Visita domiciliar ao recém-nascido prematuro e de baixo peso:relato de experiência de enfermeiros

RESUMO

Objetivo:

Relatar os estruturantes da experiência de visitação domiciliar realizada por enfermeiros aos recém-nascidos prematuros e de baixo peso.

Método:

Trata-se de estudo descritivo do tipo relato de experiência, estruturado na vivência das enfermeiras autoras no desenvolvimento de 48 visitas domiciliares, em cidade do interior paulista e sua microrregião, entre agosto de 2020 e de 2021, com oito mães de recém-nascidos prematuros e de baixo peso.

Resultados:

Foram criados e utilizados os documentos orientadores “Visita domiciliar para famílias com RN Prematuro e de Baixo Peso ao Nascer” e “Estratégia de perguntas norteadoras para visita domiciliar” para promover narrativas abertas dos cuidadores parentais sobre o cuidado com o recém-nascido de risco, criando um espaço relacional direcionado à construção conjunta.

Conclusão:

Os documentos utilizados favoreceram a condução das visitas domiciliares, auxiliando o enfermeiro a estabelecer vínculo profissional e construir espaço relacional através do diálogo na condução de suas atividades em ambiente domiciliar.

DESCRITORES
Enfermagem Neonatal; Mães; Recém-Nascido Prematuro; Recém-Nascido de Baixo Peso; Visita Domiciliar; Parentalidade

ABSTRACT

Objective:

To report the structures of the experience of nurse’s home visits to premature and low birth weight newborns.

Method:

This is a descriptive study of the experience report type, structured on the experience of the nurse authors in the development of 48 home visits in a city in the state of São Paulo and its microregion between August 2020 and 2021 with eight mothers of premature and low weight newborns.

Results:

The guiding documents “Home visit for families with preterm and low birth weight newborns” and “Strategy of guiding questions for home visits” were created and used to promote open narratives from parental caregivers about caring for at-risk newborns, creating a relational space aimed at joint construction.

Conclusion:

The documents used have favored home visits, helping nurses to establish professional bonds and build relational space through dialogue when conducting their activities in the home environment.

DESCRIPTORES
Neonatal Nursing; Mothers; Infant, Premature; Infant, Low Birth Weight; Home visit; Poder Familiar

RESUMEN

Objetivo:

Informar los factores estructurantes de la experiencia de visitas domiciliarias de enfermeros a recién nacidos prematuros y de bajo peso.

Método:

Se trata de un estudio descriptivo de informe de experiencia, estructurado sobre la vivencia de las enfermeras autoras en el desarrollo de 48 visitas domiciliarias en una ciudad del interior de São Paulo y su microrregión, entre agosto de 2020 y 2021, entre ocho madres de recién nacidos prematuros y de bajo peso.

Resultados:

Se elaboraron y utilizaron los documentos orientadores “Visita domiciliaria para familias con RN Prematuro y de Peso Bajo al Nacer” y “Estrategia de preguntas guía para visita domiciliaria” con el fin de promover narraciones abiertas de los cuidadores parentales sobre el cuidado del recién nacido de riesgo, creando así, un espacio relacional con miras a la construcción conjunta.

Conclusión:

Los documentos utilizados favorecieron la realización de las visitas domiciliarias, ayudando al enfermero a establecer un vínculo profesional y a construir un espacio relacional a través del diálogo en la conducción de sus actividades en el entorno domiciliario.

DESCRIPTORES
Enfermería Neonatal; Madres; Recién nacido prematuro; Recién Nacido de Bajo Peso; Visita Domiciliaria; Responsabilidad Parental

INTRODUÇÃO

O nascimento pré-termo, aquele ocorrido antes das 37 semanas gestacionais, está frequentemente associado ao baixo peso, ou seja, peso de nascimento inferior a 2.500 gramas. Ambas as condições são de relação direta com a morbimortalidade neonatal(¹), componente de impacto à mortalidade infantil e de repercussão à saúde da criança(¹–³).

