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Prática pedagógica reflexiva de licenciados de enfermagem: o portfólio como instrumento* * Extraído da dissertação “Prática pedagógica reflexiva de licenciandos de Enfermagem: o portfólio como instrumento”, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, 2013."

Resumos

Objetivo

Analisar as narrativas relacionadas à prática pedagógica vivenciada durante o Estágio Curricular Supervisionado relatadas nos portfólios de licenciandos de Enfermagem, quanto aos níveis de reflexão.

Método

Trata-se de um estudo documental exploratório-descritivo que analisou duas das atividades propostas para a elaboração do portfólio.

Resultados

Mostraram que dos 28 portfólios analisados, todos apresentaram os três níveis de reflexão (técnico, crítico e metacrítico).

Conclusão

Os estudantes tiveram oportunidade de vivenciar a prática pedagógica e apresentaram reflexões em nível metacrítico, refletindo sobre seu desempenho, sobre a construção da sua identidade docente e sobre a importância de refletir sobre a prática, com o objetivo de transformá-la e transformar-se a si mesmo.

Educação em enfermagem
; Bacharelado em enfermagem
; Estágios; Aprendizagem; Narração


Objective

Analyzing the narratives related to the pedagogical practice experienced during the Supervised Curricular Internship reported in the portfolios of Nursing undergraduate students, regarding the levels of reflection.

Method

This is a documentary descriptive exploratory study that examined two of the activities proposed for the portfolio preparation.

Results

Among the 28 analyzed portfolios, all showed the three levels of reflection (technical, critical and metacritical).

Conclusion

The students had the opportunity to experience the pedagogical practice and presented reflections at metacritical level, reflecting on their performance, the construction of their teaching identity, and about the importance of reflecting on the practice with the objective of transforming it and transforming themselves.

Nursing education
; baccalaureate; Internships; Learning; Narration


Objetivo

Analizar las narrativas relacionadas con la práctica pedagógica vivida durante la Pasantía Curricular Supervisada, relatadas en los portafolios de licenciandos en Enfermería, en cuanto a los niveles de reflexión.

Método

Se trata de un estudio documental exploratorio-descriptivo que analizó dos de las actividades propuestas para la confección del portafolio.

Resultados

Mostraron que de los 28 portafolios analizados, todos presentaron los tres niveles de reflexión (técnico, crítico y metacrítico).

Conclusión

Los estudiantes tuvieron la oportunidad de vivir la práctica pedagógica y presentaron reflexiones a nivel metacrítico, reflexionando acerca de su desempeño, la construcción de su identidad docente y la importancia de reflexionar acerca de la práctica, a fin de convertirla y convertirse a sí mismo.

Educación en enfermería
; Bachillerato en enfermería
; Pasantías; Aprendizaje; Narración


Introdução

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), as Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de graduação em Enfermagem e as exigências do mercado de trabalho têm levado os profissionais da saúde e da educação a investir em projetos que contribuam para a formação de docentes com competências para atuar de forma crítica, reflexiva e responsável na educação profissional de nível técnico em Enfermagem.

Ser docente pressupõe mais do que domínio dos conhecimentos específicos em torno dos quais deverá agir; exige a plena compreensão das questões envolvidas em seu trabalho, identificando-as e resolvendo-as de forma autônoma e responsabilizando-se pelas decisões tomadas. Significa, portanto, capacidade e atitude críticas que permitam ao docente avaliar seu trabalho, suas opções e suas decisões(101 Lobo Neto FJS. Ser professor: necessidade de formação profissional específica. Formação [Internet]. 2002 [citado 2014 jul. 14];2(4):5-13. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/profae/Revista2004.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
).

A obrigatoriedade de formação docente para a educação profissional de nível técnico em Enfermagem foi determinada pelo Parecer nº 837/68 da Câmara de Ensino Superior, que instituiu o Curso de Licenciatura em Enfermagem. Para adquirir as competências e a habilidades específicas, os licenciandos de Enfermagem precisam realizar estágio em escolas de Enfermagem e instituições de saúde que, conforme a Resolução COREn nº 299/2005, devem proporcionarparticipação em situações reais de vida e de trabalho em seu meio, sendo realizada na comunidade geral ou em pessoas jurídicas de direito público ou privado, sob responsabilidade e coordenação de instituição de ensino(202 Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo. Resolução COREN 299/2005. Dispões sobre indicativos para a realização de estágio curricular supervisionado de estudantes de enfermagem de graduação e do nível médio [Internet]. São Paulo; 2005 [citado 2014 fev. 20]. Disponível em: http://novo.portalcofen.gov.br/resoluo-cofen-2992005-revogada-pela-resoluo-cofen-n-3712010_4334.html
http://novo.portalcofen.gov.br/resoluo-c...
).

A reflexão sobre a prática docente propiciada pelo estágio supervisionado é fundamental para que os futuros professores relacionem a problemática existente dentro das escolas com a teoria discutida em sala de aula, possibilitando a construção de novas propostas e preparando-os para uma possível atuação transformadora(303 Silva NRG. Estágio supervisionado em pedagogia. Campinas: Alínea; 2011).

Ser professor reflexivo implica a consciência de uma capacidade de pensamento e reflexão que caracteriza o ser humano, não como mero reprodutor, mas como um sujeito criativo em suas ações, agindo de forma inteligente e flexível, situada e reativa diante de situações muitas vezes incertas e imprevistas(404 Alarcão I. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. 7ª ed. São Paulo: Cortez; 2010) .

