Acessibilidade / Reportar erro

Atitudes e conhecimentos de enfermeiros frente ao álcool e problemas associados: impacto de uma intervenção educativa* * Extraído da dissertação “Atitudes e conhecimentos de enfermeiros frente ao álcool, alcoolismo e alcoolista: Estudo comparativo entre dois grupos”, Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, 2010.

Resumos

Estudo exploratório de abordagem quase experimental que objetivou verificar o impacto de uma intervenção educativa em atitudes e conhecimentos de enfermeiros frente ao uso de álcool e problemas associados. A amostra incluiu 185 enfermeiros, divididos em dois grupos: 84 foram submetidos a um curso de capacitação e constituíram o grupo experimental. Os dados foram coletados por meio de um questionário de conhecimentos e uma escala de atitudes. As atitudes dos participantes de ambos os grupos foram positivas. Com relação aos conhecimentos, não se observaram diferenças significativas entre os grupos. Os maiores preditores de atitudes positivas foram possuir preparo para atuar com dependentes químicos (OR=2,18), "ter recebido maior carga horária durante a graduação sobre a temática 'álcool e outras drogas'" (OR=1,70) e "ter realizado pós-graduação" (OR=2,59). Concluiu-se que a intervenção educativa exerceu impacto positivo nas atitudes dos enfermeiros frente ao alcoolista, ao trabalho e às relações interpessoais com tal clientela.

Educação em enfermagem; Alcoolismo; Conhecimentos, atitudes e prática em saúde; Enfermagem em saúde pública


An exploratory study of quasi-experimental approach that aimed to verify the impact of an educational intervention on attitudes and knowledge of nurses towards alcohol use and associated problems. The sample included 185 nurses, divided into two groups: 84 submitted to a training course and formed the experimental group. Data were collected through a knowledge survey and an attitude scale. The attitudes of the participants of both groups were positive. There were no significant differences between groups in relation to knowledge. The strongest predictors of positive attitudes were possessed preparation to act with chemical dependents (OR = 2.18), "have received increased workload during graduation on the theme, 'alcohol and other drugs'" (OR = 1.70), and "completed graduate school" (OR = 2.59). The educational intervention had a positive impact on the attitudes of nurses towards alcoholics, work and interpersonal relationships with such clientele.

Education, nursing; Alcoholism; Health knowledge, attitudes, practice; Public health nursing


Estudio exploratorio cuasi-experimental que tuvo como objetivo verificar el impacto de una intervención educativa sobre los conocimientos y las actitudes de las enfermeras frente al consumo de alcohol y problemas asociados. La muestra incluyó a 185 enfermeras, divididas en dos grupos. De los cuales, 84 se sometieron a un curso de capacitación y formaron el grupo experimental. Los datos fueron recolectados a través de un cuestionario de conocimientos y una escala de actitudes. Las actitudes de los participantes de ambos grupos fueron positivas. En lo que respecta al conocimiento, no hubo diferencias significativas entre los dos grupos. Los principales predictores de las actitudes positivas fueron estar preparados para actuar con dependientes químicos (OR = 2,18), "haber recibido mayor carga horaria en el pregrado sobre la temática de alcohol y otras drogas'" (OR = 1,70) y "haber realizado post-grado" (OR = 2,59). Se concluyó que la intervención educativa ejerció impacto positivo en las actitudes de las enfermeras frente a los alcohólicos, al trabajo y a las relaciones interpersonales con dicha clientela.

Educación en enfermería; Alcoholismo; Conocimientos, actitudes y práctica en salud; Enfermería en salud pública


Introdução

Segundo a OMS(11. Organização Mundial da Saúde (OMS). Relatório Sobre a Saúde do Mundo. Saúde mental: nova concepção, nova esperança. Genebra; 2001.), cerca de 10% da população dos centros urbanos de todo o mundo faz uso abusivo de alguma substância psicoativa e esse problema tem atingido os indivíduos ao redor do mundo, independentemente de sexo, idade e nível social.

No Brasil, estimativas internacionais e do Ministério da Saúde (MS)(22. Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Atenção à Saúde. A Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas [Internet]. Brasília; 2004 [citado 2012 ago. 14]. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/politica_de_ad.pdf
http://portal.saude.gov.br/portal/arquiv...
) indicam que entre 6 e 8% da população - cerca de 16 milhões de pessoas – necessitam de atendimento regular para os transtornos relacionados ao uso prejudicial de álcool e outras drogas. O último levantamento nacional sobre uso de substâncias psicoativas mostrou que cerca de 12% dos brasileiros preenchiam critérios para se enquadrar em dependência do álcool e que ao menos 74% já haviam consumido bebidas alcoólicas ao menos uma vez na vida(33. Carlini EA, supervisão. II Levantamento Domiciliar sobre Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 108 maiores cidades do país, 2005. Brasília: CEBRID/UNIFESP/SENAD; 2006.) .

De acordo com pesquisas recentes, a maioria dos diagnósticos de dependência de álcool é confirmada entre pessoas na faixa etária de 40 a 49 anos, o que significa dizer que os brasileiros mais afetados pelo consumo problemático do álcool pertencem à parcela economicamente ativa do mercado de trabalho brasileiro, o que causa grande impacto na economia do País. O valor dos custos sociais decorrentes dessa problemática no País chegam a mais de quatro bilhões de dólares por ano(44. Gallassi AD, Alvarenga PG, Andrade AG, Couttolenc BF. Custos dos problemas causados pelo abuso do álcool. Rev Psiquiatr Clín. 2008;35 Supl.1:25-30.) .

O custo social e de saúde gerado pelos problemas associados ao uso do álcool é consistente com resultados de pesquisas que mostram que pessoas com dependência de álcool ocupam um número significativo de leitos nas enfermarias de clínicas médicas e cirúrgicas de hospitais gerais, para tratamento de doenças físicas(55. Sousa FSP, Oliveira EN. Caracterização das internações de dependentes químicos em Unidade de Internação Psiquiátrica do Hospital Geral. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2010 [citado 2012 ago. 14];15(3):671-7. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v15n3/v15n3a09.pdf
http://www.scielo.br/pdf/csc/v15n3/v15n3...
) . Também é comum o atendimento dessa clientela em serviços de atenção primária à saúde(66. Vargas D, Araújo E. Prevalência de dependência alcoólica em serviços de Atenção Primária a Saúde de Bebedouro (SP) – Brasil. Cad Saúde Pública. 2009;25(8):1711-20.) .

