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Autonomia da enfermeira-enfermeiro expressa na legislação profissional portuguesa e brasileira: estudo documental (1986–2022)

RESUMO

Objetivo:

Analisar a convergência da autonomia da enfermeira-enfermeiro expressa na legislação do exercício profissional brasileiro e português.

Método:

Estudo qualitativo, sócio-histórico documental na normalização de padrões profissionais brasileiro e português do exercício da enfermagem, materiais socializados no acervo digital das entidades organizativas e disciplinares da profissão. Análise qualitativa sob a perspectiva da sociologia das profissões de Eliot Freidson.

Resultados:

Analisadas 10 normalizações, cinco de cada país, em que estabelecem as legislações para o exercício profissional da enfermeira-enfermeiro. Emergiram as categorias: autonomia de conhecimento e competência específica da profissão, na eticidade dos limites da relação multiprofissional e no disciplinamento da formação ao exercício profissional.

Conclusão:

A autonomia profissional em análise implica em oportunizar o acesso aos serviços, à multiprofissionalidade para a disponibilidade de saúde à sociedade.

DESCRITORES
Autonomia Profissional; Enfermagem; História; Organizações de Normalização Profissional; Sociologia

ABSTRACT

Objective:

To analyze the convergence of nurse’s autonomy expressed in Brazilian and Portuguese professional practice legislation.

Method:

Qualitative, social-historical documentary study on the normalization of Brazilian and Portuguese professional standards for nursing practice, materials socialized in the digital collection of the profession’s organizational and disciplinary entities. Qualitative analysis from the perspective of Eliot Freidson’s sociology of professions.

Results:

Ten standards were analyzed, five from each country, which establish legislation for the nurses’ professional practice. The following categories emerged: autonomy of knowledge and specific competence of the profession, in the ethical limits of the multi-professional relationship and in the disciplining of training for professional practice.

Conclusion:

The professional autonomy under analysis implies providing access to services and to multi-professionality for the availability of health to society.

DESCRIPTORS
Professional Autonomy; Nursing; History; Professional Review Organizations; Sociology

RESUMEN

Objetivo:

Analizar la convergencia de la autonomía enfermera-enfermero expresada en la legislación de práctica profesional brasileña y portuguesa.

Método:

Estudio documental cualitativo, sociohistórico, sobre la normalización de los estándares profesionales brasileños y portugueses para la práctica de enfermería, materiales socializados en el acervo digital de las entidades organizativas y disciplinarias de la profesión. Análisis cualitativo desde la perspectiva de la sociología de las profesiones de Eliot Freidson.

Resultados:

Se analizaron 10 normas, cinco de cada país, que establecen la legislación para el ejercicio profesional de la enfermería. Surgieron las categorías: autonomía del conocimiento y competencia específica de la profesión, en los límites éticos de la relación multiprofesional y en la disciplina de la formación para el ejercicio profesional.

Conclusión:

La autonomía profesional bajo análisis implica posibilitar acceso a los servicios, multiprofesionalidad para la disponibilidad de la salud a la sociedad.

DESCRIPTORES
Autonomía Profesional; Enfermería; Historia; Organizaciones de Normalización Profesional; Sociología

INTRODUÇÃO

Os limites da autonomia profissional existem para toda e qualquer ocupação laboral, dependem da condição de trabalho, da história em organização profissional, o que reitera a importância ética, de autorregulação e de educação formal.

As questões do âmbito da autonomia profissional perpassam pelo grau de competência, transposição das ideias para a assistência numa perspectiva de configurar a independência. Para tanto, no escopo da profissão Enfermagem há de se analisar a autonomia de alguns pontos de vista e, dentro do cenário sócio-histórico buscar um referencial que fortaleça as discussões sociológicas, desde as práticas de cuidado às de ensino e pesquisa, a evolução ou involução, que acontecem na lógica da organização profissional. Isto corrobora a complexidade na ampliação dos saberes de enfermeiras e enfermeiros, para a resolutividade e atendimento das necessidades sociais(11. Queirós PJP. Escolas de Enfermeiros e de Enfermagem em Coimbra: um percurso de 140 anos. Hist Enferm Rev Eletrônica. 2022;13(1):e03. doi: http://dx.doi.org/10.51234/here.2022.v13n1.e03
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). Integra esta conjuntura o delineamento da profissão Enfermagem em terras brasileiras e seculares terras portuguesas. Em ambas as experiências, a enfermagem emerge como disciplina no final do século XIX, quando a ocupação enfermagem determina o objeto de estudo e há a ruptura epistemológica, caracterizando um status ao saber enquanto profissão(22. Florêncio RS, Moreira TMM. Modelo de vulnerabilidade em saúde: esclarecimento conceitual na perspectiva do sujeito-social. Acta Paul Enferm. 2021;34:eAPE00353. doi: http://dx.doi.org/10.37689/acta-ape/2021AO00353
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), conferindo, assim, à Enfermagem, o status do saber e de prática científica.

O arcabouço sócio-histórico e cultural da organização da enfermagem vem sendo investigado, discutido e pensado desde sua criação. Isto porque acompanha as práticas de cuidado instituídas no âmbito doméstico, a partir do imaginário social, caracterizando-as numa ciência em construção pela busca cotidiana por qualificação e especificações que a organizem e sustentem seu fazer, a partir das mudanças contextuais desde os séculos XIX e XX, e ainda sobremaneira das influências do status científico em nascente desenvolvimento, como também da definição do corpo doutrinário da profissão(33. Moreira DJ, Bosi ML. Qualidade do cuidado na Rede de Atenção Psicossocial: experiências de usuários no Nordeste do Brasil. Physis. 2019;29(2):e290205. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s0103-73312019290205
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). E, neste escopo, a Sociologia das Profissões ao alcance do status no campo assistencial e investigativo, da gestão do cuidado material e imaterial nas instituições públicas e privadas de tratamentos em nível hospitalar, e da atenção básica em saúde reitera a necessidade das especificidades do corpo profissional. Isto, com vistas à autonomia de legitimidade da enfermagem para o cuidar em saúde44. Bellaguarda MLR, Padilha MI, Nelson S. Sociologia das profissões de Eliot Freidson: interpretação para a saúde e enfermagem. Rev Bras Enferm. 2020;73(6):e20180950. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0950. PubMed PMID: 32785504.
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,55. Machado MH, Koster I, Aguiar Fo W. Mercado de trabalho e processos regulatórios: a Enfermagem no Brasil. Cien Saude Colet. 2020;25(1):101–12. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020251.27552019. PubMed PMID: 31859859.
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.

