Mães adolescentes, autocuidado e cuidado infantil: validação de conteúdo de um calendário histórico de eventos

RESUMO

Objetivo:

Validar o conteúdo da ferramenta Event History Calendar Mãe Adolescente: fortalecendo o autocuidado e o cuidado da criança.

Método:

Estudo metodológico com a técnica Delphi, realizado em duas rodadas, envolvendo 37 especialistas de enfermagem. Na coleta de dados, de dezembro/2019 a agosto/2020, foi utilizado um questionário semiestruturado composto por 47 itens relacionados às duas dimensões da ferramenta: Autocuidado e Cuidado da criança. O Índice de Validade de Conteúdo ≥ 0,80 foi utilizado para avaliar a concordância entre os especialistas. Elementos qualitativos foram analisados quanto à clareza e abrangência do conteúdo.

Resultados:

Na primeira rodada, 46 itens apresentaram Índice de Validade de Conteúdo ≥ 0,80. Os elementos qualitativos apontaram necessidade de maior clareza para o público adolescente. Após as alterações, a ferramenta apresentou 30 itens. Na segunda rodada, os 30 itens avaliados alcançaram Índice de Validade de Conteúdo ≥ 0,80. As considerações qualitativas foram traduzidas em modificações no conteúdo e sequência na versão final da ferramenta.

Conclusão:

A ferramenta validada obteve avaliação adequada dos itens de cada dimensão, relacionados ao autocuidado da mãe adolescente e cuidado da criança, com alto grau de compreensibilidade.

DESCRITORES
Saúde da Criança; Saúde do Adolescente; Atenção Primária à Saúde; Enfermagem; Estudo de Validação

ABSTRACT

Objective:

To validate the content of the tool Event History Calendar Adolescent Mother: strengthening self-care and child care.

Method:

Methodological study using the Delphi technique, conducted in two rounds, involving 37 nursing specialists. In data collection, from December/2019 to August/2020, a semi-structured questionnaire composed of 47 items related to the two dimensions of the tool: Self-care and Child Care was used. The Content Validity Index ≥ 0.80 was used to assess agreement among the experts. Qualitative elements were analyzed for clarity and comprehensiveness of content.

Results:

In the first round, 46 items showed Content Validity Index ≥ 0.80. The qualitative elements pointed out more clarity for the adolescent audience. After the changes, the tool presented 30 items. In the second round, the 30 items evaluated achieved Content Validity Index ≥ 0.80. The qualitative considerations were translated into modifications in the content and sequence in the final version of the tool.

Conclusion:

The validated tool obtained adequate evaluation of the items of each dimension, related to adolescent mother self-care and child care, with a high degree of comprehensibility.

DESCRIPTORS
Child Healt; Adolescent Healt; Primary Health Car; Nursin; Validation Stud

RESUMEN

Objetivo:

Validar el contenido de la herramienta Event History Calendar Madre Adolescente: fortaleciendo el autocuidado y el cuidado de los hijos.

Método:

Estudio metodológico mediante la técnica Delphi, realizado en dos rondas, en el que participaron 37 expertos en enfermería. En la recopilación de datos, de diciembre de 2019 a agosto de 2020, se utilizó un cuestionario semiestructurado compuesto por 47 ítems relacionados con dos dimensiones de la herramienta: Autocuidado y Cuidado del niño. Se utilizó el Índice de Validez del Contenido ≥ 0,80 para evaluar el acuerdo entre los expertos. Se analizaron los elementos cualitativos para comprobar la claridad y exhaustividad del contenido.

Resultados:

En la primera ronda, 46 ítems presentaron Índice de Validez de Contenido ≥ 0,80. Los elementos cualitativos apuntan a la necesidad de una mayor claridad para el público adolescente. Tras los cambios, la herramienta presentaba 30 ítems. En la segunda ronda, los 30 ítems evaluados alcanzaron un Índice de Validez de Contenido ≥ 0,80. Las consideraciones cualitativas se tradujeron en modificaciones del contenido y la secuencia en la versión final de la herramienta.

