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Funcionalidade familiar de idosos com alterações cognitivas: a percepção do cuidador

Funcionalidad familiar de ancianos con alteraciones cognitivas: la percepción del cuidador

Resumos

Este trabalho objetivou caracterizar os cuidadores de idosos com alterações cognitivas morando em diferentes contextos de vulnerabilidade social, e avaliar a funcionalidade familiar desses idosos segundo a percepção dos cuidadores. A funcionalidade familiar foi avaliada utilizando o instrumento APGAR de família, durante entrevistas domiciliares com 72 cuidadores de idosos. Todos os cuidados éticos foram observados. Foi utilizada a correlação de Spearman e o teste de Mann-Whitney, com nível de significância de 5% (p<0,05). Os resultados mostram que 82% dos cuidadores relatam boa funcionalidade familiar; 14%, moderada disfunção familiar; e 4%, elevada disfunção familiar. Houve correlação estatisticamente significante entre o APGAR de Família e o número de pessoas que residem na casa (p=0,048). Investigações futuras poderiam verificar a relação entre funcionalidade familiar e sobrecarga do cuidador no contexto de idosos com demência.

Idoso; Demência; Vulnerabilidade social; Cuidadores; Relações familiares; Enfermagem geriátrica


Se objetivó caracterizar a los cuidadores de ancianos con alteraciones cognitivas viviendo bajo diferentes contextos de vulnerabilidad social y evaluar la funcionalidad familiar de tales ancianos según la percepción de los cuidadores. La funcionalidad familiar fue evaluada utilizando el instrumento APGAR de familia, durante entrevistas domiciliarias con 72 cuidadores de ancianos. Todos los cuidados éticos fueron observados. Se utilizó la correlación de Spearman y e test de Mann-Whitney, con nivel de significatividad de 5% (p<0,05). Los resultados muestran que el 82% de los cuidadores refieren buena funcionalidad familiar, el 14% moderada disfunción familiar y el 4% elevada disfunción familiar. Existió correlación estadísticamente significativa entre el APGAR de Familia y el número de personas residentes en el domicilio (p=0,048). Investigaciones futuras podrían verificar la relación entre funcionalidad familiar y sobrecarga del cuidador en el contexto de ancianos afectados por demencia.

Anciano; Demencia; Vulnerabilidad social; Cuidadores; Relaciones familiares; Enfermería geriátrica


The objectives of this study were to characterize the caregivers of elderly individuals with cognitive impairment living in different contexts of social vulnerability, and assess the family functionality of the elderly as perceived by the caregivers. Family functionality was evaluated using the Family APGAR instrument, assessed during home interviews with 72 caretakers. All the ethical aspects were observed. Spearman's correlation and the Mann-Whitney test were used, with 5% significance level (p<0.05). Results show that 82% of caregivers reported a good family functionality, 14% reported moderate family dysfunction, and 4% reported high family dysfunction. A statistically significant correlation was found between Family APGAR and the number of people living in the house (p=0.048). Further studies could verify the relationship between family functionality and the caretaker's overload in the context of elderly persons with dementia.

Aged; Dementia; Social vulnerability; Caregivers; Family relations; Geriatric nursing


ARTIGO ORIGINAL

Funcionalidade familiar de idosos com alterações cognitivas: a percepção do cuidador* * Extraído da dissertação "Idosos com alterações cognitivas: um estudo sobre a funcionalidade familiar em contexto de pobreza", Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal de São Carlos, 2009.

Funcionalidad familiar de ancianos con alteraciones cognitivas: la percepción del cuidador

Ariene Angelini dos SantosI; Sofia Cristina Iost PavariniII

IEnfermeira. Mestre em Enfermagem pela Universidade Federal de São Carlos. Membro do Grupo de Pesquisa Saúde e Envelhecimento e do Grupo de Pesquisa Saúde e Família – CNPq. São Carlos, SP, Brasil, arieneangelini@yahoo.com.br

IIEnfermeira. Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas. Professora Associada do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de São Carlos. Vice Coordenadora do Programa do Idoso da Unidade Saúde Escola. Coordenadora do Projeto Tecnologia de Cuidado para Idosos com Alterações Cognitivas (FINEP). Líder do Grupo de Pesquisa Saúde e Envelhecimento do CNPq. Membro do Grupo de Pesquisa Saúde e Família. São Carlos, SP, Brasil, sofia@ufscar.br