Frente a esta retórica, Eliot Freidson(66. Freidson E. Profissão médica: um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. Trad. André de Faria Pereira Neto e Kvieta Brezinova de Morais. São Paulo: Editora UNESP; 2009.) apresenta o credencialismo, a expertise e a autonomia como base para uma ocupação a ser reconhecida como profissão. No entanto, a análise primeira do sociólogo advém de características fundamentais para o alcance do referenciado anteriormente, da capacitação pelo treinamento prolongado e aprofundado e da ideia de que as habilidades sejam voltadas ao coletivo, à sociedade. Isso evidencia a capacidade da enfermeira-enfermeiro em desenvolver a assistência dentro de normalizações éticas e legais(77. Costa RLM, Santos RM, Costa LMC. Autonomia profissional da enfermagem em tempos de pandemia. Rev Gaúcha Enferm. 2021;42(spe):e20200404. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2021.20200404. PubMed PMID: 34161548.
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), fortalecendo a autonomia e, assim, o reconhecimento da necessidade desse profissional no construto saúde da sociedade. É nesse momento, então, que a Enfermagem tem definido o seu status profissional. Atentando a todo o diálogo, ora apresentado ao desenvolvimento da profissão, o conhecimento especializado incorpora a autonomia profissional pela relação e potencialização da articulação política, credencialismo dos órgãos de disciplinamento profissional e pelo desenvolvimento em continuum do aprimoramento do saber(44. Bellaguarda MLR, Padilha MI, Nelson S. Sociologia das profissões de Eliot Freidson: interpretação para a saúde e enfermagem. Rev Bras Enferm. 2020;73(6):e20180950. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0950. PubMed PMID: 32785504.
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). Neste contexto, os aprimoramentos do saber e da competência da enfermagem devem estar aliados ao profissionalismo dos membros que desenvolvem a Enfermagem.

A autonomia profissional está referendada na competência para a assistência à saúde com relativa independência. E na visão Freidsoniana, a autonomia se dá fundamentada em credenciais qualificacionais para o trabalho e conhecimento específico que garantam o diagnóstico do estado de saúde, não circunscrito ao diagnóstico da doença(66. Freidson E. Profissão médica: um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. Trad. André de Faria Pereira Neto e Kvieta Brezinova de Morais. São Paulo: Editora UNESP; 2009.). Nesta perspectiva, a Enfermagem, enquanto profissão da área da saúde, evidencia, a partir do credencialismo pelas entidades representativas e pela formalidade legal do Estado, assim como pelo reconhecimento social do fazer da profissão, especificidades que a consolidam como profissão acadêmica e de consulta(44. Bellaguarda MLR, Padilha MI, Nelson S. Sociologia das profissões de Eliot Freidson: interpretação para a saúde e enfermagem. Rev Bras Enferm. 2020;73(6):e20180950. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0950. PubMed PMID: 32785504.
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).

Isso define, neste estudo, a conceituação da autonomia, que trata de uma autoridade sobre as práticas e os saberes do cuidado, relativos aos auspícios da profissão. Ela determina os próprios padrões educativos, o credenciamento legal e elaborado pelos membros profissionais, e sua prática não sofre avaliação de leigos(66. Freidson E. Profissão médica: um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. Trad. André de Faria Pereira Neto e Kvieta Brezinova de Morais. São Paulo: Editora UNESP; 2009.), tudo reiterado pelo credencialismo representado pelas entidades organizativas e disciplinares da profissão e a educação formal com especificidades próprias do grupo profissional.

A autonomia profissional está imbricada em variáveis que identificam a autoridade no âmbito do trabalho em saúde. Ela é definida pelas relações profissional-paciente, profissional–instituição, profissional-profissionais da área da saúde, evidenciando, deste modo, dois níveis de autoridade de acordo com Freidson, uma autoridade pela expertise/teoria e outra socioeconômica66. Freidson E. Profissão médica: um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. Trad. André de Faria Pereira Neto e Kvieta Brezinova de Morais. São Paulo: Editora UNESP; 2009.,88. Maia NMFS, Silva FAA, Araújo AAC, Santos AMR, Santos FBO, Aperibense PGGS. Contributions of the institutions for the nursing professionalization: integrative review (2010–2020) in the light of freidsonian conceptions. Rev Bras Enferm. 2022;76(1):e20220153. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2022-0153pt. PubMed PMID: 36449975.
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. A autoridade da expertise estabelece o controle sobre o que é próprio à profissão, o essencial, seu fazer, a técnica e o pensar específico. Já a autonomia socioeconômica atrela-se à capacidade de organização e de reger o trabalho, o comportamento e as relações entre os membros profissionais e demais membros da sociedade.

A autoridade requerida para a profissão é declarada por Freidson como a capacidade de controlar e avaliar o trabalho desenvolvido pelos membros da profissão(66. Freidson E. Profissão médica: um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. Trad. André de Faria Pereira Neto e Kvieta Brezinova de Morais. São Paulo: Editora UNESP; 2009.). Isto traduzido para um ideal de serviço que faça da atividade técnica/teórica uma necessidade e atenda os interesses sociais, da coletividade e não especificamente do profissional.

Na perspectiva de trazer à discussão a autonomia do interior das legislações portuguesa e brasileira da Enfermagem, observa-se que ela vem ao encontro da sociologia de Eliot Freidson, na qual a Enfermagem se mostra como profissão de consulta, a partir de conhecimento esotérico por sistematizações do cuidar, do educar, do gerir e do pesquisar. Instiga-nos refletir analiticamente a autonomia da enfermagem, conforme indicam Bellaguarda et al.(44. Bellaguarda MLR, Padilha MI, Nelson S. Sociologia das profissões de Eliot Freidson: interpretação para a saúde e enfermagem. Rev Bras Enferm. 2020;73(6):e20180950. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0950. PubMed PMID: 32785504.
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), enquanto ciência, arte, disciplina profissional, em grau de abrangência semelhante ao das demais profissões do campo da saúde. Para tanto, questiona-se: Quais as convergências de autonomia profissional expressas na legislação brasileira e portuguesa da profissão Enfermagem? Essa questão justifica esta revisita à autonomia profissional da enfermeira-enfermeiro, revelando papeis identitários e a visibilidade da profissão da área da saúde nos países em estudo. Nesta perspectiva, o objetivo do estudo é analisar a convergência da autonomia da enfermeira-enfermeiro expressa na legislação do exercício profissional brasileiro e português, numa perspectiva da Sociologia das Profissões de Eliot Freidson.