Conclusión:

El instrumento validado obtuvo evaluación adecuada de los ítems de cada dimensión, relacionados al autocuidado de la madre adolescente y al cuidado del niño, con alto grado de comprensibilidad.

DESCRITORES
Salud Infantil; Salud del Adolescente; Atención Primaria de Salud; Enfermería; Estudio de Validación

INTRODUÇÃO

Na atenção à saúde de adolescentes, é importante considerar a multiplicidade de aspectos que influenciam o processo da adolescência, como os relacionados à família, amigos, contexto escolar, busca por direitos e planos para o futuro(¹), e a necessidade de identificação oportuna de possíveis vulnerabilidades vivenciadas nesse período(²).

No cuidado de adolescentes, são fundamentais as intervenções referentes, principalmente, à sua saúde reprodutiva e sexual, prevenção da violência e atenção à saúde mental, implicando em ações intersetoriais, detalhadas em acordo aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável(³). As chances de desfechos favoráveis e do alcance das potencialidades na fase da adolescência e vida adulta também estão ligadas às intervenções na primeira infância, fortalecendo o seguimento longitudinal para o crescimento e desenvolvimento saudável e as práticas parentais seguras, que oferecem uma base sólida(⁴,⁵).

A maternidade na adolescência pode envolver a vivência de mudanças relacionadas à redução do tempo dedicado a si, à adaptação as novas responsabilidades e à construção do papel materno, bem como à necessidade de conciliar cuidado da criança e estudo, o que requer apoio, organização da rotina e realinhamento de projetos de vida(⁶). Assim, dependendo do contexto vivenciado, as mães adolescentes podem experienciar diferentes sentimentos e emoções(⁶), como preocupações, medos e solidão(⁷), mas também alegrias, satisfação e confiança(⁶).

Em termos da atenção efetiva à saúde das mães adolescentes, são apontados como essenciais o alcance de metas de mortalidade materna e a melhoria na cobertura dos serviços de saúde, atentando para desigualdades e vulnerabilidades entre mães adolescentes (15 a 19 anos) e adultas (20 e 34 anos) no pré-natal, nascimento e puerpério(⁸). Os conhecimentos e a proximidade com o cenário de vida de mães adolescentes permitem que os profissionais de saúde ofereçam mais suporte na prestação de cuidados(⁶,⁹–¹²). Assim, é essencial que os serviços de saúde estejam organizados para acolher, acompanhar e intervir junto às mães adolescentes(¹¹), com destaque para as potencialidades da atuação de enfermeiras/os no âmbito da atenção primária à saúde (APS)(¹,¹³).

A partir do reconhecimento das singularidades do fenômeno da maternidade na adolescência, torna-se relevante a utilização de ferramentas que possibilitem a expressão das necessidades de mães adolescentes e as contribuições para seu contexto de vida(⁶,¹²,¹⁴). A ferramenta calendário histórico de eventos, em inglês Event History Calendar (EHC), contém uma estrutura com mecanismos de registro da memória autobiográfica, coleta de dados e relatos retrospectivos de diferentes dimensões da vida da pessoa(¹⁵–¹⁸).

Informações sobre elementos do EHC (estrutura, funcionamento e aplicabilidade na pesquisa em enfermagem com adolescentes) apresentadas em um estudo(¹⁵), e pesquisa alicerçada na análise de experiências e situações vividas por mães adolescentes brasileiras entre 12 e 18 anos(⁶), forneceram subsídios para o desenvolvimento do “EHC – Mãe Adolescente: fortalecendo o autocuidado e o cuidado com o filho” (EHCMA), estruturada em duas dimensões: Autocuidado e Cuidado da criança.

As dimensões da ferramenta EHCMA permitem monitorar aspectos relacionados à vida e saúde de mães adolescentes, às práticas de cuidado da criança e à presença ou ausência de rede de apoio. A dimensão Autocuidado da mãe adolescente apresenta itens que visam identificar necessidades de cuidado e fatores que protegem ou vulnerabilizam sua saúde e bem-estar, para o cuidado de enfermagem condizente com suas especificidades. A dimensão Cuidado da criança busca identificar as necessidades de cuidado infantil e os aspectos inseguros e vulneráveis que possam inviabilizar a promoção, prevenção e proteção da saúde infantil, bem como itens referentes às vivências anteriores da mãe adolescente, participação paterna, crescimento e desenvolvimento infantil e atividades rotineiras. Assim, os itens que compõem a ferramenta EHCMA podem fornecer subsídios para o cuidado integral, singular e seguro, constituindo bases potenciais para boas práticas desenvolvidas por enfermeiras/os.

