Mapeamento da inserção de políticas afirmativas em cursos de pós-graduação em enfermagem

RESUMO

Objetivo:

Mapear a inclusão de políticas afirmativas nos cursos de pós-graduação em Enfermagem no Brasil.

Método:

Trata-se de um estudo descritivo e de base documental, realizado com informações coletadas na Plataforma Sucupira, via Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior que é vinculada ao Ministério da Educação. Após a coleta de dados, feita entre outubro de 2021 e março de 2022, deu-se a leitura integral de cada edital para a extração dos seguintes elementos: nome do programa; código do programa; nome da Instituição de Ensino Superior; sigla; Unidade Federativa; quantitativos de vagas para cursos de mestrado.

Resultados:

Identificou-se 79 instituições do país, com amostra final de 67 programas avaliados, os quais foram classificadas em nove tipos a partir do uso dos princípios das políticas afirmativas em mestrados acadêmicos e profissionais.

Conclusão:

Os cursos de pós-graduação em Enfermagem apresentam desequilíbrio quanto à implementação de políticas afirmativas em suas ofertas de vagas regulares, bem como nas questões de equidade no acesso regional e de diversidade nos grupos sociais contemplados.

DESCRITORES
Política Pública; Vulnerabilidade Social; Educação de Pós-Graduação em Enfermagem; Ensino; Inclusão social

ABSTRACT

Objective:

To map the inclusion of affirmative policies in Postgraduate Nursing courses in Brazil.

Method:

This is a descriptive, document-based study, carried out with information collected on the Sucupira Platform, via the Coordination for the Improvement of Higher Education Personnel, linked to the Ministry of Education. After data collection, carried out between October 2021 and March 2022, each public notice was read in full, in order to extract the following elements: name of the program; program code; name of the Higher Education Institution; acronym; Federative unit; and number of vacancies for master’s courses.

Results:

79 institutions in the country were identified, with a final sample of 67 evaluated programs, which were classified into nine types, based on the use of affirmative policy principles in academic and professional master’s degrees.

Conclusion:

Postgraduate Nursing courses present an imbalance regarding the implementation of affirmative policies in their offers of regular vacancies, as well as in issues of equity in regional access and diversity in the social groups contemplated.

DESCRIPTORS
Public Policy; Social Vulnerability; Education, Nursing, Graduate; Teaching; Social Inclusion

RESUMEN

Objetivo:

Mapear la inclusión de políticas afirmativas en los cursos de Postgrado en Enfermería de Brasil.

Método:

Se trata de un estudio descriptivo, de base documental, realizado con informaciones recogidas en la Plataforma Sucupira, a través de la Coordinación de Perfeccionamiento del Personal de Enseñanza Superior, vinculada al Ministerio de Educación. Después de la recolección de datos, realizada entre octubre de 2021 y marzo de 2022, cada convocatoria fue leída en su totalidad para extraer los siguientes elementos: nombre del programa; código del programa; nombre de la Institución de Educación Superior; sigla; Unidad Federativa; y número de vacantes para maestrías.

Resultados:

Se identificaron 79 instituciones en el país, con una muestra final de 67 programas evaluados y clasificados en nueve tipos, a partir del uso de principios de políticas afirmativas en maestrías académicas y profesionales.

Conclusión:

Los cursos de postgrado en Enfermería presentan un desequilibrio en la implementación de políticas afirmativas en sus ofertas regulares de vacantes, así como en las cuestiones de equidad para el acceso regional y diversidad de los grupos sociales contemplados.

DESCRIPTORES
Política Pública; Vulnerabilidad Social; Educación de Postgrado en Enfermería; Enseñanza; Inclusión Social

INTRODUÇÃO

As políticas públicas de ações afirmativas (AF), a exemplo da Lei de cotas que é realizada pela oferta de vagas em universidades públicas do país, já são discutidas politicamente desde os anos 1990, quando o início da discussão sobre a inserção de afro-brasileiros em espaços sociais estava em pauta. Nesse período, a demanda por pluralidade em espaços públicos e a discriminação desta parcela da população ensejaram discussões sobre políticas públicas de igualdade de oportunidades e sobre reorientações no sistema educacional(¹,²).