MÉTODO

Tipo de Estudo

Para a organização deste estudo, inicialmente fez-se um protocolo com os elementos constituintes: demarcação do tema, objetivo do estudo, questão norteadora e modalidade da pesquisa, fontes documentais e estratégias a serem efetivadas para a busca dos dados, crítica interna e externa dos documentos e síntese dos dados. Assim, realizou-se estudo qualitativo, de abordagem documental, sob a perspectiva sócio-histórica, realizado entre duas realidades profissionais, dentro do recorte espaço-temporal de 1986 a 2022, justificado por abranger as Leis e normalizações brasileira e portuguesa, considerando a data inicial pela Lei no 7498/1986(99. Brasil. Lei nº 7.498/86, de 25 de junho de 1986. Dispõe sobre a regulamentação do exercício da enfermagem e dá outras providências. Diário Oficial da União; Brasília; 26 jun. 1986. Seção 1, p. 10 [cited 2022 Sep 16]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7498.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
) do Exercício Profissional da Enfermagem no Brasil e o limite o ano de 2022 pela última alteração nessa Lei, para inserção do piso salarial da Enfermagem, sendo a Lei no 14.434/2022(1010. Brasil. Lei nº 14.434, de 4 de agosto de 2022. Altera a Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986, para instituir o piso salarial nacional do Enfermeiro, do Técnico de Enfermagem, do Auxiliar de Enfermagem e da Parteira. Diário Oficial da União; Brasília; 5 ago. 2022. Edição 148, Seção 1, p. 3 [cited 14 Sep 2022]. Available from: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.434-de-4-de-agosto-de-2022-420535072
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n...
). Compondo este recorte temporal estão as legislações portuguesas de regulamentação do exercício profissional da enfermagem pela Lei no 161/1996(1111. Portugal. Decreto-Lei n° 161 de 4 de setembro de 1996. Aprova o Regulamento do Exercício Profissional dos Enfermeiros. Diário da República; Lisboa, 20 set 1996. Série I-A, No. 205, p. 2959 [cited 2022 Sep 14]. Available from: https://dre.pt/dre/detalhe/decreto-lei/161-241640
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) ou Regulamento do Exercício Profissional dos Enfermeiros (REPE) e a Regulamento n.º 613/2022(1212. Portugal, Ordem dos Enfermeiros de Portugal. Regulamento nº 613 de 8 de julho de 2022. Regulamento que define o ato do Enfermeiro. Diário da República; Lisboa, 2022. No. 31, p. 179–82, 2a série, parte E [cited 2022 Sep 20]. Available from: https://dre.pt/dre/detalhe/regulamento/613-2022-185836226
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), que define o Ato do Enfermeiro. Foram incluídas legislação, decretos-leis, regulamentos e diretrizes curriculares da educação em enfermagem sitiados eletronicamente e veiculados oficialmente nos órgãos disciplinadores da profissão em ambos os países, dentro do recorte espaço-temporal.

Contexto do Estudo

Estudo realizado a partir da rede de conhecimento estabelecida entre duas Instituições de Ensino Superior, uma brasileira e outra portuguesa, para estudo de percurso pós doutoral e interesse sócio-histórico. A instituição educacional brasileira está situada no sul do país, no Estado de Santa Catarina, a partir do Curso de Enfermagem criado há 53 anos em 1969 e o Programa de Pós-Graduação em Enfermagem há 45 anos em 1977. A escola de enfermagem portuguesa, localizada no centro de Portugal, na cidade de Coimbra, é fruto da fusão em 2006 entre duas Escolas, uma fundada em 1881 e outra em 1971, situada na cidade universitária patrimônio mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura que desde 2002 desenvolve na Unidade de Investigação em Ciências da Saúde pesquisas de alto nível do Conhecimento em Enfermagem.

Esta pesquisa, a partir da parceria existente entre as escolas, possibilitou o estudo documental, nas plataformas digitais dos Conselho e Ordem de Enfermagem e Enfermeiros do Brasil e de Portugal, na plataforma digital do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) e do Conselho Regional de Santa Catarina (COREN-SC), assim como na página online dos Ministérios da Saúde e da Educação brasileiros. No âmbito de Portugal, o estudo baseou-se na documentação de acesso livre, público e virtual da Ordem dos Enfermeiros e sites oficiais do Governo Português, Diário da República Eletrônico, Ministério da Saúde e Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.

Fontes Documentais

O corpus deste estudo foi composto por análise documental realizada nos registros sócio-históricos da legislação e normalização de padrões profissionais, instituídos pelos órgãos disciplinadores e regulamentadores da Enfermagem no Brasil e em Portugal, mesmo sendo assimétrico o profissionalismo das enfermeiras/enfermeiros de ambas as realidades evidenciadas nas legislações, já que na realidade Portuguesa a Enfermagem é desenvolvida somente pela Enfermeira. Concretamente, no Brasil, a enfermagem caracteriza-se numa divisão parcelar do trabalho em Enfermeiro, Técnico e Auxiliar de Enfermagem. A discussão neste estudo está centrada no potencial de autonomia da profissional enfermeira e sua competência específica, o que implica em análise textual das legislações.

Os materiais selecionados foram organizados de acordo com os critérios de seleção e caracterizados em fontes documentais brasileiras e portuguesas em tipo de documento, ano de criação e disposição da norma (Quadro 1).

Quadro 1
Fontes documentais do estudo - Coimbra, Portugal, 2022.

Critérios de Seleção

Para seleção dos documentos foram observados os critérios de inclusão: documentos legais digitalizados no recorte temporal deste estudo, disponibilizados por meio eletrônico nos órgãos de disciplinamento profissional da Enfermagem em ambos os países, e de livre acesso. Critérios de exclusão: documentos específicos de atos de enfermeiras/enfermeiros na Pandemia Covid-19.

Coleta e Organização dos Dados

Os dados foram coletados entre 14 de setembro e 31 de outubro de 2022, num período de duas horas diárias, no turno vespertino, em dois dias da semana, durante seis semanas, totalizando 24 horas. A data de início da busca e coleta de dados coincide com o início do percurso pós-doutoral de um dos autores em Portugal. O encerramento aconteceu em detrimento dos documentos necessários ao estudo.

Realizou-se a busca na plataforma digital das entidades organizativas da profissão nos dois países, leis e resoluções que tratassem do regramento do exercício profissional, para uma aproximação às características de uma profissão descritas por Eliot Freidson: autonomia, credencialismo, expertise(66. Freidson E. Profissão médica: um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. Trad. André de Faria Pereira Neto e Kvieta Brezinova de Morais. São Paulo: Editora UNESP; 2009.).

Na busca inicial, foram encontrados 12 documentos que correspondiam aos critérios inclusivos e fundamentos à autonomia profissional da enfermeira-enfermeiro, sendo 10 utilizados para extração e análise de dados. Dois documentos foram excluídos por conterem dados generalizados referentes à autonomia.

Assim sendo, 5 documentos referentes à legislação brasileira e 5 à portuguesa foram selecionados, sendo organizados em tabela do Word 2010 contendo: tipo, ano e disposição da normalização profissional, artigos e fontes textuais que trouxessem arquétipos de autonomia nos âmbitos do exercício profissional, expertise e credenciais qualificacionais desta autonomia expressa nas legislações.