O entendimento sobre a necessidade de abordagens acolhedoras e dialógicas, que promovam reflexões, construção de conhecimentos e habilidades para o autocuidado e o cuidado do(a) filho(a)(¹³), a configuração de um EHC como uma ferramenta apropriada ao cuidado de adolescentes(¹,⁶,¹⁵,¹⁶) e a importância de validar o conteúdo de um instrumento(¹⁹,²⁰) motivaram a presente pesquisa. Assim, o objetivo do estudo é validar o conteúdo da ferramenta EHCMA, considerando suas potencialidades de aplicabilidade na prática clínica de enfermeiras/os na APS.

MÉTODO

Desenho do Estudo

Estudo metodológico de validação de conteúdo da ferramenta EHCMA, norteado pelas diretrizes SQUIRE 2.0 da rede EQUATOR. Foi utilizada a técnica Delphi com um grupo de participantes especialistas, caracterizada pela identificação de consenso e discordância sobre a temática, interligação e potencial para integração dos conhecimentos(²¹).

Local

A pesquisa foi realizada no Brasil, em formato remoto, com participantes das regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste e Norte.

População, Critérios de Seleção e Amostra

A população do estudo foi constituída pela seleção de pesquisadores e especialistas de enfermagem, identificados pelo currículo em formato virtual disponível na Plataforma Lattes de Currículos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq-Brasil).

Os critérios de inclusão foram: enfermeiro, com título de doutor na área da saúde, experiência acadêmica e/ou profissional na área da saúde do adolescente e/ou da criança. As entradas duplicadas foram excluídas. No período de dezembro de 2019 a janeiro de 2020, foi elaborada uma lista com os nomes e contatos de correio eletrônico (e-mail) de 179 especialistas que atenderam aos critérios de inclusão. Foram excluídos aqueles que não responderam ao e-mail convite da pesquisa. Participaram do estudo 37 especialistas.

Coleta de Dados

O estudo foi realizado de dezembro de 2019 a agosto de 2020. Inicialmente, foi enviado um e-mail para cada especialista selecionado contendo: i) carta convite com o objetivo do estudo e explicações sobre a ferramenta EHCMA; ii) Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE); e iii) primeira versão do questionário com instruções.

Na dimensão Autocuidado da ferramenta EHCMA, os itens referem-se à idade materna, escolaridade, ocupação, atividades diárias/uso do tempo, relacionamentos, estilo de vida, sentimentos/preocupações, preconceito/discriminação por ser mãe adolescente, cuidados com a saúde da mulher e planos para o futuro. Na dimensão Cuidado da criança, os itens referem-se a fontes do cuidado, rotina da criança, crescimento e desenvolvimento infantil, ações preventivas e de promoção da saúde.

Na primeira rodada da técnica Delphi, entre 26 de fevereiro e 11 de junho de 2020, foi utilizado um questionário semiestruturado composto por 47 itens, perfazendo as duas dimensões da ferramenta EHCMA. A dimensão Autocuidado contém 24 itens e a dimensão Cuidado da criança 23 itens. Para cada item, há uma escala numérica de um a quatro (1- pouco relevante; 2- parcialmente relevante; 3- relevante; 4- extremamente relevante) e um espaço aberto para a redação de comentários e/ou sugestões de especialistas. Ao final de cada dimensão, há outro espaço aberto para responder quanto à clareza e alcance do conteúdo. Foi estabelecido um prazo de 20 dias para resposta com o TCLE assinado e envio do questionário preenchido. Após receber os 37 questionários preenchidos, foram compilados e analisados os dados referentes às duas dimensões da ferramenta.