Pela via da percepção histórica, observou-se que o modo conservador de manutenção das classes privilegiadas no domínio dos recursos educacionais, sociais e midiáticos, recorrente por gerações, proporcionou a prática de processos discriminatórios em múltiplos cenários. Desse modo, compreendeu-se que as ações discriminatórias não eram compostas por fatores e por acontecimentos isolados, mas compunham redes estruturadas e complexas de condições específicas que a precediam, como a interseccionalidade(³,⁴).

A partir de exigências do Plano Nacional de Educação, de duração decenal, e em consonância com o constitucional, considerando o art. 214 da Constituição Federal e a Lei n.º 13.005/2014, houve a promoção de metas para a superação das desigualdades educacionais e a elaboração de políticas para todos os níveis instrutivos, do ensino básico ao superior. Tais metas propiciaram a significativa ampliação de ofertas de vagas em Instituições Federais de Ensinos Superior e Tecnológico, além de viabilizarem formas de integração e de democratização de acesso ao ensino público do país aos sujeitos condicionados pelas conformações prejudiciais já descritas(⁵).

Isso se solidificou com a sanção da Lei n.º 12.711/2012, que promoveu a reserva de vagas em cursos de ensino superior de instituições federais, vinculados ao Ministério da Educação (MEC), complementada pela Lei n.º 13.409/2016, que propiciou a retenção de vagas a estudantes de baixa renda, a pretos, a pardos, a indígenas e a pessoas com deficiências, que fazem parte da Unidade de Federação de localização da instituição de ensino, de acordo com os registros do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)(²,⁶).

Apesar de a população brasileira ser constituída de 47,7% de brancos e de 50,7% de negros, um estudo de 2015 identificou que o perfil dos estudantes de nível de pós-graduação era composto de 70,86% de brancos e de 27,08% de negros. Com a observação desta desigualdade, em 2016, a Portaria Normativa MEC n.º 13, apoiada no Estatuto da Igualdade Racial e na Lei n.º 12.711, designou a ampliação das diversidades étnica e cultural dos discentes da pós-graduação, a partir da adoção das políticas de AF, dando autonomia a cada instituição para aderir ou não às propostas de inclusão(⁷,⁸).

Em referência à área da Enfermagem, há vários e diversos estudos sobre inserção e sobre acompanhamento de alunos cotistas na graduação(⁹,¹⁰), contudo a pós-graduação apresenta uma lacuna de informações a tal respeito. Logo, faz-se pertinente que mecanismos de distribuição de ofertas de vagas destinadas à integração social sejam evidenciados, a fim de colaborar com a discussão sobre equidade na pós-graduação, sobretudo em relação ao que está em conformidade com os objetivos do relatório de avaliação quadrienal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Assim, o presente estudo tem o objetivo de realizar um mapeamento do uso de políticas de ações afirmativas nos cursos de pós-graduação da área de Enfermagem no Brasil.

MÉTODO

Tipo de Estudo

Trata-se de um estudo descritivo, de base documental e com abordagem quantitativa, realizado com os dados obtidos junto à CAPES, vinculada ao MEC.

Fonte de Dados

O conjunto de dados foi extraído da plataforma Sucupira, ferramenta destinada à coleta de informações de programas de pós-graduação stricto sensu (de mestrado e de doutorado) de âmbito nacional. Anualmente, as coordenações dos programas são responsáveis por atualizar as informações na plataforma, a fim de alimentar as bases de dados sobre os tópicos referentes à pós-graduação, os quais servem como referência à avaliação quadrienal e à transparência acadêmica. A plataforma Sucupira é uma importante ferramenta do Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG), que trata do acompanhamento e da avaliação dos ditos programas(¹¹).

