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O processo de enfermagem nas consultas de puerpério em unidades de Atenção Primária em Saúde* * Extraído da iniciação científica: “Análise do processo de enfermagem em consultas de puerpério em unidades de atenção básica”, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, 2019.

RESUMO

Objetivo:

Identificar as etapas do Processo de Enfermagem e o cuidado integral.

Método:

Estudo de análise documental em prontuários de consultas de enfermagem no puerpério realizadas em unidades da atenção primária no interior do estado de São Paulo. Analisaram-se quais etapas foram registradas, a sequência das etapas e a abordagem das questões psicossociais. Os dados estão apresentados em frequência, porcentagem e o conteúdo expresso do cuidado.

Resultados:

Foram analisados 341 prontuários. Destes, 100% apresentaram Histórico; 62,2%, Diagnóstico de Enfermagem; 5,3%, Planejamento; 99,1%, Implementação; e 50,1%, Avaliação. Quanto à sequência das etapas, 47,5% dos prontuários apresentaram três etapas. Na incorporação do princípio da integralidade, observou-se uma maior presença da abordagem biologicista.

Conclusão:

Este estudo evidencia a mudança da prática do enfermeiro, com esforços para realizar o registro do Processo de Enfermagem, e que a integralidade do cuidado se constitui como um desafio para ultrapassar o cuidado fragmentado e descontextualizado das condições de vida das pessoas.

DESCRITORES:
Enfermagem de Atenção Primária; Período Pós-Parto; Processo de Enfermagem; Enfermagem Materno-Infantil

ABSTRACT

Objective:

To identify the steps of the Nursing Process and integral care.

Method:

Document analysis study on medical and nursing consultations records during postpartum conducted in primary health units in inland São Paulo state. The analysis comprised the registered steps, the sequence of steps, and the approach of psychosocial questions. The data are presented by frequency, percentage, and the expressed content of care.

Results:

The analyzed records amounted to 341. Out of these, 100% presented History; 62.2%, Nursing Diagnosis; 5.3%, Planning; 99.1%, Implementation; and 50.1%, Evaluation. Regarding the sequence of steps, 47.5% of the medical records presented three steps. In the incorporation of the principle of integrality, a more frequent presence of the biological approach was observed.

Conclusion:

This study shows the change of practice of nurses, with efforts to register the Nursing Process, and that the integrality of care constitutes a challenge to surpass a model of care which is fragmented and decontextualized from the life conditions of people.

DESCRIPTORS:
Primary Care Nursing; Postpartum Period; Nursing Process; Maternal-Child Nursing

RESUMEN

Objetivo:

Identificar las etapas del Proceso de Enfermería y el cuidado integral.

Método:

Análisis documental sobre los prontuarios de consultas de enfermería durante el puerperio realizadas en unidades de atención primaria en el interior del estado de São Paulo. Se analizó qué etapas se registraron, la secuencia de las etapas y el abordaje de las cuestiones psicosociales. Los datos se presentan en frecuencia, porcentaje y el contenido del cuidado reportado.

Resultados:

Se analizaron 341 prontuarios. De ellos, el 100% presentó Historia; el 62,2%, Diagnóstico de Enfermería; el 5,3%, Planeación; el 99,1%, Ejecución; y el 50,1%, Evaluación. En cuanto a la secuencia de las etapas el 47,5% de los prontuarios presentaron tres etapas. En la incorporación del principio de integralidad, se observó una mayor presencia del enfoque biológico.

Conclusión:

Este estudio evidencia el cambio en la práctica del enfermero, con esfuerzos para realizar el registro del Proceso de Enfermería, y que la integralidad del cuidado se constituye como un desafío para superar el cuidado fragmentado y descontextualizado de las condiciones de vida de las personas.

DESCRIPTORES:
Enfermería de Atención Primaria; Periodo Posparto; Proceso de Enfermería; Enfermería Maternoinantil