O portfólio reflexivo é uma estratégia que contribui para a formação reflexiva e seu uso tem aumentado significativamente em programas de formação de professores, como ferramenta de aprendizagem e avaliação(505 Kocoglu Z. Turkish EFL student teachers’ perceptions on the role of electronic portfolios in their professional development. Turkish Online Educ Technol [Internet]. 2008 [cited 2014 July 21];7(3):71-9. Available from: http://files.eric.ed.gov/fulltext/ED502674.pdf
http://files.eric.ed.gov/fulltext/ED5026...
). Seu potencial também tem sido explorado no ensino em Enfermagem como estratégia para promover a aprendizagem ao longo da vida, aprimorando o desenvolvimento pessoal e profissional(606 Green J, Wyllie A, Jackson D. Electronic portfolios in nursing education: a review of the literature. Nurse Educ Pract. 2013;14(1):4-8).

As narrativas que compõem os portfólios reflexivos revelam como os estudantes experienciam as situações vividas, constituindo pontos de partida para a reflexão, que poderá acontecer em níveis variados. As narrativas tornam-se mais ricas a partir do momento que mais elementos significativos são registrados, daí a importância do registro dos fatos e também do contexto físico, social e emocional do momento(404 Alarcão I. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. 7ª ed. São Paulo: Cortez; 2010).

Referindo-se a utilização de portfólios reflexivos na formação de professores, Sá-Chaves(707 Sá-Chaves ISC. Portfólios reflexivos: estratégia de formação e de supervisão. Aveiro: Universidade de Aveiro; 2000) propõe três níveis de lógica reflexiva:técnico, crítico e metacrítico. No nível técnico,o indivíduo descreve os fatos que ocorreram, ponderando alguns elementos como tempo, espaço, participantes e recursos, entre outros, pode também, emitir opiniões, dando um caráter mais pragmático a sua ação. No nível crítico,ao analisar criticamente o acontecimento a partir de uma visão ética, o indivíduo relata o que ocorreu e o que poderia ter acontecido em função de alguns valores como justiça, respeito, solidariedade etc. No nível metacrítico, ao analisar a situação e a si mesmo, o sujeito reconhece-se como um dos responsáveis pelo acontecimento focalizado(808 Sadalla AMFA, Sá-Chaves ISC. Constituição da reflexividade docente: indícios de desenvolvimento profissional coletivo. Educ Temat Digital [Internet]. 2008 [citado 2014 jul. 23];9(2):189-203. Disponível em: http://educa.fcc.org.br/pdf/etd/v09n02/v09n02a16.pdf
http://educa.fcc.org.br/pdf/etd/v09n02/v...
).

Pensar a formação exige entender que o diálogo assume um papel de enorme relevância, e deve acontecer em três dimensões:o diálogo consigo próprio; um diálogo com os outros incluindo os que antes de nós construíram conhecimentos que são referência e o diálogo com a própria situação. Esse diálogo não pode permanecer somente no nível descritivo, precisa atingir umnível explicativo e crítico que permita aos profissionais do ensino agir e falar com o poder da razão(404 Alarcão I. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. 7ª ed. São Paulo: Cortez; 2010).

O estudo das narrativas (auto) biográficas, realizadas em portfólios reflexivos, permite aprofundar a compreensão de como os professores em formação mobilizam estratégias autorregulatórias de aprendizagem e como as experiências pessoais e profissionais interferem nessa autorregulação(909 Frison LMB, Simão AMV. Abordagem (auto)biográfica: narrativas de formação e de autorregulação da aprendizagem reveladas em portfólios reflexivos. Educação (Porto Alegre) [Internet]. 2011 [citado 2012 maio 15];34(2):198-206. Disponível em: http://educa.fcc.org.br/pdf/reveduc/v34n02/v34n02a10.pdf
http://educa.fcc.org.br/pdf/reveduc/v34n...
).

O presente estudo objetivou analisar, quanto aos níveis de reflexão, as narrativas relacionadas à prática pedagógica vivenciada durante o Estágio Curricular Supervisionado relatadas nos portfólios dos licenciandos de Enfermagem.

Método

Trata-se de pesquisa documental descritivo-exploratória. A pesquisa documental vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, mas constituem fonte valiosa de informações e dados antigos, entre os quais incluem-se cartas pessoais, diários, fotografias, ofícios etc(1010 Gil AC. Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª ed. São Paulo: Atlas; 2002). Pesquisas de delineamento exploratório e descritivo, além de observar e descrever as características de determinado fenômeno e o estabelecer de relações entre as variáveis, investigam sua natureza complexa, objetivando proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a constituir hipóteses(1010 Gil AC. Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª ed. São Paulo: Atlas; 2002-1111 Polit DF, Beck CT, Hungler BP. Fundamentos de pesquisa em enfermagem: métodos, avaliação e utilização. 7ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2011).

Foram analisados os portfólios dos licenciandos que concluíram a Disciplina Metodologia de Ensino de Enfermagem II no 2º semestre de 2011 e realizaram o Estágio Curricular Supervisionado do curso de Licenciatura em Enfermagem de uma universidade pública do estado de São Paulo. Esta disciplina é oferecida no Bloco Fundamentos Metodológicos do Ensino, que tem como foco as bases teórico-metodológicas e práticas para a formação do professor. Vinculada ao Estágio Curricular Supervisionado, assegura a integração entre teoria e prática(1212 Sigaud CHS, Oliveira MAC, Veríssimo MLÓR, Riesco MLG, Püschel VAA. Projeto Político Pedagógico Licenciatura em Enfermagem. São Paulo: EEUSP; 2011).

