Modelo Práxico para Desenvolvimento de Tecnologias: uma abordagem participativa^*

RESUMO

Objetivo:

Apresentar o conteúdo e aparência validados do Modelo Práxico para Desenvolvimento de Tecnologias.

Método:

Estudo metodológico, com validação de um modelo de pesquisa em enfermagem, realizado de março a setembro de 2022. Participaram 26 enfermeiros pesquisadores de todas as regiões do Brasil. Os itens do modelo foram considerados relevantes e confiáveis quando o Intervalo de Confiança do Índice de Validade de Conteúdo foi ≥ 0,8 em apenas uma rodada. Quando menor, modificações ou exclusões foram realizadas, conforme sugestões dos especialistas.

Resultados:

O modelo foi operacionalizado nas fases pragmática, produtiva/artística, experimental e revolucionária. Sua avaliação foi considerada pertinente pelos juízes, obtendo índice médio de 0,950 para seu conteúdo e 0,825 para aparência.

Conclusão:

O modelo práxico apresenta clareza teórica, abordagem pertinente e aplicável em pesquisas de desenvolvimento tecnológico em enfermagem.

DESCRITORES
Pesquisa em Enfermagem; Métodos; Desenvolvimento Tecnológico; Estudo de Validação; Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

To present the Praxis model for Technology Development validated content and appearance.

Method:

A methodological study with validity of a nursing research model, carried out from March to September 2022. A total of 26 research nurses from all regions of Brazil participated. The model items were considered relevant and reliable when the Content Validity Index Confidence Interval was ≥ 0.8 in just one round. When minor, modifications or deletions were made, as suggested by specialists.

Results:

The model was operationalized in the pragmatic, productive/artistic, experimental and revolutionary phases. Its assessment was considered relevant by judges, obtaining an average index of 0.950 for its content and 0.825 for appearance.

Conclusion:

The praxis model presents theoretical clarity, a relevant and applicable approach in technological development research in nursing.

DESCRIPTORS
Nursing Research; Methods; Technological Development; Validation Study; Nursing

RESUMEN

Objetivo:

Presentar el contenido y apariencia validada del Modelo Praxis para el Desarrollo Tecnológico.

Método:

Estudio metodológico, con validación de un modelo de investigación de enfermería, realizado de marzo a septiembre de 2022. Participaron 26 enfermeros investigadores de todas las regiones de Brasil. Los ítems del modelo se consideraron relevantes y fiables cuando el Intervalo de Confianza del Índice de Validez de Contenido fue ≥ 0,8 en una sola ronda. Cuando fue menor, se hicieron modificaciones o supresiones, según lo sugerido por especialistas. Cuando fue menor, se hicieron modificaciones o supresiones, según lo sugerido por especialistas.

Resultados:

El modelo fue operacionalizado en las fases pragmática, productiva/artística, experimental y revolucionaria. Su valoración fue considerada relevante por los jueces, obteniendo un índice medio de 0,950 por su contenido y 0,825 por su apariencia.

Conclusión:

El modelo de praxis presenta claridad teórica, un enfoque relevante y aplicable en la investigación de desarrollo tecnológico en enfermería.

DESCRIPTORES
Investigación en Enfermería; Métodos; Desarrollo Tecnológico; Estudio de Validación; Enfermería

INTRODUÇÃO

O Modelo Práxico para Desenvolvimento de Tecnologias (MPDT) possui sistematização teórica/conceitual, visual e operacional para subsidiar a exploração, a descrição, a análise, a explicação, a simulação e a divulgação de diferentes fenômenos emergentes da atividade humana nos múltiplos cenários sociais de atuação da enfermagem. Com vistas ao desenvolvimento tecnológico (construção, validação e avaliação), o MPDT apresenta uma estrutura pragmática que permite a compreensão de realidades para auxiliar na transformação da práxis individual e/ou coletiva. É um modelo metodológico, científico e aplicado à resolução de problemas emergentes da atividade prática do enfermeiro, embasado nas necessidades reais para o alcance de resultados ideais a partir de consciências prática e/ou da práxis.