Na segunda rodada da técnica Delphi, entre 12 de junho de 2020 e 19 de agosto de 2020, foi enviado um e-mail, individualmente, aos 37 participantes do estudo, contendo a segunda versão do questionário com instruções e as considerações dos especialistas sobre a primeira rodada. Foi utilizado um questionário semiestruturado composto por 30 itens, sendo 15 itens para cada uma das duas dimensões, para a reavaliação pelos especialistas. Esse questionário continha a descrição inicial do item, Índice de Validade de Conteúdo (IVC) obtido pelo item na primeira rodada, item reformulado e a escala numérica com valores de 1 a 4 para avaliação do item reformulado pelos especialistas. Ao final de cada dimensão, foi inserido um espaço para comentários dos especialistas. Foi estabelecido um prazo de 20 dias para resposta. E-mails individuais foram enviados aos especialistas com lembretes sobre o prazo. Nesta rodada, participaram 24 especialistas (64,9%) do grupo participante da primeira rodada.

Análise e Tratamento dos Dados

Na análise dos dados, o IVC foi utilizado para avaliar a concordância entre os especialistas(²²), aplicado a cada item avaliado. O IVC geral foi usado para avaliar a concordância na dimensão como um todo, correspondendo à média dos valores do IVC de cada item relacionado(²²). O IVC de cada item foi calculado somando-se o número de respostas 3 ou 4, dividido pelo número total de respostas válidas recebidas. O IVC geral da dimensão foi calculado somando-se o IVC de cada item, dividido pelo número total de itens da dimensão. O valor mínimo de IVC ≥ 0,80 foi estabelecido para avaliação de cada item e para avaliação geral da dimensão.

No processo de análise, também foram considerados os comentários e sugestões dos especialistas, na perspectiva de inclusão de elementos qualitativos de cada dimensão, particularmente quanto à clareza e abrangência do conteúdo. As respostas qualitativas foram compiladas e organizadas em arquivos individuais para cada item. O consenso do grupo de especialistas foi obtido por meio de duas rodadas da técnica Delphi.

Aspectos Éticos

O estudo obedeceu às normas e diretrizes da Resolução nº 466/2012, sendo apreciado e aprovado em Comitê de Ética em Pesquisa, parecer nº 3.627.170, no ano de 2019. Foi utilizado TCLE, assinado pelos participantes dessa investigação. Para garantia do anonimato, na primeira rodada da técnica Delphi, os participantes foram denominados como E1, E2…E37. Na segunda rodada, foram denominados como E1, E2…E24.

RESULTADOS

Características dos Participantes Especialistas

O perfil dos 37 participantes apresenta idades que variam entre 30 e 66 anos, sexo feminino (94,6%), término da graduação em enfermagem entre 8 e 43 anos, e grande parte (81,1%) com experiência acumulada na área de saúde do adolescente e/ou da criança. Quanto à formação, 25 participantes (67,6%) possuíam doutorado, sete com pós-doutorado (18,9%), quatro (10,8%) eram professores titulares e um (2,7%) era professor pleno.

Os participantes trabalhavam em diferentes regiões brasileiras, sendo 19 (51,3%) na Sudeste, nove (24,3%) Nordeste, quatro (10,8%) Sul, quatro (10,8%) Centro-Oeste e um (2,7%) na Norte. Em relação ao local de trabalho, 31 participantes (83,8%) trabalhavam em universidades públicas, quatro (10,8%) em universidades privadas e dois (5,4%) vinculados à serviços no âmbito da APS.

A Primeira e a Segunda Rodada Pela Técnica Delphi

Na primeira rodada da técnica Delphi, as dimensões da ferramenta EHCMA foram avaliados por 37 especialistas. Na dimensão Autocuidado, os 24 itens apresentaram IVC ≥ 0,80 e o IVC geral da dimensão foi de 0,95. Na dimensão Cuidado da criança, 22 itens apresentaram IVC ≥ 0,80, o item relativo à solidariedade teve um IVC igual a 0,67, e o IVC geral da dimensão foi de 0,96.

