Literacia em saúde e adesão ao tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca^*

RESUMO

Objetivo:

Relacionar o nível de literacia funcional em saúde com a adesão e barreiras para a não adesão medicamentosa, a reinternação e o óbito em pacientes com insuficiência cardíaca.

Método:

Estudo transversal, analítico, com pacientes internados em serviço de emergência, com diagnóstico de insuficiência cardíaca. A literacia foi avaliada na alta pelo Newest Vital Sign. A adesão do paciente ao tratamento medicamentoso e as barreiras para a não adesão foram avaliadas 90 dias após a alta por meio do teste de Morisky-Green e Brief Medical Questionnaire, respectivamente.

Resultados:

Participaram do estudo 100 pacientes. A média de idade foi 63,3 anos (±15,2), com predomínio de mulheres brancas. Em 41,1% dos participantes a adesão medicamentosa foi baixa, destes, 55,9% apresentaram inadequada literacia. A reinternação e o óbito estavam presentes nos pacientes com inadequada literacia (p<0,001).

Conclusão:

O baixo nível de literacia relacionou-se diretamente com menor adesão e presença de barreiras para a adesão medicamentosa, além de maiores índices de reinternação e óbito.

DESCRITORES:
Alfabetização em Saúde; Educação em Saúde; Insuficiência Cardíaca; Cooperação e Adesão do Paciente; Enfermagem em Emergência

ABSTRACT

Objective:

To relate the level of functional health literacy with adherence and barriers to non-adherence, rehospitalization, readmission and death in patients with heart failure.

Method:

A cross-sectional, analytical study with patients admitted to the emergency room with a diagnosis of heart failure. Literacy was assessed by the Newest Vital Sign. Patient adherence to medication treatment and barriers to non-compliance were assessed 90 days after discharge by the Morisky-Green test and the Brief Medical Questionnaire, respectively.

Results:

100 patients participated in the study. The mean age was 63.3 years (± 15.2), with a predominance of white women. Medication adherence was low in 41.1% of participants, of which 55.9% presented inadequate literacy. Re-hospitalization and death were present in patients with inadequate literacy (p<0.001).

Conclusion:

The low level of literacy was directly related to lower adherence and the presence of barriers to medication adherence, as well as higher rehospitalization rates and death.

DESCRIPTORS:
Health Literacy; Health Education; Treatment Adherence and Compliance; Emergency Nursing

RESUMEN

Objetivo:

Relacionar el nivel de literacia funcional en salud con la adhesión y barreras para la no adhesión medicamentosa, el reingreso hospitalario y el fallecimiento en pacientes con insuficiencia cardiaca.

Método:

Estudio transversal, analítico, con pacientes hospitalizados en servicio de urgencias, con diagnóstico de insuficiencia cardiaca. La literacia fue evaluada en el alta por el Newest Vital Sign. La adhesión del paciente al tratamiento medicamentoso y las barreras para la no adhesión fueron evaluadas 90 días después del alta mediante la prueba de Morisky y el Brief Medical Questionnaire, respectivamente.

Resultados:

Participaron en el estudio 100 pacientes. El promedio de edad fue de 63,3 años, con predominio de mujeres blancas. En el 41,1% de los participantes, la adhesión medicamentosa fue baja, de esos el 55,9% presentaron inadecuada literacia. El reingreso y el fallecimiento estaban presentes en los pacientes con inadecuada literacia (p<0,001).

Conclusión:

El bajo nivel de literacia se relacionó directamente con menor adhesión y presencia de barreras para la adhesión medicamentosa, además de mayores índices de reingreso y el fallecimiento.

DESCRIPTORES:
Alfabetización en Salud; Educación en Salud; Insuficiencia Cardíaca; Cumplimiento y Adherencia al Tratamiento; Enfermería de Urgencia

INTRODUÇÃO

A Literacia em Saúde (LS) é compreendida como o grau de capacidade que os indivíduos possuem para obter, processar e compreender informações de saúde básica, a fim de ser hábil para tomar decisões relacionadas à própria saúde por meio da capacidade de entender e interpretar números, textos e documentos¹. A LS possui, assim, um forte componente social relacionado à capacidade de o indivíduo tomar decisões fundamentais, assumindo a responsabilidade pela sua saúde, enfim, é uma forma como o paciente consegue aplicar os devidos cuidados à saúde².

