Open-access Violência sexual contra crianças e adolescentes: uma análise da prevalência e fatores associados*

Violencia sexual contra niños y adolescentes: análisis de la predominancia y factores relacionados

RESUMO

Objetivo:  Analisar a prevalência e os fatores associados à violência sexual contra crianças e adolescentes, residentes no município de Petrolina/Pernambuco.

Método:  Estudo do tipo ecológico, realizado com os dados de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, coletados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação e analisados conforme estatística descritiva e inferencial, com regressão logística múltipla.

Resultados:  Foram registrados 1.232 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes, com uma prevalência de 30,6%. A violência sexual apresentou maior chance de ocorrência para vítimas do sexo feminino (Odds Ratio = 11,39), em sua própria residência (Odds Ratio = 1,96), sendo o pai o agressor com mais chance de praticar o ato violento (Odds Ratio = 8,97). O consumo de álcool pelo agressor aumentou a chance para o desfecho (Odds Ratio = 2,26).

Conclusão:  A prevalência da violência sexual e os fatores associados apontam para a necessidade de implementação de práticas humanizadas dentro de uma rede integrada de serviços de saúde com os demais sistemas públicos, visando a promoção, proteção e defesa dos direitos de crianças e adolescentes.

DESCRITORES
Delitos Sexuais; Abuso Sexual na Infância; Criança; Adolescente; Enfermagem Pediátrica; Sistemas de Informação da Saúde

ABSTRACT

Objective:  To analyze the prevalence and factors associated with sexual violence against children and adolescents in the city of Petrolina/Pernambuco.

Method:  Ecological study carried out with data from children and adolescents who were victims of sexual violence, collected in the Information System for Notifiable Diseases and analyzed according to descriptive and inferential statistics, with multiple logistic regression.

Results:  A total of 1,232 cases of sexual violence against children and adolescents were registered, with a prevalence of 30.6%. Sexual violence was more likely to occur among female victims (Odds Ratio = 11.39), in their own home (Odds Ratio = 1.96), and the father was the most likely aggressor (Odds Ratio = 8.97). Alcohol use by the aggressor increased the chance for the outcome (Odds Ratio = 2.26).

Conclusion:  The prevalence of sexual violence and associated factors point to the need to implement humane practices within a network of health services integrated with other public systems, with the objective of promoting, protecting and defending the rights of children and adolescents.

DESCRIPTORS
Sex Offences; Child Abuse, Sexual; Child; Adolescent; Pediatric Nursing; Health Information Systems

RESUMEN

Objetivo:  Analizar la predominancia y los factores asociados a la violencia sexual contra niños y adolescentes residentes en la ciudad de Petrolina, Pernambuco.

Método:  Se trata de un estudio ecológico realizado con los datos de niños y adolescentes víctimas de violencia sexual, recogidos en el Sistema de Información de Agravantes de Notificaciones y analizados mediante la estadística descriptiva e inferencial, con regresión logística multinomial.

Resultados:  Se registraron 1.232 casos de violencia sexual contra niños y adolescentes, con una prevalencia del 30,6%. El acaecimiento de la violencia sexual era mayor en las víctimas femeninas (Odds Ratio = 11,39), en su propia residencia (Odds Ratio = 1,96), siendo el padre el agresor con mayor probabilidad de practicar el acto violento (Odds Ratio = 8,97). El consumo de alcohol por parte del agresor aumentaba la posibilidad de ese desenlace (Odds Ratio = 2.26).

Conclusión:  La predominancia de la violencia sexual y los factores relacionados demuestran la necesidad de implementar prácticas humanizadas dentro de una red integrada de servicios de salud y demás sistemas públicos con el fin de promover, proteger y defender los derechos de los niños y adolescentes.

DESCRIPTORES
Delitos Sexuales; Abuso Sexual Infantil; Niño; Adolescente; Enfermería Pediátrica; Sistemas de Información en Salud

INTRODUÇÃO

Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punindo perante a lei qualquer atentado, por ação ou omissão, que interfira em seus direitos fundamentais(1).

Considerada como um problema de saúde pública complexo, multifacetado e endêmico, a violência sexual nasce nas relações de desigualdade e de poder, sustentadas por um contexto sociocultural. Todas as classes sociais são afetadas, independente do gênero, raça ou etnia, estruturando-se a partir de uma dinâmica arbitrária entre agressor, crianças e adolescentes, envolvendo a família e danificando todo o tecido social(2).