INTRODUÇÃO

No Brasil, o enfermeiro compõe a equipe multiprofissional, destacando-se como um profissional-chave no fortalecimento da Atenção Primária em Saúde (APS) e do Sistema Único de Saúde (SUS)11 Halcomb E, Stephens M, Bryce J, Foley E, Ashley C. Nursing competency standards in primary health care: an integrative review. J Clin Nurs. 2016;25(9-10):1193-205. doi: https://doi.org/10.1111/jocn.13224
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. Além disso, a atuação da enfermagem constitui-se como um instrumento de mudança nas práticas de cuidado à saúde, o qual responde ao novo modelo assistencial. Suas ações promovem a ampliação dos limites da prática profissional para efetivação de um cuidado integral às pessoas, às famílias e às comunidades22 Ferreira SRS, Périco LAD, Dias VRFG. The complexity of the work of nurses in Primary Health Care. Rev Bras Enferm. 2018;71 Suppl 1:704-9. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0471
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A atuação da enfermagem na equipe envolve uma diversidade de atividades inter-relacionadas com ações comuns e ações privativas do enfermeiro de cunho assistencial e gerencial. As atividades desenvolvidas são multifacetadas, tais como cuidado individual e coletivo, visita domiciliar, educação em saúde, atenção à demanda espontânea, educação permanente da equipe de enfermagem, avaliação das atividades dos agentes comunitários, dentre outras ações33 Amaral IT, Abrahão AL. Nursing consultation in Family Health Strategy, increasing the recognition of the distinct forms of action: an integrative review. Rev Pesq Cuid Fundam Online. 2017;9(4):899-906. doi: http://dx.doi.org/10.9789/2175-5361.2017.v9i4.899-906
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. Na dimensão assistencial do cuidado individual, ressalta-se a Consulta de Enfermagem (CE), considerada um espaço para o cuidado com potencialidades para ampliação do acesso e resolutividade na APS44 Toso BRGO, Filippon J, Giovanella L. Atuação do enfermeiro na Atenção Primária no Serviço Nacional de Saúde da Inglaterra. Rev Bras Enferm. 2016;69(1):182-91. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2016690124i
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. Revela-se ainda como principal cenário para o desenvolvimento da prática clínica, com ações sistematizadas que contribuem para a qualidade da assistência por meio da prática baseada em evidências55 Kahl C, Meirelles BHS, Lanzoni GMM, Koerich C, Cunha KS. Actions and interactions in clinical nursing practice in Primary Health Care. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03327. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s1980-220x2017025503327
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Na CE, uma das ações sistematizadas é o Processo de Enfermagem (PE), caracterizado pelo Conselho Federal de Enfermagem na Resolução nº 358/2009 como um instrumento metodológico que orienta o cuidado e a documentação do exercício profissional. O PE se organiza em cinco etapas inter-relacionadas, interdependentes e recorrentes, a saber: Histórico de Enfermagem, Diagnóstico de Enfermagem, Planejamento de Enfermagem, Implementação e Avaliação de Enfermagem66 Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo. Processo de enfermagem: guia para a prática [Internet]. São Paulo: COREN-SP; 2015 [citado 2020 jan. 22]. Disponível em: http://www.coren-sp.gov.br/sites/default/files/SAE-web.pdf. Assim, o PE demanda do enfermeiro habilidades e capacidades cognitivas, psicomotoras e afetivas, as quais exigem julgamento crítico, flexibilidade e criatividade para construção de planos de cuidados compartilhados diante das necessidades de saúde das pessoas. Na APS, ainda é um desafio implementar o PE e registrá-lo de forma apropriada, o que impacta o modo de gerar as evidências sobre a qualidade das ações de enfermagem no âmbito da prática clínica do enfermeiro77 Garcia TR. Systematization of nursing care: substantive aspect of the professional practice. Esc Anna Nery. 2016;20(1):5-10. doi: http://dx.doi.org/10.5935/1414-8145.20160001
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No contexto da CE, enfatiza-se a consulta de puerpério, visto que esse período denota expressiva morbimortalidade para as mulheres88 Baratieri T, Natal S. Postpartum program actions in primary health care: an integrative review. Ciênc Saúde Coletiva. 2019;24(11):4227-38. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320182411.28112017
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e que a CE, por meio do PE, pode ser um momento importante para a promoção da saúde da mulher e da família99 Ribeiro DHF, Lunardi VL, Gomes GC, Xavier DM, Chagas MCS. Vivências de cuidado da mulher: a voz das puérperas. Rev Enferm UFPE Online. 2014;8(4):820-6. doi: http://dx.doi.org/10.5205/1981-8963-v8i4a9748p820-826-2014
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. A APS é o principal cenário de cuidados e acompanhamento da mulher nesse período, dada a amplitude de ações pautadas em tecnologias leves que favorecem a detecção precoce das mudanças físicas, psicoemocionais e sociais, o que pode impactar na redução da morbimortalidade materna88 Baratieri T, Natal S. Postpartum program actions in primary health care: an integrative review. Ciênc Saúde Coletiva. 2019;24(11):4227-38. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320182411.28112017
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Assim, este estudo aborda o PE na CE direcionada à puérpera e justifica-se pela necessidade de explorar com mais afinco seu uso no âmbito da APS, considerando que a implementação desse instrumento que qualifica a prática da assistência de enfermagem ainda se constitui como uma problemática77 Garcia TR. Systematization of nursing care: substantive aspect of the professional practice. Esc Anna Nery. 2016;20(1):5-10. doi: http://dx.doi.org/10.5935/1414-8145.20160001
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. Além disso, os estudos brasileiros sobre a temática do puerpério limitam-se a explorar o número de consultas, número de visitas domiciliares, impacto de programas de aleitamento materno, dentre outras temáticas88 Baratieri T, Natal S. Postpartum program actions in primary health care: an integrative review. Ciênc Saúde Coletiva. 2019;24(11):4227-38. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320182411.28112017
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; inexistem estudos sobre o PE na CE durante o puerpério em contextos de APS88 Baratieri T, Natal S. Postpartum program actions in primary health care: an integrative review. Ciênc Saúde Coletiva. 2019;24(11):4227-38. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320182411.28112017
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9 Ribeiro DHF, Lunardi VL, Gomes GC, Xavier DM, Chagas MCS. Vivências de cuidado da mulher: a voz das puérperas. Rev Enferm UFPE Online. 2014;8(4):820-6. doi: http://dx.doi.org/10.5205/1981-8963-v8i4a9748p820-826-2014
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10 Dantas SLC, Rodrigues DP, Fialho AVM, Barbosa EMG, Pereira AMM, Mesquita NS. Representações sociais de enfermeiros da atenção primária à saúde sobre cuidado de enfermagem no pós-parto. Cogitare Enferm. 2018;23(3):e53250. doi: http://dx.doi.org/10.5380/ce.v23i3.53250
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-1111 Mazzo MHSN, Brito RS. Instrumento para consulta de enfermagem à puérpera na atenção básica. Rev Bras Enferm. 2016;69(2):316-25. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2016690215I
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Também se destaca a relevância social deste estudo, pois ele corrobora a prática de extensão universitária (universidade-ensino-serviço) em face da necessidade apresentada pelo contexto do município participante do estudo, com vistas ao aprimoramento das práticas que envolvem cuidado de enfermagem e à qualificação dos profissionais que atuam nas unidades da APS. Portanto, o objetivo do presente estudo foi identificar as etapas do Processo de Enfermagem e o cuidado integral, ou seja, identificar quais etapas do PE foram registradas e verificar se elas contemplavam a perspectiva de cuidado integral.