Análise dos Dados

Na análise, o tratamento dos materiais seguiu a pesquisa sócio-histórica, a fase de pré-análise, observando-se as regras de exaustividade, representatividade, homogeneidade e pertinência na escolha dos documentos a serem investigados. A segunda etapa do processo tratou da garimpagem, elencando as legislações específicas do exercício profissional da enfermagem e os respectivos documentos da educação e da eticidade referentes à profissão. Na exploração do material, fez-se a identificação dos documentos, realizando a leitura flutuante e, posteriormente, a leitura em profundidade, observando-se a presença do termo de busca “autonomia” nos artigos das legislações e prosseguindo-se para a etapa de exploração, por meio de quadro síntese, referente à extração do conteúdo, codificados e categorizados para dar prosseguimento à fase de tratamento dos resultados obtidos e interpretações. Nesta última etapa aconteceu a escrita sócio-histórica da autonomia da enfermeira-enfermeiro congruente nas leis do exercício profissional da Enfermagem no Brasil e em Portugal.

A convergência da autonomia profissional na legislação do exercício da Enfermagem portuguesa e brasileira aborda, neste estudo, três blocos de codificação temáticos: educação/formação/academia, que reflete a ética, o conhecimento esotérico, a identidade profissional e o profissionalismo dos membros. Na segunda composição assistência/consulta/cuidado/contextos emergiram as questões da ética, da prática da enfermagem e a prática clínica da enfermagem e a Sistematização da Assistência em Enfermagem (SAE). Finalmente, no terceiro bloco temático credencialismo/gestão pontuou-se a ética, autorregulação, organização do trabalho e os conselhos, ordens e associações profissionais. A convergência se fez pela interpretação a partir da contextualização dos registros em legislação na realidade de cada país e a sociologia das profissões de Freidson.

Aspectos Éticos

Os documentos analisados são de domínio público, não sendo submetidos a e apreciados pelo Comitê de Ética em Pesquisa. Seguiram as características exigidas para a realização da pesquisa documental, organicidade, sendo produzidos em razão das funções da entidade representativa da profissão, unicidade, confiabilidade e autenticidade pela veracidade do documento legislar específico da normalização de padrões profissionais(1313. Padilha MI, Bellaguarda MLR, Nelson S, Maia ARG, Costa R. O uso das fontes na condução da pesquisa histórica. Texto Contexto Enferm. 2017;26(4):e2760017. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072017002760017
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). Estudo orientado pelo Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ) para a descrição e composição metodológica (1414. Souza VR, Marziale MH, Silva GT, Nascimento PL. Tradução e validação para a língua portuguesa e avaliação do guia COREQ. Acta Paul Enferm. 2021;34:eAPE02631. doi: http://dx.doi.org/10.37689/acta-ape/2021AO02631
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).

RESULTADOS

O regramento profissional da enfermagem no Brasil está disposto em duas Leis com especificidade sobre o exercício da Enfermagem, questões disciplinares e organização profissional. A educação em enfermagem em nível superior corresponde às normativas estabelecidas pelo Ministério da Educação dentro das diretrizes curriculares nacionais.

Em Portugal, as normalizações ocorrem em Decreto-Lei do disciplinamento e organização profissional e dispõem sobre a Ordem dos Enfermeiros e as Associações Públicas Profissionais, com a legislação pertinente à formação em saúde e especialmente da enfermagem e pelo Ministério de Educação Português.

Apresentam-se as legislações (Quadro 1) em que foram analisados os temas da autonomia, autonomia dos Limites da Relação Multiprofissional.

Para análise desta convergência da autonomia nas legislações foram elencadas, a partir dos blocos temáticos, as categorias: Autonomia de conhecimento e competência específicas da profissão; Autonomia no disciplinamento: da formação ao exercício profissional.

DISCUSSÃO

Autonomia de conhecimento e competência específicas da profissão.

Embora a história secular portuguesa seja marcante, no que se refere à organização e credencialismo da profissão da Enfermagem, acontece um pouco mais tarde que no Brasil, 1996 e 1986 sequencialmente. As normalizações profissionais em ambos os países apresentam uma estrutura semelhante, cumprindo com os regramentos em direitos e deveres e a ética deontológica88. Maia NMFS, Silva FAA, Araújo AAC, Santos AMR, Santos FBO, Aperibense PGGS. Contributions of the institutions for the nursing professionalization: integrative review (2010–2020) in the light of freidsonian conceptions. Rev Bras Enferm. 2022;76(1):e20220153. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2022-0153pt. PubMed PMID: 36449975.
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2022-0...
,1010. Brasil. Lei nº 14.434, de 4 de agosto de 2022. Altera a Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986, para instituir o piso salarial nacional do Enfermeiro, do Técnico de Enfermagem, do Auxiliar de Enfermagem e da Parteira. Diário Oficial da União; Brasília; 5 ago. 2022. Edição 148, Seção 1, p. 3 [cited 14 Sep 2022]. Available from: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.434-de-4-de-agosto-de-2022-420535072
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n...
. Nesta perspectiva, apresenta-se a discussão nas três dimensões alcançadas na análise para abordar as convergências nas legislações e os aspectos do entendimento da autonomia da enfermeira-enfermeiro nas realidades, mostrando a enfermagem enquanto prática de consulta e não somente realizadora de tarefas.

A autonomia apresentada nas normalizações do exercício profissional da Enfermagem dos países Brasil e Portugal, dentro da perspectiva Freidsoniana, tem uma compreensão diferente. Isto pois as normalizações evidenciam um enfoque teórico normalizador forte na legislação portuguesa e, na brasileira, têm destaques menos intensos no que tange a frequência do enfoque da autonomia nos artigos legislares.

Observa-se nos documentos brasileiros que a referência à autonomia se apresenta em alguns artigos das legislações que trazem o respeito à independência da pessoa atendida pela enfermeira-enfermeiro(99. Brasil. Lei nº 7.498/86, de 25 de junho de 1986. Dispõe sobre a regulamentação do exercício da enfermagem e dá outras providências. Diário Oficial da União; Brasília; 26 jun. 1986. Seção 1, p. 10 [cited 2022 Sep 16]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7498.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
,1515. Brasil, Conselho Federal de Enfermagem – COFEN. Resolução COFEN nº 564, de 6 de novembro de 2017. Aprova a reformulação do código de ética dos profissionais de enfermagem. Diário Oficial da União; Brasília; 6 dez. 2017 [cited 2023 Apr 23]. Available from: http://www.cofen.gov.br/wp-content/uploads/2017/12/RESOLU%C3%87%C3%83O-COFEN-N%C2%BA-564-2017.pdf
http://www.cofen.gov.br/wp-content/uploa...