O curso é presencial e utiliza estratégias de comunicação virtual em caráter complementar na plataforma Moodle (Modular Object-Oriented Dynamic Learning Environment), na qual os portfólios foram elaborados. Criando portfólios em meios digitais, os futuros professores têm a oportunidade de desenvolver conhecimentos e habilidades no uso da tecnologia(505 Kocoglu Z. Turkish EFL student teachers’ perceptions on the role of electronic portfolios in their professional development. Turkish Online Educ Technol [Internet]. 2008 [cited 2014 July 21];7(3):71-9. Available from: http://files.eric.ed.gov/fulltext/ED502674.pdf
http://files.eric.ed.gov/fulltext/ED5026...
).

O portfólio e a rota de aprendizagem foram apresentados aos licenciandos no início do curso. A rota foi utilizada com a finalidade de nortear a confecção do portfólio, propondo etapas e atividades a serem realizadas durante o Estágio Curricular Supervisionado, auxiliando o desenvolvimento do processo de reflexão e a autoavaliação do estudante.

Foram analisados os seguintes itens relacionados ao Estágio Curricular Supervisionado, propostos pelo portfólio em sua Rota de Aprendizagem: Atividade 1 – Descrição reflexiva da aula teórica ministradae Atividade 2 – Descrição reflexiva da supervisão em campo de prática. O portfólio foi instrumento integrante do processo de avaliação da disciplina e foi critério de seleção dos portfólios apresentar as duas atividades descritas acima. As narrativas obtidas de cada portfólio foram submetidas à leitura exaustiva e analisadas à luz dos níveis de reflexão propostos por Sá-Chaves(707 Sá-Chaves ISC. Portfólios reflexivos: estratégia de formação e de supervisão. Aveiro: Universidade de Aveiro; 2000), descritos anteriormente.

Este estudo é um recorte do Projeto Avaliação da formação docente em Enfermagem na perspectiva de docentes e de licenciandos, inscrito na Plataforma Brasil e aprovado sob o parecer nº 145.091. O projeto de pesquisa foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da USP e foi dispensado da elaboração do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido devido a sua natureza documental. Foi garantido o anonimato de todos os estudantes, bem como o sigilo das informações referentes às instituições, docentes e demais pessoas citadas nos portfólios.

Resultados

Dos 43 licenciandos da turma, 28 completaram seus portfólios com as duas atividades descritas. As narrativas foram analisadas quanto aos três níveis de reflexão já descritos(707 Sá-Chaves ISC. Portfólios reflexivos: estratégia de formação e de supervisão. Aveiro: Universidade de Aveiro; 2000). Na atividadeDescrição reflexiva da aula teórica ministrada, todos apresentaram narrativas em nível técnico de reflexão, 22 em nível crítico e 15 em nível metacrítico. Essa atividade solicitava uma análise do plano de aula elaborado e utilizado pelo licenciando no estágio, uma reflexão sobre a experiência e a descrição do que poderia ser aprimorado nas aulas subsequentes.

Na atividade Descrição reflexiva da supervisão em campo de prática, os28 portfólios apresentaram narrativas em nível técnico, 21 em nível crítico e 16 em nível metacrítico. Essa atividade solicitava um relato da experiência no campo de prática (hospital ou UBS), apontando as facilidades e dificuldades encontradas no acompanhamento e na avaliação dos estudantes e a descrição do relacionamento interpessoal envolvendo estudantes, professores supervisores, funcionários e pacientes das instituições onde foram realizados os estágios.

Atividade descrição reflexiva da aula teórica ministrada


Nível técnico

As narrativas em nível técnico possuem características descritivas; os estudantes apresentam os fatos que consideram importantes para o desenvolvimento de seu conhecimento profissional e incluem elementos como tempo, espaço, participantes, recursos etc(707 Sá-Chaves ISC. Portfólios reflexivos: estratégia de formação e de supervisão. Aveiro: Universidade de Aveiro; 2000). Tais detalhes situam o estudante dentro do campo em que vivenciou o estágio e também suas relações com colegas e professores supervisores de estágio, como mostram as narrativas:

Hoje (14/10) ministrei uma aula teórica para a turma de técnicos de enfermagem. O tema da aula foi Vacinas e Rede de Frio, escolhido pela professora, que deu três temas para mim e minhas amigas, distribuídos em dois dias (dias 10 e 14/10) (P4).

Algumas narrativas revelaram algumas opiniões e justificativas, o que também caracteriza o nível técnico pelo aspecto descritivo:

Gostaria de ter feito uma aula mais dinâmica, menos teórica, mas o tema não me proporcionou ideias para isso. Gostaria de ter usado outras estratégias de ensino, como uma discussão em grupo, um estudo de caso ou uma simulação, por exemplo, uma dramatização com a turma, mas também não havia tempo suficiente para isso, já que a docente ainda daria outras aulas e faria uma atividade com a turma depois disso tudo (P3).

A oportunidade de uma avaliação do próprio desempenho em sala de aula foi observada em algumas narrativas, evidenciando a importância dessefeedback

Como processo de avaliação da aprendizagem dos alunos, o estudo de caso em grupo foi o recurso utilizado, pois permitiu mais que a avaliação dos alunos, a avaliação da minha própria aula através das dúvidas ou equívocos que os alunos traziam (P6).