Propor tecnologias concebidas e aplicadas no contexto prático, tendo a participação ativa dos atores sociais a que se destinam, torna-se uma atividade a ser discutida pela enfermagem nessa área de pesquisa. Em estudo documental, realizado no Banco de Dissertações e Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), mostrou que, até o ano de 2020, foram publicadas 1.733 pesquisas com escopo tecnológico, mas 73 apresentaram potencial metodológico participativo, com maior destaque para estudos da última década. Com isso, foi observado que as tecnologias produzidas até certo momento não demonstraram bases participativas.

Partindo desta imersão teórica, associada ao referencial teórico-epistemológico(¹), construiu-se o MPDT, objetivando organizar e indicar a estrutura conceitual e metodológica para permitir aos pesquisadores reconhecer necessidades reais da população estudada e, assim, desenvolver um produto ideal para dado problema.

Faz-se necessário (re)pensar a produção tecnológica, de modo que seja planejada e aplicada na/para a práxis do público ao qual se destina. Esse movimento permite o pensar sobre o caráter humanista, consciente e ético envolvido no processo de criação(¹–³). Nesse contexto de práxis, aspectos ontoepistemológicos(⁴) estão envolvidos na construção do conhecimento. Torna-se necessário aos indivíduos analisar/refletir/intervir, de modo a alinhar problemas da realidade prática e humana (ontológico) ao conhecimento dos sujeitos e suas fontes e suas formas de produzir conhecimento científico (epistemológico)(⁴).

Na literatura, são encontrados diversos modelos de pesquisas que auxiliam a evolução científica em áreas distintas. Na enfermagem, para o desenvolvimento tecnológico, evidenciam-se possibilidades metodológicas promissoras para responder às necessidades dos pesquisadores(⁵–⁷). Contudo, o desafio está na escolha de modelos com abordagens participativas, os quais estimulem a interlocução entre os sujeitos.

Nesse contexto, o desenvolvimento de tecnologias necessita partir de referenciais metodológicos que auxiliem os pesquisadores na coleta, interpretação e análise dos fenômenos, contribuindo com a qualidade das produções. Essa iniciativa contribui para a coerência entre metodologia, problema de pesquisa e campo de investigação(⁸). Para tanto, o presente estudo, ao apresentar o MPDT, auxiliará pesquisadores na escolha de uma opção de referencial metodológico participativo para a pesquisa em enfermagem.

As metodologias participativas se destacam como promissoras, permitindo que as pesquisas respondam às necessidades da comunidade, de modo a oportunizar um papel ativo aos participantes, com vistas a desenvolver habilidades emancipatórias para transformação de realidades(⁸). A partir dessas premissas, este trabalho tem como objetivo apresentar o conteúdo e aparência validados do MPDT.

MÉTODO

Desenho do Estudo

Estudo metodológico, voltado à validação do conteúdo e aparência(⁹) de modelo de pesquisa para desenvolvimento de tecnologias em enfermagem.

Local e Critérios de Seleção

A pesquisa foi realizada virtualmente, com abrangência nacional nas cinco regiões do Brasil (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul).

Os juízes-especialistas foram selecionados intencionalmente segundo sua experiência e conhecimento comprovados no desenvolvimento teórico, epistemológico e tecnológico em enfermagem, utilizando os critérios de Fehring adaptados aos interesses da pesquisa(¹⁰,¹¹). A busca ocorreu por meio de consulta aos currículos disponíveis na Plataforma Lattes da CAPES, publicações em periódicos ou por indicação de especialistas.

População, Amostra e Coleta de Dados

Foram convidados a participar da pesquisa 189 pesquisadores de todas as regiões do Brasil, a partir de contato por e-mail ou pelo aplicativo WhatsApp ^®. Esses receberam um link de acesso ao Google Forms ^®, contendo o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, respondido anonimamente. Obteve-se aceite de 52 juízes-especialistas.