Esse fenômeno tem acarretado aumento do contato do enfermeiro com essas pessoas que, até o início da última década, eram predominantemente atendidas em serviços de atenção secundária e terciária, geralmente quando o problema já se encontrava em estágios avançados(22. Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Atenção à Saúde. A Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas [Internet]. Brasília; 2004 [citado 2012 ago. 14]. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/politica_de_ad.pdf
http://portal.saude.gov.br/portal/arquiv...
) . Tal fato limitava a atuação desse profissional ao âmbito hospitalar, uma vez que, na maioria das vezes, o foco desses serviços era nas complicações físicas resultantes da dependência do álcool e não na abordagem do problema propriamente dito.

O aumento e a magnitude dos problemas relacionados ao uso abusivo do álcool levaram a OMS a reconhecer o alcoolismo como uma doença grave, que deve ser tratada como problema de saúde pública(22. Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Atenção à Saúde. A Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas [Internet]. Brasília; 2004 [citado 2012 ago. 14]. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/politica_de_ad.pdf
http://portal.saude.gov.br/portal/arquiv...
). Entretanto, se por um lado constata-se o aumento da demanda nos serviços de saúde de pessoas com problemas relacionados ao uso de álcool e o alcoolismo tem sido considerado problema de saúde pública - fatores que levam a propostas de vários governos para seu enfrentamento(55. Sousa FSP, Oliveira EN. Caracterização das internações de dependentes químicos em Unidade de Internação Psiquiátrica do Hospital Geral. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2010 [citado 2012 ago. 14];15(3):671-7. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v15n3/v15n3a09.pdf
http://www.scielo.br/pdf/csc/v15n3/v15n3...
-66. Vargas D, Araújo E. Prevalência de dependência alcoólica em serviços de Atenção Primária a Saúde de Bebedouro (SP) – Brasil. Cad Saúde Pública. 2009;25(8):1711-20.), por outro tem sido bem documentado na literatura que os enfermeiros apresentam atitudes negativas(66. Vargas D, Araújo E. Prevalência de dependência alcoólica em serviços de Atenção Primária a Saúde de Bebedouro (SP) – Brasil. Cad Saúde Pública. 2009;25(8):1711-20.-77. Vargas D, Luís MAV. Alcohol, alcoholism and alcohol addicts: conceptions and attitudes of nurses from district basic health centers. Rev Latino Am Enferm. 2008;16(n.spe):543-50.), estigmatizantes(88. Ronzani TM, Furtado EF. Estigma social sobre o uso de álcool. J Bras Psiquiatr. 2010;59(4):326-32.-99. Indig D, Copeland J, Conigrave KM, Rotenko I. Attitudes and beliefs of emergency department staff regarding alcohol-related presentations. Int Emerg Nurs. 2009;17(1):23-30.) e pautadas no modelo moral de explicação etiológica do problema(88. Ronzani TM, Furtado EF. Estigma social sobre o uso de álcool. J Bras Psiquiatr. 2010;59(4):326-32.,1010. Amaral-Sabadini MB, Saitz R, Souza-Formigoni MLOS. Do attitudes about unhealthy alcohol and other drug (AOD) use impact primary care professionals’ readiness to implement AOD-related preventive care? Drug Alcohol Rev. 2010;29(6):655-61.). Esse fenômeno merece atenção, já que existem evidências(66. Vargas D, Araújo E. Prevalência de dependência alcoólica em serviços de Atenção Primária a Saúde de Bebedouro (SP) – Brasil. Cad Saúde Pública. 2009;25(8):1711-20.

7. Vargas D, Luís MAV. Alcohol, alcoholism and alcohol addicts: conceptions and attitudes of nurses from district basic health centers. Rev Latino Am Enferm. 2008;16(n.spe):543-50.

8. Ronzani TM, Furtado EF. Estigma social sobre o uso de álcool. J Bras Psiquiatr. 2010;59(4):326-32.

9. Indig D, Copeland J, Conigrave KM, Rotenko I. Attitudes and beliefs of emergency department staff regarding alcohol-related presentations. Int Emerg Nurs. 2009;17(1):23-30.
-1010. Amaral-Sabadini MB, Saitz R, Souza-Formigoni MLOS. Do attitudes about unhealthy alcohol and other drug (AOD) use impact primary care professionals’ readiness to implement AOD-related preventive care? Drug Alcohol Rev. 2010;29(6):655-61.) de que atitudes negativas dos enfermeiros frente às pessoas que fazem uso abusivo de álcool podem comprometer a qualidade do cuidado prestado.

Atitudes podem ser definidas como disposições afetivas relativamente estáveis que influenciam as respostas direcionadas a determinado alvo ou objeto, positiva ou negativamente, culturalmente aprendidas e organizadas pela experiência(1111. Krech D, Crutchfield RS, Ballachey EL. O indivíduo na sociedade: um manual de psicologia social. São Paulo: EDUSP; 1969.). A maioria das pesquisas sobre as atitudes de enfermeiros frente a questões relacionadas ao álcool foi realizada nos Estados Unidos da América(1212. Vargas D, Soares J. Atitudes de enfermeiros frente ao alcoolismo: revisão da literatura. Cogitare Enferm. 2011;16(2):340-7.). Desde o final da última década, entretanto, o Brasil vem se destacando ao ocupar o segundo lugar em pesquisas nesta área.

Em geral, estudos internacionais têm comparado as atitudes de enfermeiros com as de outros profissionais, evidenciado que os enfermeiros têm reconhecidas sua eficiência na atenção aos usuários de álcool, assim como maior habilidade para identificar problemas relacionados ao uso e ao abuso de álcool. Além disso, enfermeiros que receberam formação para atenção a usuários de álcool apresentam atitudes mais positivas diante do problema que aqueles que se dizem despreparados(1313. Tsai YF, Tsai MC, Lin YP, Weng CE, Chou YL, Chen CY. An alcohol training program improves Chinese nurses’ knowledge, self-efficacy, and practice: a randomized controlled trial. Alcohol Clin Exp Res. 2011;35(5):976-83.).