MÉTODO

TIPO DE ESTUDO

Trata-se de um estudo descritivo de análise documental, cujos documentos utilizados não foram submetidos a nenhum tipo de tratamento científico1212 Sá-Silva JR, Almeida CD, Guindani JF. Pesquisa documental: pistas teóricas e metodológicas. Rev Bras Hist Ciênc Soc. 2009;1(1):1-15. Disponível em: https://periodicos.furg.br/rbhcs/article/view/10351
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CENÁRIO

Os dados foram coletados nos prontuários informatizados das CE no puerpério realizadas nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Unidades de Saúde da Família (USF) de um município de grande porte do interior do estado de São Paulo. Essa rede de saúde está organizada em cinco Distritos de Saúde (Norte, Sul, Leste, Oeste e Central), que contam com cinco Unidades Básicas Distritais de Saúde (UBDS), 26 UBS e 18 USF. Desde o ano de 2008, as unidades de saúde dispõem de um Sistema de Gestão de Saúde Pública, o HygiaWeb, que, via internet, permite o cadastramento dos usuários do serviço de saúde e, dentre várias outras funções, contempla o registro da CE. Das 49 unidades de APS, 42 dispõem dos prontuários informatizados e foram o cenário de estudo.

DEFINIÇÃO DA AMOSTRA

Para seleção da amostra, foi considerado o ano de 2017, dado que a pesquisa se iniciou em 2018; nesse ano, o sistema HygiaWeb sofreu alterações nos campos do registro da CE e, por essa razão, os enfermeiros estavam em treinamento. Em 2017, nas unidades de saúde, foram realizadas 3.011 CE no puerpério, com as quais se efetuou uma amostragem para a coleta, análise e interpretação dos dados. Para o cálculo amostral, adotou-se o método de Amostragem Aleatória Estratificada, com alocação proporcional por estratos (cinco distritos). A prevalência tomada como base para o cálculo foi desconhecida1313 Bolfarine H, Bussab WO. Elementos de amostragem. São Paulo: Blucher; 2005. e adotou-se uma estimativa conservadora do tamanho amostral com valor de prevalência de 50%. Assim, adotando-se os parâmetros de erro relativo de 10%, nível de significância de 5% e prevalência de 50% em cada estrato, os tamanhos amostrais foram 05 prontuários no Distrito Central, 41 prontuários no Distrito Leste, 117 prontuários no Distrito Norte, 101 prontuários no Distrito Oeste e 77 prontuários no Distrito Sul, perfazendo um total de 341 prontuários. A partir do número de registro das puérperas, foi realizado o sorteio dos prontuários. O programa adotado para o cálculo amostral e para o sorteio dos prontuários foi o R (R Core Team) versão 3.1.2.

Foram incluídos os prontuários com registros das CE no puerpério no ano de 2017.

COLETA DE DADOS

As autoras elaboraram um instrumento para a coleta dos dados referentes à caracterização do ciclo gravídico-puerperal e ao distrito de saúde, reservando-se um campo para a cópia integral do texto das etapas do PE. A coleta de dados ocorreu entre os meses de janeiro e março de 2019, em um computador na sede da Secretaria Municipal de Saúde, com consulta online aos prontuários e cópia da anotação da CE. As pesquisadoras foram treinadas para manejar o sistema HygiaWeb e duas delas realizaram a coleta dos dados com alimentação do instrumento e posterior dupla digitação em banco de dados. Foi efetuada a cópia integral do texto, pois, no momento da pesquisa, o prontuário eletrônico não apresentava um espaço específico para cada etapa do PE, constando nos campos da pré-consulta, consulta e pós-consulta.