O Brasil situa-se entre os países com o maior número de nascimentos prematuros ao ano no mundo, inclusive, com recorrência de prematuridade entre mulheres multíparas com taxas ascendentes(¹,²). Pontua-se ainda que 70% das mortes de crianças no Brasil ocorrem no período neonatal e estão vinculadas à prematuridade, com cerca de 30 milhões dessas crianças adoecendo nos primeiros dias de vida(¹–³).

Nesse interim, buscar qualidade à atenção em saúde neste contexto é premente e, um dos componentes estratégicos, é a visita domiciliar (VD). Ela está reconhecida como estratégia de potencialidade para promover cuidado continuado da criança no domicílio, desde que estruturada em esforços compreensivos e colaborativos, pautados na atenção educativa, humanizada e integral(¹,⁴–⁶).

Ademais, no Brasil e no mundo, no contexto da atenção materno-infantil, identificam-se um crescente de iniciativas de Programas de Visitação Domiciliar(⁴,⁵). No que tange a população neonatal, em território nacional, as medidas adotadas no ambiente domiciliar tiveram início com a elaboração da Norma de Atenção Humanizada ao Recém-nascido de Baixo Peso – Método Canguru, instituída pelo Ministério da Saúde através da Portaria GM/MS nº 1.683 de 12 de julho de 2007(⁷). A melhor compreensão das necessidades do público neonatal, em especial, os recém-nascidos prematuros (RNPT) e os recém-nascidos de baixo peso (RNBP), fez com que os órgãos nacionais se dedicassem a promover uma atenção perinatal segura e de qualidade em que os pais e os familiares fossem envolvidos no cuidado(⁷).

Enquanto política pública, este foi o primeiro passo para o estabelecimento do cuidado domiciliar, especificamente, para a população de RNPT e RNBP. Tal medida veio a fortalecer o emprego da alta hospitalar segura e responsável, preparo da família para o retorno ao lar e acompanhamento destes recém-nascidos ao nível de Atenção Primária(⁷), com uma compreensão voltada para a interação longitudinal entre a família e o profissional de saúde, assim como oportunidade diferenciada à avaliação em saúde e garantia de cuidados de suporte, com chances de ampliação da autonomia e resiliência, em especial, nas questões da parentalidade(¹,⁵,⁶).

Nesse contexto, o enfermeiro está destacado em função de sua formação direcionada ao cuidado em saúde da família, de detenção de habilidades básicas e ampliadas que, quando sistematizadas, proporcionam qualidade no acompanhamento e suporte da mulher, da família e da criança em momentos transicionais que são vivenciados com o nascimento de uma criança(¹,⁶).

Todos os momentos de transição promovem uma mudança, nesse sentido, é essencial reconhecer e compreender os efeitos e significados que o indivíduo identifica e que cursam com as mudanças nos estados de ser e estar. Assim, as intervenções do enfermeiro em nível domiciliar são ações direcionadas e contínuas que proporcionam abertura ao conhecimento dos momentos vivenciados e que são capazes de promover benefícios à saúde mental, bem-estar infantil e materno, estímulo à parentalidade, relações familiares e favorecimento às respostas positivas individuais e coletivas(¹,⁶,⁸).

Diante do exposto e frente a premência de suporte à gestação, ao nascimento e à parentalidade no contexto do nascimento prematuro e de baixo peso(¹,⁵), estabeleceu-se como objetivo relatar os estruturantes da experiência de visitação domiciliar por enfermeiros aos recém-nascidos prematuros e de baixo peso.

MÉTODO

Desenho do Estudo

Trata-se de um estudo descritivo do tipo relato de experiência, estruturado na vivência das enfermeiras autoras em desenvolver visitas domiciliares aninhadas a estudo de doutoramento.