Na primeira rodada, os elementos qualitativos coincidentes com o conteúdo das dimensões focaram, predominantemente na necessidade de maior clareza para o público adolescente. Este exemplo expressa esse aspecto: Acho que os adolescentes terão dificuldade em compreender o tema de apresentação, sugiro apresentá-lo em formato de pergunta e, quando possível, direcionar para o que se pretende conhecer, a fim de contribuir com o cuidado ao ser prestada à mãe e ao filho (E6).

Alguns itens foram considerados pelos especialistas com conteúdos muito semelhantes: Há pergunta muito parecida anterior sobre a da escola (E7); No item emprego eu considerei ter existido uma repetição (E32). Os apontamentos foram unificados em perguntas para abranger diferentes aspectos e evitar repetições. Outros itens foram ampliados, com a inclusão de questões específicas que contemplavam aspectos indicados pelos especialistas, como nestes exemplos: É importante um subitem sobre a percepção corporal e satisfação com a imagem corporal da adolescente (E8); Inclusão de um item referente a adoecimentos/morbidades e o cuidado com as medicações caseiras e/ou automedicação da criança (E16).

Também foram sugeridas inserções de itens, um para a dimensão Autocuidado: No item de relacionamentos, sugiro, se acharem pertinente, acrescentar o relacionamento com os profissionais de saúde dos serviços que ela utilizou. Poderia dar luz às fragilidades e fortalezas dos serviços de saúde sob o olhar do adolescente (E17), e um na dimensão Cuidado da criança: No item fontes de cuidado da criança, incluiria um subitem relacionado à participação do pai (E3).

Na análise dos comentários e sugestões dos especialistas, foram incluídas aquelas alterações concernentes ao objetivo do estudo, com itens modificados para perguntas específicas e exemplificadas, buscando maior clareza e adequação, exclusão de itens para evitar repetições e inclusão de itens para abarcar outros aspectos. A partir da primeira rodada, a dimensão Autocuidado passou a conter 15 itens e a dimensão Cuidado da criança 15 itens.

Na segunda rodada, as dimensões da ferramenta EHCMA foram avaliadas por 24 especialistas. Na dimensão Autocuidado, os 15 itens apresentaram IVC ≥ 0,80 e o IVC geral foi 0,95. Na dimensão Cuidado da criança, os 15 itens tiveram IVC ≥ 0,80 e um IVC geral da dimensão de 0,96.

Em relação aos elementos qualitativos das dimensões, foram sugeridos pelos especialistas modificações pontuais quanto à forma de apresentação e em alguns conteúdos. Em ambas as dimensões, nos itens compostos por mais de uma pergunta em sequência, cada uma delas foi colocada em uma linha separada, buscando maior clareza na apresentação e na obtenção de respostas.

Quanto aos conteúdos, foram sugeridas mais especificidades na redação de perguntas: ‘Você se automedica?’, sugiro ‘Você utiliza medicação sem que esta tenha sido indicada pelo seu médico?’ (E22); ‘Você sabe o que fazer quando a criança tem cólicas, febre, erupção de dentes?’, substituir erupções por nascimento dos dentes (E22). Também foi apontada a ampliação de conteúdo: ‘Como você se diverte?’, questionar também o aspecto religioso (E10); ‘Como você se cuida?’, esclarecer o que quer dizer com cuidado para autoestima. (E7); ‘Quais cuidados você desempenha para proteger sua criança?’, proteger a criança é muito mais do que cumprir preceitos biomédicos ou prevenção de acidentes. O vínculo protege, inclusive, de desnutrição infantil (E11); O pai da criança participa do cuidado? qual(is) cuidado(s) com a criança ele desempenha?’, recomendo exemplificar: preparar e oferecer a comida, banho, trocar a fralda, lavar e passar as roupas, brincar, passear, levar ao serviço de saúde (E8).

Outras sugestões dos especialistas foram relativas ao maior detalhamento e desmembramento de itens para valorizar mais o conteúdo, nas perguntas: ‘Você utiliza algum método para evitar a gravidez? Se sim, qual?’, sugiro ser um item em separado, propiciando diagnóstico de necessidades (E10); ‘Como você se vê?’ e ‘Está satisfeita com seu corpo?’, uma questão é como eu me vejo e vejo meu corpo, ainda mais no segmento adolescente, outra são minhas condições objetivas de me cuidar (E11).