Um licenciando demonstrou boa aceitação às dificuldades relacionadas a seu desempenho apontadas por supervisores e estudantes, mas o excerto também possui características descritivas:

A professora elogiou minha aula e como comentário disse que eu devia falar mais devagar, possivelmente porque eu estava nervosa e como os alunos dessa sala eram muito interessados, eles me pausavam, sempre pedindo para retomar um conceito (P21).

Algumas narrativas relacionadas à autoavaliação e autopercepção do licenciando em relação ao seu desempenho em sala de aula demonstraram potencialidades para narrativas em nível crítico. Entretanto, não foram mencionados fatos concretos ou motivos que demonstrassem como o licenciando chegou a tal conclusão, como mostra o exemplo:

No geral, a experiência foi muito válida para o meu aprendizado. Foi muito diferente da outra aula que ministrei no semestre anterior com uma turma muito menor. Embora muitas coisas não tenham acontecido conforme planejado, foi para mim uma surpresa conseguir lidar com os imprevistos e ainda assim trabalhar dentro dos objetivos planejados (P14).

Nível crítico

As narrativas em nível crítico envolvem reflexão sobre os fatos narrados nos episódios, identificando as suas múltiplas e possíveis causas, consequências e significados(707 Sá-Chaves ISC. Portfólios reflexivos: estratégia de formação e de supervisão. Aveiro: Universidade de Aveiro; 2000). Essas características podem ser observadas nesta narrativa:

Acredito que isso pode ter acontecido por conta da estratégia de ensino que utilizamos. Talvez se tivéssemos elaborado algo mais criativo, os alunos se sentiriam mais motivados a participar (P15).

Esse nível envolve também a reflexão sobre opapel dos contextos na determinação dos fatos, sobre as funções e papéis desempenhados e sobre as concepções que os sustentam e ainda sobre novos papéis e novas funções que poderiam ser desempenhados à luz de novas concepções(707 Sá-Chaves ISC. Portfólios reflexivos: estratégia de formação e de supervisão. Aveiro: Universidade de Aveiro; 2000).  Os licenciandos começam a refletir sobre os acontecimentos, percebendo a influência do contexto e de todos os intervenientes envolvidos:

Ela (a professora) foi essencial para o planejamento, uma vez que acompanha os alunos desde o início do curso, então sabe todas as disciplinas que eles já tiveram, como tiveram e, além disso, conhece bem os alunos, suas características, facilidades e dificuldades (P2).

Identificar as consequências de determinados fatos confere à narrativa um nível crítico de reflexão. A seguir um licenciando reflete sobre as consequências de se dominar o tema:

Continuo achando que ministrar aulas requer que o professor tenha um mínimo de experiência, uma vez que os alunos trazem bastante dúvidas e curiosidades. Além disso, ministrar aulas com temas que dominamos, nos deixa mais seguros e o aluno percebe quando existe essa segurança quando o conteúdo é transmitido (P10).

Alguns licenciandos demonstraram reflexões em nível crítico acerca do alcance dos objetivos da aula, tentando encontrar suas causas. A reflexão do licenciando sobre seus acertos e erros, suas dificuldades e facilidades, estão representadas nesta narrativa:

Nessa hora fiquei bem contente com essas dúvidas [apresentadas pelos alunos] pois, depois de todo trabalho que tive em preparar a aula, senti que eles tiveram confiança no meu conhecimento e no que eu havia estudado (P10).

Algumas narrativas trouxeram reflexões em nível crítico sobre a utilização de diferentes estratégias de ensino e reflexão quanto às consequências de determinadas escolhas:

Pode parecer desnecessário dizer que o processo ensino-aprendizagem é algo individual de cada aluno; no entanto, muitas vezes deixamos de lado essa individualidade relacionada ao professor, isto é, conhecendo diferentes metodologias de ensino podemos ver que não há uma metodologia melhor ou pior, mas sim a metodologia que se adapta ao tipo específico de aluno e de professor (P13).

Alguns portfólios apresentaram uma reflexão em nível crítico sobre o ser docente, o papel do professor e a identidade da profissão:

A experiência de ter ministrado esta aula foi muito positiva para mim: percebi que o professor ainda é visto pelo aluno como aquele que tem todo o conhecimento e que o papel de facilitador precisa ser enfatizado na prática da docência. Notei também que os conteúdos das aulas precisam ser distribuídos de forma adequada, as características dos alunos não permitem aulas tão complexas e cheias de conceitos, é necessário rever quais conteúdos são realmente importantes para a formação profissional (P6).

A narrativa a seguir apresenta uma reflexão para além do vivenciado na aula ministrada, trazendo considerações sobre os desafios futuros, caracterizando o nível crítico de reflexão:

Como parte da minha experiência, percebi que dar aula não é apenas a ação no momento, é necessário prepará-la, adequar o conteúdo ao perfil e às necessidades dos alunos, prender a atenção deles, motivá-los a saber mais, a questionar o tempo todo, a participar. Esse é um dos principais desafios que eu, como professora naquele momento, percebi (P24).