Coleta de Dados e Critérios de Seleção

A seleção dos dados foi realizada entre os meses de novembro de 2021 e de março de 2022, na plataforma Sucupira, a partir de informações disponibilizadas pelos programas de pós- graduação em Enfermagem sobre os cursos de mestrado acadêmico e profissional (MAP) na plataforma no ano de 2021. A coleta foi norteada por instrumento de pesquisa validado pelos autores, composto dos itens: adesão da Instituição de Ensino Superior (IES) à política de ações afirmativas, quantidade de vagas destinadas às ações afirmativas e tipos de ações afirmativas implementadas nos programas de pós-graduação.

Assim, o download de dados foi realizado diretamente da plataforma Sucupira, a partir dos quais foi gerada uma tabela, com as seguintes variáveis: nome do programa; código do programa; nome da IES; sigla da IES; Unidade Federativa; quantitativo de ofertas de vagas nos cursos de mestrado da instituição.

Análise de Dados

Respaldado nos dados colhidos, foram realizados o mapeamento, a quantificação e a identificação dos programas registrados no país. Em seguida, as informações foram exportadas para o software Microsoft Excel, sendo avaliadas por estatística descritiva e apresentadas em formas de gráficos e de tabelas. Na apresentação das classificações foram considerados os grupos beneficiados pelas políticas de AF, que são geralmente qualificados com base em características, como: raça ou etnia, gênero, classe social e deficiência.

A fundamentação da discussão sobre os textos recolhidos incluiu artigos indexados nas bases de dados SciELO, LILACS e BDENF, com o uso dos descritores: “política pública”; “grupos étnicos”; “educação de pós-graduação em Enfermagem”; “ensino”; “inclusão social”.

Aspectos Éticos

Por se tratar de um estudo de caráter descritivo, apoiado em dados secundários de domínio público, não houve a necessidade de ajuizamento de questões éticas pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos. Entretanto, a análise foi realizada com rigor científico, tendo em vista a produção de resultados verídicos e significativos.

RESULTADOS

Foram encontradas 79 instituições que ofertam cursos de mestrado acadêmico e profissional (MAP) no nível de pós- graduação em Enfermagem no Brasil, isto considerando os delineamentos da pesquisa. Contudo, um programa foi excluído por possuir apenas registro de nível de doutorado, além de outros 11, por não aderirem às políticas de AF. Identificou-se 31 programas que não dispunham de ofertas de vagas de doutorado, apenas de mestrado acadêmico e profissional, mas possuíam oferta de vagas de AF em suas seleções; enquanto 36 programas contavam com o mesmo quantitativo de ofertas de vagas para os cursos de MAP e de doutorado, porém seus editais não traziam a definição das quantidades de ofertas de vagas oferecidas para AF por titulação acadêmica.

Nesse cenário, com a finalidade de evitar vieses não científicos, o presente trabalho considerou apenas avaliações em nível de MAP, logo a amostra final teve 67 programas avaliados, alocados nas regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil.

No estudo, observou-se que a Região Sudeste apresentou o maior número de programas (24), considerando-se os importantes fatores da densidade demográfica e do quantitativo de universidades públicas que disponibilizam programas de pós- graduação em Enfermagem. Em seguida perfila as regiões Nordeste, com 18 programas; Sul, com 15; Centro-Oeste, com seis; Norte, com quatro programas (Figura 1).

Figura 1.
Distribuição de programas de pós-graduação de mestrado acadêmico e profissional na área de Enfermagem nas regiões do Brasil. Belém, PA, Brasil, 2022. Fonte: Plataforma Sucupira, (2022).

Tendo em vista as vagas específicas para AF disponibilizadas pelos programas de pós-graduação em Enfermagem no Brasil, a Região Sudeste conta com o maior quantitativo (55 ofertas de vagas), seguida das regiões Nordeste (49), Sul (41), Centro-Oeste (14) e Norte (sete ofertas de vagas), o que evidencia o Norte como o menor número de vagas, como ilustrado na Figura 2.

Figura 2.
Distribuição de vagas de ações afirmativas pelos programas de pós-graduação na área de Enfermagem no Brasil. Belém, PA, Brasil, 2022. Fonte: Plataforma Sucupira, Brasil (2022).