A literatura demonstra que indivíduos com baixa LS podem apresentar problemas no entendimento sobre doenças, na leitura de bulas e rótulos de medicações, na recordação quanto ao tratamento e compreensão sobre as doses e horários, além de dificuldades na interpretação de sinais vitais, como pressão arterial, frequência cardíaca e testes de glicemia capilar². Ademais, a baixa LS está relacionada com a menor procura pelos serviços de saúde para prevenção, ao menor conhecimento sobre a doença crônica, a escolhas de vida menos saudáveis, a baixa adesão às medicações e pior entendimento sobre sua utilização, a menor autogestão da doença e ao maior índice de internação hospitalar e mortalidade. Isso resulta em maior custo relacionado aos cuidados da doença crônica, além de influenciar a comunicação com os profissionais de saúde^3)-(5.

A comunicação é conhecida pela relevância na relação entre pacientes e equipe de saúde, e a baixa literacia pode afetar essa interação, impactando o processo terapêutico. Ela é fator importante na compreensão efetiva da informação referente à doença, contribuindo para que o indivíduo possa ter a melhor decisão em relação ao tratamento proposto³.

Entre as doenças crônicas, a Insuficiência Cardíaca (IC) é responsável por quase 1 milhão de internações anuais nos EUA devido à sua descompensação, e está relacionada diretamente com a adesão ao tratamento medicamentoso e às mudanças significativas nos hábitos de vida envolvidos nos cuidados não farmacológicos para o controle da IC⁶. Estudo elucida que a alta literacia em saúde está relacionada com maior índice de conhecimento sobre a IC por parte dos pacientes, melhor adesão medicamentosa, assim como um melhor manejo não farmacológico, como restrição hídrica e de sal. Deste modo, a baixa literacia pode ser relacionada com maior índice de mortalidade e internações hospitalares por descompensação da IC⁷.

Pesquisas nacionais demonstram que as orientações realizadas pelos enfermeiros são práticas frequentes para o paciente com IC^{8)- (9}. Ressalta-se a importância do conhecimento do nível de LS do indivíduo pelo enfermeiro, pois a realização de intervenções direcionadas pode aumentar a adesão dos pacientes ao tratamento e diminuir as taxas de reinternações e óbito^{4)- (5}. Diante do exposto, o presente estudo teve por finalidade associar o nível de literacia funcional em saúde com a adesão medicamentosa, as barreiras para a não adesão, a reinternação e a mortalidade de pacientes com insuficiência cardíaca.

MÉTODO

TIPO DE ESTUDO

Estudo transversal e analítico.

CENÁRIO

Realizado no pronto-socorro de um hospital público especializado em cardiologia.

COLETA DE DADOS

Os pacientes incluídos, selecionados no momento da alta hospitalar, foram os internados no pronto-socorro com diagnóstico de insuficiência cardíaca descompensada, conforme perfil clínico-hemodinâmico, durante o período de janeiro a dezembro de 2016, com idade superior a 18 anos, que possuíam contato telefônico. Totalizou-se uma amostra de 100 pacientes selecionados, e as perdas apresentadas durante o período do estudo foram exclusivamente devido a óbito.

INSTRUMENTOS

As variáveis sociodemográficas pesquisadas foram idade, sexo, escolaridade, ocupação e renda familiar. Foram utilizados três instrumentos, o primeiro para avaliar a literacia, o segundo para avaliar a adesão ao tratamento medicamentoso e o terceiro para identificar barreiras à adesão.