Posteriormente, foi encaminhado link para acesso ao instrumento de validação, hospedado no Google Forms ^®. Para validar o conteúdo e a aparência do MPDT, foram analisados o grau de relevância(¹²) e a confiabilidade(¹³) do MPDT a partir das 30 perguntas do instrumento de validação, pontuadas em escala Likert, com cinco níveis de julgamento: (1) discordo totalmente; (2) concordo parcialmente; (3) não concordo, nem discordo; (4) concordo; e (5) concordo totalmente(¹⁴). Por fim, a amostra deste estudo compreendeu 26 pesquisadores, que responderam ao instrumento de pesquisa no prazo estabelecido. A coleta de dados ocorreu no período de março a setembro de 2022. Os juízes procederam com a validação, considerando a pertinência, e a confiabilidade do modelo quanto aos seus conceitos, base teórica e filosófica, estrutura epistemológica, operacionalidade de suas fases e reprodutibilidade.

Análise e Tratamento dos Dados

Para validação do MPDT, utilizou-se o Índice de Validade de Conteúdo (IVC), que avalia a proporção ou porcentagem de juízes em concordância sobre determinados aspectos do instrumento e de seus itens. O Level Content Validity Index (I-CVI) foi aplicado para avaliar a concordância entre os juízes em cada item de avaliação, sendo calculado a partir do número de juízes, avaliando o item como relevante e muito relevante. O Scale-Level Content Validity Index, Average Calculation Method (S-CVI/AVE) foi atribuído para mensurar a proporção dos itens da escala avaliados como relevante e muito relevante para cada juiz. Foram validados os itens com IVC ≥ a 0,80(¹²). Para analisar se a proporção de concordância quanto à adequação e pertinência do MPDT foi estatisticamente igual ou superior a 0,8, realizou-se o teste binomial com nível de significância de 5%(¹⁵), ou seja, Intervalo de Confiança de 95% (IC95%). Para verificar a consistência interna do instrumento, foi calculado o coeficiente de alfa de Cronbach(¹³).

Aspectos Éticos

O presente estudo foi realizado de acordo com as normas das Resoluções 466/2012 e 674/2022 e do Ofício Circular 2/2021, pertencentes ao Conselho Nacional de Saúde, sendo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição participante, sob o Parecer 4.856.484/2021. Os participantes foram esclarecidos sobre os objetivos do estudo e, após manifestação de interesse, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

RESULTADOS

Conceitos Básicos Aplicados ao Modelo Práxico

Com vistas ao desenvolvimento tecnológico na área da saúde, em especial na enfermagem, o MPDT apresenta uma estrutura pragmática que objetiva nortear a compreensão de realidades para auxiliar na transformação da práxis individual e/ou coletiva. O modelo tem como base teórico-filosófica a práxis humana e suas consciências, sejam prática ou da práxis (Figura 1).

Figura 1.
Espiral representativa ao desenvolvimento tecnológico à luz da práxis – Santa Maria, RS, Brasil, 2023.

A práxis é toda ação consciente geradora de transformação. A consciência é a capacidade do ser humano em acumular conhecimento (no sentido amplo do termo, valores, hábitos, culturas, dentre outros). Ela não é inata, é potência, pois se desenvolve na relação entre os homens e destes com o meio (Figura 1).

O processo prático se caracteriza como o conjunto de atos, (inter)relações entre os sujeitos ativos (agentes) e desses com o meio onde estão inseridos. O processo prático compreende a atividade (ação do ser humano) frente aos fenômenos emergentes do seu contexto. Ele caracteriza o ponto de partida do agente na/para a geração efetiva de soluções (desenvolvimento tecnológico) (Figura 1).

A consciência prática se insere como a atividade ideal desejada pelo homem, que se materializa permitindo o transcender da consciência, de modo a impulsionar o ato criativo, ou seja, uma consciência concretizada no desenvolvimento tecnológico (Figura 1).

A consciência da práxis pode contribuir para enriquecer a atividade real material. Nessa tensão entre o ideal e o real, podemos perceber o elevar de consciências práticas para a práxis, pois ocorrerá o fenômeno denominado autoconsciência prática(¹).

A consciência prática e a consciência da práxis não podem ser tratadas como semelhantes, pois desempenham papéis distintos, mas convergem em dado momento do processo prático. Essas consciências não se separam, apenas estão em níveis diferentes de atuação no processo prático.

