Acessibilidade / Reportar erro

Desenvolvimento de crianças nascidas prematuras: a compreensão dos cuidadores à luz da Teoria Bioecológica

Resumo

OBJETIVO

Compreender as concepções de cuidadores de nascidos prematuros sobre o desenvolvimento infantil e fatores associados.

MÉTODO

Estudo exploratório-descritivo, qualitativo, com 12 famílias de menores de três anos de idade. Entrevistas submetidas à análise temática de conteúdo, sistematizados nas categorias da Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano: Processo, Pessoa, Contexto e Tempo, e na categoria Desenvolvimento Funcional.

RESULTADOS

Há preocupação de prejuízo no desenvolvimento atual e futuro da Pessoa/criança, definida como frágil em razão do nascimento prematuro (dimensão Tempo), minimizada pelo alcance de competências observáveis, como habilidades motoras. O Contexto, especialmente família e serviços de saúde, e os Processos proximais, descritos por interações unidirecionais dos cuidadores, são considerados determinantes do desenvolvimento. O desenvolvimento funcional é considerado consequência natural e resultado do ensino. A rede de suporte é crucial, apoiando ou limitando o cuidado. CONCLUSÃOPreocupações com o desenvolvimento mobilizam os cuidadores a estimular a Pessoa/criança prematura e demandar suporte familiar e assistencial.

Descritores
Desenvolvimento Infantil; Prematuro; Cuidadores; Família; Enfermagem Pediátrica

Abstract

OBJECTIVE

Understanding the conceptions of premature children caregivers on child development and associated factors.

METHOD

An exploratory-descriptive qualitative study of 12 families with children under three years of age. Interviews were submitted to thematic content analysis, systematized into the categories of Bioecological Theory of Human Development: Process, Person, Context and Time, and in the Functional Development category.

RESULTS

There are concerns about impairment in the current and future development of a Person/child defined as fragile as a result of premature birth (Time dimension), minimized by the scope of observable competencies such as motor skills. The Context, especially family and health services, and Proximal Processes, described as one-way caregiver interactions, are considered determinants of development. Functional Development is considered a natural consequence and result of education. The support network is crucial, supporting or limiting care.

CONCLUSION

Concerns about the development mobilize caregivers to stimulate the premature child/person and requests family and healthcare assistance.

Descriptors
Child Development; Infant, Premature; Caregivers; Family; Pediatric Nursing

Resumen

OBJETIVO

Comprender las concepciones de cuidadores de nacidos prematuros acerca del desarrollo infantil y los factores asociados.

MÉTODO

Estudio exploratorio descriptivo, cualitativo, con 12 familias de menores de tres años de edad. Entrevistas sometidas al análisis temático de contenido, sistematizadas en las categorías de la Teoría Bioecológica del Desarrollo Humano: Proceso, Persona, Contexto y Tiempo, y la categoría Desarrollo Funcional.

RESULTADOS

Existe preocupación de perjuicio en el desarrollo actual y futuro de la Persona/niño, definido como frágil en virtud del nacimiento prematuro (dimensión Tiempo), minimizada por el alcance de competencias observables, como habilidades motoras. El Contexto, especialmente familia y servicios de salud, y los Procesos proximales, descritos por interacciones unidireccionales de los cuidadores se consideran determinantes del desarrollo. Se considera el desarrollo funcional como consecuencia natural y resultado de la enseñanza. La red de soporte es crucial, al apoyar o limitar el cuidado.

CONCLUSIÓN

Preocupaciones por el desarrollo movilizan a los cuidadores a estimular a la Persona/niño prematuro y demandar soporte familiar y asistencial.

Descriptores
Desarrollo Infantil; Prematuro; Cuidadores; Familia; Enfermería Pediátrica

Introdução

O cuidado das crianças varia em função da compreensão sobre o desenvolvimento e os fatores a ele relacionados. Isso é ainda mais evidente em situações que potencialmente interferem no desenvolvimento, como o nascimento prematuro, condição que impacta o desenvolvimento infantil (11 Araújo ATC, Eickmann SH, Coutinho SB. Fatores associados ao atraso do desenvolvimento motor de crianças prematuras internadas em unidade de neonatologia. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2013;13(2):119-28.

2 Ferreira S, Fontes N, Rodrigues L, Gonçalves C, Lopes MM, Rodrigues N. Desenvolvimento psicomotor de grandes prematuros. Acta Pediatr Port. 2013; 44(6):319-24.

3 Arnold C, Tyson JE. Outcomes following periviable birth. Semin Neonatol. 2014;38(1):2-11.
-44 Sullivan MC, Msall ME. Functional performance of preterm children at age 4. J Pediatr Nurs. 2007;22(4):297-309.)e sobre a forma dos cuidadores lidarem com as crianças, devido a sentimentos de medo e insegurança gerados por esta situação (55 Potharst ES, Schuenge C, Last BF, van-Wassenaer AG, Kok JH, Houtzager BA. Difference in mother-child interaction between preterm and term-born preschoolers with and without disabilities. Acta Paediatr. 2012;101(6):597-603.-66 Costa SAF, Ribeiro CA, Borba RIH, Balieiro MMFG. A experiência da família ao interagir com o recém-nascido prematuro no domicílio. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2009;13(4):741-49.).

Estudos caracterizaram as peculiaridades do desenvolvimento das crianças nascidas prematuras (11 Araújo ATC, Eickmann SH, Coutinho SB. Fatores associados ao atraso do desenvolvimento motor de crianças prematuras internadas em unidade de neonatologia. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2013;13(2):119-28.

2 Ferreira S, Fontes N, Rodrigues L, Gonçalves C, Lopes MM, Rodrigues N. Desenvolvimento psicomotor de grandes prematuros. Acta Pediatr Port. 2013; 44(6):319-24.
-33 Arnold C, Tyson JE. Outcomes following periviable birth. Semin Neonatol. 2014;38(1):2-11.)como intercorrências sofridas precocemente(77 Lemos RA, Frônio JS, Neves LAT, Ribeiro LC. Estudo da prevalência de morbidades e complicações neonatais segundo o peso ao nascimento e a idade gestacional em lactentes de um serviço de follow-up. Rev APS. 2010;13(3):277-90.-88 Silva CA, Brusamarello S, Cardoso FGC, Adamczyk NF, Rosa Neto F. Desenvolvimento de prematuros com baixo peso ao nascer nos primeiros dois anos de vida. Rev Paul Pediatr. 2011;29(3):328-35.), e em idades mais tardias(99 Lemos RA, Fronio JS, Ribeiro LC, Demarchi R, Silva J, Neves LAT. Functional performance according to gestational age and birth weight of preschool children born premature or with low weight. Rev Bras Cresc Desenvolv Human. 2012;22(1):17-26.