Esse tipo de violência se caracteriza pelo estímulo sexual da criança ou adolescente, cujo agressor tem idade ou desenvolvimento psicossexual superior ao da vítima. Pode envolver relações homo ou heterossexuais e ocorrer através de situações como estupro, incesto, assédio e exploração sexual, pornografia, pedofilia, manipulação de genitália, mama ou ânus, até o ato sexual com penetração, imposição de intimidades, exibicionismo, jogos sexuais, práticas eróticas não consentidas e impostas, além de “voyeurismo”(3).

De acordo com o relatório da United Nations Children´s Fund (UNICEF), “A Familiar Face: Violence in the lives of children and adolescents”, publicado no ano de 2017, a cada sete minutos, em algum lugar do mundo, uma criança ou adolescente é vítima de violência e, aproximadamente, 15 milhões de adolescentes do sexo feminino, entre 15 e 19 anos, foram vítimas de relações sexuais ou outros atos sexuais forçados(4).

No Brasil, dados do Disque 100 mostraram que a violência sexual contra crianças e adolescentes foi o quarto tipo de violência mais recorrente no país em 2017(5). Além disso, de acordo com registros do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), no ano de 2011, foram atendidas 10.425 crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. Desse total, a maioria dos casos era do sexo feminino (83,2%) e a maior incidência de atendimentos ocorreu na faixa etária de 10 a 14 anos, com uma taxa de 23,8 notificações para cada 100 adolescentes(6).

No Nordeste brasileiro, um estudo sobre a violência sexual em crianças e adolescentes, realizado em Recife/Pernambuco, no período de 2012-2013, identificou que a maioria das vítimas era do sexo feminino (92,1%) e estava na faixa etária de 10 a 14 anos (59,2%)(7).

Para dar visibilidade à violência, identificando sua magnitude, tipologia, gravidade, perfil das pessoas envolvidas, local de ocorrência e outras características relacionadas ao evento, o Ministério da Saúde implantou, em 2016, o Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA), cujo instrumento padronizado de coleta é a Ficha de Notificação de Violência Interpessoal/Autoprovocada registrada no SINAN(8).

A notificação é uma dimensão da linha de cuidado para atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violência, que assegura o acolhimento, atendimento, os cuidados profiláticos, o tratamento, o seguimento na rede de cuidado e a proteção social, além de ações de vigilância, prevenção das violências e promoção da saúde e da cultura da paz(9).

A violência sexual muitas vezes se torna invisível, seja pelo medo da denúncia dos episódios ou pela fragilidade dos serviços públicos de saúde em acolher e acompanhar a criança e o adolescente em situação de violência. O conhecimento da magnitude dos casos possibilita conclusões mais precisas sobre o fenômeno e fortalece as políticas públicas no enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil. Dessa forma, este estudo teve como objetivo analisar a prevalência e os fatores associados à violência sexual contra crianças e adolescentes, residentes no município de Petrolina/Pernambuco, no período de 2010 a 2017.

MÉTODO

Desenho do estudo

Trata-se de um estudo do tipo ecológico, de caráter descritivo e inferencial.

Cenário

Localizada no interior do estado de Pernambuco, Petrolina apresenta uma população de 293.962 habitantes. Desse total, a população de meninos e meninas entre zero e 19 anos, residentes no município, corresponde a 56.722 e 55.637 habitantes, respectivamente(10).

A rede de atenção para crianças e adolescentes vítimas de violência estrutura-se na atenção primária à saúde, como coordenadora do cuidado no território, totalizando 55 Unidades Básicas de Saúde distribuídas pelo município(11). Também integram essa rede de cuidado os serviços de atenção especializada o Hospital Universitário, Hospital Dom Malan – referência no atendimento às vítimas de violência sexual no estado –, Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) e Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil (CAPS i), serviços da justiça e polícia, Delegacias - atendimento ao público em geral –, Delegacia da Mulher e Ministério Público, serviços de assistência jurídica e social: Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS), Conselho Tutelar e Centro de Referência de Atendimento à Mulher Valdete Cezar, dentre outros Núcleo de Prevenção da Violência, Secretaria da Mulher e Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência(12).