Os portfólios também apresentaram narrativas em nível crítico envolvendo o processo de avaliação. Um olhar distanciado sobre o objeto de aprendizagem permite ao licenciando refletir sobre ele e estabelecer um confronto entre seu conhecimento prévio e a nova aprendizagem, num continuum reflexivo que inspira a revisão de posicionamentos, sendo reconfigurado de forma intencional de modo a representar a evolução da construção de conhecimentos e da capacidade cognitiva do estudante(1313 Schenkel MHB, Cabrita I. A construção do e-portfolio reflexivo na formação inicial de professores. Indagatio Didactica [Internet]. 2013 [citado 2014 jul. 24];5(2):200-11. Disponível em: http://revistas.ua.pt/index.php/ID/article/view/2446/0
http://revistas.ua.pt/index.php/ID/artic...
), como exemplificado:

Porém, percebi que poderia ter utilizado um instrumento ou outra estratégia (dialogada, dinâmica) para receber o feedback da aula ministrada. Planejei a aula com bastante antecedência, critério e dedicação, porém, na parte de avaliação, percebo que faltou ainda mais planejamento (P22).

Nível metacrítico

As narrativas em nível metacrítico têm como foco da reflexão o sujeito da ação, pois falamsobre si próprio, questionando os próprios papéis, funções, desempenhos e concepções, tornando-se concomitantemente ator, sujeito reflexivo e objeto da própria reflexão(707 Sá-Chaves ISC. Portfólios reflexivos: estratégia de formação e de supervisão. Aveiro: Universidade de Aveiro; 2000).

Alguns licenciandos conseguiram perceber características pessoais relacionadas à prática pedagógica que interferiram em seu desempenho em sala de aula, características essas muitas vezes difíceis de serem aceitas, principalmente para o professor em formação:

Essa experiência foi fundamental para meu aprendizado, pois percebi como os alunos interagiram comigo durante a aula. Aprendi a dizer: - Não sei responder essa pergunta, mas posso procurar a resposta e te dizer depois. Nem sempre é fácil para o professor assumir que não sabe alguma coisa. E tive ideias novas para fazer uma aula melhor e mais didática. Essa sensação eu só conseguiria ter vivenciando o processo de ser professor (P21).

Refletir de forma metacrítica é umprocesso que visa conhecer-se para poder tornar-se, através do esforço próprio, da consciência clara e da coragem maior(707 Sá-Chaves ISC. Portfólios reflexivos: estratégia de formação e de supervisão. Aveiro: Universidade de Aveiro; 2000).  A narrativa a seguir caminha nesse sentido, pois nela o licenciando percebe a sua evolução:

Percebo que tive uma evolução da primeira aula ministrada para a segunda, visto que no primeiro semestre o momento de ministrar a aula teórica foi muito tenso e de insegurança. Já nesta aula esses sentimentos diminuíram significativamente, permitindo com que a aula transcorresse melhor (P22).

O importante neste nível de reflexão é propor mudanças para o aprimoramento pessoal e da prática pedagógica, utilizando o conhecimento advindo da reflexão e refletindo sobre a mudança. Ou seja,reflectir metacognitivamente para, com o conhecimento emergente dessa reflexão, poder intervir praxicamente nos contextos e em si próprio estimulando a hipótese de devir(707 Sá-Chaves ISC. Portfólios reflexivos: estratégia de formação e de supervisão. Aveiro: Universidade de Aveiro; 2000). A narrativa exemplifica esse nível de reflexão:

Para melhorar minhas próximas aulas eu faria alguma brincadeira inicial com os alunos usando o tema da aula, tentando aproximá-los mais de mim, e explicaria de forma mais simples o conteúdo (achei que a forma como apresentei o conteúdo foi um pouco difícil de acompanhar pelos alunos). E falaria mais calmamente, tentaria estar mais tranquila durante minha explanação (P21).

Atividade descrição reflexiva da supervisão em campo de prática

No hospital e/ou na Unidade Básica de Saúde (UBS) o licenciando acompanha o auxiliar e o técnico em Enfermagem na realização de atividades práticas que os levarão a desenvolver as competências essenciais para a profissão.

Nível técnico

A maioria dos licenciandos iniciou a atividade situando seu estágio no tempo e no espaço e contextualizando a instituição, caracterizando o nível técnico de reflexão:

Meu estágio de supervisão em campo de prática ocorreu no Centro Cirúrgico e CME no período de 02 a 08/09. Acompanhei os grupos de alunos que estão cursando a matéria de Clínica Médica (P19).

Em seguida, apresentaram narrativas descritivas sobre as facilidades e as dificuldades encontradas no acompanhamento dos estudantes e como se deu o relacionamento entre estudantes, professores supervisores, funcionários e pacientes. Destacaram que suas experiências anteriores influenciaram no acompanhamento dos estudantes como mostra a narrativa em nível técnico a seguir:

Apesar de o estágio ser sobre administração, foi realizado na enfermaria de transplante de fígado. Ao ver os pacientes ou seus prontuários, os alunos traziam questões relacionadas a esse tema, que eu não domino, porém procurei me informar a respeito (P15).

O licenciando conseguiu perceber sua evolução em relação ao estágio, porém não explicitou os motivos que o levou a tais percepções, o que confere à narrativa característica meramente descritiva:

Minha experiência como licencianda/supervisora de estágio foi muito mais completa neste semestre. Pude participar do estágio dos alunos da Escola de Enfermagem do início ao fim e ver a evolução dos alunos, do docente e minha (P12).