10 Moreira RS, Magalhães LC, Alves CRL. Effect of preterm birth on motor development, behavior, andschool performance of school-age children: a systematic review. J Pediatr (Rio J). 2014;90(2):119-34.

11 Johnson S, Fawke J, Hennessy E, Rowell V, Thomas S, Wolke D, et al. Neurodevelopmental disability through 11 years of age in children born before 26 weeks of gestation. Pediatrics. 2009;124:e249-57.
-1212 Lemola S. Long-term outcomes of very preterm birth: mechanisms and interventions. Eur Psychol. 2015;20(2):128-37.), mostrando prejuízos em várias dimensões. Contudo, privilegiaram a avaliação dos déficits em habilidades e comportamentos em áreas específicas, como a fala, a motricidade, ou a aprendizagem escolar, mediante testes padronizados. Embora tenham contribuído para a caracterização do desenvolvimento desta população e dos efeitos da prematuridade, subsidiando o (re)pensar a assistência às crianças nascidas prematuras, têm limitada contribuição para compreender o desenvolvimento funcional. Este se refere às habilidades e independência para as atividades de vida diária e para o exercício de seu papel social (44 Sullivan MC, Msall ME. Functional performance of preterm children at age 4. J Pediatr Nurs. 2007;22(4):297-309.). A funcionalidade permite o contínuo do desenvolvimento de forma autônoma, independente e ativa na sociedade e ao longo da vida, mesmo na vigência de limitações.

Outra importante lacuna é o fato da maioria dos estudos não tratar da compreensão dos cuidadores sobre o desenvolvimento de suas crianças, nem sobre as atitudes de cuidado para sua promoção. O desconhecimento dos profissionais de saúde sobre a compreensão dos cuidadores reduz a capacidade de resposta satisfatória às suas demandas, e, em certa medida, pode fomentar mais inseguranças e ansiedades(1313 Melo EMOP, Ferreira PL, Lima RAG, Mello DF. The involvement of parents in the health care provided to hospitalzed children. Rev Latino Am Enfermagem. 2014; 22(3):432-9.). Sendo a família e a comunidade o contexto de desenvolvimento em que a criança participa e passa a maior parte do tempo, os cuidadores devem ser considerados parceiros na promoção do desenvolvimento (1313 Melo EMOP, Ferreira PL, Lima RAG, Mello DF. The involvement of parents in the health care provided to hospitalzed children. Rev Latino Am Enfermagem. 2014; 22(3):432-9.), o que abre um novo horizonte de pesquisa para alcançar estratégias menos onerosas e mais efetivas na melhoria da saúde, qualidade de vida e do desenvolvimento das crianças nascidas prematuras.

Assim, o objetivo deste estudo foi compreender a concepção de cuidadores familiares de nascidos prematuros sobre o desenvolvimento infantil e os fatores a ele associados.

Referencial teórico

O referencial que orientou o estudo foi a Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano, de Urie Bronfenbrenner (1414 Bronfrenbrenner U. Bioecologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais humanos. Porto Alegre: Artmed; 2011.-1515 Benetti IC, Vieira ML, Crepaldi MA, Schneider DR. Fundamentos da teoria bioecológica de Urie Bronfenbrenner. Pensando Psicol. 2013;9(16):89-99.), a qual postula o desenvolvimento como um processo de mudanças e estabilidades das características biopsicológicas dos indivíduos, no curso da vida e através das gerações, sendo estas dependentes e umbilicadas a quatro dimensões que interagem: o Processo, a Pessoa, o Contexto e o Tempo ("Modelo PPCT") (1414 Bronfrenbrenner U. Bioecologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais humanos. Porto Alegre: Artmed; 2011.-1515 Benetti IC, Vieira ML, Crepaldi MA, Schneider DR. Fundamentos da teoria bioecológica de Urie Bronfenbrenner. Pensando Psicol. 2013;9(16):89-99.).

O Processo refere-se às interações recíprocas entre o sujeito e as pessoas, os objetos e símbolos de seu ambiente próximo, em níveis gradativos de complexidade. As interações regulares e por longo período de tempo constituem os processos proximais, os quais afetam a manifestação do potencial genético, podendo gerar efeitos positivos ou negativos sobre o desenvolvimento, em função das características pessoais e do ambiente em interação (1414 Bronfrenbrenner U. Bioecologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais humanos. Porto Alegre: Artmed; 2011.-1515 Benetti IC, Vieira ML, Crepaldi MA, Schneider DR. Fundamentos da teoria bioecológica de Urie Bronfenbrenner. Pensando Psicol. 2013;9(16):89-99.).

A Pessoa ativa em seu desenvolvimento interage com o contexto, segundo suas características biopsicossociais. Os atributos pessoais têm três domínios: as demandas, que provocam respostas dos outros para com a pessoa em desenvolvimento, como a curiosidade, o gênero e a cor da pele; os recursos, sejam cognitivos e emocionais, como habilidade e inteligência, sejam sociais e materiais, como moradia e apoio parental; e a disposição/força, para engajar-se e persistir em atividades de progressiva complexidade (1414 Bronfrenbrenner U. Bioecologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais humanos. Porto Alegre: Artmed; 2011.-1515 Benetti IC, Vieira ML, Crepaldi MA, Schneider DR. Fundamentos da teoria bioecológica de Urie Bronfenbrenner. Pensando Psicol. 2013;9(16):89-99.).

O Contexto engloba qualquer acontecimento ou condição exterior ao organismo, que potencialmente influencia ou é influenciado pelo ser em desenvolvimento; organiza-se numa hierarquia de sistemas de quatro níveis, progressivamente mais abrangentes (1414 Bronfrenbrenner U. Bioecologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais humanos. Porto Alegre: Artmed; 2011.-1515 Benetti IC, Vieira ML, Crepaldi MA, Schneider DR. Fundamentos da teoria bioecológica de Urie Bronfenbrenner. Pensando Psicol. 2013;9(16):89-99.): Microssistema, ou o contexto primário de desenvolvimento, de interações face a face, como o lar, a creche, a escola; Mesossistema, ou vínculos e processos entre microssistemas nos quais a pessoa em desenvolvimento está inserida, como a relação entre a família e a escola; Exossistema, ou conjunto de contextos que influenciam o desenvolvimento da pessoa, ainda que ela não esteja neles inserida, como o trabalho dos pais; Macrossistema, ou cultura, crenças, valores, ideologia; padrões globais; sistemas sociais, políticos e econômicos.