Uma avaliação da mudança de atitudes de enfermeiros frente à prevenção relacionada ao álcool, realizada depois da introdução de um sistema de rastreamento e intervenção em problemas relacionados ao álcool, verificou que os enfermeiros apresentavam atitudes negativas frente à reação dos pacientes ao tratamento. Um ano após a intervenção, os autores observaram que apenas 10% dos entrevistados relatavam experiência de reações negativas dos pacientes. Mais de 50% dos enfermeiros achavam fácil ou muito fácil abordar o paciente sobre os problemas relacionados ao álcool e mais de 75% das enfermeiras concordavam que a introdução dessa intervenção não afetou sua carga de trabalho(1414. Bendtsen P, Holmqvist M, Johansson K. Implementation of computerized alcohol screening and advice in an emergency department--a nursing staff perspective. Accid Emerg Nurs. 2007;15(1):3-9.).

Estudo que examinou as atitudes e crenças de enfermeiros de um departamento de emergência sobre o cuidado desses usuários mostrou que os enfermeiros tinham dificuldade em realizar intervenções com esses pacientes devido a falta de motivação do paciente. Evidenciou também que a sensibilização do profissional para o problema colaborou para atitudes mais positivas e manejo mais adequado desses pacientes(99. Indig D, Copeland J, Conigrave KM, Rotenko I. Attitudes and beliefs of emergency department staff regarding alcohol-related presentations. Int Emerg Nurs. 2009;17(1):23-30.).

Atualmente, as pesquisas internacionais relacionadas a atitudes de enfermeiros frente a questões relacionadas ao uso e abuso de álcool tem focado a identificação precoce de usuários(1313. Tsai YF, Tsai MC, Lin YP, Weng CE, Chou YL, Chen CY. An alcohol training program improves Chinese nurses’ knowledge, self-efficacy, and practice: a randomized controlled trial. Alcohol Clin Exp Res. 2011;35(5):976-83.), as habilidades do profissional para lidar com as demandas do paciente(99. Indig D, Copeland J, Conigrave KM, Rotenko I. Attitudes and beliefs of emergency department staff regarding alcohol-related presentations. Int Emerg Nurs. 2009;17(1):23-30.), a satisfação para trabalhar com usuários de álcool(1414. Bendtsen P, Holmqvist M, Johansson K. Implementation of computerized alcohol screening and advice in an emergency department--a nursing staff perspective. Accid Emerg Nurs. 2007;15(1):3-9.) e, principalmente, a formação do enfermeiro a partir de programas de treinamento(99. Indig D, Copeland J, Conigrave KM, Rotenko I. Attitudes and beliefs of emergency department staff regarding alcohol-related presentations. Int Emerg Nurs. 2009;17(1):23-30.,1313. Tsai YF, Tsai MC, Lin YP, Weng CE, Chou YL, Chen CY. An alcohol training program improves Chinese nurses’ knowledge, self-efficacy, and practice: a randomized controlled trial. Alcohol Clin Exp Res. 2011;35(5):976-83.-1414. Bendtsen P, Holmqvist M, Johansson K. Implementation of computerized alcohol screening and advice in an emergency department--a nursing staff perspective. Accid Emerg Nurs. 2007;15(1):3-9.). Embora a maioria das publicações realizadas no Brasil(77. Vargas D, Luís MAV. Alcohol, alcoholism and alcohol addicts: conceptions and attitudes of nurses from district basic health centers. Rev Latino Am Enferm. 2008;16(n.spe):543-50.,1010. Amaral-Sabadini MB, Saitz R, Souza-Formigoni MLOS. Do attitudes about unhealthy alcohol and other drug (AOD) use impact primary care professionals’ readiness to implement AOD-related preventive care? Drug Alcohol Rev. 2010;29(6):655-61.) e no exterior(1010. Amaral-Sabadini MB, Saitz R, Souza-Formigoni MLOS. Do attitudes about unhealthy alcohol and other drug (AOD) use impact primary care professionals’ readiness to implement AOD-related preventive care? Drug Alcohol Rev. 2010;29(6):655-61.,1414. Bendtsen P, Holmqvist M, Johansson K. Implementation of computerized alcohol screening and advice in an emergency department--a nursing staff perspective. Accid Emerg Nurs. 2007;15(1):3-9.) sobre o assunto atribua as atitudes negativas à formação e aos conhecimentos inadequados para o enfrentamento do problema, ainda são escassos, principalmente na literatura brasileira, estudos que tenham se ocupado de investigar o conhecimento desses profissionais e, mais especificamente, o impacto de intervenções educativas nas atitudes dos enfermeiros.

Assim, considerando que os resultados de estudos recentes(1515. Munro A, Watson HE, McFadyen A. Assessing the impact of training on mental health nurses' therapeutic attitudes and knowledge about co-morbidity: a randomized controlled trial. Int J Nurs Stud. 2007;44(8):1430-8. -1516. Ford R, Bammer G, Becker N. Improving nurses' therapeutic attitude to patients who use illicit drugs: workplace drug and alcohol education is not enough. Int J Nurs Pract. 2009;15(2):112-8.) têm evidenciado que as intervenções educativas exercem forte influência na mudança de atitudes de enfermeiros frente aos problemas relacionados ao uso e abuso de álcool e que no Brasil esses estudos são escassos, o presente trabalho objetivou verificar o impacto de uma intervenção educativa nas atitudes e nos conhecimentos de enfermeiros frente ao uso de álcool e problemas associados.

Método

Estudo exploratório de abordagem quase experimental, que envolveu um grupo de enfermeiros que havia participado de uma intervenção educativa em álcool e outras drogas e outro que não havia sido exposto a essa intervenção. Para comparar e verificar o impacto da intervenção educativa nas atitudes e nos conhecimentos dos participantes, foi utilizado o delineamento quase experimental, do grupo de controle não equivalente somente pós-teste(1717. Vargas D. Reduced version of the scale of attitudes towards alcohol, alcoholism, and alcoholics: primary results. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2011 [cited 2012 Aug 14];45(4):918-25. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n4/en_v45n4a18.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n4/en...
), pois os participantes não foram submetidos a pré-teste. Esse delineamento caracteriza-se pela escolha de um grupo de comparação (grupo controle) e de um grupo experimental não equivalente ao grupo controle, o qual deve ter sido submetido à aplicação de um mesmo instrumento de avaliação. No caso deste estudo, ambos os grupos responderam à EAFAAA e ao questionário de conhecimentos relativos a variáveis independentes (atitudes e conhecimentos).