A avaliação da LS foi realizada durante a internação por meio do Newest Vital Sign (NVS), instrumento que fornece aos pacientes a informação nutricional de um rótulo de uma embalagem de sorvete, que deverá ser utilizada para responder seis questões. As perguntas são realizadas pelo investigador, e é atribuído um ponto para cada resposta correta e zero ponto para cada resposta errada. Quando nenhuma resposta é alcançada ou somente uma resposta é correta, o paciente é categorizado como literacia marginal, entre 2 e 3 respostas corretas indicam literacia limitada, e 4 ou mais respostas corretas demonstram elevada literacia em saúde¹⁰. Esse instrumento possui um tempo de administração de 6 minutos, é amplamente aceito para a avaliação de literacia em saúde e é traduzido em diversos idiomas, inclusive para a língua portuguesa^{10)- (11}. A adesão do paciente ao tratamento medicamentoso foi avaliada pelo Teste de Morisky Green (TMG), composto de quatro perguntas: “1) Você às vezes tem dificuldades em se lembrar de tomar a sua medicação? 2) Você às vezes se descuida de tomar seu medicamento? 3) Quando está se sentindo melhor, você às vezes para de tomar seu medicamento? 4) Às vezes, se você se sentir pior ao tomar a medicação, você para de tomá-la?”. O paciente é classificado no grupo de alta adesão quando as respostas às quatro perguntas são negativas, quando uma ou duas respostas são positivas, no grupo de moderada adesão, e se três ou quatro respostas são positivas, no de adesão baixa. Esse instrumento é considerado padrão-ouro para avaliação de adesão medicamentosa na população com HAS¹²⁾ e já foi utilizado para avaliação de pacientes com IC¹³.

O Brief Medication Questionnaire (BMQ) foi utilizado para identificar possíveis barreiras à adesão ao tratamento pelo paciente. O instrumento é composto de três domínios, a saber: Domínio Regime, que avalia qual o comportamento do paciente relacionado à adesão ao regime do tratamento prescrito, Domínio Crença, o qual avalia o nível de crença que o paciente possui quanto à eficácia do tratamento e as opiniões sobre os efeitos colaterais indesejados, e o Domínio Recordação, que identifica problemas em relação à dificuldade de lembrar-se de se medicar. A presença de resposta positiva nos domínios identifica barreira ao regime de tratamento prescrito. Esse instrumento foi validado de forma bem-sucedida com pacientes que possuem doenças crônicas, como hipertensão¹⁴.

A avaliação da adesão e das barreiras para a adesão ao tratamento medicamentoso pelos questionários TMG e BMQ foi realizada após 90 dias da alta hospitalar, por meio de contato telefônico da pesquisadora, que identificou, também, a ocorrência de reinternações e óbito.

Foi considerado desfecho primário a relação entre literacia, adesão e barreiras para a adesão medicamentosa, e como desfechos secundários a relação entre níveis de literacia e taxas de re-hospitalizações e morte, analisados nos períodos de 7, 30 e 90 dias após a alta hospitalar por contato telefônico.

ANÁLISE E TRATAMENTO DOS DADOS

A análise das variáveis contínuas foi realizada por meio do cálculo da média, desvio-padrão, mediana, mínimo e máximo. Para as variáveis categóricas, calcularam-se frequência e percentual. Foi utilizado o Modelo de Equações de Estimação Generalizadas (GEE) para associar a literacia com a adesão medicamentosa e barreiras para a adesão e para associar a literacia com a mortalidade e reinternação em 90 dias. Considerou-se nível de significância de 5,0% (p-valor < 0,05%).

ASPECTOS ÉTICOS

A coleta de dados teve início após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa das instituições proponentes, sob o protocolo do parecer n.º 922.744, de 2014, conforme os preceitos da Resolução n. 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde. Todos os participantes do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

RESULTADOS

Foram incluídos 100 pacientes, com idade média de 63,3 anos (DP±15,2), predomínio do sexo feminino de 57,0%, distribuídos etnicamente entre 41,0% brancos, 39,0% negros, 19,0% pardos e 1,0% oriental. Entre os antecedentes pessoais, 97,0% dos indivíduos apresentavam hipertensão arterial sistêmica, 59,0% diabetes mellitus, 76,0% dislipidemia, 29,0% eram tabagistas, e 14,0% obesos. Todos os pacientes foram internados com o diagnóstico de insuficiência cardíaca descompensada, e classificados em IC perfil B 60%, IC perfil C 30%, e IC perfil L 10%.