O Tempo , também denominado cronossistema, é a estrutura que capta as mudanças do meio: "o grau de estabilidade ou mudanças na vida dos indivíduos face aos eventos ambientais e as transições que ocorrem ao longo da existência, que produzem condições que afetam o desenvolvimento das pessoas" (1515 Benetti IC, Vieira ML, Crepaldi MA, Schneider DR. Fundamentos da teoria bioecológica de Urie Bronfenbrenner. Pensando Psicol. 2013;9(16):89-99.). É dividido em microtempo, mesotempo e macrotempo. O microtempo refere-se a eventos contínuos e não contínuos nos processos proximais; o mesotempo representa o quantitativo das repetições desses eventos ao longo dos dias e semanas; e o macrotempo está relacionado às mudanças e aos episódios transgeracionais e na sociedade, de forma mais ampla. Assim, o cronossistema abarca as mudanças e estabilidades do desenvolvimento humano, individuais e dos grupos, no curso da vida e através das gerações na história (1616 Rosa EM, Tudge J. Urie Bronfenbrenner's Theory of Human Development: its evolution from ecology to bioecology. J Fam Theory Rev. 2013;5(4)243-58.).

Método

Estudo exploratório, descritivo, qualitativo, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (Parecer nº 447.725). Realizado no ambulatório de Follow-up de recém-nascidos de risco, do Departamento de Saúde da Criança e do Adolescente da Prefeitura Municipal de Juiz de Fora, Minas Gerais, em abril e maio de 2014. Este ambulatório acolhe, avalia e acompanha o desenvolvimento de egressos de Unidades de Terapia Intensiva Neonatal da cidade e região.

Foram convidados a participar da pesquisa cuidadores familiares de crianças menores de 3 anos de idade e nascidas com qualquer nível de prematuridade, enquanto aguardavam consulta de acompanhamento na sala de espera do serviço, constituindo-se uma amostra de conveniência. Foram critérios de inclusão ser o cuidador principal da criança sem diagnóstico de doença neurológica, ou ortopédica, ou respiratória grave, e sem classificação de desenvolvimento atípico. Após convite, explicação dos objetivos da pesquisa e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, as entrevistas foram imediatamente realizadas em consultório reservado, no próprio serviço, e gravadas com anuência dos participantes.

As entrevistas abertas, semiestruturadas, com duração média de 30 minutos, foram realizadas por uma única pesquisadora, previamente treinada, até a saturação das categorias empíricas. O roteiro de entrevista foi elaborado com base na revisão de literatura e no objetivo da pesquisa, revisado independentemente e em conjunto por duas pesquisadoras. Na sequência, foi submetido a um grupo de pesquisadores, para sugestões e ajustes. Os temas que compuseram o roteiro foram: concepções sobre o desenvolvimento de sua criança; fatores que podem promover ou prejudicar esse desenvolvimento; estratégias de estimulação que utilizam; dúvidas ou preocupações a respeito do tema; conhecimento do desenvolvimento funcional como parte do desenvolvimento infantil. O desenvolvimento funcional foi introduzido na entrevista mediante apresentação de ilustrações de crianças exercendo habilidades funcionais de autocuidado, mobilidade e função social e perguntando aos participantes sobre estes comportamentos como parte do desenvolvimento infantil.

A caracterização da população incluiu idade, estado civil e escolaridade da cuidadora principal e nível socioeconômico familiar, segundo o Critério de Classificação Econômica Brasil (1717 Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa. Critério padrão de classificação econômica Brasil - 2008 [Internet]. São Paulo: ABEP; 2012 [citado 2012 set. 25]. Disponível em: Disponível em:http://cmicro.fgv.br/sites/cmicro.fgv.br/files/file/CCEB%20FGV%20(25-6-2012).pdf
http://cmicro.fgv.br/sites/cmicro.fgv.br...
). A idade gestacional, o peso ao nascer e a idade atual das crianças foram também identificados, para caracterizar as experiências dos cuidadores. Ao longo do estudo, as análises das entrevistas foram submetidas ao grupo de pesquisadores que avaliavam a qualidade e condução do processo, verificadas como adequadas durante o mesmo.

As entrevistas foram transcritas na íntegra e analisadas segundo a técnica de análise temática (1818 Caregnato RCA, Mutti R. Pesquisa qualitativa: análise de discurso versus análise de conteúdo. Texto Contexto Enferm. 2006;15(4):679-84.)e o referencial da Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano (1414 Bronfrenbrenner U. Bioecologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais humanos. Porto Alegre: Artmed; 2011.). As categorias empíricas de análise foram predefinidas segundo o "Modelo PPCT", pois ele representa uma ampla concepção do conceito de desenvolvimento, abrangência de análise e adequação à proposta da pesquisa, com vistas a futuras ações de promoção do desenvolvimento, mediante intervenções nos processos proximais econtexto . Estabeleceu-se ainda a categoria Desenvolvimento Funcional , pelo interesse específico deste estudo.

Resultados

Realizaram-se 12 entrevistas, com 11 mães e uma avó; três mães estavam com companheiro. A idade das cuidadoras variou entre 19 e 53 anos; a maioria (oito) tinha apenas um filho. Quanto às crianças, as idades gestacionais variaram de 28 a 36 semanas; o peso ao nascer variou entre 1000 e 2220 g; em relação à idade atual, a criança mais nova tinha 5 meses e a mais velha, 25, com mais de 80% menores de dois anos. Todas tiveram poucas intercorrências ao nascer: seis participantes permaneceram hospitalizados para ganho de peso, por período inferior a 30 dias. Conforme a Tabela 1, a maioria das cuidadoras era casada, com ensino médio, ou superior, e pertencente às classes B e C.

Tabela 1
Características descritivas da população de estudo - Juiz de Fora, MG, Brasil, 2014.

As participantes demonstraram interesse em relatar suas experiências e seus conhecimentos, ainda que inicialmente parecessem não ter clareza sobre o significado do termo desenvolvimento. Na apresentação das categorias, há trechos de algumas entrevistas, mas são apontadas todas as entrevistas que compuseram cada unidade de registro, identificadas como E1 até E12, visando demonstrar os resultados de forma mais completa.

A categoria Processo apareceu como foco central do desenvolvimento e englobou ações, ou situações, que podem influenciar positivamente, promovendo o desenvolvimento da criança, ou gerando efeitos negativos sobre ele, quando inadequadas. Tais ações ou situações constituem os processos proximais, pois se referem às interações diretas com a criança, descritas pelos entrevistados de forma unidirecional, como resultado apenas de suas ações em direção a ela.