Foram convidados a participar do estudo 280 enfermeiros, dos quais 140 de um hospital geral universitário e foram alocados no grupo controle (GC). Outros 140 eram oriundos de serviços de atenção primária e outros serviços de saúde e haviam participado de uma intervenção educativa (curso de capacitação por Educação à Distância com carga horária de 120 horas). Esses últimos foram alocados no grupo experimental (GE).

Os dados foram coletados no período de janeiro a março de 2010. Os participantes do GC foram convidados a participar do estudo em seus locais de trabalho, enquanto os sujeitos do GE receberam o convite em seus endereços eletrônicos, fornecidos quando da inscrição no curso de capacitação online.

Instrumentos da pesquisa

Para a mensuração das atitudes dos profissionais foi utilizada a "Escala de Atitudes Frente ao Álcool, ao Alcoolismo e ao Alcoolista" (EAFAAA), instrumento usado em vários estudos, com comprovada confiabilidade(1818. Campbell DT, Stanley JC. Delineamentos de experimentais e quase-experimentais de pesquisa. São Paulo: EPU; 1979.). A escala é do tipo Likert, composta por 80 itens, com alternativas de resposta que variam de 1- discordo totalmente, 2- discordo em parte, 3- estou em dúvida, 4- concordo em parte, a 5-concordo totalmente. Mede os principais grupos de atitudes: F1: O alcoolista: o trabalho e as relações interpessoais; F2: Etiologia; F3: Doença; F4: As repercussões decorrentes do uso/abuso de álcool e F5: Bebida alcoólica.

Para avaliação dos conhecimentos foi aplicado um questionário que já havia sido utilizado em estudo prévio e que foi adaptado pelos autores para uso entre enfermeiros(1919. Silva CJ. Impacto de um curso em diagnóstico e tratamento do uso nocivo e dependência do álcool sobre a atitude e conhecimento de profissionais da Rede de Atenção Primária à Saúde [tese doutorado]. São Paulo: Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo; 2005.). O questionário foi composto por quatro questões de múltipla escolha e oito afirmativas para serem consideradas "verdadeiras" ou "falsas". Abordou as seguintes questões: (i) diagnóstico de uso nocivo, dependência e tolerância; (ii) padrão de uso de baixo risco; (iii) complicações comumente associadas ao uso de álcool (intoxicação aguda, síndrome de abstinência e alucinose alcoólica); (iv) estágios motivacionais para mudança do comportamento de usuários de substâncias psicoativas e (v) princípios de intervenção breve.

Intervenção

A intervenção foi um curso de ensino à distância oferecido gratuitamente pelo governo federal para capacitar profissionais de saúde de todo o Brasil. Elaborado por profissionais de todo o País, com grande experiência nas áreas de política sobre drogas, prevenção do uso abusivo ou tratamento da dependência de álcool ou outras drogas, seu objetivo foi atualizar os profissionais de saúde acerca de conhecimentos básicos para o atendimento aos usuários de substâncias psicoativas, de modo a melhorar o atendimento a esses pacientes. Teve duração de quatro meses, carga horária de 120 horas e abordou assuntos como: encaminhamento de pessoas com problemas relacionados ao uso de álcool e outras drogas, intervenção breve, reinserção social e acompanhamento de usuários com problemas de uso e abuso de álcool e outras drogas(2020. Brasil. Ministério da Justiça; Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas; Universidade Federal de São Paulo. Curso SUPERA [Internet]. São Paulo; 2012 [citado 2012 ago. 14]. Disponível em: http://www.supera.senad.gov.br/
http://www.supera.senad.gov.br/...
).

Análise dos dados

Os dados foram analisados utilizando-se o software Statistical Package for the Social Sciences, versão 17.0 (SPSS). A análise foi dividida em duas etapas: análise descritiva das informações sociodemográficas da população estudada e análise dos dados obtidos com a aplicação do questionário de conhecimento e da EAFAAA.

Buscou-se verificar a relação entre as atitudes e os conhecimentos, além de comparar os resultados obtidos entre os dois grupos (GC e GE) na EAFAAA. Para tanto, foram realizadas estatísticas descritivas decorrentes da análise exploratória dos dados, apresentando-se a frequência, a porcentagem e a média das variáveis estudadas. Testes paramétricos e não paramétricos foram usados para comparação entre os grupos, segundo as variáveis socioeconômicas, demográficas e o nível de conhecimentos e atitudes.

Para a avaliação da escala foram atribuídos 1 e 2 pontos às categorias de respostas desfavoráveis à questão proposta; 4 e 5 pontos às categorias favoráveis e 3 aos níveis intermediários de resposta. Assim, a média de escore elevada foi considerada indicativa de atitudes positivas e a média de escore baixa, de atitudes negativas.

No que se refere à análise dos dados resultantes da aplicação da EAFAAA, os escores dos fatores foram calculados de acordo com as respostas dos participantes em cada um dos itens, que podiam variar de 1 a 5. E o escore geral, ou seja, a atitude perante o alcoolista, podia variar de 5 a 25.

Na análise do conhecimento, cada questão respondida corretamente obteve valor um e cada questão deixada em branco ou respondida de forma incorreta, valor zero. A pontuação do conhecimento foi obtida somando-se as notas de cada questão, podendo ir de 0 a 12.