Correspondência Correspondência: Ariene Angelini dos Santos Rua Paraguai, 642 - Nova Estância CEP 13.566-650 – São Carlos, SP, Brasil

RESUMO

Este trabalho objetivou caracterizar os cuidadores de idosos com alterações cognitivas morando em diferentes contextos de vulnerabilidade social, e avaliar a funcionalidade familiar desses idosos segundo a percepção dos cuidadores. A funcionalidade familiar foi avaliada utilizando o instrumento APGAR de família, durante entrevistas domiciliares com 72 cuidadores de idosos. Todos os cuidados éticos foram observados. Foi utilizada a correlação de Spearman e o teste de Mann-Whitney, com nível de significância de 5% (p<0,05). Os resultados mostram que 82% dos cuidadores relatam boa funcionalidade familiar; 14%, moderada disfunção familiar; e 4%, elevada disfunção familiar. Houve correlação estatisticamente significante entre o APGAR de Família e o número de pessoas que residem na casa (p=0,048). Investigações futuras poderiam verificar a relação entre funcionalidade familiar e sobrecarga do cuidador no contexto de idosos com demência.

Descritores: Idoso. Demência. Vulnerabilidade social. Cuidadores. Relações familiares. Enfermagem geriátrica.

RESUMEN

Se objetivó caracterizar a los cuidadores de ancianos con alteraciones cognitivas viviendo bajo diferentes contextos de vulnerabilidad social y evaluar la funcionalidad familiar de tales ancianos según la percepción de los cuidadores. La funcionalidad familiar fue evaluada utilizando el instrumento APGAR de familia, durante entrevistas domiciliarias con 72 cuidadores de ancianos. Todos los cuidados éticos fueron observados. Se utilizó la correlación de Spearman y e test de Mann-Whitney, con nivel de significatividad de 5% (p<0,05). Los resultados muestran que el 82% de los cuidadores refieren buena funcionalidad familiar, el 14% moderada disfunción familiar y el 4% elevada disfunción familiar. Existió correlación estadísticamente significativa entre el APGAR de Familia y el número de personas residentes en el domicilio (p=0,048). Investigaciones futuras podrían verificar la relación entre funcionalidad familiar y sobrecarga del cuidador en el contexto de ancianos afectados por demencia.

Descriptores: Anciano. Demencia. Vulnerabilidad social. Cuidadores. Relaciones familiares. Enfermería geriátrica.

INTRODUÇÃO

Atualmente, o Brasil vivencia um momento de transição demográfica, em virtude do aumento progressivo da população idosa. Concomitantemente a isso, há também uma modificação na epidemiologia das doenças, que passam de agravos infecciosos a doenças crônico-degenerativas e não transmissíveis(1-2).

Dentre as condições crônicas não transmissíveis, podemos citar a demência. Sabe-se atualmente, que a prevalência de demência aumenta em grupos etários mais avançados(3). Esse aumento da prevalência de demência em grupos etários mais avançados é preocupante, uma vez que idosos com demência podem ser considerados vulneráveis(4).

A vulnerabilidade é um construto multidimensional entendido como um processo de estar em risco para alteração na condição de saúde, resultante de recurso econômico, social, psicológico, familiar, cognitivo ou físico inadequado(5). Pessoas idosas em contextos de pobreza parecem ser altamente vulneráveis aos estressores, ficando mais expostas a problemas de saúde.

Dessa forma, a situação de cronicidade de problemas de saúde, aliada à maior expectativa de vida, pode comprometer a capacidade funcional e autonomia dos idosos, tornando-os assim dependentes de um cuidador(6).

No Brasil, o cuidado destinado a pessoas idosas dependentes dá-se tradicionalmente no âmbito familiar. A família é reconhecida como fonte primária de apoio e a figura feminina é eleita como agente desse cuidado(7).

Ultimamente, as famílias têm passado por algumas transformações. Sua estrutura era ampliada e hoje tornou-se nuclear, com rearranjos visando o atendimento das necessidades dos membros mais velhos e dependentes neste novo contexto(8). É preciso avaliar a funcionalidade familiar, pois não há certeza de que essa nova família esteja preparada para assumir a tarefa de cuidadora(9).