Também foi apontada mudança na sequência de perguntas: ‘A criança fica sob cuidado de outra pessoa (quem?) ou está na creche/escola? Se sim: em que horário (ex: manhã, tarde, dia todo)?’, sugiro passar este item para após o crescimento e ficar junto ao outro item sobre desenvolvimento/interação (E7).

Diante dos apontamentos dos especialistas, as referidas perguntas foram reformuladas. A dimensão Autocuidado ficou composta por 17 itens e a dimensão Cuidados da criança por 15 itens, configurando a versão final da ferramenta EHCMA, apresentada na Quadro 1.

Quadro 1
Versão da EHCMA com validação de conteúdo por especialistas de enfermagem em saúde do adolescente e/ou da criança – Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2020.

DISCUSSÃO

O processo de validação de conteúdo da ferramenta EHCMA foi concluído após duas rodadas com especialistas pela técnica Delphi. Na segunda rodada, todos os itens avaliados em ambas as dimensões atingiram IVC ≥ 0,80. O IVC geral da dimensão Autocuidado foi 0,95 e da dimensão Cuidado da criança foi 0,96. Os elementos qualitativos foram traduzidos no conteúdo e contribuíram para a versão final da ferramenta.

O indicativo do IVC é apontado como relevante e, mesmo quando as rodadas Delphi resultam em um IVC global de 0,87, os especialistas sugerem alterações no conteúdo, o que pode aprimorar a versão final(²³). A ferramenta EHCMA validada, composta por 17 itens na dimensão Autocuidado e 15 itens na dimensão Cuidado da criança, contempla aspectos relevantes para o cuidado integral à saúde.

Na adolescência, as singularidades atreladas à vivência da gestação, do parto e do cuidado cotidiano da criança apontam necessidades multidimensionais da adolescente mãe que devem ser consideradas nas práticas de cuidado à saúde(⁶). Nesse âmbito, na EHCMA os elementos que compõem a dimensão Autocuidado buscam auxiliar na identificação do perfil da mãe adolescente e dos fatores de proteção e vulnerabilidade presentes no contexto de vida.

Os eventos relacionados ao cuidado da criança podem ser entendidos como aprendizados diários para a mãe adolescente, o que sinaliza a necessidade de construção de estratégias de enfrentamento de vulnerabilidades e de fortalecimento da rede de apoio(⁶). Na dimensão Cuidado da criança na EHCMA, os elementos são voltados para diferentes aspectos do processo de cuidar atrelados ao conhecimento, à experiência, às habilidades e à rede de apoio, com itens que abordam necessidades biopsicossociais da criança versando sobre higiene, alimentação, sono, acompanhamento do crescimento, estímulo ao desenvolvimento infantil, interação e proteção do(a) filho(a).

Tais aspectos voltam-se para a importância do contexto de mães adolescentes, para a compreensão de circunstâncias e do enfrentamento de barreiras e para a construção do autocuidado seguro e dos cuidados protetores com a saúde da criança(¹,⁶). Nesse âmbito, o fenômeno da maternidade na adolescência requer um cuidado de enfermagem singular para mães adolescentes, alicerçado na prática solidária, sem julgamentos, com compreensão de seu contexto de vida e de suas necessidades(¹⁰) e de construção da autonomia(⁶–¹¹).

Na atenção à saúde de adolescentes, de modo geral, a abordagem do EHC tem potencial para apoiar a comunicação entre enfermeiras/os e adolescentes(¹,¹⁵). No presente estudo, os itens das dimensões do EHCMA buscam contribuir para identificar as necessidades de cuidado da mãe adolescente e da criança, por meio de uma abordagem que favorece a interação e comunicação entre enfermeiras/os e adolescentes com foco em eventos da vida, incluindo a parentalidade. Desse modo, essas particularidades apresentam-se como pertinentes para as práticas de enfermeiras/os na APS com adolescentes em contexto da parentalidade(¹³,²⁴).