Para verificar a relação entre as atitudes e os conhecimentos dos participantes, realizou-se uma regressão logística buscando encontrar variáveis que pudessem diferenciar os indivíduos quanto a suas atitudes. Tendo em vista que para realização desse modelo estatístico a variável resposta deve ser binária, os participantes foram categorizados em dois grupos (grupo com atitudes positivas e grupo com atitudes negativas) de acordo com o escore geral observado na EAFAAA. Aqueles que obtiveram escore médio geral ≤15 foram categorizados no grupo de atitude negativa, enquanto os enfermeiros com pontuação geral média ≥16 foram categorizados no grupo de atitudes positivas. Esse ponto de corte foi estabelecido de acordo com o seguinte raciocínio: uma vez que são cinco fatores na EAFAAA, a soma dos escores de um indivíduo que tenha se posicionado de forma neutra: (3- Estou em dúvida) em todos os itens seria 15, ao se multiplicar a pontuação média(33. Carlini EA, supervisão. II Levantamento Domiciliar sobre Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 108 maiores cidades do país, 2005. Brasília: CEBRID/UNIFESP/SENAD; 2006.) pelo número de fatores(55. Sousa FSP, Oliveira EN. Caracterização das internações de dependentes químicos em Unidade de Internação Psiquiátrica do Hospital Geral. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2010 [citado 2012 ago. 14];15(3):671-7. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v15n3/v15n3a09.pdf
http://www.scielo.br/pdf/csc/v15n3/v15n3...
), o escore total resultante seria igual a 15 (3 x 5 = 15). Dessa forma, escores que obtiveram 1 ponto acima dessa média foram indicativos de atitudes positivas, e 1 ponto abaixo, de atitudes negativas.

Estabelecido esse ponto de corte, realizou-se uma análise univariada, com o intuito de verificar a influência das variáveis do estudo nas atitudes dos enfermeiros frente ao álcool, ao alcoolismo e ao alcoolista. Incluíram-se no modelo de análise as variáveis sociodemográficas (sexo, idade, estado civil, experiência profissional com pacientes com problemas relacionados ao álcool, carga horária, possuir ou não pós-graduação), o preparo (possuir ou não preparo para lidar com dependentes), o tempo de profissão, o tipo de pós-graduação (especialização, mestrado ou doutorado) e o grupo, com o intuito de identificar a associação entre cada uma das variáveis.

As variáveis que demonstraram associação significativa na regressão logística univariada foram incluídas no modelo múltiplo, o nível de significância adotado foi de 5% (p< 0,05) e as estatísticas com p menor ou igual a 0,05 foram consideradas significativas. Na análise, demonstraram significância estatística as variáveis: carga horária, ter cursado pós-graduação e ter recebido preparo para atuar com dependentes químicos. As variáveis que demonstraram associação estatística na regressão univariada foram introduzidas no Modelo Múltiplo de Regressão, mantendo a significância estatística.

Aspectos éticos

O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Seres Humanos do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo sob o protocolo de número 946/09 e todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Esses procedimentos objetivaram garantir o respeito aos sujeitos que participaram da pesquisa, cujo desenvolvimento seguiu padrões éticos.

Resultados

A amostra do estudo foi composta pelos 185 sujeitos (66%) que devolveram os instrumentos de coleta respondidos, sendo que 84 (45%) pertenciam ao GE e 101 (55%), ao GC. De acordo com as características sociodemográficas, os grupos não apresentaram diferenças significativas e mostraram-se semelhantes na maioria das variáveis (Tabela 1).


Tabela 1 - Distribuição das variáveis incluídas no estudo de acordo com cada um dos grupos envolvidos Grupo Experimental (GE) e Grupo Controle (GC) - São Paulo, SP, 2010


Atitudes e conhecimentos

Considerando a média dos escores obtidos na EAFAAA na íntegra, observou-se que o escore médio total foi de 14,2 no GC e 14,4 no GE (Figura 1). Quando se analisam as médias em cada um dos fatores que compõem o instrumento, verifica-se que em ambos os grupos os maiores escores foram encontrados nos fatores 1: Atitudes frente ao alcoolista: o trabalho e as relações interpessoais; 2: Atitudes frente à Etiologia para o alcoolismo e 5: Atitudes relacionadas às bebidas alcoólicas. Evidenciou-se ainda que no Fator 1 o GE apresentou média de escore maior (3,9 vs. 3,3 do GC).

Os menores escores obtidos pelos dois grupos foram observados nos Fatores 3: Atitudes frente à doença e 4: Atitudes frente às repercussões do problema, cujas médias situam-se na zona de negatividade, ou seja, escores <2,5. No questionário de conhecimento, observou-se que não houve diferença significativa na média de acertos, já que em ambos os grupos a pontuação média (50%) foi semelhante (Figura 1).

Figura 1
- Distribuição dos escores médios de atitudes na EAFAAA e em cada fator e pontuação no questionário de conhecimentos, observados no grupo controle (GC) e no grupo experimental (GE).

Na regressão logística múltipla, incluíram-se no modelo as variáveis que haviam apresentado significância estatística na análise univariada (ter recebido preparo para atuar com dependentes durante a formação em enfermagem; quantidade de carga-horária recebida; ter cursado pós-graduação), observando-se que essas variáveis mantiveram-se positivamente associadas às atitudes positivas frente ao álcool, ao alcoolismo e ao alcoolista, tendo se caracterizado como os melhores preditores dessa associação (Tabela 2).


Tabela 2 - Regressão logística da amostra total, análise de relação entre as atitudes frente ao álcool, ao alcoolismo e ao alcoolista, com as variáveis significativas do estudo - São Paulo, SP, 2010


Discussão

Quando se avaliou o perfil dos grupos de participantes, verificou-se que em ambos houve predomínio do sexo feminino. Além disso, o GE era predominantemente mais jovem em idade e tempo de profissão. Os integrantes do GC, apesar do maior tempo no exercício da profissão, possuíam menor experiência profissional com alcoolistas, mesmo diante dos indicadores da literatura de que é crescente a demanda de pacientes com problemas devido ao uso/abuso de álcool em instituições hospitalares, assim como em unidades de saúde em geral(55. Sousa FSP, Oliveira EN. Caracterização das internações de dependentes químicos em Unidade de Internação Psiquiátrica do Hospital Geral. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2010 [citado 2012 ago. 14];15(3):671-7. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v15n3/v15n3a09.pdf
http://www.scielo.br/pdf/csc/v15n3/v15n3...
-66. Vargas D, Araújo E. Prevalência de dependência alcoólica em serviços de Atenção Primária a Saúde de Bebedouro (SP) – Brasil. Cad Saúde Pública. 2009;25(8):1711-20.).