Na mesma avaliação, os programas de pós-graduação foram separados em nove classes, considerando os tipos de AF disponíveis em seus cursos de MAP: quilombolas; pessoas trans; surdos; ciganas; migrantes e refugiados; populações tradicionais; indígenas; negros ou pardos; pessoas com deficiência (Figura 3).

Figura 3.
Distribuição nacional dos cursos de MAP em programas de pós-graduação da área de Enfermagem, em função do(s) tipo(s) de AF oferecida(s). Belém, PA, Brasil, 2022. Fonte: Plataforma Sucupira (2022).

O maior índice de distribuição observado foi de AF para negros (pretos e pardos), com percentual de 28,2%, representando um quantitativo de 29 programas. Ao passo que o segundo maior percentual encontrado de distribuição de vaga foi para pessoas com deficiência (de 25,2%), pois 26 programas possuem adesão a este tipo de AF; seguido de 24,3% de AF para indígenas, dispostos em 25 programas; de 10,7% de AF para quilombolas, presentes em 11 programas (Figura 3).

Os menores índices de ofertas de vagas de AF foram observados para pessoas trans, com 4,9%, distribuídas em cinco programas; para representantes de populações tradicionais (2,9% — três programas); para migrantes e refugiados (1,9% — dois programas); por fim, para surdos e ciganas (1% — um programa cada) (Figura 3).

Considerando a repartição regional dos programas analisados, foi verificado que, entre os sete estados que compõem a Região Norte, apenas Amazonas e Pará oportunizam sete ofertas de vagas de AF em cursos de pós-graduação em Enfermagem, exclusivamente para negros (pretos e pardos), para indígenas e para pessoas com deficiência (PcD) (Tabela 1).

Na Região Nordeste, composta de nove estados, foram encontrados oito programas (53,3% do total de programas encontrados na região) que disponibilizam ofertas de vagas de AF destinadas a negros (pretos e pardos), a indígenas e a PcD; além de quatro (26,7% do total) que encerram ofertas de vagas de AF para quilombolas e/ou para povos e comunidades tradicionais; dois (13,3% do total) que dispõem de ofertas de vagas de AF para pessoas trans; e apenas um (6,7% do total) que aderiu às vagas de AF para ciganas (Tabela 1).

Tabela 1.
Caracterização dos programas de MAP da área de Enfermagem avaliados nas cinco regiões do Brasil no ano de 2022 – Belém, PA, Brasil, 2022.

Região	Estado	N° de programas	Vagas para AF	Tipos de AF
Norte	Amazonas	2	6	Negros, indígenas e PcD
	Pará	2	1	PcD
Nordeste	Maranhão	1	–	–
	Piauí	1	6	Negros, indígenas e PcD
	Bahia	4	14	Negros, indígenas, quilombolas, PcD e pessoas trans
	Ceará	4	Não especificado	Negros, indígenas e PcD
	Rio Grande do Norte	2	2	Negros, indígenas, quilombolas e PcD
	Paraíba	2	7	Negros, indígenas, PcD e povos e comunidades tradicionais
	Pernambuco	2	6	Negros, quilombolas, ciganas, indígenas, pessoas trans e PcD
	Alagoas	1	8	Negros, indígenas e PcD
	Sergipe	1	6	Negros, indígenas e PcD
Centro-Oeste	Mato Grosso	1	–	–
	Mato Grosso do Sul	1	Não especificado	Negros, indígenas e PcD
	Goiás	2	4	Negros e indígenas
	Distrito Federal	2	10	Negros, indígenas, quilombolas e PcD
Sudeste	São Paulo	13	15	Negros, indígenas e PcD
	Minas Gerais	5	18	Negros, indígenas, povos e comunidades tradicionais, pessoas trans, PcD e refugiados
	Espírito Santo	1	–	–
	Rio de Janeiro	5	22	Negros, indígenas e PcD
Sul	Paraná	5	21	Negros, indígenas e quilombolas
	Santa Catarina	4	14	Negros, indígenas, quilombolas e pessoas trans
	Rio Grande do Sul	6	6	Negros, indígenas, quilombolas, PcD e pessoas trans

• Fonte: Brasil (2022).