Nível crítico

Neste nível de reflexão o licenciando identifica as múltiplas e possíveis causas, consequências e significados dos fatos narrados, o papel dos contextos na determinação dos fatos, os papéis desempenhados e as concepções que os sustentam e ainda os novos papéis que podem vir a ser desempenhados(707 Sá-Chaves ISC. Portfólios reflexivos: estratégia de formação e de supervisão. Aveiro: Universidade de Aveiro; 2000).

O conhecimento prévio do campo de estágio, dos estudantes e do professor supervisor também foi evidenciado como fator que pode influenciar o desempenho do licenciando. A relação de causa e consequência que caracteriza esse nível é exemplificada no seguinte excerto:

Analisando o relacionamento interpessoal com o professor e com os funcionários, acredito que tenha sido ótimo. Obviamente, ter acompanhado estágio no mesmo lugar e com o mesmo professor tenha contribuído muito para isso. Senti um pouco de dificuldade de relacionamento com a primeira turma no primeiro dia, mas atribuo isso ao fato de eles estarem terminando o estágio quando eu comecei e tive um pouco de dificuldade para me adaptar, já que anteriormente coincidiu de o meu primeiro dia ser também o primeiro dia dos alunos (P5).

Esta narrativa vai além da descrição, especificando os motivos pelos quais o relacionamento com o professor supervisor facilitou o estágio:

As principais facilidades que encontrei foram o fato da docente que acompanhava o estágio estabelecer um vínculo de confiança comigo e me tratar como uma futura docente, me possibilitando a oportunidade de realmente acompanhar os alunos em procedimentos e na elucidação de suas dúvidas, e não somente observar sua atuação como docente (P1).

A próxima narrativa apresentou nível crítico com potencial para o nível metacrítico, pois, além de perceber a problemática na relação do professor supervisor com os estudantes, a licencianda iniciou uma reflexão sobre o seu papel:

Quanto aos aspectos que dificultaram meu desempenho no acompanhamento e avaliação dos alunos vale destacar a falta de entrosamento entre os alunos e a professora do estágio, evidenciando uma relação de subordinação dos alunos à professora; a falta de comunicação entre a professora e os alunos; a necessidade de ser a ligação, a ponte, entre eles em algumas situações, perceber-me sozinha com os alunos em dados momentos e não saber que conduta tomar diante de dúvidas e anseios expostos por eles (P18).

Algumas narrativas em nível crítico demonstraram o reconhecimento, por parte dos licenciandos, da importância do estágio para os estudantes e para si mesmo, como neste exemplo:

O campo de estágio é um lugar muito bom para se estar ao lado do aluno. Ao contrário do que acontece na sala de aula, onde muitas vezes os alunos não participam da construção de seu conhecimento, no estágio eles são a parte mais ativa do aprendizado. Para mim foi uma experiência muito rica e acredito que não poderia ter sido melhor (P15).

Narrativas em nível crítico também demonstraram a oportunidade da experiência doser docentevivenciada por alguns licenciandos. Apresenta-se a seguir uma narrativa com potencial para o nível metacrítico, pois além de apresentar reflexão sobre as vivências, o licenciando demonstra percepção do que essas vivências podem trazer para o próprio desempenho no futuro:

Este estágio para mim foi um divisor de águas, no qual tive a oportunidade de realmente vivenciar a prática docente. Era considerada como professora tanto pelas alunas quanto pelos funcionários da Unidade e poder relacionar-me com docente foi muito enriquecedor e confirmou minha vontade em seguir nesta área (P12).

Nível metacrítico

Nesse nível as narrativas evidenciam reflexões sobre si próprio, seus papéis, desempenhos e concepções, tornando-se ator e objeto da própria reflexão(707 Sá-Chaves ISC. Portfólios reflexivos: estratégia de formação e de supervisão. Aveiro: Universidade de Aveiro; 2000). Envolvem o reconhecimento do próprio desempenho e os licenciandos relacionaram os fatos descritos a experiências anteriores, tanto na docência como na Enfermagem:

Senti um pouco de dificuldade na parte técnica, pois não tenho muita vivência prática. Apesar de estar formada e ter trabalhado na Estratégia da Saúde da Família, fazia um tempo que não fazia alguns procedimentos, então precisei revisar técnicas e treinar antes de ir para o estágio (P12).

Algumas narrativas salientaram a percepção do significado do estágio na futura prática pedagógica, da necessidade da mudança, do aprimoramento:

Considero que a realização deste estágio me ajudou a ter mais segurança para atuar como docente, apesar de saber que ainda preciso me aprimorar em diversos pontos, como timidez e dificuldade em falar em público. Mas com certeza esta foi uma experiência válida e que acrescentou muito ao meu aprendizado (P1).

Discussão

Os resultados mostraram que nas duas atividades analisadas todos os portfólios apresentaram narrativas em nível técnico, mas nem todos atingiram os níveis crítico ou metacrítico, o que pode ter sido influenciado por vários fatores.

Considerando que os seres humanos são por natureza contadores de histórias(1414 Amaral J, Moreira MA, Ribeiro D. O papel do supervisor no desenvolvimento do professor reflexivo: estratégias de supervisão. In: Alarcão I. Formação reflexiva de professores: estratégias de supervisão. Porto: Porto Ed.; 1996. p. 91-122), é natural que o relato da prática pedagógica apareça em todos os portfólios, caracterizando o início do processo. Espera-se que uma formação docente permeada pela reflexão parta da descrição dos eventos educativose progrida em direção ao desenvolvimento da capacidade dereconstrução de concepções e práticas(1414 Amaral J, Moreira MA, Ribeiro D. O papel do supervisor no desenvolvimento do professor reflexivo: estratégias de supervisão. In: Alarcão I. Formação reflexiva de professores: estratégias de supervisão. Porto: Porto Ed.; 1996. p. 91-122).