De acordo com a literatura, os profissionais de serviços gerais de saúde têm dificuldade para identificar o problema junto aos pacientes(55. Sousa FSP, Oliveira EN. Caracterização das internações de dependentes químicos em Unidade de Internação Psiquiátrica do Hospital Geral. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2010 [citado 2012 ago. 14];15(3):671-7. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v15n3/v15n3a09.pdf
http://www.scielo.br/pdf/csc/v15n3/v15n3...
-66. Vargas D, Araújo E. Prevalência de dependência alcoólica em serviços de Atenção Primária a Saúde de Bebedouro (SP) – Brasil. Cad Saúde Pública. 2009;25(8):1711-20.,1313. Tsai YF, Tsai MC, Lin YP, Weng CE, Chou YL, Chen CY. An alcohol training program improves Chinese nurses’ knowledge, self-efficacy, and practice: a randomized controlled trial. Alcohol Clin Exp Res. 2011;35(5):976-83.). Essas dificuldades decorrem da pouca habilidade dos profissionais em identificar e diagnosticar precocemente os casos de uso problemático do álcool, dada a carência de conhecimentos e habilidades práticas para abordagem do problema(1313. Tsai YF, Tsai MC, Lin YP, Weng CE, Chou YL, Chen CY. An alcohol training program improves Chinese nurses’ knowledge, self-efficacy, and practice: a randomized controlled trial. Alcohol Clin Exp Res. 2011;35(5):976-83.,2121. Lopes GT, Pessanha HL. Concepções de professores de enfermagem sobre drogas. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2008;12(3):465-72.).

Do total de participantes da pesquisa, menos de 50% informou ter recebido algum tipo de preparo sobre álcool e outras drogas durante a graduação. Esses resultados são concordantes com estudos prévios(1414. Bendtsen P, Holmqvist M, Johansson K. Implementation of computerized alcohol screening and advice in an emergency department--a nursing staff perspective. Accid Emerg Nurs. 2007;15(1):3-9.,2121. Lopes GT, Pessanha HL. Concepções de professores de enfermagem sobre drogas. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2008;12(3):465-72.) que evidenciam que essa temática não tem sido oferecida de maneira adequada nos currículos de enfermagem brasileiros(2121. Lopes GT, Pessanha HL. Concepções de professores de enfermagem sobre drogas. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2008;12(3):465-72.). Durante a formação, os enfermeiros recebem um número limitado de horas-aula sobre o assunto(2121. Lopes GT, Pessanha HL. Concepções de professores de enfermagem sobre drogas. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2008;12(3):465-72.-2222. Vargas D. Nursing students' attitudes towards alcohol, alcoholism and alcoholics: a study of a Brazilian sample. J Nurs Educ Pract [Internet]. 2012 [cited 2012 Aug 10];2(1). Available from: http://www.sciedu.ca/journal/index.php/jnep/article/view/296/319
http://www.sciedu.ca/journal/index.php/j...
).

Entretanto, neste estudo observou-se que, dentre aqueles participantes que informaram ter recebido tal preparo durante a formação em enfermagem, a maioria informou ter recebido até 10 horas de aulas ou treinamentos, carga horária maior que a que vem sendo relatada em estudos prévios, que varia de 2 a 8 horas(2121. Lopes GT, Pessanha HL. Concepções de professores de enfermagem sobre drogas. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2008;12(3):465-72.-2222. Vargas D. Nursing students' attitudes towards alcohol, alcoholism and alcoholics: a study of a Brazilian sample. J Nurs Educ Pract [Internet]. 2012 [cited 2012 Aug 10];2(1). Available from: http://www.sciedu.ca/journal/index.php/jnep/article/view/296/319
http://www.sciedu.ca/journal/index.php/j...
).

No quesito atitudes, observou-se que os enfermeiros de ambos os grupos tenderam a apresentar atitudes neutras a levemente positivas, resultado consistente com investigações anteriores realizados no País(1010. Amaral-Sabadini MB, Saitz R, Souza-Formigoni MLOS. Do attitudes about unhealthy alcohol and other drug (AOD) use impact primary care professionals’ readiness to implement AOD-related preventive care? Drug Alcohol Rev. 2010;29(6):655-61.,1717. Vargas D. Reduced version of the scale of attitudes towards alcohol, alcoholism, and alcoholics: primary results. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2011 [cited 2012 Aug 14];45(4):918-25. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n4/en_v45n4a18.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n4/en...
). Analisando-se cada um dos fatores que compõem a EAFAAA, observou-se que o GE tendeu a ter atitudes mais positivas frente ao alcoolista (Fator 1), diferentemente das atitudes frente ao alcoolismo que, em ambos os grupos, apresentaram-se negativas. Isso equivale a dizer que a pessoa do alcoolista é mais aceita pelos enfermeiros que sua doença, frente à qual parcela significativa de enfermeiros apresenta atitudes negativas e moralistas(77. Vargas D, Luís MAV. Alcohol, alcoholism and alcohol addicts: conceptions and attitudes of nurses from district basic health centers. Rev Latino Am Enferm. 2008;16(n.spe):543-50.-88. Ronzani TM, Furtado EF. Estigma social sobre o uso de álcool. J Bras Psiquiatr. 2010;59(4):326-32.). Ainda a esse respeito, estudos mostram que os enfermeiros são favoráveis ao tratamento contra o alcoolismo, entretanto apresentam atitudes negativas frente à satisfação em trabalhar com essa clientela(88. Ronzani TM, Furtado EF. Estigma social sobre o uso de álcool. J Bras Psiquiatr. 2010;59(4):326-32.,1313. Tsai YF, Tsai MC, Lin YP, Weng CE, Chou YL, Chen CY. An alcohol training program improves Chinese nurses’ knowledge, self-efficacy, and practice: a randomized controlled trial. Alcohol Clin Exp Res. 2011;35(5):976-83.).

Avaliando a relação entre atitudes e conhecimentos, observou-se que não houve diferenças quanto ao nível de conhecimento, uma vez que em ambos os grupos a média de conhecimento e a atitude geral mostraram-se próximas. Em oposição a esse resultado, um estudo(1010. Amaral-Sabadini MB, Saitz R, Souza-Formigoni MLOS. Do attitudes about unhealthy alcohol and other drug (AOD) use impact primary care professionals’ readiness to implement AOD-related preventive care? Drug Alcohol Rev. 2010;29(6):655-61.) evidenciou que o preparo e o conhecimento relacionam-se diretamente às atitudes positivas frente ao paciente alcoolista, sugerindo que o nível de aproveitamento do conhecimento deve ser maior que 50% para que a formação ofertada tenha impacto nas atitudes de enfermeiros frente a problemas relacionados ao uso e abuso de álcool.