Pesquisadores e pesquisados envolvidos coletivamente no mesmo processo prático, despertando níveis de consciência prática ou consciência da práxis, individual e coletiva, poderão operar juntos o desenvolvimento tecnológico de dado produto ideal (Figura 1).

Fases Para a Execução do Modelo Práxico de Desenvolvimento de Tecnologias

Sustentado pela consciência prática do desenvolvimento de tecnologias por enfermeiros brasileiros e aliado à consciência da práxis, subsidiada pelo referencial de Adolfo Sanchez Vázquez sobre práxis humana, o MPDT é operacionalizado em quatro fases: pragmática, produtiva/artística, experimental e revolucionária (Figura 2). Essas fases são complementares e interrelacionadas, permitindo a revisão das hipóteses a qualquer momento.

Figura 2.
Representação das fases do Modelo Práxico para Desenvolvimento de Tecnologias – Santa Maria, RS, Brasil, 2023.

Fase Pragmática

Essa fase simboliza a inserção do pesquisador no campo prático objetivando a observação/reflexão, compreensão/interpretação da realidade vivida, conhecendo os atores sociais envolvidos, seus saberes e práticas, questionando a si e ao contexto no planejamento de soluções.

A fase pragmática representa um caminho a ser seguido para inserção no universo prático e síntese do conhecimento apreendido. Isso subsidiará o desenvolvimento de tecnologias, o que geralmente se dá por meio de uma ordem sequencial: (1) dedução; (2) análise; (3) indução; e (4) síntese (Figura 3). Elas perpassam o caminho a ser percorrido nesta fase, caracterizado pela elaboração das hipóteses de pesquisa, seguida pela interpretação pragmática acerca do cenário investigativo e, por fim, a teorização pragmática, a qual resultará na síntese preliminar das necessidades emergentes do processo prático.

Figura 3.
Representação do percurso para condução da fase pragmática – Santa Maria, RS, Brasil, 2023.

Para a elaboração de hipóteses, torna-se possível ao pesquisador construir afirmações sobre a realidade observada. É necessário especificar claramente o problema a ser investigado, seja ele teórico ou prático. Nessa fase, as hipóteses visam fornecer a conexão entre teoria e prática, fato e investigação. Caracteriza-se um desafio, pois é necessária a definição dos conceitos básicos do problema, os quais serão a lente para observação pragmática.

Na interpretação pragmática, as finalidades são criadas. Podemos afirmar que essas finalidades são a justificativa ou real necessidade do cenário para a criação de possibilidades práticas específicas. Essas podem se revelar constantemente, perpassando o pragmatismo, chegando até a revolução do universo, ou seja, quando novas soluções são aplicadas ao cenário de interesse. Traçar finalidades para a criação significa envolver níveis elevados de consciência prática. Criar com base em finalidades exige reflexividade, caracterizando a consciência da práxis.

A teorização é complementar às fases anteriores e acredita-se que é norteada pelo pragmatismo. Nessa conjuntura, prática e teoria devem andar entrelaçadas, com vistas a fundamentar o pensar, o refletir, o criticar e o agir frente ao processo prático. A teorização é quando se faz necessário suporte teórico-científico como estratégia de mediação entre o conhecimento empírico e o processo prático. É o momento para analisar o problema e questionar acerca do observado.

Elevação dos Níveis de Consciência: Fase Produtiva/Artística

Essa fase envolve elevados níveis de consciência (prática e/ou da práxis), de modo a produzir uma solução potencialmente transformadora para o processo prático. A partir da síntese realizada no momento anterior, tem-se subsídios para estruturar um produto ou processo tecnológico com significado pragmático.

Estabelecem-se relações de produção objetivando desenhar a produção artística tecnológica. Elas devem seguir uma sistemática operacional, permitindo a obtenção do controle das operações envolvidas no processo criativo, organizadas em ideação, viabilidade, parceiros, metas/prazos e recursos (Quadro 1).

Quadro 1.
Estrutura das relações de produção artística tecnológica – Santa Maria, RS, Brasil, 2023.