16. Bellaguarda MLR, Padilha MI, Pereira No AF, Pires D, Peres MAA. Reflexão sobre a legitimidade da autonomia no campo das profissões de saúde à luz das ideias de Eliot Freidson. Esc Anna Nery. 2013;17(2):369–74. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1414-81452013000200023
https://doi.org/10.1590/S1414-8145201300...
-1717. Portugal. Decreto-Lei nº 104, 21 de abril de 1998. Cria a Ordem dos Enfermeiros e aprova o respectivo Estatuto. Diário da República; Lisboa, 1998. Série I-A, No. 93, p. 1739–57 [cited 2022 Apr 14]. Available from: https://dre.pt/dre/detalhe/decreto-lei/104-1998-175784
https://dre.pt/dre/detalhe/decreto-lei/1...
). Em Portugal, a autonomia encontra na maioria dos artigos normalizadores, que abrangem os profissionais enfermeiras-enfermeiros, demais profissionais e pessoas atendidas(1111. Portugal. Decreto-Lei n° 161 de 4 de setembro de 1996. Aprova o Regulamento do Exercício Profissional dos Enfermeiros. Diário da República; Lisboa, 20 set 1996. Série I-A, No. 205, p. 2959 [cited 2022 Sep 14]. Available from: https://dre.pt/dre/detalhe/decreto-lei/161-241640
https://dre.pt/dre/detalhe/decreto-lei/1...
,1212. Portugal, Ordem dos Enfermeiros de Portugal. Regulamento nº 613 de 8 de julho de 2022. Regulamento que define o ato do Enfermeiro. Diário da República; Lisboa, 2022. No. 31, p. 179–82, 2a série, parte E [cited 2022 Sep 20]. Available from: https://dre.pt/dre/detalhe/regulamento/613-2022-185836226
https://dre.pt/dre/detalhe/regulamento/6...
,1717. Portugal. Decreto-Lei nº 104, 21 de abril de 1998. Cria a Ordem dos Enfermeiros e aprova o respectivo Estatuto. Diário da República; Lisboa, 1998. Série I-A, No. 93, p. 1739–57 [cited 2022 Apr 14]. Available from: https://dre.pt/dre/detalhe/decreto-lei/104-1998-175784
https://dre.pt/dre/detalhe/decreto-lei/1...
).

Destaca-se que a inserção do termo autonomia não necessariamente apresenta uma conotação de independência ou autoridade no fazer saúde. De acordo com as características qualificacionais de uma ocupação elencadora(66. Freidson E. Profissão médica: um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. Trad. André de Faria Pereira Neto e Kvieta Brezinova de Morais. São Paulo: Editora UNESP; 2009.), a autonomia profissional não se dá de forma absoluta quando se refere às profissões na área da saúde, exibindo certa incoerência quando se refere à medicina. Freidson(66. Freidson E. Profissão médica: um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. Trad. André de Faria Pereira Neto e Kvieta Brezinova de Morais. São Paulo: Editora UNESP; 2009.) ainda caracteriza a Medicina enquanto profissão com um poder sobre as demais da área da saúde. Indiscutivelmente, na história da saúde, o processo de trabalho na medicina sempre teve um destaque para uma autonomia imperativa. Entretanto, as profissões são interdependentes e não há absolutismo em uma ou outra ocupação.

Consequentemente, esta proposta é uma análise do interior da profissão Enfermagem e da autonomia desta prática por si só e suas credenciais, a julgar o objeto de estudo, o cuidado, e o objeto de trabalho, a pessoa(1818. Pires DEP. A enfermagem enquanto disciplina, profissão e trabalho. Rev Bras Enferm. 2009;62(5):736–44. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672009000500015
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). Assim, a autonomia em Freidson, para a enfermagem, não se faz absoluta e enfoca na não reciprocidade do poder assistencial entre médico-enfermeira e vice-versa. O médico é trazido por Freidson como profissional superior às outras profissões, enquanto modelo. E, no campo de atuação de enfermeira-enfermeiro, esses não alcançarão o status da profissão médica(66. Freidson E. Profissão médica: um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. Trad. André de Faria Pereira Neto e Kvieta Brezinova de Morais. São Paulo: Editora UNESP; 2009.).

Com base nesta posição, a discussão da profissão Enfermagem faz-se pertinente. Não é o status da profissão Médica que a Enfermagem exige, mas o status de autoridade sobre o seu trabalho e sua prática. Isto como profissão autônoma dentro da expertise e credencialismo próprios, para a assistência de saúde e numa perspectiva de identidade profissional para a sociedade.

A independência assistencial, de ensino, pesquisa, extensão, gestão e serviços em saúde já se estabelece no âmbito da enfermagem. Ademais, tem autoridade sustentada pelas normalizações e pela necessidade desse fazer pela sociedade. Em análise, apresentam-se as dimensões da autonomia específica da profissão, da ética nos limites da relação multiprofissional e da formação para o exercício profissional(66. Freidson E. Profissão médica: um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. Trad. André de Faria Pereira Neto e Kvieta Brezinova de Morais. São Paulo: Editora UNESP; 2009.).

Nesta abordagem, a autonomia na eticidade dos limites da relação multiprofissional consolida o conhecimento enquanto valor fundamental para a ação dos agentes sociais. Este conhecimento é construído paulatinamente, e com forte aderência histórica e cultural, e as mudanças, nesta perspectiva, precisam de bases sólidas para se transformar, abrangendo outras questões no âmbito do mercado de trabalho, econômico e administrativo em cada profissão(1919. Kleinpell R, Myers CR, Schorn MN. Addressing Barriers to APRN Practice: policy and regulatory implications during COVID-19. J Nurs Regul. 2023;14(1):13–20. doi: http://dx.doi.org/10.1016/S2155-8256(23)00064-9. PubMed PMID: 37035778.
https://doi.org/10.1016/S2155-8256(23)00...
), tendo uma implicação cultural que se define pela necessidade de saúde em cada país. Refere-se ao mercado de trabalho, ao interesse financeiro e o justo e equânime reconhecimento salarial, que devem confluir para valoração e valorização do fazer profissional(1010. Brasil. Lei nº 14.434, de 4 de agosto de 2022. Altera a Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986, para instituir o piso salarial nacional do Enfermeiro, do Técnico de Enfermagem, do Auxiliar de Enfermagem e da Parteira. Diário Oficial da União; Brasília; 5 ago. 2022. Edição 148, Seção 1, p. 3 [cited 14 Sep 2022]. Available from: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.434-de-4-de-agosto-de-2022-420535072
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), nos quais as lutas em prol dessa constatação caracterizem o controle da profissão em ambos os países.