Em relação ao nível de escolaridade da população, 2,0% dos participantes possuía mais de 16 anos de estudo, 18,4% entre 8 e 15 anos, 37,3% entre 5 e 8 anos, 36,3% 4,9 anos de estudo, e 6,0% não tinham estudo formal. Quanto à ocupação, a maioria dos indivíduos realizava atividades do lar (26,0%) ou era aposentada (26,0%). As medicações eram custeadas integralmente por 46% dos pacientes, 35% recebiam as medicações gratuitamente, e 19,0% custeavam parcialmente as medicações. Quase metade da população (48,0%) apresentava renda entre um e dois salários mínimos.

Na análise da LS durante a internação mediante o teste de NVS, 11,0% dos pacientes apresentaram adequada literacia em saúde, 21,0% foram categorizados em literacia em saúde marginal, e 68,0% dos pacientes tinham literacia em saúde inadequada.

Os resultados mostraram que existe relação significativa entre escolaridade e literacia. Pacientes com menos estudo apresentaram maior percentual de inadequada literacia em saúde do que os outros grupos de escolaridade (p≤0,001), conforme observado na Tabela 1.

Tabela 1
Escolaridade e nível de literacia em pacientes internados em serviço de emergência por IC - São Paulo, SP, Brasil, 2016.

Escolaridade	Literacia em Saúde			Total n=100 (%)	p-valor
	Adequada	Marginal	Inadequada
	n=11 (%)	n=21 (%)	n=68 (%)
0 a 4,9	1,0 (9,1)	2,0 (9,5)	37,0 (54,4)	40 (40,0)	<0,0001
5 a 8,9	1,0 (9,1)	18,0 (85,7)	17 (25,0)	36 (36,0)
>9 a 11,9	9,0 (81,8)	1,0 (4,8)	14 (20,6)	24 (24,0)

A avaliação da adesão medicamentosa e barreiras para a terapêutica foi realizada após 90 dias da alta hospitalar com 95 pacientes (Tabela 2), pois cinco indivíduos do total da amostra foram a óbito nesse período.

Tabela 2
Adesão ao tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca e barreiras para a adesão, segundo o Teste de Morisky e Brief Medical Questionnaire, respectivamente - São Paulo, SP, Brasil, 2016.

Adesão Medicamentosa	n (%)
Aderente	24 (25,3)
Moderada adesão	32 (33,7)
Baixa adesão	39 (41,1)
Barreiras para adesão medicamentosa
Barreira Regime	56 (58,9)
Barreira Crença	15 (15,8)
Barreira Recordação	37 (38,9)

Em relação ao nível de LS e a adesão e barreiras para a adesão medicamentosa, observa-se que grande parte dos participantes foram classificados em baixa adesão, e, destes, a maior parte enquadra-se em pacientes com inadequada literacia em saúde, como observado na Tabela 3.

Tabela 3
Adesão do paciente com insuficiência cardíaca ao tratamento e os tipos de barreiras para a adesão segundo níveis de literacia funcional em saúde - São Paulo, SP, Brasil, 2016.

Adesão medicamentosa/Tipos de barreiras	Literacia em Saúde			Total n=95 (%)
	Adequada	Marginal	Inadequada
	n=11 (%)	n= 21(%)	n=63 (%)
Teste de Morisky
Alta adesão	9,0 (81,8)	6,0 (28,6)	9,0 (13,2)	24,0 (24,0)
Moderada adesão	1,0 (9,1)	15,0 (71,4)	16,0 (23,5)	32,0 (32,0)
Baixa adesão	1,0 (9,1)	-	38,0 (55,9)	39,0 (39,0)
Brief Medication Questionnaire
Barreira Regime	2,0 (18,2)	11,0 (52,4)	43,0 (63,2)	56,0 (56,0)
Barreira Crença	-	-	15,0 (22,1)	15,0 (15,0)
Barreira Recordação	1,0 (9,1)	-	36,0 (52,9)	37,0 (37,0)

Quando se associou o nível de literacia funcional em saúde com a ocorrência de reinternação e óbito em 7, 30 e 90 dias, observou-se que pacientes com inadequada literacia em saúde apresentaram maiores percentuais de reinternação (p<0,001) e óbito (p<0,001) após 30 e 90 dias da alta hospitalar em relação aos demais, como pode ser visto na Tabela 4.