Dos quatro estados da Região Centro-Oeste, três asseguram ofertas de vagas de AF em cinco programas de pós-graduação em Enfermagem (50% do total de programas da região), as quais são destinadas a negros (pretos e pardos) e a indígenas, seguidas de reservas para pessoas com deficiência (feitas em dois estados — 33,3% dos programas) e para quilombolas (feitas em um estado — 16,7% dos programas). Apenas um dos estados da região, estado de Mato Grosso, que conta com um programa de pós-graduação na área, não dispõe de vagas para ações afirmativas, além de um dos programas não descrever o quantitativo de oportunidades de AF oferecidas (Tabela 1).

No Sudeste, composto por quatro estados, foram encontrados 24 programas de pós-graduação em Enfermagem. Das vagas de AF disponibilizadas na região, as ofertas abrangem negros, indígenas e PcD, concedidas nos estados de São Paulo, de Minas Gerais e de Rio de Janeiro (em 75% dos programas); e há ofertas de vagas para povos e comunidades tradicionais, para pessoas trans e para refugiados em um estado (Minas Gerais — 25% dos programas). É importante ressaltar que no estado de São Paulo, que abriga treze programas de pós-graduação em Enfermagem, apenas um disponibilizou o quantitativo integral de ofertas de vagas para a política de AF, como apresentado na Tabela 1. Apenas um estado da região não disponibilizou informações sobre sua entrada na política de ações afirmativas, o que ocorreu em um dos editais estudados.

Na Região Sul, os três estados oferecem vagas de AF em seus programas, considerando os grupos de negros, de indígenas e de quilombolas (61,2% do total regional de programas). Para pessoas trans, as ofertas de vagas são concedidas em dois estados (Santa Catarina e Rio Grande do Sul — 29,9%), já para surdos e para PcD, há acesso em apenas um estado (Rio Grande do Sul — 9%).

DISCUSSÃO

A participação de alunos beneficiários de políticas de cotas em espaços da comunidade acadêmica tem criado e revelado estigmas nos meios social e universitário, uma vez que há narrativas sobre estereótipos de inferioridade dos envolvidos. Porém, em verdade, tais AF são instrumentos de reparação histórica, resultantes de iniciativas de suspensão de métodos de exclusão social. Tal percepção negativa também contribui para a identificação individual do sujeito, produzindo barreiras à execução de AF nas instituições e ao monitoramento dos ingressos nas universidades(⁴,¹²).

No âmbito da pós-graduação, as AF surgem de discussões recentes e singulares, uma vez que cada programa delimita suas diretrizes e seus critérios de engajamento, inclusive porque as políticas de cotas são flexíveis, o que não ocorre no nível das graduações. Em sua maioria, os programas promovem o ingresso de candidatos a partir de etapas regulares, que são descritas em um edital unificado e de passos ordenados, assim as modalidades de admissão de ampla concorrência e/ou de uso das AF são declaradas em cada curso(¹³).

As políticas de inserção, que possuem como concepção inicial a identificação dos sujeitos a serem admitidos, definem as características daqueles que possuem necessidades de integração, com o objetivo de alinhar as premissas de organização das práticas de inclusão e de exclusão. Tal determinação coloca indivíduos homens, ricos, brancos e heterossexuais como habituais e normais, em discrepância define indivíduos negros, pobres, PcD, mulheres e gays como desiguais e distintos, afeitos à necessidade de integração(¹⁴). Contudo, esses atores são importantes para diminuir as iniquidades de acesso ao nível superior(¹⁰,¹⁵).

Com esta compreensão, nota-se que a meritocracia, em oposição à equidade, aponta um debate geracional alicerçado em crenças sociais que ressaltam a lógica de um sistema educacional eurocêntrico, o que demonstra diferenças organizacionais e fortalece características já desconstruídas em diferentes níveis de ensino(¹⁴). Justamente, a valorização de movimentos contrários a estas características é importante na pós-graduação, pois pode trazer diversos benefícios para os envolvidos e para a sociedade em geral(¹⁰,¹³,¹⁶).