População

A população do estudo foi constituída pelo registro dos casos de violência sexual ocorridos entre zero e 19 anos de idade, no período de janeiro de 2010 a dezembro de 2017, de crianças e adolescentes residentes no município de Petrolina/Pernambuco, registrados no SINAN. Foram delineados os seguintes critérios de inclusão: casos de violência sexual, registrados no SINAN, ocorridos em crianças e adolescentes, residentes no município, com idade entre zero e 19 anos, conforme fundamentação cronológica elaborada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que considera criança a pessoa de zero a 9 anos e adolescente o indivíduo de 10 a 19 anos(3). Foram excluídos do estudo os casos que não tinham registro do tipo de violência e que ocorreram fora da classificação etária estabelecida, além de vítimas não residentes no município.

Coleta de dados

A coleta de dados foi realizada entre os meses de agosto e setembro de 2018, a partir das informações constantes na ficha de notificação/investigação individual de violência doméstica, sexual e/ou outras violências interpessoais e autoprovocadas, no banco de dados do SINAN, disponibilizados pela Secretaria Municipal de Saúde de Petrolina. Quanto à seleção das informações, a variável dependente contemplou a violência sexual e as variáveis independentes foram divididas em dados relacionados à vítima (faixa etária e sexo da vítima) e à ocorrência (zona e local de ocorrência, se ocorreu outras vezes, sexo do agressor, relação do agressor com a vítima, suspeita de uso de álcool pelo agressor e número de envolvidos).

Análise e tratamento dos dados

Os dados foram organizados no programa Microsoft Excel 2016 e posteriormente exportados para o programa Stata versão 14.0, software utilizado para o processamento de dados. Inicialmente, realizou-se análise descritiva por meio de distribuição de frequências absolutas e relativas, com vistas à caracterização dos casos de violência sexual. Medida de tendência central foi aplicada, calculando a mediana de idade da vítima. Em seguida, foi realizada regressão logística binária em duas etapas.

Na primeira, a análise bivariada adotou o p-valor <0,20 como critério de inclusão das variáveis no modelo múltiplo. Após essa etapa, procedeu-se à análise multivariada com a finalidade de verificar a associação entre a violência sexual e as variáveis independentes, estimando o Odds Ratio (OR) e seus respectivos intervalos de confiança a 95% (IC95%), e considerando o nível de significância estatística de 5% (p<0,05).

Aspectos éticos

A pesquisa respeitou os princípios éticos legais contidos na resolução n° 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde, tendo sido apreciada pelo Comitê de Ética em Pesquisa Científica da Universidade de Pernambuco e aprovada por meio do parecer consubstanciado n° 2.701.141, em 2018.

RESULTADOS

No período de janeiro de 2010 a dezembro de 2017, foram registrados 1.232 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes, calculando uma prevalência de 30,6% (IC95%: 29,2 – 32,0) ao longo dos anos. Os maiores percentuais de casos de violência sexual foram verificados nos anos de 2013 (18,3%), 2014 (28,0%) e 2016 (16,0%) (Figura 1).

Figura 1
Percentual de casos de violência sexual contra crianças e adolescentes, segundo ano de ocorrência – Petrolina, PE, Brasil, 2010 a 2017.

Quanto às variáveis relacionadas à vítima (Tabela 1), a mediana de idade das vítimas foi de 13 anos, sendo que o maior número de casos se concentrou na faixa etária de 10 a 19 anos (80,4%), com predomínio de crianças e adolescentes do sexo feminino (95,8%). Ao avaliar as variáveis relacionadas à ocorrência (Tabela 2), a zona urbana deteve o maior percentual de casos (67,3%) e a residência foi o local com mais registros de violência sexual (89,9%). Não foi observada recorrência da violência sexual na maioria dos casos (52,9%). Grande parte das vítimas foi agredida por indivíduos do sexo masculino (97,3%), sendo o(a) namorado(a) o tipo de agressor mais frequente (33,8%). Verificou-se que o uso de bebida alcoólica por parte do agressor não tinha ocorrido na maioria dos episódios (92,8%) e, considerando o número de envolvidos, a violação sexual tinha sido praticada por uma pessoa em grande parte dos casos (95,1%).

Tabela 1
Distribuição das características sociodemográficas de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual – Petrolina, PE, Brasil, 2010 a 2017.
Tabela 2
Distribuição das características de ocorrência da violência sexual perpetrada contra crianças e adolescentes – Petrolina, PE, Brasil, 2010 a 2017.