ANÁLISE E TRATAMENTO DOS DADOS

Na análise dos dados, exploraram-se os aspectos considerados importantes para a CE no puerpério, como os dados do ciclo gravídico-puerperal. Em relação ao PE, examinaram-se aspectos como as etapas registradas, a sequência de registro das etapas que estão apresentados em frequência e porcentagem e, finalmente, os conteúdos das questões psicossociais, que compreendem o conceito de integralidade do cuidado1414 Hino P, Horta ALM, Gamba MA, Taminato M, Fernandes H, Sala DCP. Comprehensiveness in the perspective of public health: pathways for the training of the nurse. Rev Bras Enferm. 2019;72(4):1119-23. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0443
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ASPECTOS ÉTICOS

Esta pesquisa atendeu as recomendações éticas da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde e foi aprovada pela Secretaria Municipal da Saúde e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, pelo Ofício CEP-EERP-USP n. 203/2018. Por tratar-se de pesquisa documental em prontuários eletrônicos e sem contato com as usuárias e os enfermeiros, houve a dispensa do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Foram analisados 341 prontuários relativos às CE no puerpério. No que se refere à idade das puérperas, verificou-se, na análise por estrato, que 14,7% tinham menos de 19 anos; 52,2%, entre 20 e 29 anos; 29,2%, entre 30 e 39 anos; e 3,9%, acima de 40 anos. A média de gestação variou de 1,8 a 2,5 gestações, com mínimo de 1 e máximo de 8 gestações. A média de partos foi de 1,8 a 2,3 partos, com mínimo de 1 e máximo de 6 partos. Finalmente, o número de abortos variou de nenhum a 4 abortos.

Analisou-se o número de consultas de pré-natal, obtendo-se a seguinte distribuição: Distrito Norte (n=117), com média de 9,1 consultas (mín. 4 e máx. 14) e 50,4% de prontuários sem informação. No Distrito Sul (n=77), a média foi de 9,7 consultas (mín. 3 e máx. 15) e 70,1% de prontuários sem informação. No Distrito Leste (n=41), a média foi de 9,0 consultas (mín. 4 e máx. 12) e 73,1% de prontuários sem informação. No Distrito Oeste (n=101), a média foi de 8,9 consultas (mín. 4 e máx. 14) e 74,2% de prontuários sem informação. Cabe destacar que, no Distrito Central (n=5), os prontuários sorteados não continham informações sobre o número de consultas de pré-natal. Quanto à idade gestacional em que ocorreu o parto, verificou-se uma média de 38,4 semanas de gestação. Constatou-se que 258 (75,6%) prontuários continham a informação do número de dias transcorridos de puerpério na CE e 83 (24,4%) não a continham. As consultas foram realizadas entre o 4º e o 5º dia de puerpério, com, respectivamente, 70 (27,1%) e 63 (24,4%) prontuários. Os dados relacionados ao ciclo gravídico-puerperal encontram-se na Tabela 1. Tais dados se referem aos prontuários que continham a respectiva informação.

Tabela 1
Dados relativos ao ciclo gravídico-puerperal registrados nos prontuários eletrônicos de consulta de puerpérioRibeirão Preto, SP, Brasil, 2019.

Quanto à presença das etapas do PE, verificou-se que todos os 341 (100%) prontuários continham a etapa do Histórico; 212 (62,2%), a etapa do Diagnóstico de Enfermagem; 18 (5,3%), a etapa do Planejamento; 338 (99,1%), a etapa da Implementação; e 171 (50,1%), a etapa da Avaliação. A Tabela 2 mostra a distribuição dos registros de cada etapa do PE nos cincos distritos de saúde.

Tabela 2
Registro das etapas do Processo de Enfermagem nos prontuários eletrônicos de consulta de puerpério - Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2019.

Ainda em relação às etapas do PE, realizou-se o levantamento da ordem registrada em cada prontuário. Assim, dos 341 prontuários, observou-se que 12 (3,5%) continham cinco etapas do PE, 100 (29,4%) prontuários registraram quatro etapas do PE, em 162 (47,5%) havia três etapas do PE e, finalmente, 67 (19,6%) prontuários apresentavam duas etapas do PE. A distribuição por Distritos encontra-se na Tabela 3.

Tabela 3
Frequência dos registros das etapas do Processo de Enfermagem nos prontuários eletrônicos de consulta de puerpério - Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2019.

Na avaliação da incorporação do princípio da integralidade nos registros do PE, buscaram-se, nos conteúdos dos registros, tópicos relacionados às necessidades de saúde biopsicossociais das puérperas. Observa-se, no Quadro 1, uma maior presença da abordagem biologicista, com poucos registros abordando aspectos psicossociais.

Quadro 1
Síntese dos conteúdos dos registros das etapas do Processo de Enfermagem nos prontuários eletrônicos de consulta de puerpério - Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2019.