Local

A experiência inseriu-se em cidade do centro-leste do interior paulista, cuja população estimada, em 2021, foi de 256.915 habitantes, além de cidades pertencentes à sua microrregião(¹), com um total de 3.503 nascimentos no ano de 2020, sendo 362 abaixo de 2.500 gramas de peso corporal, ou seja, 10.3% dos nascimentos e, 359 nascimentos PT, totalizando 10.2% de todos os nascimentos(¹). O Método Canguru não é aposta de atenção ao cuidado com RNPT e RNBP no município.

População e Critérios de Seleção

A captação e o convite para participação no estudo direcionou-se às mães de RNPT e RNBP, e ocorreram após o nascimento da criança, ainda no período de internação da mulher, em maternidade filantrópica municipal, considerando os seguintes critérios de inclusão: residir na cidade do interior paulista elencada ao estudo ou ser da microrregião a ela referenciada; estar sendo acompanhada pelo Sistema Único de Saúde (SUS); não estar vivenciando intercorrências clínicas; ser sua criança recém-nascido de baixo peso e prematuro limítrofe ou moderado, com alta programada para ocorrer em conjunto com ela. Os critérios de exclusão foram: declaração de uso abusivo de substâncias psicoativas; estar em situação de rua ou abrigamento; ser sua criança gemelar e/ou ser portador de má formação congênita diagnosticada na maternidade.

Cenário

O cenário de estudo foi pautado em visitas domiciliares para mães de recém-nascidos prematuros e/ou de recém-nascidos de baixo peso e teve como foco ampliar a responsabilização, continuidade e instrumentalização para o cuidado domiciliar através da participação e empoderamento materno no processo de retorno ao lar com um olhar para o cuidado parental, educação em saúde, uso da posição canguru e identificação de elementos que potencializam a autoeficácia materna, pautados em evidências científicas relevantes.

Coleta de Dados

A experiência descrita ocorreu por meio de visitas domiciliares entre agosto de 2020 e agosto de 2021. Foi desenvolvido convite a trinta e uma mulheres, dezessete recusaram a participação sob as seguintes justificativas: receio em receber visita domiciliar frente à pandemia causada pelo vírus Sars-CoV-2, interferências da família, ruídos sociais, manutenção da privacidade, demandas da mãe relacionadas aos afazeres domésticos e cuidados com o filho. Então, oito mulheres integraram a visitação domiciliar. Cada qual recebeu seis visitas ao longo de quatro meses, com duração média de 120 minutos cada uma. A visitação domiciliar tinha como proposta conversar sobre como era cuidar de uma criança de risco em domicílio, dar suporte a esse cuidado e estimular o uso da posição canguru. Todas as VD foram conduzidas pela primeira autora do estudo sob o suporte de uma segunda visitadora, todas coautoras deste relato.

Análise e Tratamento dos Dados

Os resultados são apresentados a partir da vivência das enfermeiras visitadoras no âmbito domiciliar de cuidado ao recém-nascido prematuro e/ou de baixo peso, com reflexões e ações direcionadas por revisão de literatura(¹,⁹) e das experiências encontradas no processo de condução do estudo. Os conteúdos das visitas domiciliares foram registrados em diários de campo individualmente, e em seguida sintetizados em um registro único com organização e transcrição. A condução do estudo teve como base o Referencial Teórico da Teoria das Transições de Afaf I. Meleis(⁸) e obedeceu aos Critérios Consolidados para Relatos de Pesquisa Qualitativa – COREQ(¹⁰).