Atualmente, observa-se um cenário promissor na Enfermagem no que diz respeito à diversidade racial, o que é pontualmente benéfico à sociedade(¹³,¹⁶). Com efeito, a Enfermagem conta com uma representatividade significativa de profissionais autodeclarados pardos e pretos, os quais somados constituem 53,0% do total de trabalhadores da área, além dos profissionais indígenas(¹⁷). Este dado é relevante, pois demonstra o contingente de estudantes que pode potencialmente buscar a pós-graduação, por meio de ofertas de vagas de AF.

Esses pontos e as questões relacionadas à integração e à diversidade no ambiente acadêmico se traduzem como aspectos fundamentais na produção de conhecimentos relevantes e contextualizados(¹⁷). Dessa forma, o fato de um grande percentual de profissionais de Enfermagem se identificar como pardo ou preto pode representar importantes tendências de diversificação e de enriquecimento dos programas de pós-graduação na área. Assim, a pós-graduação, além de ser um passo adiante nas formações acadêmica e profissional destes indivíduos, pode se beneficiar significativamente das variedades de experiências e de perspectivas que eles trazem(¹⁰,¹³).

Ao analisar o tema da identidade de gênero na Enfermagem, pode-se observar que esta área tem sido tradicional e majoritariamente feminina. Tal predominância pode ser atribuída a diversos fatores socioculturais, incluindo a percepção de que o cuidado e a empatia são características que são associadas muitas vezes ao feminino. Contudo, é crucial ressaltar a importância da diversidade de gênero na profissão, seja do sexo masculino(¹⁷), seja daqueles que se identificam como não binários ou outras identidades de gênero, as quais também podem trazer perspectivas e abordagens mais amplas de cuidados aos pacientes.

Ademais, é fundamental reconhecer e valorizar a contribuição de profissionais indígenas de diferentes faixas etárias, que podem ajudar a conformar uma força de trabalho mais equilibrada. Portanto, como buscado demonstrar aqui, incentivar as diversidades de gênero, de etnia e de idade nas pós-graduações em Enfermagem é decisivo(¹⁷). Isto ocorre uma vez que a multiplicidade, em todas as suas formas de manifestação, enriquece a profissão, tornando-a mais representativa da totalidade da população e permitindo troca de ideias mais aberta e mais inclusiva(¹⁰,¹³,¹⁶).

Considerando estes fatos, nota-se que já há uma pluralidade na distribuição nacional de ofertas de vagas na área de Enfermagem, considerando as heterogeneidades de povos, de comunidades e de grupos em situação de vulnerabilidade social, dos quais negros, comunidades tradicionais, indígenas e PcD são os que mais se destacam, evidenciado a maior visibilidade destes segmentos em processos de admissão à pós-graduação. Ressalta-se que tal fato vai ao encontro de apontamentos sobre representatividade, como sinalizado em outros estudos(⁷,¹⁸).

Na Enfermagem, a formação de profissionais pós-graduados tem mostrado grande relevância na promoção de debates fundamentais para a construção da Ciência, além de permitir a qualificação de profissionais e de compor uma nova percepção da autonomia do trabalhador enfermeiro. Nesse caminho, a literatura também evidencia a vulnerabilidade social na implantação de programas de pós-graduação no Brasil, tendo em vista que as regiões Norte e Centro-Oeste têm a menor concentração de cursos em contraste com a Sudeste e a Nordeste, que possuem a maior concentração. Além do mais, a pós-graduação concentra os principais produtores de pesquisa científica(¹⁹).