DISCUSSÃO

O PE pode ser conceituado como uma ferramenta intelectual para o trabalho do enfermeiro que estimula o raciocínio clínico e investigativo, propiciando a tomada de decisão e a construção do corpo de conhecimento da profissão. A sua utilização reflete o compromisso do enfermeiro para com o usuário sob seus cuidados na promoção de uma assistência adequada que satisfaça as necessidades de saúde dos usuários, da família e da comunidade1515 Figueiredo PP, Lunardi Filho WD, Silveira RS, Fonseca AD. The non-implementation of the nursing process: reflection based on Deleuze's and Guattari's concepts. Texto Contexto Enferm. 2014;23(4):1136-44. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072014001380013
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. O PE deve ser realizado de modo intencional e sistemático em cinco etapas: Histórico, Diagnóstico de Enfermagem, Planejamento, Implementação e Avaliação66 Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo. Processo de enfermagem: guia para a prática [Internet]. São Paulo: COREN-SP; 2015 [citado 2020 jan. 22]. Disponível em: http://www.coren-sp.gov.br/sites/default/files/SAE-web.pdf.

A etapa do Histórico é caracterizada pelo momento no qual o enfermeiro realiza a anamnese e o exame físico e obtém as informações a respeito da pessoa para avaliar seu estado de saúde e identificar e/ou confirmar possíveis problemas ou necessidades66 Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo. Processo de enfermagem: guia para a prática [Internet]. São Paulo: COREN-SP; 2015 [citado 2020 jan. 22]. Disponível em: http://www.coren-sp.gov.br/sites/default/files/SAE-web.pdf. Essa etapa foi identificada em todos os prontuários analisados e, dessa forma, pode-se inferir que a realização do histórico pode ser uma prática de rotina dos enfermeiros, uma vez que eles dependem dessas informações para realizar as ações de cuidado. Um estudo qualitativo com enfermeiros de USF também identificou que essa etapa foi a única que todos os entrevistados relataram efetuar1616 Costa AS, Dias RBF, Cerqueira JCO, Peixoto RCBO. O processo de enfermagem na atenção básica de um município de Alagoas, Brasil. Rev Enferm Atenção Saúde. 2018;7(1):143-51. doi: http://dx.doi.org/10.18554/reas.v7i1.2201
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. Contrariamente, um estudo quantitativo1717 Azevedo OA, Guedes ES, Araújo SAN, Maia MM, Cruz DALM. Documentation of the nursing process in public health institutions. Rev Esc Enferm USP. 2019;53:e03471. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s1980-220x2018003703471
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, com 416 enfermeiros que trabalham em instituições públicas (hospitais, clínicas e ambulatórios) administradas pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, identificou que a etapa de levantamento de dados foi uma das fases menos documentadas do PE (78,8%). É importante destacar que esses estudos não abordaram a temática do puerpério, mas outros aspectos do cuidado de enfermagem.

Ressalta-se que os registros do histórico não apresentavam uma padronização no que se refere às informações coletadas durante a anamnese, visto que dados referentes à gestação, parto, pós-parto, dentre outros considerados fundamentais para o plano de assistência à puérpera, não estavam presentes em todos os prontuários. Recomenda-se, portanto, a utilização de um instrumento validado, o que pode contribuir para uma assistência à puérpera de forma sistematizada e oportunizar a operacionalização do PE no contexto da APS1111 Mazzo MHSN, Brito RS. Instrumento para consulta de enfermagem à puérpera na atenção básica. Rev Bras Enferm. 2016;69(2):316-25. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2016690215I
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O Diagnóstico de Enfermagem permite ao profissional identificar, determinar e nomear os problemas ou as necessidades de saúde do indivíduo, da família ou da comunidade a partir das informações obtidas na coleta de dados, utilizando-se do seu raciocínio diagnóstico, conhecimento científico e experiência clínica66 Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo. Processo de enfermagem: guia para a prática [Internet]. São Paulo: COREN-SP; 2015 [citado 2020 jan. 22]. Disponível em: http://www.coren-sp.gov.br/sites/default/files/SAE-web.pdf. Essa etapa estava presente em 62,2% dos prontuários. Um estudo de abordagem quantitativa realizado em uma unidade de APS no interior do Estado de São Paulo identificou que algumas fases não são realizadas de modo sistemático e, em relação ao diagnóstico, na percepção dos enfermeiros, evidenciou-se que 50% dos enfermeiros realizam o diagnóstico algumas vezes; 25%, raramente; e 25%, muitas vezes1818 Ribeiro GC, Padoveze MC. Nursing Care Systematization in a basic health unit: perception of the nursing team. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03375. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s1980-220x2017028803375
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. A literatura aponta que a dificuldade em realizar o diagnóstico deve-se ao desconhecimento ou à pouca familiaridade dos profissionais com os sistemas de classificação de diagnóstico1616 Costa AS, Dias RBF, Cerqueira JCO, Peixoto RCBO. O processo de enfermagem na atenção básica de um município de Alagoas, Brasil. Rev Enferm Atenção Saúde. 2018;7(1):143-51. doi: http://dx.doi.org/10.18554/reas.v7i1.2201
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,1818 Ribeiro GC, Padoveze MC. Nursing Care Systematization in a basic health unit: perception of the nursing team. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03375. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s1980-220x2017028803375
http://dx.doi.org/10.1590/s1980-220x2017...
. Todavia, para este cenário de estudo, cabe uma investigação mais aprofundada junto aos profissionais.