Nos aspectos percebidos como favorecedores do desenvolvimento das crianças e as atitudes de cuidado presentes na prática diária em seus lares, destacaram-se: afeto e presença contínua e participativa dos cuidadores (E1, E3, E5, E6, E7, E8, E10), estimulação da criança e ensino de habilidades, especialmente motoras (E1, E2, E4, E5, E7, E8, E11); brincadeiras, brinquedos e conversas (E3, E4, E5, E6, E7, E8, E9, E10, E11); leitura, música ou esporte (E4, E5, E6, E8, E9, E11); oferecimento de alimentos saudáveis (E2, E7); e convívio com outras crianças em casa, na vizinhança, ou na creche (E6, E7, E10). Observam-se nesses conteúdos as características que fundamentam os processos proximais, que remetem à interação recíproca com pessoas, objetos e símbolos em caráter de continuidade em longos períodos de tempo, e com pessoas com as quais a criança tenha uma relação positiva de afeto.

Dou a máxima atenção que eu posso, sento, assisto dvd com eles, fico cantando musiquinha (...) brinco com ele de carrinho (...) de boneca, tem que brincar de panelinha (E6).

Incentivo a andar, coloco ela no chão com apoio, aí ela vai levantando, incentivo comer várias coisas também, tipo fruta, só coisa saudável, para poder ter um desenvolvimento bom, saudável (E7).

Já tô começando a ensinar a guardar as coisinhas dela, por exemplo, quando ela brinca. Eu coloco no chão e coloco brinquedo longe pra ela ir buscar (E2).

A gente ajuda muito no desenvolvimento ... Através do amor, do carinho, e também ensinando, educando (E5).

Eu penso que a leitura e a música que pode ajudar, o esporte, deixar ele solto, brincando na terra, soltar pipa, correr, não tem nada dessa de ficar preso dentro de casa, videogame o dia inteiro, não. Liberdade pra ele correr, brincar... descalço, chutá bola e machucar os dedos (...). Brinca na hora do banho... já sabe a musiquinha pra tirar a roupa, já sabe que vai tomar banho (E9).

Quanto aos fatores de influência negativa sobre o desenvolvimento no Processo, destacaram: os maus-tratos e ausência de afeto ou carinho dos cuidadores (E1, E3, E6, E10, E11); a expectativa demasiada e apressada sobre a trajetória de desenvolvimento (E7); cuidado restritivo à independência da criança (E9); a fala ou influência negativa de pessoas próximas ou externas ao convívio (E1, E5, E7, E9).

Maltratar. Não cuidar direito. Eu acho que prejudica muito a criança. Não ter carinho (E1).

Muita confusão dentro de casa... Eu acho, deixa as crianças bem atrapalhadas (E10).

A gente acha que a criança tem que desenvolver naquele momento, tem que correr pra crescer, pra desenvolver, mas (a outra pessoa), não! (E7).

O discurso e a ingerência de outras pessoas são apontados como possíveis limitadores do desenvolvimento (E1, E5, E7, E9), pois exercem influência sobre o cuidador e geram mudança no cuidado à criança, alterando os processos proximais.

Todo mundo ficava falando comigo que criança prematura de 8 meses não vinga, que se vingar demora a desenvolver... por ela ter nascido prematura ficava pensando que ela era muito frágil, que poderia acontecer alguma coisa a qualquer momento. (...) Tem certas coisas que você escuta, aí fica com aquilo na cabeça, te atrapalha também no seu dia a dia, te deixa preocupada (E7).

Quanto à categoria Pessoa, o nascimento prematuro define uma demanda da criança, pois gera expectativas e preocupações acerca do desenvolvimento. Observa-se a presença de duas percepções, ambas atreladas aos atributos da Pessoa: a de desenvolvimento satisfatório, e a de não satisfatório, ou inadequado, sendo a demanda prematuridade a característica mediadora na classificação que fazem do desenvolvimento passado, atual ou futuro. Gradativamente, os cuidadores vão conhecendo a criança e constatando seus recursos e sua disposição, associando-os ao desenvolvimento que observam, o que mostra reconhecimento do papel da própria criança em seu desenvolvimento. Os pais valorizam as aquisições, principalmente as motoras, e as atribuem a características como inteligência, astúcia, e capacidade de aprender rápido, que parecem suplantar a condição de prematuridade (E1, E3, E4, E5, E6, E7, E8, E9, E10, E11, E12).

Ela é muito inteligente... muito curiosa... tem muita facilidade de aprender... aprende muito rápido as coisas. É, tudo que você fala com ela, grava aquilo também (E3).

Cada dia ele vem com uma novidade, vem aprendendo algo (...) liga a televisão já, liga rádio, se bobear tá mexendo no celular (...). Ele é bem esperto mesmo (E10).

O ganho de peso e o crescimento são entendidos como progresso do desenvolvimento isto é, se a característica aumento de peso está presente, a criança está indo bem (E1, E2, E3, E7, E8, E9, E12).

A gente tava preocupado com o peso, porque ela nasceu com 1700 gramas, aí ela pegou peso rápido. Agora ela tá com 8,050 quilos e tá quase andando, o dente dela nasceu rápido também. Um desenvolvimento rápido para uma criança de 8 meses (E7).

As inquietações em relação à característica biológica do nascimento prematuro e sua influência no desenvolvimento atual ou futuro da criança aparecem especialmente no aspecto de aquisições motoras (E1, E2, E3, E4, E6, E7, E8, E9, E11, E12). Expressam suas crenças pela forma como caracterizam as crianças e seu desenvolvimento atual e pelos medos e sentimentos em relação ao futuro delas. Descrevem-nas como pequenas ou frágeis, e mostram preocupações recentes ou passadas, como medo de atrasos, de deficiências e até mesmo o medo que sentiram da não sobrevivência. Emerge, portanto, o entendimento de que uma característica específica da Pessoa, no caso a prematuridade, produz efeitos sobre o desenvolvimento, em curto ou médio prazo, trazendo também aqui a dimensão do Tempo.

Eu achava que ela ia demorar para andar (...) pelo fato de ela ter nascido assim, prematura, se isso no futuro vai trazer alguma coisa pra ela. (...). Hoje, assim, eu acho que ela desenvolve direitinho, mas no futuro vai atrasar ela? Mesmo que seja motor, cabecinha dela, alguma coisa (E4).

Até hoje eu fico insegura, que eu tenho medo, entendeu, de perder (E3).

A prematuridade gera preocupação com o desenvolvimento, o que leva a mudanças nas atitudes de cuidado, alterando os processos proximais, com condutas de superproteção (E4, E7, E11). Define-se assim uma relação entre as dimensões Pessoa e Processo.

Eu fico com muita coisinha com ela (...). Pra proteger ela. De muito limpinho, de não gostar que ela põe as coisa na boca (...). Não sei se isto é bom pra ela. Esta superproteção (E4).