Da Criação a Testagem: Fase Experimental

A experimentação significa testar o produto da consciência humana para aplicá-lo no universo práxico ao qual se destina. Submeter a criação à experimentação é a oportunidade de avaliar se o produto apresenta conteúdo técnico-científico de qualidade e se atende às necessidades do público destinatário. A experimentação busca dar legitimidade e credibilidade ao que foi criado. Ela pode ser desenvolvida em dois ambientes: institucional, de modo presencial e/ou remoto, contando com a colaboração de juízes-especialistas e/ou público-alvo, e contexto prático, visando atingir o público-alvo (Quadro 2).

Quadro 2.
Roteiro para organizar a experimentação da produção artística tecnológica – Santa Maria, RS, Brasil, 2023.

Aplicando o Produto Criado: Fase Revolucionária

Na fase de aplicação do produto, a prática (aplicação e avaliação tecnológica) pode ser entendida como revolucionária. Tornando-se práxis, demonstra potencialidade social transformadora às pessoas e contextos.

A tecnologia incialmente forjada na/pela prática retorna para sua origem e denota significado(s), seja na organização do trabalho, para mediar/facilitar relações, fortalecer o (auto)cuidado, acelerar processos de trabalho, padronizar práticas, facilitar o pensamento diagnóstico, fortalecer processos educativos, entre outros. Assim, contribui com a práxis gerencial, assistencial e educativa do enfermeiro.

Ao retornar para o cenário prático, a produção artística deve ser utilizada por seu público-alvo, para assim manifestar seus “potenciais práxicos”: criativo e reiterativo (referentes ao grau de criação) e reflexivo e espontâneo (referentes ao grau de consciência – utilização). Eles variam de acordo com o grau de consciência de cada indivíduo frente ao processo prático, ou seja, o modo como utiliza a tecnologia.

Potencial práxico criativo – a criação é vista como objeto ideal; propõe mudanças na realidade por meio da elevação de consciências; contribui para uma prática autônoma e crítica; a realidade se modifica conforme se utiliza o objeto; permite enfrentar novas necessidades e situações; criação e contexto estão entrelaçados, interagindo e evoluindo.

Potencial práxico reiterativo – não reconhece a produção artística como válida à sua realidade; a revolução não ocorre, pois a população prefere o que já existe; a criação não produz mudanças ou transformação; não cria possibilidades para pensar e agir; a realidade permanece igual; o público opta por ampliar o que já está criado e sendo utilizado.

Potencial práxico espontâneo – não se assemelha à práxis reiterativa, pois manifesta consciência prática; a criação é utilizada sem manifestar no homem reflexões; sua utilização é mecânica, ocorre involuntariamente; os benefícios do objeto não representam transformação no processo prático.

Potencial práxico reflexivo – instiga o público a pensar para o agir; apresenta elevados níveis de consciência da práxis (teoria e reflexão sobre o processo prático); a reflexão sobre a atividade prática incentiva a mudança e transformação individual, coletiva e contextual.

DISCUSSÃO

Compreendendo o Fenômeno de Interesse: Fase Pragmática

O interesse na interpretação de determinada realidade está na possibilidade de sua transformação por meio da proposição de uma tecnologia. Vivenciar o cenário se torna um ato intencional, objetivando compreender sua dinâmica e identificar o público potencial, tornando-se o primeiro passo na busca pela criação tecnológica(¹,¹⁶). A realidade não é suscetível de apreensão imediata e sua reprodução exige conhecimentos e habilidades específicas. O importante não é o que se vê, mas o que se vê com método, pois o pesquisador pode ver muito e identificar pouco e pode ver apenas a confirmação de suas concepções(¹).

Para a apreensão ideal da realidade, a fase pragmática se insere como um conjunto de elementos norteadores para que o pesquisador vivencie o processo prático, auxiliando-o no delineamento de hipóteses de pesquisa, interpretação da realidade, teorização da produção artística tecnológica, para a concretização do conhecimento.