Investigando a associação entre as variáveis sociodemográficas e educacionais, encontrou-se associação estatística significativa entre as atitudes mais positivas e as variáveis ter recebido preparo para atuar com dependentes durante a formação em enfermagem; maior quantidade de carga-horária recebida sobre o tema e, ter cursado pós-graduação, verificando-se que esses são os maiores preditores dessa associação. O resultado é indicativo de que os enfermeiros com nível de formação mais elevado (pós-graduados), que tiveram acesso ao conhecimento sobre o tema durante a formação (preparo em dependência química) e com maior carga horária tendem a apresentar atitudes mais positivas frente ao álcool, ao alcoolismo e ao alcoolista. Esse resultado é corroborado pela literatura, que tem identificado o impacto positivo da formação e da educação nas atitudes dos profissionais sobre questões relativas ao uso de álcool e outras drogas(1515. Munro A, Watson HE, McFadyen A. Assessing the impact of training on mental health nurses' therapeutic attitudes and knowledge about co-morbidity: a randomized controlled trial. Int J Nurs Stud. 2007;44(8):1430-8. ) e que o preparo e o conhecimento estão diretamente relacionados às atitudes positivas(1010. Amaral-Sabadini MB, Saitz R, Souza-Formigoni MLOS. Do attitudes about unhealthy alcohol and other drug (AOD) use impact primary care professionals’ readiness to implement AOD-related preventive care? Drug Alcohol Rev. 2010;29(6):655-61.) .

Neste estudo, objetivou-se avaliar o impacto de um curso de capacitação sobre álcool e outras drogas nas atitudes de profissionais enfermeiros, sobretudo pelo fato de que, segundo a literatura, a educação continuada vem mostrando resultados satisfatórios na melhora da atitude desses profissionais(1515. Munro A, Watson HE, McFadyen A. Assessing the impact of training on mental health nurses' therapeutic attitudes and knowledge about co-morbidity: a randomized controlled trial. Int J Nurs Stud. 2007;44(8):1430-8. ) . Entretanto, com exceção do Fator 1, em que os participantes do GE apresentaram atitudes mais positivas que o GC, observou-se que ambos os grupos mostraram escore de atitude geral e conhecimento semelhantes. Esperava-se que o GE exibisse maior conhecimento sobre a temática que o GC, já que este grupo recebeu formação específica em álcool e outras drogas.

Contudo, não se pode dizer que o curso de capacitação não tenha exercido influência nessas variáveis, já que existem evidências na literatura(1616. Ford R, Bammer G, Becker N. Improving nurses' therapeutic attitude to patients who use illicit drugs: workplace drug and alcohol education is not enough. Int J Nurs Pract. 2009;15(2):112-8.) de que a melhora das atitudes pode estar relacionada com o tempo de prática após o profissional ter recebido tal capacitação, assim como o aumento de conhecimento que decorre das habilidades adquiridas na interação do enfermeiro treinado com o paciente no exercício de sua prática(1515. Munro A, Watson HE, McFadyen A. Assessing the impact of training on mental health nurses' therapeutic attitudes and knowledge about co-morbidity: a randomized controlled trial. Int J Nurs Stud. 2007;44(8):1430-8. ) . Esse resultado aponta para a necessidade da realização de estudos de seguimento com essa população de enfermeiros treinados, os quais podem subsidiar a elucidação dessa questão.

Limitações do estudo

A maior limitação deste estudo reside no fato de o GE não ter sido submetido a um pré-teste, o que justifica o delineamento apresentado. Além disso, a escolha da instituição para o recrutamento do GC pode não ter sido adequada, uma vez que conta com grande número de profissionais com mestrado e doutorado, o que pode ter influenciado os resultados, principalmente porque o preparo é apontado como uma variável explicativa para atitudes mais positivas. Também pode ser considerada uma limitação a heterogeneidade demográfica entre o GC e o GE, representada por diferenças de faixa etária, tempo de serviço e nível de formação.

É possível que os instrumentos utilizados não tenham sido sensíveis o suficiente para discriminar a diferença entre as atitudes dos dois grupos e o questionário de conhecimentos pode não ter sido abrangente o bastante para identificar conhecimentos outros que não tenham sido contemplados.

Apesar dessas questões que limitam a generalização dos resultados, esta pesquisa traz avanços para o conhecimento na área, uma vez que se trata de um dos poucos estudos nacionais que se ocupa de verificar o impacto de uma intervenção educativa em atitudes e conhecimentos de enfermeiros frente ao uso de álcool e aos problemas a ele associados. Além disso, subsidia o conhecimento, apontando caminhos para novas investigações na área.

O ideal seria que fossem realizados novos experimentos (pré e pós-teste) que envolvessem outras populações, na busca por identificar a influência de cursos e treinamentos sobre atitudes e conhecimentos desses profissionais, o que - em última análise - pode balizar novas estratégias ou aprimorar as já existentes.

Conclusão

Os participantes do GE que receberam o curso de capacitação em álcool e outras drogas apresentaram escores de atitude geral semelhantes ao do GC, porém o GE apresentou escore maior no fator 1, sugerindo que a intervenção educativa exerceu impacto nas atitudes dos enfermeiros frente ao trabalho e o relacionamento com esses pacientes. Quanto ao conhecimento, não houve diferenças significativas entre GE e GC, uma vez que as médias de conhecimento e atitude geral mostraram-se próximas em ambos os grupos.

Possuir preparo para atuar com dependentes químicos, ter recebido maior carga-horária durante a graduação sobre a temática do álcool e outras drogas e ter realizado pós-graduação, independentemente da área, foram os maiores preditores para atitudes positivas na amostra estudada, independentemente do grupo (experimental ou controle).