Ainda que haja lacunas na literatura sobre os aspectos de inserção de AF em programas de pós-graduação em Enfermagem no Brasil, a partir do panorama descrito neste trabalho, foi possível identificar que a Região Norte, apesar de estar em um momento de ascensão no campo da pesquisa(¹⁹–²¹), possui índices mínimos de uso de AF na entrada de estudantes em suas pós-graduações. A despeito do fato de que grande parcela da população nortista é composta por povos indígenas e por comunidades tradicionais, as quais são beneficiadas pela Lei de Cotas em universidades e em cursos de graduação locais(¹⁰).

Os dados também esclareceram que a região Centro-Oeste, que possui somente quatro estados em sua composição - e que ainda assim tem a segunda maior extensão territorial do Brasil e é a divisão política de menor quantitativo populacional -, apresenta pequena abrangência de emprego da AF em seus cursos de pós-graduação. Por sua vez, a Região Sudeste, também com quatro estados, possui o maior índice de concentração populacional do país — com destaque para o estado de São Paulo que tem a produção econômica mais preponderante da América do Sul e abriga a única megametrópole do Brasil: a cidade de São Paulo —, e, por isso, é uma região predominantemente urbana, de grandes diversidades étnico-cultural e econômica; além de apresentar relevantes métodos de inserção na graduação, a exemplo do Programa de Inclusão Social da Universidade de São Paulo (Inclusp), o que revela o emprego de medidas de ampliação de acesso de pessoa em situação de vulnerabilidade à universidade(⁹).

A Região Sul, caracterizada por ter a menor extensão territorial em âmbito nacional, por dispor de uma economia influente e por ser a segunda divisão mais populosa do país, detém três estados em sua composição, os quais disponibilizam vagas de AF em seus programas. Na região, as medidas de integração de estudantes em condição de vulnerabilidade vêm sendo discutidas desde a graduação. E isto se dá por meio da garantia de permanência destes alunos nos cursos e da forte presença da interculturalidade nos espaços universitários(¹³,²²–²⁴).

Historicamente, as regiões Sul e Sudeste têm apresentado os melhores desempenhos nas avaliações da CAPES, ocorrendo a marginalização das regiões Norte e Nordeste, inclusive quanto à efetivação de políticas públicas, sobretudo no nível de pós-graduação(¹⁹,²²). Esse fato se refletiu nos últimos editais específicos, fazendo aumentar a distância entre as regiões em termos de qualificação dos programas de pós-graduação(²²). Nesse sentido, é necessário considerar a importância de tais regiões se tornarem protagonistas em pesquisas sobre suas peculiaridades, ponto importante para elevar suas notas nos mecanismos nacionais de avaliação.

Frise-se que os processos de inclusão se mostram pertinentes à inserção de grupos étnicos e multiculturais nos espaços da pós-graduação, pois estas iniciativas enriquecem o diálogo, assim como diminuem as iniquidades na educação(¹⁰,²²,²⁵). A ampliação da Lei de Cotas nas pós-graduações em Enfermagem constitui importantes instrumentos de inserção e de qualificação de profissionais indígenas, quilombolas, PcD e demais atores aqui estudados, aprimorando o debate e incrementando o nível de desenvolvimento das pesquisas em cada região do país, de acordo com suas especificidades.

Este estudo limitou-se a abordar os programas de mestrado do Brasil, baseado nos registros da plataforma Sucupira e nas informações fornecidas pelos próprios programas de pós- graduação, entretanto sem abranger o nível de doutorado. Embora ambos os níveis de pós-graduação sejam da modalidade stricto sensu, os programas de mestrado e de doutorado apresentam diferenças em termos de objetivos, de exigências, de resultados esperados e de duração. Logo, é oportuno avaliar o progresso acadêmico das AF, consoante a integração e a permanência de estudantes em estado de vulnerabilidade, a fim de identificar a conexão entre os níveis e as barreiras demonstradas, e que são relativas aos aspectos do acesso, da progressão e das efetivas formações técnica e científica dos discentes advindos do público em foco neste artigo, bem como no tocante à organização dos programas no acompanhamento destes alunos.