Tabela 4
Reinternação e óbito de paciente com insuficiência cardíaca segundo níveis de literacia funcional em saúde - São Paulo, SP, Brasil, 2016.

	Literacia em Saúde			P valor
	Adequada	Marginal	Inadequada
	n=11 (%)	n= 21(%)	n=63 (%)
Sete dias
Reinternação	0	0	0	-
Óbito	0	0	0	-
30 dias
Reinternação	0	0	2	0,4580
Óbito	0	0	0	-
60 dias
Reinternação	0	0	26	0,0001
Óbito	0	0	5	0,0001

DISCUSSÃO

Com o aumento de pacientes portadores de IC e o também aumento de estratégias de educação em saúde para a adesão desses pacientes ao tratamento, busca-se a diminuição de reinternações e óbitos⁸, e a literacia em saúde pode ser um importante instrumento para avaliar e adequar as estratégias e assim otimizar o plano terapêutico individualizado de cada paciente. Diante desse cenário, este trabalho propôs avaliar os níveis de literacia em saúde de pacientes portadores de IC e associar esses níveis com a taxa de adesão medicamentosa e barreiras para a terapêutica, reinternações e óbito após a alta hospitalar do setor de emergência.

No perfil demográfico e clínico dos pacientes deste estudo, predominaram mulheres, idosas, hipertensas, diabéticas e dislipidêmicas, características concordantes com outros estudos, os quais apresentam os seguintes dados: 5% dos idosos de até 75 anos e até 20% acima de 80 anos possuem IC¹⁵. Essa situação pode ser associada à maior sobrevida dos pacientes e à maior prevalência de comorbidades, como hipertensão arterial, diabetes e dislipidemias, o que corrobora achados da literatura¹⁵, os quais constatam que os pacientes apresentam múltiplas doenças concomitantes com a IC, principalmente a HAS, um dos principais fatores de risco para desenvolvimento da IC^15-16.

A maior parte dos pacientes tinha de 5 a 8 anos de estudo, e 6% deles não possuíam estudo formal, resultado semelhante encontrado em um estudo que avaliou o perfil epidemiológico de idosos com IC em uma Unidade de Terapia Intensiva no estado da Bahia, demonstrando que esses pacientes internados tinham em sua maioria ensino médio incompleto¹⁷. Embora não exista relação direta entre escolaridade e a ocorrência da doença, a baixa escolaridade pode ser associada ao não entendimento da necessidade de buscar atendimento médico imediato nos primeiros sinais de descompensação¹⁸.

Este estudo revelou que a maioria dos participantes (68,0%) possuía inadequada literacia em saúde, achado semelhante a outro estudo¹⁷. A inadequada literacia em saúde é uma questão preocupante e permeia as ações e estratégias em saúde para prevenção de doenças e agravos e promoção do autocuidado, e tem relação direta com o conhecimento que o paciente apresenta sobre o controle de sua doença³. O enfermeiro possui importante papel nesse contexto, pois, por meio de estratégias educativas, pode estabelecer intervenções adequadas ao tratamento, favorecendo a compreensão da doença, maior adesão terapêutica e autocuidado em relação à IC¹⁹. O principal objetivo da educação de enfermagem ao paciente com IC é que ele compreenda a importância da adesão ao tratamento e os sinais e sintomas da descompensação¹⁹. A educação em saúde pode impactar de maneira positiva a adesão ao tratamento da IC de pacientes com baixa LS, como a utilização de vocabulário adequado aos níveis de literacia, comunicação visual e feedback contínuo²⁰.