A avaliação da funcionalidade familiar pode ser realizada com um instrumento denominado APGAR de Família (Family Apgar), desenvolvido em 1978, por G. Smilkstein, tendo sido traduzido, adaptado e validado para nossa cultura(10). É um instrumento composto por cinco questões que permitem a mensuração da satisfação dos membros da família em relação a cinco componentes considerados básicos na unidade e funcionalidade de qualquer família: adaptação, companheirismo, desenvolvimento, afetividade e capacidade resolutiva(11).

Pesquisas sobre a utilização do APGAR com familiares e cuidadores de idosos ainda são escassas. Destaca-se um estudo realizado em São Paulo, que comparou o resultado do APGAR em idosos brasileiros independentes, dependentes e em seus cuidadores. Os resultados mostraram que o APGAR foi capaz de verificar o impacto da dependência na dinâmica familiar. Os valores do APGAR de família foram mais elevados no grupo dos idosos independentes, seguido pelo dos idosos dependentes e por último pelo dos cuidadores. Valores inferiores do APGAR de família nos grupos de idosos dependentes e no grupo dos cuidadores de idosos mostraram que o funcionamento da família no cumprimento de suas funções, enquanto unidade familiar está mais comprometido nesses grupos quando comparados aos valores obtidos no grupo dos idosos independentes(11).

Um trabalho realizado na Colômbia teve como sujeitos 35 idosos dependentes funcionalmente que viviam na comunidade da cidade de Buenaventura e seus cuidadores. Os resultados mostraram que a maioria dos cuidadores era do sexo feminino (91%), com idade média de 49,4 anos, com escolaridade variando em torno de cinco anos (60%), sendo que o grau de parentesco predominante com o idoso cuidado é de filha (57%). Houve correlação significativa entre a sobrecarga do cuidador e o APGAR de Família, sendo que os cuidadores sobrecarregados avaliaram sua família como disfuncional(12).

Há uma lacuna na produção de conhecimento relacionada a cuidadores de idosos com alterações cognitivas e em diversos contextos de vulnerabilidade social. Assim, objetivou-se com esse trabalho caracterizar os cuidadores de idosos com alterações cognitivas morando em diferentes contextos de vulnerabilidade social e avaliar a funcionalidade familiar desses idosos segundo a percepção dos cuidadores.

MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo, transversal, baseado nos pressupostos da pesquisa quantitativa. Foi realizado em São Carlos, município do interior do Estado de São Paulo. Segundo o Censo de 2010, São Carlos possuía 221.950 habitantes, sendo 12,92% referentes à população com 60 anos de idade ou mais. Em 2007, havia no município doze equipes de Saúde da Família, que ofereciam atendimento a aproximadamente 4700 idosos, sendo 8,7% do total de pessoas de todas as idades cadastradas.

Nessa pesquisa, foi considerado o Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS). O IPVS classifica os setores censitários do Estado de São Paulo segundo níveis de vulnerabilidade social a que estão sujeitos os seus residentes, variando de um (nenhuma vulnerabilidade) a seis (vulnerabilidade muito alta)(9). Levou-se em consideração o Índice Paulista de Vulnerabilidade Social da Unidade de Saúde da Família - USF onde o idoso estava cadastrado.

Primeiramente, foi realizado o levantamento das Unidades de Saúde da Família do município e identificado cada setor censitário com o seu respectivo Índice Paulista de Vulnerabilidade Social. Foi localizado o setor censitário da USF através do endereço e, com o apoio da unidade do IBGE no município, conferidos os dados. Em seguida, foi realizada a consulta ao mapa do Índice Paulista de Vulnerabilidade Social, para verificação do Índice atribuído àquele setor censitário.

Não participaram desse estudo as unidades que possuíam IPVS 1, ou seja, sem vulnerabilidade social e aquelas unidades que não possuíam IPVS avaliado no momento da coleta de dados. Foram incluídas as unidades inseridas em diferentes contextos de vulnerabilidade social, desde unidades com IPVS 2 até 6 (Vulnerabilidade Muito Baixa até Vulnerabilidade Muito Alta)(9).