Ao ajustar as variáveis do estudo no modelo múltiplo, foi observada associação estatisticamente significante entre a violência sexual e a idade da vítima (OR = 0,91), apontando menor chance de vitimização sexual a cada aumento de um ano de idade. Crianças e adolescentes do sexo feminino tiveram uma chance 11 vezes maior de serem vítimas de violência (OR = 11,39), assim como a residência foi associada com o cenário de maior acontecimento dos casos (OR = 1,96). Houve menor chance de recorrência (OR = 0,45) e, quanto ao sexo do agressor, foi observada menor possibilidade da violência ser praticada por mulheres (OR = 0,02) ou por ambos os sexos (OR = 0,03). O pai teve maior chance de ser o autor da agressão (OR = 8,97) e o uso de álcool pelo agressor esteve associado à maior ocorrência de violência sexual (OR = 2,26). As demais variáveis não se apresentaram associadas à violência (p > 0,05) (Tabela 3).

Tabela 3
Modelo de regressão logística multivariada entre a violência sexual contra crianças e adolescentes e as variáveis relacionadas à vítima e à ocorrência – Petrolina, PE, Brasil, 2010 a 2017.

DISCUSSÃO

A prevalência da violência sexual contra crianças e adolescentes foi semelhante a outros dados apontados na literatura, revelando a elevada magnitude desse problema e sua maior ocorrência em vítimas do sexo feminino(1315). Dados publicados pela OMS, a partir de estudos realizados em regiões como África, Ásia e Austrália, estimaram que a prevalência de abuso sexual, por gênero, era de 18% para meninas, contra 8% para meninos(16). Outra pesquisa, feita em países de média e baixa renda, sinalizou que a prevalência de relações sexuais forçadas contra meninas, com idade entre 15 e 19 anos, variou de zero a 22% em países como Quirguistão e Camarões, respectivamente(17).

A análise dos 1.232 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes mostrou uma variação na frequência dos episódios, sendo que os anos de 2013, 2014 e 2016 apresentaram os maiores percentuais. Esse achado pode indicar uma melhoria na atuação de agentes notificadores, frente à proteção dos direitos e necessidades de crianças e adolescentes, por meio da capacitação de pessoal na área de violência e divulgação do módulo de violência no SINAN, como ferramenta eletrônica para combater a violência(1819). No entanto, a subnotificação do ato violento, possivelmente, encontra-se mais elevada, dificultando uma caracterização precisa da situação da violência(7).

No que se refere às variáveis relacionadas à vítima, a menor idade esteve associada à violência sexual, evidenciando que o aumento de um ano de idade da vítima diminui a chance de sofrer violência sexual. Apesar de crianças serem mais vulneráveis, em todas as idades, os riscos aos quais estão expostas variam com o estágio de desenvolvimento, uma vez que as mais jovens têm menos experiência, maturidade e menor força física que os adultos, tornando-se alvo de pessoas em quem confiam e mantêm dependência, sendo tal condição uma barreira para a revelação dos episódios de violência(17,20).

Destaca-se ainda que crianças e adolescentes do sexo feminino tiveram mais chances de sofrer violência sexual, corroborando diversas outras literaturas trazidas(1317,1924) e reforçando as evidências de fragilidade feminina nas relações de gênero, seja oriunda da condição de superior força física do sexo masculino, da desigualdade expressa nas relações de gênero e a vulnerabilidade, seja decorrente do risco da mulher para vitimização por violência, sobretudo entre crianças e adolescentes(7).

Embora as meninas tenham maior probabilidade de sofrer a violência sexual em comparação com os meninos, uma pesquisa realizada na Arábia Saudita identificou que crianças do sexo masculino tiveram 2,9 vezes mais chances de sofrer abuso sexual do que as vítimas do sexo feminino(21). Estudos acreditam que haja uma sub-representação da violência sexual entre meninos, estando atrelada a fatores que se configuram como barreira para a revelação dos episódios, como o sentimento de culpa pelo abuso, o estereótipo de gênero, o medo de serem vistos como homossexuais ou a crença de que meninos raramente são vitimados(20).

Quanto ao local de ocorrência, a residência da própria vítima permaneceu como o principal cenário para o desfecho. Esse achado coaduna com outras pesquisas, que também descreveram o ambiente domiciliar como o espaço de maior convívio com os prováveis agressores(2526). O domicílio é o cenário de diversos tipos de violência, sendo que sua privacidade contribui para o silêncio dos episódios recorrentes, o que desconstrói na criança e no adolescente a imagem de um lugar protetor e de confiança. Todo esse contexto dificulta o conhecimento dessas particularidades e a adoção de medidas de intervenção(26).