Dentre todas as etapas do PE, destacou-se como menos presente nos registros o Planejamento, identificado em apenas 5,3% dos prontuários. A partir da priorização do Diagnóstico de Enfermagem - dadas as necessidades de saúde do usuário -, o enfermeiro utiliza seu conhecimento técnico-científico para estabelecer os resultados e metas esperados para cada situação e idealiza e prescreve as ações de enfermagem que devem ser colocadas em prática para atingir os resultados66 Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo. Processo de enfermagem: guia para a prática [Internet]. São Paulo: COREN-SP; 2015 [citado 2020 jan. 22]. Disponível em: http://www.coren-sp.gov.br/sites/default/files/SAE-web.pdf. O fato de essa etapa ser a menos documentada não significa que os enfermeiros não a realizaram, uma vez que a etapa de Implementação foi a segunda etapa mais identificada (99,1%). A implementação se refere à execução, pelos profissionais, das ações prescritas no intuito de obter avanços no que diz respeito à promoção, prevenção e recuperação da saúde dos usuários66 Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo. Processo de enfermagem: guia para a prática [Internet]. São Paulo: COREN-SP; 2015 [citado 2020 jan. 22]. Disponível em: http://www.coren-sp.gov.br/sites/default/files/SAE-web.pdf.

Tal inferência evidencia-se pelo uso equivocado, nos registros, dos verbos que caracterizam a etapa de Planejamento e de Implementação, o que demonstra uma dificuldade na distinção entre essas duas etapas por parte dos profissionais. Assim, as razões para o descompasso entre essas duas fases podem estar relacionadas à incompreensão dos conceitos centrais de cada etapa do PE1919 Akhu-Zaheya A, Al-Maaitah R, Hani SB. Quality of nursing documentation: paper-based health records versus electronic-based health records. J Clin Nurs. 2018;27:e578-89. doi: http://dx.doi.org/10.1111/jocn.14097
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. Um estudo brasileiro realizado em nível nacional com enfermeiros identificou que esses profissionais desejam aprender mais sobre PE, especialmente sobre a etapa do Planejamento2020 Oliveira MR, Almeida PC, Moreira TMM, Torres RAM. Nursing care systematization: perceptions and knowledge of the Brazilian nursing. Rev Bras Enferm. 2019;72(6):1547-53. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0606
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, o que reforça a inferência sobre a dificuldade nessa etapa.

A etapa da Avaliação identifica as mudanças no estado de saúde ou comportamento do usuário a partir da assistência prestada na etapa da Implementação, ou seja, é verificado se as metas e resultados estabelecidos na etapa do Planejamento foram ou não concretizados, caracterizando-se a evolução de enfermagem, isto é, a avaliação dos cuidados prestados e resultados alcançados em um período pré-estabelecido66 Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo. Processo de enfermagem: guia para a prática [Internet]. São Paulo: COREN-SP; 2015 [citado 2020 jan. 22]. Disponível em: http://www.coren-sp.gov.br/sites/default/files/SAE-web.pdf. Essa etapa foi identificada em 50,1% dos prontuários analisados.

Embora em cenário diferente da APS, um estudo realizado no contexto hospitalar para avaliar a percepção de 141 enfermeiros frente ao PE evidenciou que eles conhecem moderadamente (66%) a realização da avaliação de enfermagem2121 Silva CR, Lima EFA, Furieri LB, Caniçali Primo C, Fioresi M. Nurses' attitudes toward the nursing process. Rev Pesq Cuid Fund Online. 2018;10(4):1111-17. doi: http://dx.doi.org/10.9789/2175-5361.2018.v10i4.1111-1117
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. Contudo, acredita-se que esse não seja o motivo principal para metade dos prontuários terem apresentado essa etapa. Ao considerar o contexto da APS e o princípio da longitudinalidade, compreende-se que, para avaliar os cuidados prestados em um período, o usuário que recebeu o atendimento teria que voltar para o seu domicílio e, somente quando retornasse à unidade ou recebesse uma visita domiciliar para continuidade do cuidado, seria o momento oportuno para a realização da avaliação, na qual um novo registro seria efetuado. Neste estudo, porém, somente a primeira consulta foi avaliada. Assim, para melhor compreender e elucidar essa questão, seria necessária uma investigação que considerasse os atendimentos ao longo do período.

Em relação à sequência das etapas do PE, observaram-se diferentes etapas documentadas, com variação de duas a cinco etapas. Um estudo evidenciou que o número de fases documentadas varia conforme o contexto de produção dos cuidados. Os setores que atuam com usuários internados, tais como unidade de tratamento intensivo, enfermaria geral, centro obstétrico e hospital-dia, apresentaram as cinco etapas registradas. Os setores que atuam com usuários não internados, tais como serviço de apoio diagnóstico (duas etapas), ambulatórios e pronto-socorro (três etapas), foram os que menos as documentaram. Ademais, as etapas do PE não estavam documentadas sistematicamente1717 Azevedo OA, Guedes ES, Araújo SAN, Maia MM, Cruz DALM. Documentation of the nursing process in public health institutions. Rev Esc Enferm USP. 2019;53:e03471. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s1980-220x2018003703471
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. Dessa forma, entende-se que é importante levar em consideração o local no qual ocorre a produção do cuidado, pois esses contextos podem influenciar nas razões pelas quais ocorre a ausência ou incompletude do registro do PE. Adicionalmente, seria válida a realização de estudos que pudessem aprofundar a compreensão do fenômeno na APS.