Na categoria Contexto, os quatro sistemas de níveis hierárquicos da Teoria Bioecológica ganham contornos nítidos nas concepções dos fatores que podem promover ou prejudicar o desenvolvimento infantil. Os microssistemas aparecem fortemente nos relatos sobre o quanto contextos domiciliares conflituosos e lares sem um dos cônjuges podem ser prejudiciais (E3, E6) e o quanto, outros microssistemas, como a creche e os serviços de saúde podem ser promotores do seu desenvolvimento (E1, E2, E3, E4, E7, E8, E11).

(...) o que prejudica... na minha rua, por exemplo, tem muitas crianças lá, que mora com a mãe e não tem o convívio do pai (...) elas descontam muito nas crianças, é raiva, tapas (E6).

Na creche, ela aprende muitas coisas diferentes, cada dia vem com uma novidade... ficar em pé sozinha, brincando na mesinha aprende a comer coisa diferente... ri mais (E7).

O Dr. P. é muito bom. Muito abençoado. Quando eu trouxe ela aqui a primeira vez, ela era pequenininha, até difícil pra mexer... Deus me abençoou, que ela é ótima (E1).

O Mesossistema aparece nas relações entre a família e os serviços de saúde em que as crianças estão inseridas, ou receberam assistência. Quando esta relação é positiva, os cuidadores percebem uma influência igualmente positiva sobre o desenvolvimento (E4, E7, E10, E11); ao contrário, quando esta relação apresenta aspectos negativos, concluem que é gerado um contexto desfavorável ao desenvolvimento infantil (E9, E11).

As pessoas que trabalham no posto, faz visita no lar (...) elas foram mais vezes. Ela chegava, colocava ele em pé pra ver como que ia dar os passinhos... Elas conversavam muito comigo também, me explicava tudo (E10).

Se você não confiar nos médicos, não adianta trazer, não adianta querer que a criança desenvolva no supetão, não vai desenvolver (...) eu prefiro vir no dia que ele tá, eu tenho mais confiança (E7).

Tinha que ter feito o follow up em janeiro, ele só foi fazer em março... E a gente ficando preocupado com tudo (...) quando saiu da maternidade num passaram nada (...). Falou que receitaria um padre. Que isso aí era caso de oração. Aí quando vê a gente já num confiava nele mais. A gente pediu encaminhamento pra cá. Lá em SD (cidade vizinha) a médica até que é ótima, mas ela atende todo mundo da mesma forma. Se ele é prematuro, se ele num é, se ele é excepcional, se ele num é. Não tem atendimento específico igual aqui, entendeu? (E9).

Vale ressaltar que esse contexto de desenvolvimento infantil, para os cuidadores, representa um Processo, na medida em que eles se sentem, ou não, orientados sobre o que fazer com a criança: a relação entre a família e o serviço produz um saber e um apoio. Na ausência desses apoios, seja por inadequação dos profissionais, seja por demora no atendimento especializado, estabelece-se experiência negativa com a assistência de saúde.

A presença da família e pessoas próximas como rede de suporte é também valorizada como efetiva para a oferta de um bom cuidado à criança, na medida em que ampara a mãe em suas necessidades e angústias (E7, E9).

É muito importante a família dar apoio pra criança ter um bom desenvolvimento... Tudo que eu preciso, todas as dúvidas (...) minha mãe também sempre tá ali me ajudando (E7).

O Exossistema emerge quando se referem à vizinhança ou às áreas de utilização coletiva que podem ser prejudiciais ao desenvolvimento devido à ausência de espaços de convivência e, principalmente, à violência e ao tráfico de drogas nos espaços públicos (E3, E4, E9).

Em relação à prefeitura e essas coisas, as pracinhas mais bem cuidadas (...). Pra gente ter onde levar ela pra poder se divertir, ficar à vontade. Um lugar bacana que ela goste, que ela pode brincar (...) pra desenvolver. Tem algumas praças aí que você não consegue nem parar com criança, tanta droga (...). Dá medo até de sair com criança de dentro de casa (E3).

O Macrossistema surge de duas maneiras: como uma consciência da influência que produz, e como conjectura global da organização da sociedade, manifesta pela falta de políticas públicas de assistência social, cultura e lazer, e pela violência urbana (E9, E10).

A gente vive num sistema (...) Questão de educação, saúde, segurança, eu tenho esperança que o futuro seja excelente pra ele. Mas... a cidade não me dá condições, nem uma oportunidade de melhorar a vida, de ter um futuro bom (E9).

Na categoria Tempo, os dados mostram a concepção de que cada criança tem seu ritmo de aprendizado e desenvolvimento no tempo, mediante mudanças ao longo de sua existência, atribuindo-lhes significado de progresso pelo ritmo com que são adquiridas. Apesar disto, entendem que estes padrões de mudança e estabilidade podem ser mais específicos para a criança nascida prematura, podendo esta apresentar particularidades no contínuo do seu desenvolvimento, como atraso na aquisição de habilidades e independência, quando comparadas ao padrão normativo (E1, E3, E5, E6, E7, E8).

Desde, assim, os 3 meses e meio, ela teve um desenvolvimento (...). Nem parece que é uma criança prematura (...) as pessoas falam que prematuro desenvolve mais rápido. Realmente (E5).

Ela andou com 1 ano e 6 meses e tá começando a falar devagarzinho, fala papai, mamãe, chama a vovó, chama o irmão dela, e tá contando. Conta de 1 a 4. Fora isso, tá indo aos poucos (E6).

Quanto ao Desenvolvimento Funcional, os entrevistados entendem que o alcance das habilidades funcionais faz parte do desenvolvimento global da criança. Porém, afirmam que tais capacidades com o tempo vão acontecer , como um processo natural do curso do desenvolvimento (E7, E8). Percebe-se aqui, também, à luz da Teoria Bioecológica, a dimensão Tempo. Contraditoriamente, apesar de colocarem estas aquisições sob a natureza das continuidades e mudanças no desenvolvimento, sustentam que precisam ser ensinadas, ou imitar outras crianças, eliciando a valoração dos processos proximais como precursores destas habilidades funcionais (E1, E2, E5, E7, E8, E9, E10, E11, E12).

Todas estas atividades são coisas que em algum momento elas vão aprender... ter sua independência para beber as coisas com a própria mão, comer as coisas com a própria mão, vestir roupa, tirar roupa, são coisas que são de fase. Com o tempo vão acontecer... Ah, ensinando... eu coloco o copinho na mão dela, a mamadeira, ela já sabe... Se você não ensina, também a criança não vai aprender sozinha. (...) Ensinado uma hora vai aprender. Vai demorar, mas vai aprender (E7).

Cabe ainda apontar as principais dúvidas e assuntos de interesse dos cuidadores: desenvolvimento da criança nascida prematura, nascimento prematuro e/ou gravidez de risco, alimentação, testes que a criança precisa fazer, posicionamento e formas de carregar a criança, doenças mais comuns no prematuro e conhecer a experiência de outros cuidadores.