No Brasil, na legislação, as questões de disciplinamento profissional estão sob o auspício do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) e os Conselhos Regionais (CORENs), que defendem e disciplinam a profissão, no que se refere ao exercício profissional, de assistência e gestão(1515. Brasil, Conselho Federal de Enfermagem – COFEN. Resolução COFEN nº 564, de 6 de novembro de 2017. Aprova a reformulação do código de ética dos profissionais de enfermagem. Diário Oficial da União; Brasília; 6 dez. 2017 [cited 2023 Apr 23]. Available from: http://www.cofen.gov.br/wp-content/uploads/2017/12/RESOLU%C3%87%C3%83O-COFEN-N%C2%BA-564-2017.pdf
http://www.cofen.gov.br/wp-content/uploa...
). Os requisitos de formação e educação são abordados; no entanto, os conselhos não têm disciplinamento e ação direta sobre o processo formativo de enfermeiras-enfermeiros. No entanto, o exercício profissional advém de uma formação qualificada e superior e, para tanto, necessita de ordenamentos que são dispostos a partir do Ministério da Educação em conformidade com o credencialismo para o exercício profissional ordenado pelo conselho profissional(2020. Brasil, Ministério da Educação, Conselho Nacional de Educação, Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES n° 3, de 7 de novembro de 2001. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em enfermagem. Diário Oficial da União; Brasília; 9 nov 2001. Seção 1, p. 37 [cited 2022 Sep 14]. Available from: https://normativasconselhos.mec.gov.br/normativa/view/CNE_CES03.pdf?query=Curr%C3%ADculos
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).

Em Portugal, o Ministério da Educação, pelo Decreto lei 1999, realiza os regramentos formativos para as Escolas Superiores de Enfermagem e traz a legislação para assegurar os elementos essenciais ao seu desenvolvimento: autonomia e independência entre as profissões da saúde, a não dependência funcional das enfermeiras-enfermeiros a outras profissões e respeito à autonomia técnica e competências próprias(11. Queirós PJP. Escolas de Enfermeiros e de Enfermagem em Coimbra: um percurso de 140 anos. Hist Enferm Rev Eletrônica. 2022;13(1):e03. doi: http://dx.doi.org/10.51234/here.2022.v13n1.e03
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,88. Maia NMFS, Silva FAA, Araújo AAC, Santos AMR, Santos FBO, Aperibense PGGS. Contributions of the institutions for the nursing professionalization: integrative review (2010–2020) in the light of freidsonian conceptions. Rev Bras Enferm. 2022;76(1):e20220153. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2022-0153pt. PubMed PMID: 36449975.
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2022-0...
,1919. Kleinpell R, Myers CR, Schorn MN. Addressing Barriers to APRN Practice: policy and regulatory implications during COVID-19. J Nurs Regul. 2023;14(1):13–20. doi: http://dx.doi.org/10.1016/S2155-8256(23)00064-9. PubMed PMID: 37035778.
https://doi.org/10.1016/S2155-8256(23)00...
). Essas normalizações garantem as relações profissionais, a organização e o trabalho em saúde nos dois países.

Na sociologia das profissões defendida por Freidson(66. Freidson E. Profissão médica: um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. Trad. André de Faria Pereira Neto e Kvieta Brezinova de Morais. São Paulo: Editora UNESP; 2009.), o conhecimento fundamenta, juntamente com as credenciais qualificacionais, a autonomia dos membros profissionais em questão. Assim, na análise da autonomia, no interior de normalizações da Enfermagem no Brasil e em Portugal as similaridades são esperadas, o que leva à pesquisa das particularidades numa e noutra conjuntura.

Na legislação portuguesa, o profissional enfermeira-enfermeiro é aquele habilitado a partir de um curso de enfermagem formal e superior que lhe atribui competência científica, técnica e humana1212. Portugal, Ordem dos Enfermeiros de Portugal. Regulamento nº 613 de 8 de julho de 2022. Regulamento que define o ato do Enfermeiro. Diário da República; Lisboa, 2022. No. 31, p. 179–82, 2a série, parte E [cited 2022 Sep 20]. Available from: https://dre.pt/dre/detalhe/regulamento/613-2022-185836226
https://dre.pt/dre/detalhe/regulamento/6...
,2121. Portugal, Assembleia da República. Ordem dos Enfermeiros. Lei nº 156, 16 de setembro de 2015, segunda alteração ao Estatuto da Ordem dos Enfermeiros, conformando-o com a Lei n° 2/2013, de 10 de janeiro, que estabelece o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais. Lisboa: Tadinense – Artes Gráficas; 2015 [cited 2022 Apr 14]. Available from: https://www.ordemenfermeiros.pt/arquivo/publicacoes/Documents/nEstatuto_REPE_29102015_VF_site.pdf
https://www.ordemenfermeiros.pt/arquivo/...
. O conceito inicial é atrelado diretamente ao conhecimento, à formação para gestão assistencial com o título profissional reconhecido. A conceituação de enfermeiro-enfermeira nas normas brasileiras evidencia, previamente, a autonomia consonante à ética seguida do conhecimento técnico-científico e teórico-filosófico99. Brasil. Lei nº 7.498/86, de 25 de junho de 1986. Dispõe sobre a regulamentação do exercício da enfermagem e dá outras providências. Diário Oficial da União; Brasília; 26 jun. 1986. Seção 1, p. 10 [cited 2022 Sep 16]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7498.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
,2020. Brasil, Ministério da Educação, Conselho Nacional de Educação, Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES n° 3, de 7 de novembro de 2001. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em enfermagem. Diário Oficial da União; Brasília; 9 nov 2001. Seção 1, p. 37 [cited 2022 Sep 14]. Available from: https://normativasconselhos.mec.gov.br/normativa/view/CNE_CES03.pdf?query=Curr%C3%ADculos
https://normativasconselhos.mec.gov.br/n...
. Abordam as normativas que o conhecimento é a base para a identidade profissional e que a partir dos saberes é que o corpo profissional tem a qualificação para o alcance da autonomia.

As instituições de formação superior de enfermagem no rol de legislar profissional apresentam-se como indicadoras de soluções e de desenvolvimento de saberes próprios e específicos da categoria, para uma respeitabilidade e reconhecimento pelo Estado e Sociedade66. Freidson E. Profissão médica: um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. Trad. André de Faria Pereira Neto e Kvieta Brezinova de Morais. São Paulo: Editora UNESP; 2009.,1616. Bellaguarda MLR, Padilha MI, Pereira No AF, Pires D, Peres MAA. Reflexão sobre a legitimidade da autonomia no campo das profissões de saúde à luz das ideias de Eliot Freidson. Esc Anna Nery. 2013;17(2):369–74. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1414-81452013000200023
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. Nesta abrangência, patenteia-se o conhecimento esotérico trazido por Freidson(66. Freidson E. Profissão médica: um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. Trad. André de Faria Pereira Neto e Kvieta Brezinova de Morais. São Paulo: Editora UNESP; 2009.); os saberes específicos da profissão precisam ser e estar bem estabelecidos, o que, entendemos, garante legitimidade ao grupo profissional por meio do conhecimento forte e de resultados (evidências), fundamentado (científico), intrínseco (próprio) e distintivo (atitudinal e de habilidades).