Diante da importância de tais apontamentos, salienta-se que um registro desestruturado pode comprometer a qualidade da assistência prestada pelo próprio enfermeiro e pela instituição, assim como prejudicar a comunicação entre a equipe, dada a importância dos registros como a principal forma de documentação da prática profissional66 Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo. Processo de enfermagem: guia para a prática [Internet]. São Paulo: COREN-SP; 2015 [citado 2020 jan. 22]. Disponível em: http://www.coren-sp.gov.br/sites/default/files/SAE-web.pdf. Tal situação pode refletir negativamente no atendimento ao usuário, pois um registro desestruturado dificulta a individualização, a integralidade e a continuidade do cuidado2222 Trindade LR, Silveira A, Ferreira AM, Ferreira GL. Compreensão do processo de enfermagem por enfermeiros de um hospital geral do sul do Brasil. Rev Enferm UFSM. 2015;5(2):267-77. doi: http://dx.doi.org/10.5902/2179769215923
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-2323 Silva RS, Almeida ARLP, Oliveira FA, Oliveira AS, Sampaio MRFB, Paixão GPN. Sistematização da assistência de enfermagem na perspectiva da equipe. Enferm Foco. 2016;7(2):32-6. doi: https://doi.org/10.21675/2357-707X.2016.v7.n2.803
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.

Estudos demonstram que, por vezes, o PE não é desenvolvido em todas as suas etapas devido a fatores como falta de capacitação, interrupções na CE, falta de apoio institucional, sobrecarga de trabalho do enfermeiro, rotina com afazeres realizados de forma mecânica, desvalorização do enfermeiro por parte da população, precariedade do espaço físico e de materiais e desconsideração do PE pela equipe multiprofissional. Outro ponto evidenciado na literatura é a falta ou o ensino insuficiente do PE durante a formação na graduação, principalmente para os profissionais com mais anos de formação que, muitas vezes, não tiveram aproximação com o PE, o que gera dificuldades para sua utilização na prática profissional1818 Ribeiro GC, Padoveze MC. Nursing Care Systematization in a basic health unit: perception of the nursing team. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03375. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s1980-220x2017028803375
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,2424 Benedet SA, Padilha MI, Gelbke FL, Bellaguarda MLR. The model professionalism in the implementation of the Nursing Process (1979-2004). Rev Bras Enferm. 2018;71(4):1907-14. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0226
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25 Marinelli NP, Silva ARA, Silva DNO. Sistematização da Assistência de Enfermagem: desafios para a implantação. Rev Enferm Contemp. 2015;4(2):254-63. doi: http://dx.doi.org/10.17267/2317-3378rec.v4i2.523
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-2626 Trindade LR, Ferreira AM, Silveira A, Rocha EN. Processo de enfermagem: desafios e estratégias para sua implementação sob a ótica de enfermeiros. Rev Saúde (Santa Maria). 2016;42(1):75-82. doi: http://dx.doi.org/10.5902/2236583419805
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. Destaca-se que este estudo não avaliou tal dimensão, mas que se considera pertinente levantar esses pontos para reafirmar que tais questões atravessam a produção do cuidado e que esse contexto deve ser considerado na elaboração de políticas e ações que favoreçam as mudanças na prática para a implementação do PE.

Na avaliação da incorporação do princípio da integralidade do cuidado na CE no período puerperal, os resultados deste estudo evidenciaram que os tópicos relacionados às necessidades de saúde biopsicossociais se apresentaram em menor quantidade, com maior número de registros que contemplavam uma abordagem biológica. Nos aspectos biológicos, percebe-se o foco no retorno do corpo da mulher às condições pré-gravídicas, prevenção de complicações puerperais, aleitamento materno e promoção da saúde do recém-nascido. Os prontuários que reportavam informações psicossociais centraram-se em aspectos de vulnerabilidade e risco, como violência familiar, direitos trabalhistas e apoio familiar, o que identifica o contexto no qual a pessoa está inserida e a determinação social do processo saúde-doença. Um estudo que objetivou compreender as percepções das práticas relativas ao acolhimento no cuidado puerperal identificou que o cuidado, na consulta puerperal, não se constitui como um espaço para acolher as mulheres em suas necessidades psicossociais2727 Corrêa MSM, Feliciano KVO, Pedrosa EN, Souza AI. Acolhimento no cuidado à saúde da mulher no puerpério. Cad Saúde Pública. 2017;33(3):e00136215. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00136215
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.