Discussão

Os resultados trazem indícios para uma compreensão de desenvolvimento humano com base no modelo PPCT, com as especificidades da criança nascida prematura. Coloca-se na discussão como a condição de prematuridade, característica da Pessoa/criança no Tempo, influencia o desenvolvimento mediante o cuidado oferecido, que, em sua complexidade, abarca os Processos e os Contextos e suas correlações com as características dos participantes.

As características descritivas da população mostram um grupo de crianças com risco moderado e leve para alterações no desenvolvimento, visto que as médias de peso e IG não apresentaram valores extremos e o quantitativo de intercorrências neonatais foi pequeno. Este perfil, associado à presença de fatores tidos na literatura como protetores, como cuidadores em sua maioria com companheiro, com escolaridade mais alta, e ausência de extrema pobreza, ou seja, níveis socioeconômicos intermediários (1919 Mondim EMC. Um olhar ecológico da família sobre o desenvolvimento humano. Psicol Argumento. 2005;23(41):25-35.

20 Andrade AS, Santos DN, Bastos AC, Pedromônico MRM, Almeida-Filho N, Barreto ML. Ambiente familiar e desenvolvimento cognitivo infantil: uma abordagem epidemiológica. Rev Saúde Pública. 2005;39(4):606-11.
-2121 Pilz EML, Schermann LB. Determinantes biológicos e ambientais no desenvolvimento neuropsicomotor em uma amostra de crianças de Canoas/RS. Ciên Saúde Coletiva. 2007;12(1):181-90.), possivelmente reflete positivamente no cuidado e no desenvolvimento das crianças, o que pode ser constatado pela forma positiva com que os cuidadores o percebem. Observa-se, assim, consoante a Teoria Bioecológica, características positivas da Pessoa/criança e do Microssistema interagindo sinergicamente, afetando os processos proximais e favorecendo o desenvolvimento.

Além disto, o acompanhamento sistemático que eles obtêm no serviço pode ser um dos fatores que justificam a classificação dos cuidadores de bom desenvolvimento de suas crianças, o que é amplamente reconhecido e sublinhado pelos Sistemas de Saúde (2222 Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Atenção à saúde do recém-nascido: guia para os profissionais de saúde. Brasília; 2011.-2323 American Academy of. Pediatrics Follow-up care of high-risk infants.. Pediatrics 2004;114 Suppl 5:1377-97.)e confirmado pelas propostas da Teoria Bioecológica em relação ao microssistema (1414 Bronfrenbrenner U. Bioecologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais humanos. Porto Alegre: Artmed; 2011.). Os dados mostram reconhecimento do efeito da rede de suporte familiar e da assistência, aspectos do mesossistema e exossistema, para a promoção do desenvolvimento (2424 Souza NL, Pinheiro-Fernandes AC, Clara-Costa IC, Cruz-Enders B, Carvalho JBL, Silva MLC. Domestic maternal experience with preterm newborn children. Rev Salud Pública. 2010; 12(3):356-67.-2525 Custódio ZAO, Crepaldi MA, Linhares MBM. Redes sociais de apoio no contexto da prematuridade: perspectiva do modelo bioecológico do desenvolvimento humano. Estudos Psicol. 2014;31(2):247-55.), reiterando a relação íntima que exerce "uma combinação apropriada de relações formais e informais capazes de proporcionar apoio, orientação e assistência na tarefa difícil de cuidar e educar os filhos" (1818 Caregnato RCA, Mutti R. Pesquisa qualitativa: análise de discurso versus análise de conteúdo. Texto Contexto Enferm. 2006;15(4):679-84.). Isso traz implicações assistenciais e políticas, pois releva a importância de serviços específicos e das ações que estes realizam como rede de suporte (2424 Souza NL, Pinheiro-Fernandes AC, Clara-Costa IC, Cruz-Enders B, Carvalho JBL, Silva MLC. Domestic maternal experience with preterm newborn children. Rev Salud Pública. 2010; 12(3):356-67.-2525 Custódio ZAO, Crepaldi MA, Linhares MBM. Redes sociais de apoio no contexto da prematuridade: perspectiva do modelo bioecológico do desenvolvimento humano. Estudos Psicol. 2014;31(2):247-55.).

No caso da criança nascida prematura, o apoio dos serviços de saúde é ainda mais relevante, dadas as influências de outros membros da comunidade, que, possivelmente, por preconceito ou desconhecimento, acabam por fomentar preocupações. Muitas forças externas, sobre as quais os cuidadores não têm controle, podem afetar os processos proximais (1919 Mondim EMC. Um olhar ecológico da família sobre o desenvolvimento humano. Psicol Argumento. 2005;23(41):25-35.), como foi o caso, neste estudo, da influência de pessoas, levando à modificação do cuidado oferecido. A assistência tem, então, um papel orientador e sistematizador do cuidado, enquanto a família tem caráter mais sustentador no compartilhamento diário deste (2525 Custódio ZAO, Crepaldi MA, Linhares MBM. Redes sociais de apoio no contexto da prematuridade: perspectiva do modelo bioecológico do desenvolvimento humano. Estudos Psicol. 2014;31(2):247-55.). Além disto, os resultados deste estudo corroboram outro (1313 Melo EMOP, Ferreira PL, Lima RAG, Mello DF. The involvement of parents in the health care provided to hospitalzed children. Rev Latino Am Enfermagem. 2014; 22(3):432-9.), ao mostrar que os cuidadores anseiam por informações acerca do estado de saúde atual da criança e de implicações futuras, evidenciando a necessidade de profissionais e serviços compartilharem saberes e criarem estratégias para envolvimento e participação deles.

O Processo, como na Teoria Bioecológica, apareceu como foco central. Observou-se, na descrição dos fatores favoráveis e desfavoráveis ao desenvolvimento, predomínio do reconhecimento de ações unidirecionais, no sentido do cuidador para a criança. Assim, pareceu haver uma compreensão de ser o desenvolvimento da criança um produto determinado pelos cuidados oferecidos pela família. Os participantes destacam as relações duradouras e permeadas por apego emocional forte como motivadores do engajamento da criança em atividades mais complexas de seu contexto; entendem que, quando estas relações são conflituosas e o cuidado oferecido de pouca qualidade, o desenvolvimento pode ser comprometido, com o aparecimento de problemas comportamentais, escolares, dificuldades de socialização, entre outros, como destaca a literatura (1414 Bronfrenbrenner U. Bioecologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais humanos. Porto Alegre: Artmed; 2011.,1919 Mondim EMC. Um olhar ecológico da família sobre o desenvolvimento humano. Psicol Argumento. 2005;23(41):25-35.).