Autonomia no Disciplinamento: Da Formação ao Exercício Profissional

Destaca-se, na legislação dos dois países, que a autonomia profissional se consolida pelo conhecimento. Há estudos que mostram que a maior satisfação profissional está na autonomia adquirida e que ela é um fator para a manutenção do trabalho da enfermeira-enfermeiro em determinada instituição2222. Saraiva AKM, Oliveira MAC, Cabrito BG. Ensino de Enfermagem no Brasil e em Portugal: contextos, semelhanças e diferenças. Rev Educ Questão. 2020;58(57):1–23. doi: https://doi.org/10.21680/1981-1802.2020v58n56ID21222
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,2323. Ribeiro MS. Autonomia profissional dos enfermeiros. Rev Enferm Referência. 2011 [cited 2023 Apr 17];3(5):27–36. Available from: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=388239964004
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.

A Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE) mostra-se como conhecimento esotérico na legislação brasileira, com intensa normalização pelo Processo de Enfermagem (PE), os referenciais teórico-metodológicos e filosóficos que agregam ao processo de trabalho em saúde. Em Portugal, as habilidades e atitudes para o conhecimento específico da enfermagem estão visíveis e pontuados na legislação, como funções sob a ética e respeito aos direitos dos cidadãos e atuação de complementariedade funcional aos demais profissionais da saúde(99. Brasil. Lei nº 7.498/86, de 25 de junho de 1986. Dispõe sobre a regulamentação do exercício da enfermagem e dá outras providências. Diário Oficial da União; Brasília; 26 jun. 1986. Seção 1, p. 10 [cited 2022 Sep 16]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7498.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
,2323. Ribeiro MS. Autonomia profissional dos enfermeiros. Rev Enferm Referência. 2011 [cited 2023 Apr 17];3(5):27–36. Available from: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=388239964004
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,2424. Brasil, Conselho Federal de Enfermagem – COFEN. Resolução Cofen nº 358/2009. Sistematização da Assistência de Enfermagem e a implementação do Processo de Enfermagem em ambientes, públicos ou privados, em que ocorre o cuidado profissional de Enfermagem, e dá outras providências. Diário Oficial da União; Brasília; 2009 [cited 2023 Apr 24]. Available from: http://site.portalcofen.gov.br/node/4384
http://site.portalcofen.gov.br/node/4384...
).

A autonomia e competências específicas da profissão Enfermagem nas legislações revisitadas referem-se a uma independência no desenvolvimento de suas funções relacionadas ao ensino, pesquisa, extensão e gestão abrangendo especificidades na formação de futuras enfermeiras-enfermeiros, na investigação em enfermagem, no cuidado às pessoas e na gestão de serviços de enfermagem e de saúde. A autoridade que expressa a autonomia teórica entendida por Freidson está descrita nas normalizações, e mostra-se coerente com o conhecimento específico desta profissão(66. Freidson E. Profissão médica: um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. Trad. André de Faria Pereira Neto e Kvieta Brezinova de Morais. São Paulo: Editora UNESP; 2009.), o que historicamente registra nas normativas a evolução do reconhecimento pelo estado deste saber de enfermeiras-enfermeiros para a ação e autoridade da sua prática. Portanto, o nível de autoridade atrelado à expertise é definido por este conhecimento, mas somente será alavancado pela apropriação dos membros profissionais do corpo específico desse saber e a posição que eles próprios determinam nas relações profissional-profissional e profissional-sociedade.

As normativas brasileiras trazem a especificidade da SAE e do PE, detalhando este conhecimento esotérico e a autonomia que concede à enfermeira-enfermeiro, uma vez que a autonomia e autoridade nos documentos é particularizada como atividade exclusiva desse profissional44. Bellaguarda MLR, Padilha MI, Nelson S. Sociologia das profissões de Eliot Freidson: interpretação para a saúde e enfermagem. Rev Bras Enferm. 2020;73(6):e20180950. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0950. PubMed PMID: 32785504.
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0...
,2525. Schreck RSC, Frugoli AG, Santos BM, Carregal FAS, Silva KL, Santos FBO. History of obstetric nursing at the Nursing School Carlos Chagas: an analysis based on the Freidsonian approach. Rev Esc Enferm USP. 2021;55:e03762. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s1980-220x2020014703762. PubMed PMID: 34190896.
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, pois há outras categorias que estruturam a profissão no Brasil. Portugal apresenta a formação da enfermeira-enfermeiro e não há a categoria de Auxiliar de Enfermagem e Técnico de Enfermagem. Todas as atividades assistenciais são desenvolvidas por enfermeiras-enfermeiros. Esta característica do profissionalismo dos membros da enfermagem nos países em pauta também influencia em como esta autonomia e autoridade possivelmente acontecem.

Discute-se o que os documentos legislares afirmam sobre a questão da autonomia para a formação em enfermagem estar refletida no disposto, quando enquadram os limites e as possibilidades educativas e formativas para o exercício profissional. Entretanto, a autonomia/independência profissional precisa ser apreendida enquanto capacidade dos membros profissionais em controlarem o tempo e as práticas de trabalho66. Freidson E. Profissão médica: um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. Trad. André de Faria Pereira Neto e Kvieta Brezinova de Morais. São Paulo: Editora UNESP; 2009.,2626. Tomlinson J, Valizade D, Muzio D, Charlwood A, Aulakh S. Privileges and penalties in the legal profession: an intersectional analysis of career progression. Br J Sociol. 2019;70(3):1043–66. doi: http://dx.doi.org/10.1111/1468-4446.12375. PubMed PMID: 29700812.
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.

Alerta para o aprofundamento do profissionalismo dos membros que compõem o corpo de trabalho da enfermagem. Este controle sobre o seu trabalho é o que reflete a autonomia, e refere-se à interprofissionalidade e o imperativo credencialismo sobre os atos profissionais. Abrange desta forma a organização de competências que preparam enfermeiras-enfermeiros para o exercício autônomo, dentro do seu contexto de expertise com determinada independência.