Nessa fase, por intermédio da interpretação pragmática, o pesquisador tem uma ideia aproximada do que se necessita criar. Contudo, ela pode ser relativa e meramente orientadora, pois, enquanto se firma nas hipóteses já delineadas (proveniente de evidências científicas e/ou observação da realidade), elas podem sofrer alterações, devido à frequência com a qual hipóteses e/ou teorias são colocadas à prova, sendo, por vezes, modificadas ou refutadas(¹⁷,¹⁸). A inserção no cenário real simboliza, muitas vezes, a experimentação do novo, solicitando ao pesquisador aprimorar duas operações mentais: a análise crítica e a síntese reflexiva (Figura 3).

Por meio da análise crítica, uma determinada realidade, dita como complexa devido à sua multidimensionalidade, deverá ser reduzida a elementos mais simples e passíveis de mensuração. Dessa maneira, se torna possível estimar e/ou assimilar o todo a partir da representatividade das informações(¹,¹⁹). A fase pragmática ocorre, acima de tudo, por meio de procedimentos analíticos e críticos. Já na síntese reflexiva, os dados serão reunidos considerando sua diversidade, concretude e/ou abstração, para assim serem agrupados em um todo coerente. Ao questionar a realidade(²⁰,²¹), o pesquisador traça hipóteses, devendo ser testáveis e robustas para propor um experimento científico substancial.

A interpretação pragmática sugere a criação de espaços de reflexão e crítica com/sobre o contexto, utilizando técnicas interpretativas(²⁰), como círculos hermenêuticos, rodas de conversas, grupos focais, entre outras estratégias, permitindo a interação com o público-alvo e objetivando fazê-lo discorrer sobre assuntos ligados a realidade vivida. Tais assuntos devem emergir do processo prático(¹,⁷) por meio de diálogos, atitudes e/ou dinâmicas de grupo, devendo possuir significado para o público, para o pesquisador e sobre o objeto de investigação. No sentido de conhecer melhor esse processo prático, o pesquisador necessita ser parte dele, ter sua inserção justificada no contexto de investigação, interagindo ativamente.

Permeando a fase pragmática, encontra-se a teorização(²⁰–²²), elemento complementar na construção do conhecimento. Aliar prática à teoria(¹,¹⁶) se torna indispensável para fundamentar o pensar, refletir e criticar o processo prático. Inserir a teoria(¹⁹) no desenvolvimento de tecnologias permite analisar dúvidas com relação ao resultado. Teorizar será o caminho de confronto entre a realidade (experiências globais e similares ao que se está investigando) e idealização (produto da consciência humana capaz de solucionar dado problema prático)(¹,¹⁶,¹⁹,²⁰).

Do Real ao Ideal: Fase Produtiva Artística

O ato de produzir corresponde aos níveis de consciência estabelecidos pelo homem durante as (inter)relações com seu universo, permitindo a criação de variados objetos/ferramentas úteis às suas necessidades cotidianas. Esse processo só se estabelece em determinadas condições sociais, chamadas de “relações de produção”. Para produzir, o ser humano utiliza instrumentos e/ou meios adequados, visando criar, modificar ou transformar algo a luz de um fim específico. Conforme se materializa certo fim, ele objetiva de certo modo um produto derivado da consciência humana(¹,¹⁶). Para subsidiar a produção artística, propõe-se um planejamento norteador:

Ideação: a primeira relação de produção permite a inventores e público-alvo estabelecerem as relações necessárias para pensar coletivamente o escopo do que se quer criar, ou seja, qual será o design adotado para a produção artística. O protótipo poderá ser em formato impresso em papel, digital ou mecanizado, variando com as necessidades do contexto. Um estudo(⁶) sobre o desenvolvimento de uma tecnologia de produto para o cenário hospitalar utilizou a estratégia do brainstorming com a equipe de enfermagem para construir os elementos de sua criação. Por meio de encontros, os grupos de trabalho validaram as características da tecnologia, posteriormente revisadas com base na literatura específica.

Viabilidade: concomitantemente à ideação, os inventores podem se deparar com dúvidas e inquietações acerca da viabilidade da proposta com relação ao seu tempo de execução, seu escopo, seu conteúdo e à qualidade das características/elementos incorporados, seu custo de execução, entre outros. Já a partir do feedback do público-alvo, podem surgir questionamentos quanto ao design da criação, seus benefícios, desafios para usabilidade e custo para sua aquisição.