Em seguida, os idosos com alterações cognitivas foram identificados em um banco de dados do Grupo de Pesquisa Saúde e Envelhecimento – UFSCar - CNPq e confirmados junto à equipe de Saúde da Família para atualização dos dados. Para o rastreio dos idosos com alterações cognitivas foi reaplicado o instrumento denominado Mini Exame do Estado Mental (MEEM), traduzido, adaptado e validado(13). Os idosos que apresentaram resultado abaixo da nota de corte, de acordo com o grau de escolaridade, foram considerados portadores de alterações cognitivas. As notas de corte utilizadas foram: para analfabetos 18 pontos, com um a três anos de escolaridade 21 pontos, com quatro a sete anos de escolaridade 24 pontos e com oito anos de escolaridade ou mais 26 pontos. Os cuidadores foram selecionados a partir dos idosos em questão(14).

Constavam no Banco de Dados 1578 idosos cadastrados e uma amostra de 755 idosos foi avaliada em relação a sua cognição. Foram identificados neste banco 195 idosos com o MEEM abaixo da nota de corte. Uma amostra de 88 idosos, definida por critérios estatísticos, representou os idosos com alterações cognitivas cadastrados nas seis Unidades de Saúde da Família de interesse. Destes 88 idosos, 72 possuíam um cuidador que participaram da coleta de dados da pesquisa(15).

Foram sujeitos desta pesquisa, portanto, 72 cuidadores primários de idosos com alterações cognitivas, de regiões com diferentes índices de vulnerabilidade social (M=63; H=9). Os critérios de inclusão dos sujeitos foram: ser o cuidador principal referido pelo idoso; estar em uma região com IPVS superior a um; assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Todos os cuidados éticos que regem pesquisas com seres humanos foram observados e respeitados, segundo a Resolução 196/96. O projeto foi aprovado em 06 de junho de 2008 pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade onde a pesquisa foi realizada (Parecer 253/ 2008).

A coleta de dados teve início após a leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos participantes.

Foram realizadas entrevistas individuais e domiciliares, previamente agendadas, nas residências dos 72 cuidadores de idosos com alterações cognitivas. Os dados foram coletados no período de julho a dezembro de 2008. A coleta de dados consistiu de uma entrevista estruturada, utilizando-se o instrumento denominado APGAR de Família, com intuito de medir a funcionalidade familiar e um instrumento previamente elaborado contendo dados como sexo, idade, estado civil, escolaridade, morbidade referida, renda, co-residência com o idoso, tipo de ligação com o idoso, existência de ajuda para cuidar do idoso e a relação de parentesco com o idoso.

Para a análise dos dados, foi utilizada a correlação de Spearman e o teste de Mann-Whitney, com nível de significância de 5% (p<0,05).

RESULTADOS

Foram entrevistados 72 cuidadores. Destes, 50% (n=36, sendo 32 mulheres e 4 homens) pertencem a regiões de baixa e média vulnerabilidade social e 50,0% (n=36, sendo 31 mulheres e 5 homens) a regiões de alta e muito alta vulnerabilidade social. Para cada idoso, foi considerado o cuidador primário referido pelo próprio idoso.

A Tabela 1 mostra as características sócio-demográficas dos cuidadores dos idosos com alterações cognitivas desse estudo.

Os cuidadores dos idosos participantes dessa pesquisa são predominantemente mulheres (87,5%), casados (63,9%), com idade entre 41 a 60 anos (38,9%), com média de idade de 50,0 anos (desvio padrão= 17,7; mediana= 51,0 anos) e, que, na maior parte das vezes, co-residem com o idoso (76,4%).

Em relação à escolaridade dos cuidadores, a maioria possui ensino fundamental incompleto (43,0%).

Em relação à renda, 75,0% dos cuidadores afirmam não trabalhar fora e 36,1% relatam não possuir renda. Alguns cuidadores não trabalham fora de casa, porém possuem renda (n=28, 38,8%). Esse rendimento é proveniente de pensão ou atividades informais como costurar, fazer doces e salgados para vender.

Quando os cuidadores foram questionados sobre o motivo pelo qual cuidam destes idosos, 50,0% afirmam que o cuidado é exercido por vontade, desejo próprio e 41,7% por ser a única pessoa disponível para realizar tal tarefa.