A rota de aprendizagem, que além de orientar o licenciando, objetivava estimulá-lo a alcançar o nível metacrítico de reflexão, pode ter influenciado a maior concentração dos resultados no nível técnico. Tal fato pode estar relacionado ao enunciado das questões, pois apesar dos títulosDescrição reflexiva da aula ministrada e Descrição reflexiva da supervisão em campo de práticaremeterem à reflexão, as orientações referentes a cada uma delas utilizavam verbos comorelate edescreva. Se o ato de refletir inicia-se com a descrição, exigindo atividades do pensamento,ninguém é capaz de pensar em alguma coisa sem experiência e informação sobre ela(1515 Lalanda MC, Abrantes MM. O Conceito de reflexão em J. Dewey. In: Alarcão I, organizadora. Formação reflexiva de professores: estratégias de supervisão. Porto: Porto Ed.; 1996. p. 41-62) e o entendimento sobre as atividades traduz-se em outro fator com grande influência nos resultados.

O sujeito,ao narrar, narra-se e, ao fazê-lo, ressignifica experiências, vivências, aprendizagens, dando-lhes novo significado(909 Frison LMB, Simão AMV. Abordagem (auto)biográfica: narrativas de formação e de autorregulação da aprendizagem reveladas em portfólios reflexivos. Educação (Porto Alegre) [Internet]. 2011 [citado 2012 maio 15];34(2):198-206. Disponível em: http://educa.fcc.org.br/pdf/reveduc/v34n02/v34n02a10.pdf
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). Assim, ao possibilitar a sistematização dos registros e um olhar posterior aos acontecimentos vividos, o portfólio pode ter proporcionado a organização do pensamento, das experiências e das buscas teóricas(1616 Fortuna CM, Gonçalves MFC, Silva MAI, Santos RA. The production of critical-reflexive narratives and their effect on nursing students' portfolios. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(2):452-9), permitindo a alguns licenciandos a percepção do contexto e o que nele influencia (nível crítico) chegando a percepção de si mesmo e de seu papel neste contexto (nível metacrítico).

A reflexão a posteriori sobre a aprendizagem favorece uma conexão entre o contexto da sala de aula e a história de vida pessoal, tornando possível o desdobramento e a reflexão sobre a aprendizagem e o ensino ao mesmo tempo(1717 Darsie MMP, Carvalho AMP. O início da formação do professor reflexivo. Rev Fac Educ (São Paulo) [Internet]. 1996 [citado 2011 out. 20];22(2):90-108. Disponível em: http://educa.fcc.org.br/pdf/rfe/v22n2/v22n2a05.pdf
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). É nesse momento que acontece a reflexão de sua prática e desencadeia o processo chamado de reflexão-sobre-a-ação e sobre a reflexão-na-ação, o que leva o licenciando àreflexão-sobre-sua-ação ou reflexão sobre a ação de ensinar(1717 Darsie MMP, Carvalho AMP. O início da formação do professor reflexivo. Rev Fac Educ (São Paulo) [Internet]. 1996 [citado 2011 out. 20];22(2):90-108. Disponível em: http://educa.fcc.org.br/pdf/rfe/v22n2/v22n2a05.pdf
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-1818 Schön DA. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Trad. de Roberto Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed; 2000). Dessa forma, as experiências proporcionadas pelo estágio, que foram diferentes para cada um, somadas às experiências de vida, que também são únicas, podem ter influência no número de portfólios com reflexões em nível crítico e metacrítico.

Apesar da capacidade de reflexão ser inata ao ser humano é comprovada a dificuldade que as pessoas, em qualquer idade, revelam ao por em prática os mecanismos reflexivos. Um grande esforço é necessário para passar do nível meramente descritivo ou narrativo para um nível onde se buscam interpretações articuladas e justificadas e sistematizações cognitivas(404 Alarcão I. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. 7ª ed. São Paulo: Cortez; 2010).

O confronto do professor em formação com aquilo que escreveu, além de proporcionar uma reflexão sobre o que aconteceu na sala de aula ou no hospital, pode se tornar uma fonte de conflito entre as atitudes, as filosofias de ensino, as teorias que se julgam seguidas, o comportamento e as ações efetivamente adotados por ele. Assim, chegar ao nível metacrítico não é somente difícil pelo fato de envolver autoavaliação e abertura a crítica, mas também por que a descoberta de que aquilo que se está fazendo não está de acordo com o que se acredita, pode ser desestruturante(1919 Ramos MA, Gonçalves RE. As narrativas autobiográficas do professor como estratégia de desenvolvimento e a prática da supervisão. In: Alarcão I, organizadora. Formação reflexiva de professores: estratégias de supervisão. Porto: Porto Ed.; 1996. p. 123-150).