A literatura revela que o nível de literacia do indivíduo está relacionado à sua escolaridade^{8), (21}, e que os anos de estudos podem ser preditores de diferentes níveis de literacia⁸, ratificando dados observados neste estudo, onde pacientes com adequado nível de literacia possuíam mais anos de estudo formal, entre 9 e 12 anos. Ressalta-se a importância desse dado quando avaliado o baixo nível de escolaridade dos brasileiros, e o quanto tal fato pode estar associado à saúde da população, principalmente no que se refere ao entendimento da doença e à promoção de sua saúde.

O maior percentual de adesão medicamentosa também foi relacionado, no presente estudo, com os níveis de literacia, em que pacientes que a possuíam adequadamente apresentavam maior adesão ao tratamento medicamentoso (88,1%). Em estudo holandês de metanálise, no qual foram analisadas 17 publicações, os resultados sobre literacia e adesão medicamentosa foram divergentes, pois não obtiveram clareza quanto à associação de maior nível de literacia e a adesão medicamentosa²². Por outro lado, outros estudos sobre a temática referem uma ligação positiva entre maior nível de literacia e maior adesão ao tratamento⁸. Ensaio clínico randomizado com pacientes portadores de IC, que objetivou analisar a relação entre literacia, autocuidado e conhecimento da doença IC, evidenciou que maior nível de literacia estava associado com maior adesão medicamentosa²³. Tendo em vista que a IC é uma doença crônica, que exige frequente uso de múltiplas medicações e necessidade de contínuo autocuidado, relacionado principalmente à mudança de hábitos de vida, ao controle de peso e à alimentação, é justificável o fato de que um maior nível de literacia esteja associado à maior adesão medicamentosa, pois a complexidade do tratamento exige maior capacidade de compreensão do indivíduo, e os pacientes que apresentam menores graus de literacia possuem um deficit na compreensão e apreensão do conteúdo, dificultando, assim, a aprendizagem das habilidades para o manejo com os cuidados que a IC requer. Embora o teste de adesão medicamentosa utilizado no presente estudo tenha sido desenvolvido e validado para pacientes com HAS, já existem estudos que o utilizaram para a avaliação de adesão medicamentosa em pacientes com insuficiência cardíaca^{13)- (14}.

Em relação às barreiras para a adesão medicamentosa, as de regime, crença e recordação estão mais presentes nos indivíduos com inadequada literacia em saúde, 63,2%, 22,1% e 52,9%, respectivamente. A barreira de regime, que sugere dificuldade de entendimento dos pacientes quanto às prescrições e orientações do tratamento, encontra-se presente em 56% dos pacientes, destes, 63,2% apresentavam inadequada literacia, o que reforça a ligação entre o nível de literacia, o entendimento do paciente acerca da sua doença e a baixa adesão ao tratamento. Tal resultado é semelhante ao encontrado em estudo que utilizou instrumentos de avaliação da adesão e barreiras para a adesão medicamentosa e concluiu que a presença da barreira regime estava associada à baixa adesão medicamentosa¹².

É conhecida a relação entre as crenças dos pacientes quanto ao tratamento e o autocuidado apresentado por eles²⁴. A barreira de crença expõe a convicção dos pacientes quanto ao tratamento proposto e apresentou-se em 22,1% dos pacientes com inadequada literacia em saúde. Quanto à barreira de recordação, esta foi observada em 52,9% dos pacientes que apresentavam inadequada literacia em saúde. Estudos relacionados às barreiras crença e recordação são escassos na literatura, mas a existência de barreira à adesão ao tratamento pode estar relacionada à inadequada literacia.

O presente estudo apresentou associação significativa entre o nível de literacia e os níveis de reinternação após 90 dias (p<0,001), e todos os pacientes que foram reinternados apresentavam inadequada literacia em saúde. Resultado divergente foi obtido em estudo de coorte americano, o qual avaliou a relação entre literacia em saúde e desfechos de mortalidade e reinternação de pacientes com IC e revelou que não existe relação entre o nível de literacia e índice de reinternações²⁵. É conhecida a relação entre a adesão medicamentosa e o autocuidado dos pacientes com IC com a reinternação hospitalar, justificando que pacientes com baixo nível de literacia e, consequentemente, menor entendimento referente às medicações e mudanças no estilo de vida, apresentem maiores níveis de reinternação hospitalar⁷.