Aproximadamente 65,0% dos cuidadores dos idosos dizem não apresentar doença no momento da coleta de dados, 29,2% relatam hipertensão arterial, 4,2% diabetes, 4,2% osteoporose, 1,4% artrite/artrose.

Em relação à ajuda recebida para cuidar dos idosos, 51,4% dos cuidadores afirmam não receber ajuda para o cuidado destinado aos idosos.

Quanto à funcionalidade familiar relatada pelos cuidadores dos idosos, 82% afirmam boa funcionalidade familiar, 14% moderada disfunção familiar e 4% elevada disfunção (Figura 1).


Houve correlação estatisticamente significante entre o APGAR de Família e o número de pessoas que residem na casa (p=0,048).

Em relação ao sexo, 89% dos cuidadores do sexo masculino afirmam possuir boa funcionalidade familiar e 11% deles moderada disfunção familiar. Quando se trata de cuidadores do sexo feminino, 80% apresentam boa funcionalidade familiar, 15% moderada disfunção familiar e 5% elevada disfunção familiar (Figura 2).


Na comparação do APGAR de Família de cuidadores homens e mulheres, através do teste de Mann-Whitney, verificou-se que os escores apresentados não foram significativamente diferentes (p=0,718).

Em relação às faixas etárias, observa-se boa funcionalidade familiar em 82% dos cuidadores com até 40 anos, em 82% dos cuidadores com idade entre 41 e 60 anos, em 75% dos cuidadores pertencentes à faixa etária dos 61 aos 70 anos e em 90% dos cuidadores com 71 anos ou mais (Figura 3).


Na avaliação do grau de correlação do APGAR de Família com a idade dos cuidadores dos idosos, através do coeficiente de correlação de Spearman, verificou-se que as correlações não foram significativas (coeficiente de correlação = 0,19 e p = 0,876).

Em relação às regiões de vulnerabilidade social, 83% dos cuidadores dos idosos que moram em contextos de pobreza apresentam boa funcionalidade familiar, 14% moderada disfunção familiar e 3% elevada disfunção familiar. Em relação aos cuidadores dos idosos que vivem em contextos de baixa e média vulnerabilidade social, 80% apresentam boa funcionalidade familiar, 14% moderada disfunção familiar e 6% elevada disfunção familiar (Figura 4).


De acordo com o teste de Mann Whitney, não houve diferença significativa entre o grupo de alta e muito alta vulnerabilidade social e o grupo de baixa e média vulnerabilidade social com relação ao APGAR de Família (p>0,05).

DISCUSSÃO

Houve predomínio de cuidadores do sexo feminino, casados, adultos, com baixa escolaridade e que, na maior parte das vezes, co-residiam com o idoso. Vários estudos que corroboram esses achados foram encontrados na literatura(2,7,15-17).

Esse fato reflete um padrão cultural brasileiro em que o papel de cuidador principal ainda é visto como uma função feminina, especialmente de esposas ou filhas do idoso. Há casos em que os idosos recebem assistência de cuidadores secundários no desempenho de atividades instrumentais de vida diária. Nesse caso, uma porcentagem significativa de homens (40%) desempenham esse papel(18).

A maior parte dos cuidadores cursou o ensino fundamental incompleto. O baixo nível de escolaridade pode apresentar-se como barreira no processo da educação em saúde. Quando o conhecimento do cuidador é limitado, é necessário que os profissionais de saúde utilizem os mais variados recursos e dinâmicas para alcançar os objetivos desejados. Baixos níveis de escolaridade podem interferir na prestação de cuidados aos idosos, com queda na qualidade do serviço prestado, sendo necessária uma atenção redobrada dos profissionais aos cuidadores, a fim de ensiná-los a prevenir possíveis enganos(19).

Nessa pesquisa, a maioria dos cuidadores co-residiam com os idosos. Alguns estudos mostram que, além de fatores de gênero e parentesco, ser escolhido ou decidir assumir as tarefas de cuidar pode depender de outros eventos, como por exemplo, morar na mesma casa. A co-residência pode significar melhora nas condições de vida tanto das gerações mais velhas como das mais jovens(20).