Essa perspectiva unidirecional aparece também na forma como os cuidadores apreendem a Pessoa/criança nascida prematura, quando ela é percebida como frágil, levando a uma visão de que o desenvolvimento deve ser apoiado. O atributo prematuridade, como demanda da criança, teve efeito importante no processo proximal, afetando o cuidado. As expectativas dos cuidadores, a forma como cuidam e estimulam o desenvolvimento, podem variar em função das demandas, dos recursos e da disposição que veem nas crianças. A literatura confirma que atitudes superprotetoras de cuidadores no cuidado de prematuros decorrem desta percepção de fragilidade da criança (1616 Rosa EM, Tudge J. Urie Bronfenbrenner's Theory of Human Development: its evolution from ecology to bioecology. J Fam Theory Rev. 2013;5(4)243-58.). Encontrar esse resultado numa população acompanhada em serviço especializado incita questões acerca das estratégias educativas que poderiam minimizar essa angústia dos cuidadores. A prematuridade pode ainda limitar a participação da criança, pois a percepção de fragilidade pode ser considerada como falta de recurso para seu engajamento em atividades, podendo até restringir a interação mãe-criança, como apontado em outro estudo(55 Potharst ES, Schuenge C, Last BF, van-Wassenaer AG, Kok JH, Houtzager BA. Difference in mother-child interaction between preterm and term-born preschoolers with and without disabilities. Acta Paediatr. 2012;101(6):597-603.), e consequentemente afetar o desenvolvimento.

Por outro lado, a identificação de outras demandas e recursos da Pessoa/criança, como inteligência e bom ritmo de aprendizado, remete à participação ativa da criança em seu desenvolvimento, e sublinha os domínios recursos e disposição/força. Isto desencadeia atitudes estimuladoras que vão permitindo o envolvimento progressivo das crianças em atividades mais complexas (1414 Bronfrenbrenner U. Bioecologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais humanos. Porto Alegre: Artmed; 2011.), gerando um círculo virtuoso de promoção do desenvolvimento. Vale ressaltar que estar na situação de cuidar de uma criança prematura pode ter modificado o Processo dos cuidadores, gerando um olhar mais atento, que possibilita verificar mais efetivamente as conquistas do desenvolvimento delas.

Merece destaque a preocupação dos cuidadores com as habilidades motoras e com o ganho de peso como retratos de progresso ou de retardo no desenvolvimento, levando-os a promover o alcance destas características, o que gera recurso da Pessoa/criança para o bom desenvolvimento. A percepção de desenvolvimento focada nestes aspectos observáveis provoca a reflexão sobre outras dimensões do desenvolvimento que podem estar negligenciados na abordagem deste assunto com os cuidadores.

A variação dos processos proximais em função do Contexto emergiu particularmente no entendimento do microssistema como principal nicho de promoção ou prejuízo do desenvolvimento, destacando, nesta última situação, os maus-tratos e violência no lar, dados corroborados por outros estudos à luz desta Teoria (1919 Mondim EMC. Um olhar ecológico da família sobre o desenvolvimento humano. Psicol Argumento. 2005;23(41):25-35.). Além disto, a relatada escassez e insuficiência dos serviços de cultura, lazer, proteção e assistência social trazem muitas implicações neste âmbito, realçando a responsabilidade da sociedade pelo desenvolvimento infantil. Serviços e gestão precisam estar sensíveis a estas demandas, não apenas como direito legal, mas como investimento no desenvolvimento humano.

A dimensão Tempo tem um caráter particular neste estudo, visto a nitidez de sua expressão nos participantes: cuidadores de crianças que nasceram antes do tempo. O Tempo é mais que uma dimensão influenciadora, é inerente ao desenvolvimento da criança prematura, a criança é a função do tempo. O tempo de gestação é determinante, pois, quanto menor, maiores as chances de efeitos negativos(77 Lemos RA, Frônio JS, Neves LAT, Ribeiro LC. Estudo da prevalência de morbidades e complicações neonatais segundo o peso ao nascimento e a idade gestacional em lactentes de um serviço de follow-up. Rev APS. 2010;13(3):277-90.)para a vida e o desenvolvimento, até para a sobrevivência. Devido à atuação da dimensão Tempo, a criança já nasceu com demandas, recursos e forças específicas, ou seja, a condição de prematuridade gerou mudanças nos processos, no contexto e na própria pessoa. O curso do desenvolvimento da criança prematura será influenciado por esta condição ao longo do tempo. A necessidade do acompanhamento, a percepção dos prazos de aparecimento das aquisições, os potenciais atrasos, as expectativas quanto ao futuro, são exemplos da visualização da atuação desta dimensão. Assim, a perspectiva dos cuidadores está focada no microtempo e no mesotempo, na medida em que sua compreensão vem se construindo na experiência individual e a partir do que observam na própria criança. A compreensão do desenvolvimento dos prematuros enquanto grupo no âmbito transgeracional no macrotempo não aparece nos resultados, o que é esperado, visto que esta abordagem é foco mais específico de pesquisadores e estudiosos da Teoria.

Quanto à categoria Desenvolvimento Funcional, cabe refletir que é o desenvolvimento de capacidades funcionais que permite à criança ser e estar em seu Contexto como Pessoa, através dos Processos que estabelece ao longo de sua trajetória de desenvolvimento, no Tempo, alcançando independência, participação social e autonomia. Os dados mostram dicotomia, dado o entendimento das habilidades funcionais como naturalmente decorrentes do curso da vida, mas, também, como frutos do ensino e do exemplo que a criança imita. Estes resultados são corroborados pela literatura que destaca aperformance funcional da criança pré-escolar como influenciada pelos Processos estabelecidos na infância mais precoce (44 Sullivan MC, Msall ME. Functional performance of preterm children at age 4. J Pediatr Nurs. 2007;22(4):297-309.,1919 Mondim EMC. Um olhar ecológico da família sobre o desenvolvimento humano. Psicol Argumento. 2005;23(41):25-35.).

As demandas de conhecimentos dos pais mostram que o desenvolvimento de suas crianças nascidas prematuras é um assunto que os mobiliza. A falta de conhecimento pode gerar ansiedades e atitudes de cuidado nem sempre favoráveis ao desenvolvimento, devendo este assunto ser foco nas intervenções e na elaboração de materiais educativos.

Coloca-se como limitação deste estudo a amostra de conveniência de um grupo acompanhado por serviço especializado no seguimento de crianças com risco, podendo estar mais orientado em relação ao desenvolvimento infantil, comparados a outros que, na vivência da mesma condição, não têm acesso a este serviço.