Para viabilizar a tecnologia, a comunicação entre inventores e contexto possibilitará delinear a estrutura/característica do que se quer criar, considerando os saberes e práticas do público. Por meio da teorização, buscar-se-á base técnico-científica para a produção artística, bem como permitir ao inventor realizar análise de custo-benefício da proposta.

Parceiros: posteriormente à ideação e análise da viabilidade da produção artística, caberá ao(s) inventor(es)/pesquisador(es) pensar quem serão seus parceiros de pesquisa. Essa etapa contará com a participação de uma equipe interdisciplinar composta por programadores, artistas, escritores, designers e demais profissionais com expertise nas áreas correspondes a criação da tecnologia. O trabalho deverá ser conduzido coletivamente, considerando as sugestões do público-alvo.

Metas/prazos: desde a ideação, cabe aos inventores manter a organização de suas funções com vistas a otimizar o processo de trabalho, criando estratégias de controle de atividades, prazos de execução e de entrega para cada demanda do contexto criativo-artístico.

Recursos: nessa etapa das relações de produção, encontra-se a oportunidade de planejar quais os recursos físicos, materiais e financeiros estarão envolvidos no processo criativo. Após delimitar o escopo da criação, inventores e parceiros deverão pactuar as características/elementos para a materialização do protótipo. Um estudo(⁶) que construiu tecnologia de produto para o cuidado de enfermagem no contexto hospitalar delimitou os recursos materiais necessários para a criação considerando legislações para a área da saúde e orientações da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e suas Normas Regulamentadoras (NR). A tecnologia incorporou características, como estrutura em aço inox, sistema elétrico, mecânico e sensorial, sendo que cada matéria-prima foi vinculada após criteriosa análise de mercado para avaliar custo-benefício e viabilidade.

O planejamento apresentando é interpretado de acordo com potencial de criatividade(²³), para buscar soluções inovadoras voltadas aos problemas reais de um cenário, priorizando soluções criativas. Autores(²³) percebem a necessidade do ato de criar envolver todo o potencial humano, pois todas as pessoas são criativas e capazes de contribuir com ideias relevantes. Assim, produzir, neste contexto participativo, é colocar os diferentes sujeitos (pacientes, familiares, profissionais de saúde, gestores, instituições, entre outros) no centro do desenvolvimento da solução e não somente como usuários.

A Experimentação do Objeto Prático: Fase Experimental

A atividade científica experimental é, evidentemente, uma forma de práxis. Trata-se de uma atividade objetiva geradora de um produto ou resultado real (ferramenta tecnológica). A fase experimental permite ao pesquisador (re)avaliar as hipóteses de investigação na busca do resultado ideal (produto validado). É a oportunidade de conduzir o experimento já delineado até o campo prático, com vistas a provar uma teoria ou determinado aspecto dela(¹,¹⁶).

A experimentação tem caráter científico, teórico e sistemático, objetivando a comprovação das hipóteses delineadas pela pesquisa(¹). Sob o contexto da práxis, torna-se a oportunidade de submeter a produção artística para avaliação com juízes visando modificá-la de acordo com as condições nas quais se realiza um fenômeno. Em síntese, o produto advindo do processo prático é submetido à validação pelo público-alvo e/ou especialistas no fenômeno.

A fase experimental representa submeter à validade a criação por peritos, de modo a garantir indicadores confiáveis(¹⁵). Submeter produtos tecnológicos se torna uma estratégia em expansão para proporcionar maior qualidade às pesquisas, reduzir vieses metodológicos, garantir análises com maior precisão e alcançar a excelência da produção artística(¹⁵). Durante a experimentação, o pesquisador deve utilizar instrumentos com fidedignidade e validade, para reduzir potenciais de julgamentos subjetivos sob determinado objeto.