Para mitigar estas limitações em estudos futuros, seria útil expandir o escopo de pesquisa, buscando incluir programas de doutorado e fontes adicionais de informação para além da plataforma Sucupira, para assegurar visões mais abrangentes e mais precisas da pós-graduação no Brasil. Por certo, não se procura generalizar a pós-graduação, uma vez que as características e as exigências dos programas de mestrado podem não representar o universo dos programas de pós-graduação com a exatidão necessária.

Quanto à área da Enfermagem, este estudo possibilita visualizar o resultado de alguns sistemas de entrada de grupos em situação de vulnerabilidade social na pós-graduação — nos cursos de mestrado, particularmente —, apresentando subsídios à tomada de novas e melhores decisões referentes aos métodos seletivos e às ofertas de vagas. Tal fato agrega valor às discussões sobre ações de abrangência social, item observado pela CAPES nos procedimentos de avaliação quadrienal dos MAP, sendo oportuno na constituição de relatórios sobre a atual condição dos programas de pós-graduação aqui analisados e nos planejamentos futuros dos mesmos.

Adicionalmente, neste texto aponta-se a importância de se discutir os significados da integração e dos seus processos, objetivando a qualificação dos programas e o alinhamento das políticas mencionadas, para além do acesso. Do mesmo modo, sinaliza situações problemáticas já identificadas na graduação, como a questão da permanência dos estudantes ingressos de políticas de AF, as quais devem ser mais bem administradas, visando a obtenção de resultados satisfatórios, o que está muito adiante da temática da oferta de vagas inclusivas e que pode ser pauta de estudos, no tocante à permanência e à continuidade das qualificações destes indivíduos.

CONCLUSÃO

Ao abordar o tema das ofertas de vagas de ações afirmativas entre as 67 instituições aqui estudadas, identificou-se nove classificações significativas, demonstrando que há um movimento de implementação de políticas de ações afirmativas nos cursos de mestrado acadêmico e profissional do país, o que por sua vez comprova uma dinâmica com potencial para diminuir (ou debelar, futuramente) os limites e as barreiras históricas experimentadas por determinados grupos minoritários. Ao investigar os achados sobre as pós-graduações em Enfermagem, observando-as como espaços especializados de produção de conhecimentos, voltados à promoção e à prevenção em saúde, e sobre a constituição de fundamentos epistemológicos essenciais e singulares a cada região, verificou-se as dificuldades práticas na implantação de políticas educacionais no Brasil.

Nesse sentido, destacaram-se as regiões Norte e Centro-Oeste, demonstrando ausência de iniciativas de agregação de etnias e de culturas ao perfil dos graduandos locais em Enfermagem, a partir de trocas de saberes e de experiências com negros, com pardos e com indígenas. Por outro lado, a execução dessas ações no Sul e no Sudeste é significativa, ratificando a lógica, na qual regiões consideradas periféricas repetem o movimento colonialista, quanto à produção de conhecimento e à formação em pós-graduação. Portanto, a manutenção do perfil eurocêntrico fica evidente também entre os pós-graduandos, assim como a padronização, já em curso, que regula o ingresso por cotas nas graduações.

O presente mapeamento oportuniza, em princípio, a identificação e a discussão de possíveis desafios e entraves nos programas de pós-graduação em Enfermagem ao longo do território nacional. O que ressalta as disparidades entre as regiões, bem como a distribuição e a pluralidade dos tipos de ações afirmativas elegíveis, possibilitando a revisão de processos seletivos e de oportunidades de avanços quanto à formação equânime e à produção de informações representativas dos grupos regionais, sobretudo aquelas com os protagonismos de comunidades e de indivíduos de cada parte do Brasil.

Ademais, a demanda pela produção de dados sobre e com grupos historicamente excluídos e, para além disso, sobre políticas públicas múltiplas - que abranjam diferentes espaços humanos - contribui para a constituição de um conhecimento científico intercultural capaz de fortalecer a sociedade, o qual pode ser viabilizado pela inserção e pelo reconhecimento do papel das políticas de ações afirmativas na prática de uma educação mais equânime.

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Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Divane de Vargas

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  22 Set 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  03 Abr 2023
• Aceito
  01 Ago 2023