidado pelos pacientes, menor é a frequência de EA/I(2222. Gonçalves LA, Andolhe R, Oliveira EM, Barbosa RL, Faro ACM, Gallotti RMD, et al. Nursing allocation and adverse events/incidents in Intensive Care Units. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(n.spe):71-7.).

Realmente, considerando a etiologia multicausal das IRAS é difícil avaliar a interferência de uma única variável na ocorrência destas infecções, embora, revisão de literatura recente aponte que a diminuição dos quadros da equipe de enfermagem tem sido associada com o aumento do número de quadros de IRAS(2323. McGahan M, Kucharski G, Coyer F. Nurse staffing levels and the incidence of mortality and morbidity in the adult intensive care unit: a literature review. Aust Crit Care. 2012;25(2):64-77.). Diferente achado foi encontrado em pesquisa que analisou 1.313 casos de pneumonia e 513 casos de ICS adquiridas na UTI. Os pesquisadores identificaram que a relação enfermeiro/paciente não foi significativamente associada à pneumonia ou ICS; entretanto, o tempo de permanência na unidade associou-se com estes desfechos(2424. Schawab F, Meyer E, Geffers C, Gastmeier P. Understaffing, overcrowding, inappropriate nurse: ventilated patient ratio and nosocomial infections: which parameter is the best reflection of deficits? J Hosp Infect. 2012;80(2):133-9.).

Estudo realizado na Grécia objetivou analisar quais fatores afetam o tempo de permanência em UTI entre pacientes submetidos à cirurgia cardíaca, verificando que pacientes com NAS superior a 61,6% na admissão têm probabilidade superior a cinco vezes de permanecer por mais tempo internado em UTI(1515. Giakoumidakis K, Baltopoulos GI, Charitos C, Patelarou E, Galanis P, Brokalani H. Risk factors for prolonged stay in cardiac surgery intensive care units. Nurs Crit Care. 2011;16(5):243-51.). Dessa forma, observa-se, a partir desses resultados, que existe uma relação entre tempo de permanência na UTI e carga de trabalho. Porém, vale salientar que a variável tempo de permanência foi um fator preditivo de IRAS no presente estudo, o que não aconteceu com o NAS.

Ao analisar a possível influência da carga de trabalho de enfermagem na ocorrência de IRAS em pacientes de UTI observa-se que, conforme mostrado anteriormente, os resultados dos estudos são contraditórios. Entretanto, deve-se considerar a diversidade das metodologias utilizadas, de políticas institucionais referentes ao dimensionamento da equipe de enfermagem e dos tipos de UTI na análise destes achados.

O tema do presente estudo é recente, sendo que apenas uma investigação analisou o NAS como preditor de IRAS(66. Daud-Gallotti RM, Costa SF, Guimarães T, Padilha KG, Inoue EN, Vasconcelos TN, et al. Nursing workload as a risk factor for healthcare associated infections in ICU: a prospective study. PLoS One. 2012;7(12):e52342.) e chegou a conclusões diferentes das aqui apresentadas; no entanto, ressaltamos que nossa pesquisa investigou uma amostra consideravelmente superior, ou seja, 835 pacientes internados em nove UTI, frente aos 195 sujeitos admitidos em três unidades críticas do outro estudo(66. Daud-Gallotti RM, Costa SF, Guimarães T, Padilha KG, Inoue EN, Vasconcelos TN, et al. Nursing workload as a risk factor for healthcare associated infections in ICU: a prospective study. PLoS One. 2012;7(12):e52342.). Dessa forma, inferimos que amostras mais heterogêneas, refletem a multifatorialidade associada à ocorrência de infecção e minimizam os efeitos da carga de trabalho de enfermagem neste desfecho.

Como limitação desta pesquisa, ressalta-se que a casuística é composta por pacientes de uma única instituição e tal condição deve ser considerada na generalização dos resultados. Neste sentido, sugere-se a realização de novas pesquisas multicêntricas sobre a temática. Não obstante, as evidências apontadas por este estudo trazem valiosas contribuições à enfermagem intensiva ao identificar os fatores preditivos de ocorrência de IRAS, fornecendo subsídios para a implementação de estratégias que visem à redução deste evento adverso e garantam a segurança do paciente internado na UTI.

CONCLUSÃO

Os fatores preditivos de IRAS em pacientes internados nas UTI analisadas foram tempo de permanência na unidade, gravidade, sexo masculino e comorbidades. A carga de trabalho de enfermagem não exerceu influência na ocorrência deste desfecho.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2015

Histórico

  • Recebido
    10 Abr 2015
  • Aceito
    14 Jul 2015
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