Além dos aspectos inerentes à proposta do portfólio, é preciso também levar em consideração outros aspectos que podem interferir nos níveis de reflexão apresentados pelos portfólios. Uma investigação com o objetivo de explorar as implicações do uso do portfólio na formação inicial de professores reflexivos chegou a algumas conclusões que podem ser consideradas. Os estudantes envolvidos no estudo podem não se encontrar todos no mesmo nível de desenvolvimento reflexivo, uma maior representação de narrativas em nível técnico leva a supor que os estudantes envolvidos estão passando por um processo de desenvolvimento reflexivo, iniciando pelo que os autores chamaram deponto quase zero de partidae durante o qual estão se desenvolvendo(2020 Grilo J, Machado C. "Portfólios" reflexivos na formação inicial de professores de biologia e geologia: viagens na terra do eu. In: Sá-Chaves I, organizador. Os “portfólios” reflexivos (também) trazem gente dentro: reflexões em torno seu uso na humanização dos processos educativos. Porto: Porto Ed.; 2005. p. 21-49).

De acordo com esse estudo, um professor em formação pode apresentar capacidades analíticas para a reflexão e desenvolver uma prática coerente com estas capacidades e, no entanto, não as deixar transparecer em seu portfólio. Ademais, o portfólio, por si só, não necessariamente levará os professores à reflexão crítica, e como estratégia, não pode fazer mais que capturar um momento do processo de formação pelo qual os professores estão passando(2020 Grilo J, Machado C. "Portfólios" reflexivos na formação inicial de professores de biologia e geologia: viagens na terra do eu. In: Sá-Chaves I, organizador. Os “portfólios” reflexivos (também) trazem gente dentro: reflexões em torno seu uso na humanização dos processos educativos. Porto: Porto Ed.; 2005. p. 21-49).

Outro aspecto a ser considerado é que o desenvolvimento e o grau de estruturação/seleção de conteúdos das narrativas parecem andar de mãos dadas, uma vez que o processo de escrita parece refletir (e/ou ser reflexo) o estádio de desenvolvimento pessoal e profissional de quem escreve e também parece ser capaz de fornecer evidências incontestáveis sobre o próprio processo pelo qual passa o professor no que diz respeito a seu crescimento profissional(1919 Ramos MA, Gonçalves RE. As narrativas autobiográficas do professor como estratégia de desenvolvimento e a prática da supervisão. In: Alarcão I, organizadora. Formação reflexiva de professores: estratégias de supervisão. Porto: Porto Ed.; 1996. p. 123-150).

Como todo o processo de prática pedagógica acaba sendo levado em consideração nos momentos de avaliação, pode tornar-se difícil para professores-estagiários ignorar a dimensão avaliativa de suas produções, o que pode influenciar o desenvolvimento de suas narrativas/reflexões(1919 Ramos MA, Gonçalves RE. As narrativas autobiográficas do professor como estratégia de desenvolvimento e a prática da supervisão. In: Alarcão I, organizadora. Formação reflexiva de professores: estratégias de supervisão. Porto: Porto Ed.; 1996. p. 123-150).

Conclusão

A análise das narrativas relacionadas à prática pedagógica vivenciada durante o Estágio Curricular Supervisionado, relatadas nos portfólios de licenciandos de Enfermagem, evidenciou os três níveis de reflexão. As narrativas concentraram-se em maior número no nível técnico, seguido pelos níveis crítico e metacrítico.

Os licenciandos tiveram oportunidade de vivenciar a prática pedagógica e muitos apresentaram reflexões em nível metacrítico sobre seu desempenho, a construção da identidade docente e a importância de refletir sobre a prática com o objetivo de transformá-la e transformar-se a si mesmo.

A evolução nos níveis de reflexão pode ter sofrido influência de diversos fatores, desde os relacionados à proposta do estágio e do portfólio até os relacionados aos licenciandos enquanto sujeitos únicos.

As características da rota de aprendizagem, evidenciando a descrição e o entendimento da proposta de cada atividade, somadas às experiências de cada um no estágio podem ter influenciado no nível de reflexão alcançado. Também podem ter influenciado o momento de vida de cada um e sua capacidade e disponibilidade para refletir. Pesquisas serão necessárias para um estudo aprofundado sobre a construção de atividades com enunciados que estimulem a reflexão em níveis crítico e metacrítico.

Tornou-se evidente a importância do Estágio Curricular Supervisionado como um aspecto relevante do currículo e sua capacidade de oportunizar aos licenciandos vivências em situações reais com vistas à resolução de problemas. O portfólio apresentou amostras selecionadas e ilustrativas do modo como o futuro professor desenvolveu sua prática pedagógica nos espaços onde ocorreram suas atividades.

O portfólio torna-se um espaço para a reflexão sobre a prática vivenciada no estágio curricular, desde que tenha objetivos claros, seja bem compreendido por professores e estudantes e que estes sejam esclarecidos sobre suas principais características, sobre como deverá ser construído e avaliado.  As características do portfólio, quando bem utilizado, fazem dele um instrumento atual e coerente com as novas abordagens de educação, levando os sujeitos à conscientização de seu papel e da responsabilidade de encontrar caminhos para o desenvolvimento pleno de suas capacidades.

Como diferencial deste estudo, tem-se a elucidação da análise de narrativas em relação aos níveis de reflexão, contribuindo para que professores que trabalham com portfólios reflexivos tenham subsídios para analisar a prática reflexiva de seus estudantes e guiá-los no desenvolvimento de reflexões além do nível descritivo, auxiliando-os na transformação de sua práxis.

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    Extraído da dissertação “Prática pedagógica reflexiva de licenciandos de Enfermagem: o portfólio como instrumento”, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, 2013."

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014

Histórico

  • Recebido
    23 Jun 2014
  • Aceito
    14 Out 2014
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