Conclusão

Este estudo amplia o conhecimento sobre a compreensão de cuidadores de crianças nascidas prematuras acerca do desenvolvimento infantil, favorecendo atuação mais orientada e sistematizada para construção de estratégias de promoção do desenvolvimento e prevenção de agravos, propiciando contextos protetores. A prematuridade, como condição da Pessoa no Tempo, gera importantes efeitos sobre as interações com os cuidadores, que estimulam o desenvolvimento funcional com exemplos e ensino, embora o considerem como naturalmente decorrente do Tempo. Os cuidadores promovem o desenvolvimento com amparo da rede de suporte familiar e assistencial, porém ainda demandam esclarecimentos e apoio para atuarem como promotores do desenvolvimento das crianças, incluindo informações sobre esse processo. Isto é tarefa da comunidade, da assistência, da gestão e das políticas públicas.

A Teoria Bioecológica mostrou-se um importante arcabouço de análise e interpretação dos dados, proporcionando ampliação do conhecimento e identificação dos saberes dos cuidadores, relativos às influências do Processo, da Pessoa, do Contexto e do Tempo sobre o desenvolvimento da criança nascida prematura.

References

  • 1
    Araújo ATC, Eickmann SH, Coutinho SB. Fatores associados ao atraso do desenvolvimento motor de crianças prematuras internadas em unidade de neonatologia. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2013;13(2):119-28.
  • 2
    Ferreira S, Fontes N, Rodrigues L, Gonçalves C, Lopes MM, Rodrigues N. Desenvolvimento psicomotor de grandes prematuros. Acta Pediatr Port. 2013; 44(6):319-24.
  • 3
    Arnold C, Tyson JE. Outcomes following periviable birth. Semin Neonatol. 2014;38(1):2-11.
  • 4
    Sullivan MC, Msall ME. Functional performance of preterm children at age 4. J Pediatr Nurs. 2007;22(4):297-309.
  • 5
    Potharst ES, Schuenge C, Last BF, van-Wassenaer AG, Kok JH, Houtzager BA. Difference in mother-child interaction between preterm and term-born preschoolers with and without disabilities. Acta Paediatr. 2012;101(6):597-603.
  • 6
    Costa SAF, Ribeiro CA, Borba RIH, Balieiro MMFG. A experiência da família ao interagir com o recém-nascido prematuro no domicílio. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2009;13(4):741-49.
  • 7
    Lemos RA, Frônio JS, Neves LAT, Ribeiro LC. Estudo da prevalência de morbidades e complicações neonatais segundo o peso ao nascimento e a idade gestacional em lactentes de um serviço de follow-up. Rev APS. 2010;13(3):277-90.
  • 8
    Silva CA, Brusamarello S, Cardoso FGC, Adamczyk NF, Rosa Neto F. Desenvolvimento de prematuros com baixo peso ao nascer nos primeiros dois anos de vida. Rev Paul Pediatr. 2011;29(3):328-35.
  • 9
    Lemos RA, Fronio JS, Ribeiro LC, Demarchi R, Silva J, Neves LAT. Functional performance according to gestational age and birth weight of preschool children born premature or with low weight. Rev Bras Cresc Desenvolv Human. 2012;22(1):17-26.
  • 10
    Moreira RS, Magalhães LC, Alves CRL. Effect of preterm birth on motor development, behavior, andschool performance of school-age children: a systematic review. J Pediatr (Rio J). 2014;90(2):119-34.
  • 11
    Johnson S, Fawke J, Hennessy E, Rowell V, Thomas S, Wolke D, et al. Neurodevelopmental disability through 11 years of age in children born before 26 weeks of gestation. Pediatrics. 2009;124:e249-57.
  • 12
    Lemola S. Long-term outcomes of very preterm birth: mechanisms and interventions. Eur Psychol. 2015;20(2):128-37.
  • 13
    Melo EMOP, Ferreira PL, Lima RAG, Mello DF. The involvement of parents in the health care provided to hospitalzed children. Rev Latino Am Enfermagem. 2014; 22(3):432-9.
  • 14
    Bronfrenbrenner U. Bioecologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais humanos. Porto Alegre: Artmed; 2011.
  • 15
    Benetti IC, Vieira ML, Crepaldi MA, Schneider DR. Fundamentos da teoria bioecológica de Urie Bronfenbrenner. Pensando Psicol. 2013;9(16):89-99.
  • 16
    Rosa EM, Tudge J. Urie Bronfenbrenner's Theory of Human Development: its evolution from ecology to bioecology. J Fam Theory Rev. 2013;5(4)243-58.
  • 17
    Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa. Critério padrão de classificação econômica Brasil - 2008 [Internet]. São Paulo: ABEP; 2012 [citado 2012 set. 25]. Disponível em: Disponível em:http://cmicro.fgv.br/sites/cmicro.fgv.br/files/file/CCEB%20FGV%20(25-6-2012).pdf
    » http://cmicro.fgv.br/sites/cmicro.fgv.br/files/file/CCEB%20FGV%20(25-6-2012).pdf
  • 18
    Caregnato RCA, Mutti R. Pesquisa qualitativa: análise de discurso versus análise de conteúdo. Texto Contexto Enferm. 2006;15(4):679-84.
  • 19
    Mondim EMC. Um olhar ecológico da família sobre o desenvolvimento humano. Psicol Argumento. 2005;23(41):25-35.
  • 20
    Andrade AS, Santos DN, Bastos AC, Pedromônico MRM, Almeida-Filho N, Barreto ML. Ambiente familiar e desenvolvimento cognitivo infantil: uma abordagem epidemiológica. Rev Saúde Pública. 2005;39(4):606-11.
  • 21
    Pilz EML, Schermann LB. Determinantes biológicos e ambientais no desenvolvimento neuropsicomotor em uma amostra de crianças de Canoas/RS. Ciên Saúde Coletiva. 2007;12(1):181-90.
  • 22
    Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Atenção à saúde do recém-nascido: guia para os profissionais de saúde. Brasília; 2011.
  • 23
    American Academy of. Pediatrics Follow-up care of high-risk infants.. Pediatrics 2004;114 Suppl 5:1377-97.
  • 24
    Souza NL, Pinheiro-Fernandes AC, Clara-Costa IC, Cruz-Enders B, Carvalho JBL, Silva MLC. Domestic maternal experience with preterm newborn children. Rev Salud Pública. 2010; 12(3):356-67.
  • 25
    Custódio ZAO, Crepaldi MA, Linhares MBM. Redes sociais de apoio no contexto da prematuridade: perspectiva do modelo bioecológico do desenvolvimento humano. Estudos Psicol. 2014;31(2):247-55.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2015

Histórico

  • Recebido
    07 Dez 2014
  • Aceito
    20 Ago 2015
Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: reeusp@usp.br