Ao ser ajustado no modelo multivariado, o pai teve maior chance de ser o agressor sexual. Além disso, os perpetradores da violência foram majoritariamente homens, concordando com o modelo múltiplo, que evidenciou chance reduzida para agressores do sexo feminino e de ambos os sexos, em relação ao sexo masculino. Outras pesquisas também identificaram o agressor como uma pessoa conhecida ou familiar da vítima, incluindo genitores, e em sua maioria perpetrador do sexo masculino(19,21,2425,27)

Embora o uso de bebida alcoólica não tenha sido frequente pelo agressor, essa variável esteve associada à maior ocorrência de violência sexual. O uso nocivo de álcool e o uso ilícito de drogas são fatores de risco comumente associados à experiência e perpetração da violência sexual(28).

Quanto à revitimização sexual, houve menor proporção e chance de ocorrência reduzida, diferente de outras pesquisas, que encontraram maior risco de repetição da violência sexual entre crianças e adolescentes, afirmando que a proximidade do agressor com a vítima é um fator que dificulta a identificação da violência e a falta de punições severas associada à natureza protetora dos familiares em relação ao agressor contribui para a cronicidade do evento(15,22,26).

Ressalta-se que são muitos os casos de violência sexual que não são denunciados, favorecendo a perpetuação dos atos e causando danos irreparáveis ao crescimento e desenvolvimento da criança e do adolescente(18). Tais danos podem persistir na idade adulta, incluindo quadros de depressão, transtorno obsessivo compulsivo, comportamento suicida, falta de ajuste social, falta de confiança e relações inseguras com os pais, gravidez indesejada, doenças cardiovasculares e doenças sexualmente transmissíveis, como o vírus da imunodeficiência humana (HIV)(1415).

Notificar os casos de violência permite a maior visibilidade desse fenômeno, proporcionando o levantamento de indicadores que promovam a articulação dos serviços de saúde com demais serviços de assistência social, educação e com os sistemas de justiça, segurança pública, Ministério Público, Defensoria Pública, Varas da Infância e Juventude, Conselho Tutelar, conselhos de direitos, e a sociedade civil organizada, para implementar e fortalecer a rede de cuidado e proteção social, com vistas a atenção integral às crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências(18).

A rede de atenção integral para o cuidado de crianças e adolescentes em situação de violência tem como objetivo orientar, fortalecer e estimular a atuação de profissionais e gestores no planejamento de ações de promoção da saúde, prevenção de violências e proteção dos direitos de crianças e adolescentes. Como parte dessa rede, a Atenção Primária à Saúde configura-se como porta de entrada preferencial do SUS e os profissionais que nela atuam. Por estar mais próxima das famílias, é capaz de identificar sinais e sintomas de violências em crianças e adolescentes, realizando o acolhimento, atendimento, notificação dos casos e encaminhamento das vítimas na rede de cuidados(22).

A limitação desta pesquisa reside no fato de que a violência sexual pode ser subnotificada, dificultando a visibilidade da real prevalência desse fenômeno no município. Os casos ocorridos alertam para o reconhecimento da violência como problema de saúde pública e reforçam a necessidade do engajamento de serviços que atuam na proteção dos direitos de crianças e adolescentes, como estratégia para a sua prevenção, qualificação do acolhimento, atendimento e seguimento em rede cuidado.

CONCLUSÃO

A prevalência da violência sexual contra crianças e adolescentes, no período de 2010 a 2017, pode ser considerada alta. O cenário, caracterizado por vítimas de menor idade e do sexo feminino que sofreram violência sexual dentro da própria residência e tiveram o pai como perpetrador dos atos de violência, ressalta o caráter íntimo e relacional desse evento, fator que contribui para sua maior ocorrência e perpetuação do ciclo de vitimização.

A implementação de práticas humanizadas dentro de uma rede integrada de serviços de saúde com os demais sistemas públicos proporciona a sensibilização de gestores e profissionais para o enfrentamento da violência sexual, visando a promoção, proteção e defesa dos direitos de crianças e adolescentes.

  • *
    Extraído da monografia: “Prevalência da violência contra crianças e adolescentes e fatores associados”, Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira, Hospital Dom Malan, Programa de Residência em Área Profissional de Saúde, Residência de Enfermagem em Saúde da Criança, 2019.

REFERÊNCIAS

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    24 Maio 2019
  • Aceito
    12 Dez 2019
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