Considerando-se a necessidade de identificação e avaliação de novos métodos que favoreçam a aquisição de conhecimentos e a mudança de atitudes dos enfermeiros frente às questões relacionadas ao álcool e outras drogas, é importante investigar o impacto dessas estratégias de formação nas atitudes dos profissionais. Considerando que o curso é multiprofissional, sugere-se que sejam realizados estudos envolvendo outras categorias profissionais.

Os resultados desta pesquisa sugerem que o preparo e a formação nas questões relacionadas ao álcool e ao alcoolismo ministrados durante a formação profissional influenciam positivamente as atitudes frente a esse fenômeno, o que reforça as recomendações dos especialistas de que devem ser incluídas disciplinas especificamente voltadas a esta área sobre álcool e outras drogas nos currículos de enfermagem e de outras categorais profissionais, garantindo carga horária teórico-prática suficiente para a formação adequada do profissional de saúde.

References

  • 1
    Organização Mundial da Saúde (OMS). Relatório Sobre a Saúde do Mundo. Saúde mental: nova concepção, nova esperança. Genebra; 2001.
  • 2
    Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Atenção à Saúde. A Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas [Internet]. Brasília; 2004 [citado 2012 ago. 14]. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/politica_de_ad.pdf
    » http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/politica_de_ad.pdf
  • 3
    Carlini EA, supervisão. II Levantamento Domiciliar sobre Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 108 maiores cidades do país, 2005. Brasília: CEBRID/UNIFESP/SENAD; 2006.
  • 4
    Gallassi AD, Alvarenga PG, Andrade AG, Couttolenc BF. Custos dos problemas causados pelo abuso do álcool. Rev Psiquiatr Clín. 2008;35 Supl.1:25-30.
  • 5
    Sousa FSP, Oliveira EN. Caracterização das internações de dependentes químicos em Unidade de Internação Psiquiátrica do Hospital Geral. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2010 [citado 2012 ago. 14];15(3):671-7. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v15n3/v15n3a09.pdf
    » http://www.scielo.br/pdf/csc/v15n3/v15n3a09.pdf
  • 6
    Vargas D, Araújo E. Prevalência de dependência alcoólica em serviços de Atenção Primária a Saúde de Bebedouro (SP) – Brasil. Cad Saúde Pública. 2009;25(8):1711-20.
  • 7
    Vargas D, Luís MAV. Alcohol, alcoholism and alcohol addicts: conceptions and attitudes of nurses from district basic health centers. Rev Latino Am Enferm. 2008;16(n.spe):543-50.
  • 8
    Ronzani TM, Furtado EF. Estigma social sobre o uso de álcool. J Bras Psiquiatr. 2010;59(4):326-32.
  • 9
    Indig D, Copeland J, Conigrave KM, Rotenko I. Attitudes and beliefs of emergency department staff regarding alcohol-related presentations. Int Emerg Nurs. 2009;17(1):23-30.
  • 10
    Amaral-Sabadini MB, Saitz R, Souza-Formigoni MLOS. Do attitudes about unhealthy alcohol and other drug (AOD) use impact primary care professionals’ readiness to implement AOD-related preventive care? Drug Alcohol Rev. 2010;29(6):655-61.
  • 11
    Krech D, Crutchfield RS, Ballachey EL. O indivíduo na sociedade: um manual de psicologia social. São Paulo: EDUSP; 1969.
  • 12
    Vargas D, Soares J. Atitudes de enfermeiros frente ao alcoolismo: revisão da literatura. Cogitare Enferm. 2011;16(2):340-7.
  • 13
    Tsai YF, Tsai MC, Lin YP, Weng CE, Chou YL, Chen CY. An alcohol training program improves Chinese nurses’ knowledge, self-efficacy, and practice: a randomized controlled trial. Alcohol Clin Exp Res. 2011;35(5):976-83.
  • 14
    Bendtsen P, Holmqvist M, Johansson K. Implementation of computerized alcohol screening and advice in an emergency department--a nursing staff perspective. Accid Emerg Nurs. 2007;15(1):3-9.
  • 15
    Munro A, Watson HE, McFadyen A. Assessing the impact of training on mental health nurses' therapeutic attitudes and knowledge about co-morbidity: a randomized controlled trial. Int J Nurs Stud. 2007;44(8):1430-8.
  • 16
    Ford R, Bammer G, Becker N. Improving nurses' therapeutic attitude to patients who use illicit drugs: workplace drug and alcohol education is not enough. Int J Nurs Pract. 2009;15(2):112-8.
  • 17
    Vargas D. Reduced version of the scale of attitudes towards alcohol, alcoholism, and alcoholics: primary results. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2011 [cited 2012 Aug 14];45(4):918-25. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n4/en_v45n4a18.pdf
    » http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n4/en_v45n4a18.pdf
  • 18
    Campbell DT, Stanley JC. Delineamentos de experimentais e quase-experimentais de pesquisa. São Paulo: EPU; 1979.
  • 19
    Silva CJ. Impacto de um curso em diagnóstico e tratamento do uso nocivo e dependência do álcool sobre a atitude e conhecimento de profissionais da Rede de Atenção Primária à Saúde [tese doutorado]. São Paulo: Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo; 2005.
  • 20
    Brasil. Ministério da Justiça; Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas; Universidade Federal de São Paulo. Curso SUPERA [Internet]. São Paulo; 2012 [citado 2012 ago. 14]. Disponível em: http://www.supera.senad.gov.br/
    » http://www.supera.senad.gov.br/
  • 21
    Lopes GT, Pessanha HL. Concepções de professores de enfermagem sobre drogas. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2008;12(3):465-72.
  • 22
    Vargas D. Nursing students' attitudes towards alcohol, alcoholism and alcoholics: a study of a Brazilian sample. J Nurs Educ Pract [Internet]. 2012 [cited 2012 Aug 10];2(1). Available from: http://www.sciedu.ca/journal/index.php/jnep/article/view/296/319
    » http://www.sciedu.ca/journal/index.php/jnep/article/view/296/319
  • *
    Extraído da dissertação “Atitudes e conhecimentos de enfermeiros frente ao álcool, alcoolismo e alcoolista: Estudo comparativo entre dois grupos”, Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, 2010.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out 2013

Histórico

  • Recebido
    10 Ago 2012
  • Aceito
    26 Jun 2013
Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: reeusp@usp.br