Neste escopo, o conhecimento fundamentado apresenta proximidade direta com o credencialismo, o qual orienta o disciplinamento a partir dos saberes, para a prática profissional(2222. Saraiva AKM, Oliveira MAC, Cabrito BG. Ensino de Enfermagem no Brasil e em Portugal: contextos, semelhanças e diferenças. Rev Educ Questão. 2020;58(57):1–23. doi: https://doi.org/10.21680/1981-1802.2020v58n56ID21222
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). A independência profissional consolida-se pelo conhecimento e evolução da enfermagem enquanto disciplina, que historicamente se organiza a partir dos referenciais teórico-metodológicos na organização do trabalho, do ensino, da investigação e da própria gestão em saúde. No que defende Pires(1818. Pires DEP. A enfermagem enquanto disciplina, profissão e trabalho. Rev Bras Enferm. 2009;62(5):736–44. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672009000500015
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), a enfermagem, enquanto disciplina, é aquela que, definindo o objeto de estudo e cuidado sob estratégias teóricas e metodológicas, apresenta convergência com os paradigmas. É normal que a organização e construção de uma disciplina não se desenvolva sem disputas e interesses políticos, econômicos e sociais(1818. Pires DEP. A enfermagem enquanto disciplina, profissão e trabalho. Rev Bras Enferm. 2009;62(5):736–44. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672009000500015
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). Assim, o conhecimento é o valor fundamental para a ação dos agentes sociais. O conhecimento é a base para a organização profissional, para a descrição e o desenvolvimento de regramentos, credenciais qualificacionais e normalizações para o convívio ético e de limites da competência profissional(44. Bellaguarda MLR, Padilha MI, Nelson S. Sociologia das profissões de Eliot Freidson: interpretação para a saúde e enfermagem. Rev Bras Enferm. 2020;73(6):e20180950. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0950. PubMed PMID: 32785504.
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0...
,66. Freidson E. Profissão médica: um estudo de sociologia do conhecimento aplicado. Trad. André de Faria Pereira Neto e Kvieta Brezinova de Morais. São Paulo: Editora UNESP; 2009.,1515. Brasil, Conselho Federal de Enfermagem – COFEN. Resolução COFEN nº 564, de 6 de novembro de 2017. Aprova a reformulação do código de ética dos profissionais de enfermagem. Diário Oficial da União; Brasília; 6 dez. 2017 [cited 2023 Apr 23]. Available from: http://www.cofen.gov.br/wp-content/uploads/2017/12/RESOLU%C3%87%C3%83O-COFEN-N%C2%BA-564-2017.pdf
http://www.cofen.gov.br/wp-content/uploa...
,2727. Carvalho W. Para uma epistemologia da Enfermagem: tópicos de crítica e contribuição. Rio de Janeiro: UFRJ/EEAN; 2013.).

Essas normalizações garantem as relações profissionais, a organização e o trabalho em saúde nos dois países, numa confluência complexa de acordo com Brock e Saks(2828. Brock DM, Saks M. Professions and organizations: a european perspective. Eur Manage J. 2016;34(1):1–6. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.emj.2015.11.003
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), uma vez que as abordagens para a qualificação do conhecimento e a pesquisa, no âmbito das profissões, direciona para a gestão do domínio e controle profissional.

Aos órgãos de fiscalização e disciplinamento profissional da enfermagem no Brasil e em Portugal são atribuídas a representação e defesa dos interesses gerais dos usuários dos cuidados de enfermagem e a regulação da profissão, o que implica diretamente na autonomia profissional, incorporada à competência para a tomada de decisão das enfermeiras-enfermeiros(2828. Brock DM, Saks M. Professions and organizations: a european perspective. Eur Manage J. 2016;34(1):1–6. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.emj.2015.11.003
https://doi.org/10.1016/j.emj.2015.11.00...
). Isto é observado nas legislações analisadas, nas quais a formação, os preceitos éticos e disciplinadores profissionais mantêm diálogo entre gestão dos serviços de saúde, ordem e conselho profissional, membros profissionais e instituições formadoras2929. Benedet SA, Padilha MI, Peres MAA, Bellaguarda MLR. Essential characteristics of a profession: a historical analysis focusing on the nursing process. Rev Esc Enferm USP. 2020;54:e03561. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s1980-220x2018047303561. PubMed PMID: 32756771.
https://doi.org/10.1590/s1980-220x201804...
,3030. Silva GTR, Santos IAR, Conceição MM, Góis RMO, Santos AS, Amestoy SC, et al. Influencing factors in the nurses’ decision-making process in Ibero-American university hospitals. Rev Lat Am Enfermagem. 2022;30:e3563. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.5648.3527. PubMed PMID: 35613250.
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.

Esta capacidade de organização define a necessidade da profissão no âmbito da saúde para a sociedade, caracterizando uma autoridade social, que depende da categoria profissional e dos órgãos legisladores para consolidar expertise, disciplinamento e credencialismo, além de uma dependência política, econômica e cultural com chancela do estado.

Limitações do Estudo

As limitações para a completude do estudo centram-se na multiplicidade de normalizações do exercício profissional e, principalmente, em se tratar de análise somente documental, o que não pormenoriza e aprofunda a autonomia desenvolvida no cotidiano do trabalho, da educação e da gestão por enfermeiras-enfermeiros nos dois países. Contudo, as fontes documentais oportunizam a congruência da autonomia profissional à luz do referencial sociológico das profissões.

Contribuições Para a Área da Enfermagem

Destaca-se nesta pesquisa a metodologia documental e a análise sociológica à luz de Eliot Freidson sobre a normalização dos padrões profissionais da Enfermagem em duas realidades diferentes, no Brasil e em Portugal. Empreende perspectivas analíticas das legislações do exercício profissional, possibilitando o acompanhamento da evolução do mundo do trabalho e da empregabilidade na atualização do credencialismo, da autonomia e da expertise nas políticas de profissionalização em Enfermagem.

CONCLUSÃO

A análise mostra que o interesse nesta discussão emerge para uma visibilidade da profissão, que a autonomia profissional, a partir da fundamentação da Sociologia da Profissão de Freidson, e as implicações para a saúde da sociedade referem-se ao acesso à saúde, às oportunidades e disponibilidade da atenção à sociedade, garantindo assim a autonomia da enfermeira-enfermeiro sob práticas interprofissionais compreendidas, éticas e acessíveis a essa sociedade.

Destaca-se que a autonomia disposta nas legislações deve ser analisada na perspectiva ética, de funcionalidade da enfermagem clínica e que é preciso entender qual pertinência este credencialismo traz a este fazer efetivamente autônomo e interdependente. Considera-se que a autonomia profissional só se faz efetiva conforme o profissionalismo dos membros profissionais se estabelece como tal e que ela está implicada na garantia da acessibilidade à saúde pela sociedade. No contexto sócio-histórico da organização da Enfermagem, tanto no Brasil quanto em Portugal, a autonomia das enfermeiras/enfermeiros segue um itinerário ligado ao aprimoramento educacional/formativo/investigativo e para a assistência em saúde à coletividade.

Sugere-se o desenvolvimento de estudos que façam a relação da autonomia profissional expressa na legislação e a efetividade desta independência e controle na assistência e na pesquisa e gestão aplicadas nos serviços de saúde por enfermeiras-enfermeiros.

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Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Paulino Artur Ferreira de Sousa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    24 Jul 2023
  • Aceito
    14 Dez 2023
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