O período puerperal é um momento em que a mulher assume novos papéis na sociedade e, para se desenvolver um cuidado integral, é fundamental que o profissional de saúde acolha suas necessidades1010 Dantas SLC, Rodrigues DP, Fialho AVM, Barbosa EMG, Pereira AMM, Mesquita NS. Representações sociais de enfermeiros da atenção primária à saúde sobre cuidado de enfermagem no pós-parto. Cogitare Enferm. 2018;23(3):e53250. doi: http://dx.doi.org/10.5380/ce.v23i3.53250
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. Para tanto, deve-se compreender que o cuidado integral se faz em equipe e inclui a tarefa de compreender a mulher, mãe, puérpera, trabalhadora e usuária do serviço de saúde como um sujeito histórico, social e político. Embora os profissionais de saúde reconheçam a importância do cuidado integral, as ações ainda não se mostram articuladas à prática, principalmente em situações nas quais o aspecto biológico se evidencia com mais facilidade frente aos outros aspectos2828 Arce VAR, Sousa MF. Integralidade do cuidado: representações sociais das equipes de Saúde da Família do Distrito Federal. Saúde Soc. 2013;22(1):109-23. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-12902013000100011
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. Dessa forma, a integralidade do cuidado é um desafio para a enfermagem e uma importante ferramenta para romper com o paradigma biológico e reconstruir as práticas em saúde com fortalecimento para o acolhimento na clínica ampliada, com ações interdisciplinares e integradas na rede de atenção1414 Hino P, Horta ALM, Gamba MA, Taminato M, Fernandes H, Sala DCP. Comprehensiveness in the perspective of public health: pathways for the training of the nurse. Rev Bras Enferm. 2019;72(4):1119-23. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0443
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.

Os resultados deste estudo mostraram como ocorre o registro do PE na CE durante o puerpério no contexto da APS. No entanto, esses resultados não representam a completude da realidade no município e tampouco permitem compreender em que medida os conteúdos documentados refletem a assistência oferecida às mulheres. Todavia, essa identificação possibilita levantar questionamentos a fim de se buscar formas de melhorar o registro do PE. Assim, ratifica-se a importância da promoção de ações que favoreçam a realização do PE na APS, tendo em vista sua relevância para a prática clínica. Para tanto, as políticas e ações devem se concentrar na melhoria do ambiente de trabalho, dos conhecimentos, competências e práticas dos enfermeiros1919 Akhu-Zaheya A, Al-Maaitah R, Hani SB. Quality of nursing documentation: paper-based health records versus electronic-based health records. J Clin Nurs. 2018;27:e578-89. doi: http://dx.doi.org/10.1111/jocn.14097
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. As limitações deste estudo relacionam-se à utilização de uma única fonte de coleta de dados, o que restringe o olhar para o fenômeno. Ademais, o sistema HygiaWeb não possibilitava o registro das informações em campos próprios para cada etapa do PE, o que pode ter limitado sua execução pelos enfermeiros e ter influenciado nos resultados obtidos. Por isso, é importante compreender a dimensão da subjetividade no trabalho da enfermagem e sua influência no processo de trabalho, que pode contribuir para os motivos pelos quais as diferentes etapas do PE não são implantadas nos mais diferentes contextos do trabalho do enfermeiro, visto que sua manifestação pode estar implicada no desejo de transformação da realidade1515 Figueiredo PP, Lunardi Filho WD, Silveira RS, Fonseca AD. The non-implementation of the nursing process: reflection based on Deleuze's and Guattari's concepts. Texto Contexto Enferm. 2014;23(4):1136-44. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072014001380013
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.

O sistema HygiaWeb passou por atualizações e, atualmente, estão implementados nos prontuários eletrônicos os campos para cada etapa do PE. Este estudo se revelou inovador para o município, pois possibilitou a análise de como o PE era realizado, o que pode ajudar na comparação com o novo sistema. Constatou-se que os enfermeiros têm empreendido esforços para realizar o registro do PE e, diante disso, deve-se reconhecer o pioneirismo desses profissionais ao propor uma assistência de enfermagem sistematizada, visto que o PE ainda é um desafio no cenário nacional e na APS. A integralidade do cuidado é outro desafio no qual a enfermagem deverá continuar a investir esforços para ultrapassar o cuidado descontextualizado das condições de vida das pessoas. Assim, este estudo demostra um processo de mudança da prática do enfermeiro, com a incorporação de práticas clínicas e do PE. Essa mudança demanda investimentos contínuos e, dentre eles, análises, como a realizada neste estudo, para subsidiar ajustes e direcionamentos para a realidade local.

CONCLUSÃO

Conclui-se que, em relação à presença das etapas do PE, a etapa mais frequentemente registrada foi o Histórico e a menos frequente, o Planejamento. A maioria dos prontuários apresentou três etapas do PE e observou-se a presença predominante da abordagem biologicista. Esses resultados sinalizam a importância da temática e a necessidade de mais estudos, com metodologias distintas, para identificar as dificuldades que os enfermeiros enfrentam na utilização do PE e na incorporação da integralidade do cuidado na consulta de puerpério na APS.

  • *
    Extraído da iniciação científica: “Análise do processo de enfermagem em consultas de puerpério em unidades de atenção básica”, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, 2019.
  • Apoio financeiro:
    Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    12 Fev 2020
  • Aceito
    30 Set 2020
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