No campo da APS, as intervenções com os cuidadores parentais são muito importantes para a continuidade do cuidado, colocando no centro dos cuidados tanto a díade mulher-criança(²⁵) quanto as perspectivas de mutualidade parental, para conexão e compreensão ampliada das situações vivenciadas(²⁶). Enfermeiras/os são apontadas como principal fonte de apoio para as mães adolescentes para identificar estresse e estressores, estabelecer processo orientador e reflexivo e fortalecer o sentimento de bem-estar, por meio de intervenções de cuidado, educação, consulta e coordenação em saúde(⁷).

Nesse caminho, o cuidado de enfermagem para mães adolescentes ganha ênfase quando cria espaços significativos de escuta, proximidade e vínculo, favorece o compartilhamento de experiências, amplia o olhar profissional sobre trajetórias de vida e determinantes sociais e de saúde(¹) e considera as perspectivas da mãe adolescente na elaboração de autonomia e desenvolvimento(²⁴,²⁷).

O EHCMA, apesar de se apresentar como uma ferramenta estruturada inovadora, permite flexibilidade na abordagem e coleta de dados fértil, possibilitando acionar as próprias experiências de mães adolescentes e estimular processos reflexivos sobre as situações vividas, intrínsecas à conformação de um EHC(¹⁵,¹⁶). Os EHCs são referidos na literatura científica internacional para utilização com adolescentes em geral(¹⁴,¹⁶,²⁸) e, no presente estudo, houve foco central para mães adolescentes em contexto de parentalidade. Eles são utilizados, principalmente, por meio de entrevistas presenciais ou por telefone, com potencialidade futura de ser auto administrados por meio de um aplicativo via Internet(²⁸).

Estudos apontam a necessidade de ouvir as mães adolescentes para que possam compartilhar histórias e experiências(²⁹), o que permite a identificação de contextos e circunstâncias individuais e a compreensão das perspectivas das adolescentes(¹,⁶). Intervenções em visita domiciliar realizada por enfermeiras/os com adolescentes durante a gestação e os primeiros dois anos de idade da criança geraram efeitos positivos significativos na responsividade emocional e verbal materna, no desenvolvimento da linguagem expressiva infantil e oportunidades de variedade na estimulação diária da criança(³⁰). Assim, na atuação profissional das/os enfermeiras/os, é importante construir o cuidado centrado na mãe adolescente(¹⁰), em processos comunicativos nas práticas de promoção da saúde na adolescência(¹,¹³), a exemplo da presente ferramenta EHCMA.

As limitações do estudo estão relacionadas a uma realidade de conhecimentos e experiências dos especialistas participantes. A análise obtida foi satisfatória para responder ao objetivo proposto na presente investigação. A validação de aparência da ferramenta EHCMA será realizada a posteriori. Ademais, a validação da ferramenta com mães adolescentes e enfermeiras/os atuantes no âmbito dos serviços de APS, com especificações de aspectos de etnia e inserção de diferentes cuidadores parentais, será relevante em pesquisas futuras.

CONCLUSÃO

A ferramenta EHCMA foi validada, obtendo-se uma avaliação adequada dos itens de cada dimensão, relacionados ao autocuidado da mãe adolescente e cuidado da criança, com alto grau de compreensibilidade.

No contexto dos processos comunicativos entre mães adolescentes e enfermeiras/os, a ferramenta EHCMA pode contribuir para o aprimoramento da prática de enfermagem. Ela oferece suporte para a coleta de eventos da vida e de situações vulneráveis, proporcionando o reconhecimento de necessidades inerentes à adolescência em contexto de parentalidade. Consequentemente, a ferramenta pode iluminar o desenvolvimento de planos longitudinais de cuidados por enfermeiras/os na APS, considerando as dimensões relacional, educativa e comunicativa do cuidado e os elementos pertinentes à parentalidade para adolescentes, diante de dificuldades, acontecimentos, aprendizados e desafios em suas vidas.

• Apoio financeiro Científico e Tecnológico (CNPq) – Processo: 309762/2019-7.

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Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Ivone Evangelista Cabral

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  31 Mar 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  16 Ago 2022
• Aceito
  30 Jan 2023