A análise da mortalidade após a alta hospitalar em até 90 dias evidenciou que 5% dos pacientes evoluíram para óbito nesse período, e todos apresentavam inadequada literacia em saúde. Estudo de coorte retrospectivo, realizado no Colorado com 1.494 pacientes e publicado em 2015, relacionou mortalidade e hospitalização de pacientes com níveis de literacia e mostrou resultado semelhante quanto à baixa literacia estar relacionada com maiores índices de mortalidade por todas as causas no período do estudo²⁶.

Estudo com metodologia semelhante, de coorte retrospectivo, publicado em 2015, com uma amostra de 1.379 pacientes internados com IC, analisou a mortalidade e a internação desses pacientes em um período de 90 dias, e associou-as com os níveis de literacia²², corroborando os dados do presente estudo ao evidenciar que pacientes com menores níveis de literacia apresentaram maiores índices de mortalidade 90 dias após alta hospitalar. Tais diferenças nos resultados encontrados se justificam pela alta mortalidade dos pacientes após internação por IC e pelos diversos fatores que influenciam a mortalidade, como a presença de comorbidades, quantidade de internações por descompensações, polifarmácia e cuidados não farmacológicos²⁷.

Os cuidados não farmacológicos consistem em adequada restrição hídrica, na correta ingesta de sal e controle diário de peso, ou seja, estão diretamente relacionados com a mudança de comportamento e hábitos de vida²⁸. Artigo de revisão sistemática que analisou 17 estudos sobre o autocuidado e doenças crônicas, entre elas a IC, confirma que o autocuidado efetivo da doença pelo paciente está relacionado diretamente com a diminuição da mortalidade e reinternações, um importante fator a ser considerado²⁸, principalmente porque a literacia é definida como a aplicação dos cuidados à saúde¹.

O perfil clínico-hemodinâmico proposto no estudo avalia parâmetros clínicos para classificação de pacientes e possui quatro perfis que podem orientar a terapêutica escolhida e também o prognóstico dos pacientes. Tal instrumento apresenta, assim, extrema relevância no que tange à mortalidade dos pacientes, sendo que pacientes internados com IC descompensada perfil C têm maior probabilidade de evoluir a óbito²⁹.

Este estudo apresenta como limitações ter sido realizado em centro único, o tamanho reduzido da amostra, o tempo de acompanhamento e a avaliação e relação individual da literacia em saúde aos dados relativos à mortalidade, devendo ser considerada a multimorbilidade dos pacientes estudados.

O enfermeiro possui importante papel na educação em saúde, principalmente em pacientes portadores de doenças crônicas, como a IC. A LS está relacionada com a promoção da saúde e seus elevados níveis de adesão ao tratamento e diminuição da ocorrência de reinternações e óbitos em pacientes portadores de IC. Diante do exposto, e considerando a escassez de literatura nacional, ressalta-se a importância de estudos que subsidiem a elaboração de estratégias de educação em saúde direcionadas para as reais necessidades da população³⁰.

CONCLUSÃO

O estudo permitiu concluir que portadores de IC que possuíam nível inadequado de literacia funcional em saúde apresentaram menor adesão medicamentosa e maior número de barreiras para a não adesão quando testados após a alta hospitalar. Durante os 3 meses de acompanhamento dos pacientes após a alta hospitalar, aqueles com inadequada literacia funcional em saúde apresentaram maior número de reinternações e evolução para óbito. Embora o estudo possibilite relacionar a literacia funcional em saúde com adesão medicamentosa, reinternação hospitalar e óbito dos pacientes com IC, novos estudos que avaliem outros fatores relacionados à mortalidade e adesão terapêutica desses pacientes mostram-se necessários, a fim de melhor correlacionar literacia funcional em saúde e tais desfechos.

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  Extraído da dissertação: “Reinternação e adesão ao tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca após orientação de alta e contato telefônico de enfermagem”, Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, 2017.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  15 Jul 2019
• Data do Fascículo
  2019

Histórico

• Recebido
  01 Out 2017
• Aceito
  04 Dez 2018