Modificando o Homem e Seu Contexto Social: Fase Revolucionária

Sob o viés da filosofia, a fase revolucionária busca uma práxis solidificada na prática. Tal práxis objetiva inserir no processo prático um produto (tecnologia) de melhoria significativa para a sociedade, que busque mudar contextos. Essa práxis projeta um caráter futurista, ou seja, busca analisar as variáveis de aplicação, usabilidade e efetividade de determinada criação, considerando o futuro da sociedade frente à produção artística(¹,¹⁶,²²).

A práxis revolucionária se baseia na ética aspira viver bem com/para os outros de modo equitativo. A revolução de uma prática está em modificar circunstâncias sociais e do próprio ser humano, buscando a transformação do homem para ele se tornar agente de transformação do seu contexto. Os indivíduos são condicionados pela situação social na qual se encontram. Aceitar essas premissas é indispensável para a prática revolucionária, nascida da contradição entre as forças produtivas e as relações de produção(¹,¹⁶).

Frente à avaliação tecnológica, para o alcance da revolução da realidade, é necessário mais do que a filosofia, é preciso a filosofia se realizar em ação para a mudança, a transformação, a evolução da teoria e da prática. Esse movimento acontece apenas através da mediação proposta pela práxis(¹,²²). Quando a filosofia abandona seu caráter puramente teórico e se torna prática, é capaz de se converter em força transformadora da realidade.

A práxis se realiza quando a crítica adentra a consciência dos homens e se converte efetivamente em uma força. Portanto, a sociedade deve mediar esse processo, e isso exige a compreensão crítica da realidade e a conversão da crítica em ação e em práxis revolucionárias. Ela deve ser radical no sentido de buscar no homem o objeto central de sua análise, correspondendo às necessidades radicais, e deve partir dele e para ele enquanto elo mediador entre a filosofia e a realidade(¹,¹⁶,²²).

Na fase revolucionária, a produção artística atinge seu potencial práxico conforme adquire o sentido teórico e prático ideal, sendo capaz de instigar a consciência prática e/ou da práxis na busca pela transformação. Essa mudança ocorrerá apenas se teoria e prática estiverem (co)relacionadas(¹,¹⁶,²²). Assim, durante a revolução prática (aplicação da produção artística), a revolução teórica deverá estar presente, tornando-se ferramenta de validação das hipóteses e teorias contidas na criação.

O modelo em questão tem como limitação ainda não haver sido testado, por meio de sua utilização, com vistas à avaliação de sua flexibilidade e usabilidade em diversos ambientes e condições de saúde.

O MPDT contribuirá para o avanço do conhecimento científico, bem como da enfermagem enquanto ciência, oportunizando a pesquisadores a operacionalização de suas fases, constituídas com bases ontoepistemológicas(⁴) evidentes. O modelo, por meio de sua estrutura dialética e sistemática, permitirá a concepção de novas tecnologias de modo a torná- las significativas, aplicáveis e utilizáveis pelo contexto prático ao qual se destinam, para assim se chegar à revolução práxica esperada.

CONCLUSÃO

O homem tem em sua essência “ser criador”, mesmo não vivendo em constante estado de criação. A enfermagem tem criado (novas tecnologias) para resolver necessidades emergentes do seu cotidiano. Logo, a práxis compreende a prática conscientemente orientada que, aliada à teoria, permite ao homem transcender seu pensar e agir para analisar, interpretar e intervir no processo prático. Com esse pensar, o MPDT demonstra relevância e potencial no auxílio para pesquisadores da enfermagem e áreas afins no desenvolvimento de produtos e/ou processos tecnológicos de ressignificação da sua atividade prática.

O MPDT, por meio de sua base teórica e filosófica de práxis, permite aos pesquisadores compreender realidades, identificar problemas e propor soluções sob o olhar participativo. Sua estrutura metodológica em quatro fases traz conteúdo operacional e epistemológico para a construção, validação e avaliação da produção artística para o contexto prático.

O modelo em questão torna-se uma ferramenta importante para a resolução de problemas emergentes da prática dos profissionais de enfermagem e saúde, podendo ser aplicado em diferentes cenários profissionais.

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Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Marcia Regina Cubas

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  09 Jun 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  10 Fev 2023
• Aceito
  05 Abr 2023