Ao serem questionados sobre ajuda recebida, a maioria dos cuidadores relatou não receber ajuda de outras pessoas, sejam familiares ou profissionais. Os cuidadores, ao desempenharem sozinhos o seu papel, sentem-se sobrecarregados. A tarefa de cuidar, quando realizada por uma só pessoa, pode gerar estresse(21). Estudos com cuidadores mostram também que o cuidador, ao assumir sozinho os cuidados do idoso no domicílio, manifesta frequentemente seu desconforto e sentimento de solidão, quando não sente apoio de outros membros da família(22).

Quanto à funcionalidade familiar relatada pelos cuidadores dos idosos, a maioria dos entrevistados (82%) afirma possuir boa funcionalidade familiar. Foram encontradas na literatura pesquisas compatíveis com nossos achados(11-12).

Um estudo realizado na cidade de São Paulo comparou o resultado do Apgar de Família em idosos brasileiros independentes (n=98), dependentes (n=51) e seus cuidadores (n=51). Como resultados, obteve que a média do escore total do APGAR de Família foi diferente entre os grupos estudados, sendo maior para idosos independentes, seguida da obtida para idosos dependentes e para cuidadores. A média mais baixa do grupo de cuidadores, semelhante aos resultados encontrados nessa pesquisa, embora sugira uma visão menos favorável do sistema familiar, ainda totaliza um escore que classifica a dinâmica da família como boa funcionalidade (11).

Uma pesquisa realizada na Colômbia teve como sujeitos 35 idosos dependentes funcionalmente e seus cuidadores. Os resultados mostram que dos 35 cuidadores, 19 não relataram sobrecarga e tiveram pontuações indicativas de boa funcionalidade familiar. E 16 cuidadores, relataram estar sobrecarregados com o cuidado exercido e obtiveram pontuações indicativas de disfunção familiar, seja moderada ou elevada. Os autores constataram que quanto maior a sobrecarga do cuidador, menor a pontuação obtida no APGAR de Família, indicando disfunção familiar(12).

Embora a maioria das pesquisas encontradas revele boa funcionalidade familiar, há necessidade de serem desenvolvidos mais estudos nessa área, pois ainda são escassos. O aumento da prevalência de demências e da necessidade cada vez maior de um cuidador apontam para a necessidade de investigações em relação à funcionalidade familiar de idosos com alterações cognitivas na ótica da família com vistas a qualidade do cuidado a ser realizado neste contexto.

CONCLUSÃO

Não houve correlação significativa entre APGAR de Família e grupos de vulnerabilidade social, sexo e idade dos cuidadores de idosos com alterações cognitivas. Porém, houve significância estatística entre o APGAR de Família e o número de pessoas que residem na casa com o idoso, o que traz indicativos de que quanto mais pessoas co-residirem com o idoso, melhor será a funcionalidade familiar.

Conhecer o perfil dos cuidadores e a funcionalidade familiar sob a ótica deles permite aos profissionais de saúde planejar e implementar políticas e programas públicos de suporte social à família, voltados à realidade do cuidador. Torna-se imprescindível a atenção aos cuidadores de idosos com alterações cognitivas no âmbito da saúde pública, pois certamente resultará em melhor qualidade de vida não só para o cuidador, como também para o idoso. Há a necessidade de implementar um Protocolo de Avaliação do Cuidador de Idosos assim como já existe em relação ao idoso, à mulher, à criança, ao hipertenso, ao portador de diabetes, dentre outros.

Investigações futuras poderiam verificar a relação entre funcionalidade familiar e sobrecarga do cuidador no contexto de idosos com demência.

Agradecimentos

Agradecemos o apoio fi nanceiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) eà Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Recebido: 27/04/2011

Aprovado: 14/02/2012

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  • Correspondência:

    Ariene Angelini dos Santos
    Rua Paraguai, 642 - Nova Estância
    CEP 13.566-650 – São Carlos, SP, Brasil
  • *
    Extraído da dissertação "Idosos com alterações cognitivas: um estudo sobre a funcionalidade familiar em contexto de pobreza", Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal de São Carlos, 2009.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Dez 2012
    • Data do Fascículo
      Out 2012

    Histórico

    • Recebido
      27 Abr 2011
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