Aspectos Éticos

Este relato de experiência originou-se de atividades desenvolvidas em uma pesquisa que buscou, dentre seus objetivos específicos, propor um documento orientador para a visita domiciliar do enfermeiro às mães de recém-nascidos prematuros e/ou de baixo peso após alta hospitalar. Este estudo recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos no ano de 2020, sob os números 4.108.812 e 4.138.360, cumprindo os preceitos das Resoluções 466/12 e 510/16 do Conselho Nacional de Saúde. A inclusão das participantes no estudo foi mediante à assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

RESULTADOS

Com à intenção de dar suporte às mulheres mães de crianças nascidas PT e BP a partir de VD, adveio a necessidade de estruturá-las. A estruturação iniciou-se sob o questionamento de “Quais necessidades são usuais à população mulher mãe de criança nascida PT e BP com vistas ao cuidado dessa criança? Quais as evidências relacionadas às experiências delas de parentalidade?”. Para tanto, realizou-se o mapeamento da literatura científica acerca de elementos que constituem e amparam a visita domiciliar direcionada às mães de recém-nascidos de baixo peso e prematuros, publicada em 2021(⁹). Revelou-se a essencialidade e a influência da abordagem utilizada pelo enfermeiro na VD quando esforços de escuta e a oferta de apoio para a reorganização familiar e empoderamento materno, a partir de seus conhecimentos, crenças e valores, são centrais e de contribuição ao fortalecimento do vínculo com o profissional.

Assim, as mulheres precisavam ter oportunidade para narrar, para se expor e expor suas reais necessidades em um contexto de escuta sensível e direcionado ao diálogo. Destarte, reconhecer a existência de construções sociais acerca dos cuidados particulares e diante da condição de prematuridade e BP precisa ser alicerçada em diálogo, com atenção aos sentidos veiculados e seus determinantes. Ainda, existia nosso entendimento de serem os preceitos do cuidado canguru de correspondência às necessidades de crianças PT e BP, pais e família, o que nos conduzia a estimularmos estrategicamente o uso da posição canguru.

A aproximação com as evidências científicas e o diálogo colaborativo entre nós, culminou na propositura de documentos direcionadores de VD a mulheres com crianças prematuras e de baixo peso, a saber: “Visita domiciliar para famílias com RN Prematuro e de Baixo Peso ao Nascer” (Figura 1) e “Estratégia de perguntas norteadoras para visita domiciliar” (Figura 2).

Figura 1
Visita domiciliar para famílias com RN prematuro e de baixo peso ao nascer.

Figura 2
Estratégia de perguntas norteadoras para visita domiciliar.

Frente a estes balizadores, estabeleceu-se a equipe de visitadoras e sua formação. Para tanto, a proponente do estudo de doutoramento fez convites a pessoas que eram enfermeiros e que, em sua percepção, partilhavam dos preceitos acima apresentados, além de deterem disponibilidade para realizar VD.

Logo, o grupo de visitadoras foi composto de três pessoas, a pesquisadora principal em doutoramento com formação profissional específica lato sensu e stricto sensu na área neonatal, uma enfermeira em início de formação stricto sensu na área de neonatologia e uma graduanda de enfermagem, à época, com vivências de VD integrante do mapeamento da literatura mencionada acima.

Sendo assim, as visitadoras realizaram rodas dialógicas até conceberem estarem aptas a realizarem o desenvolvimento prático das VD. A concepção ancorou-se na clareza dos estruturantes, tanto relativo a conhecimentos, quanto aspectos atitudinais. Em relação a esse último, a proposta foi de apostar na edificação de um ambiente relacional que promovesse a narrativa para, em seguida. A visitadora lançar algum núcleo pautado nos instrumentos, isso caso o processo não perpassasse espontaneamente por ele. Foram acolhidas questões trazidas e não presentes nos instrumentos, como exemplo, as questões frente à pandemia pelo vírus Sars-CoV-2, que trouxe grandes inquietações e dúvidas no decorrer das visitas domiciliares.

As VD tiveram início com o retorno da criança ao domicílio. A primeira VD ocorreu tão logo fosse possível para mãe e bebê, intencionando-se que sua ocorrência fosse dentro dos três primeiros dias pós alta, ou no máximo na primeira semana pós alta, acompanhando indicativas documentais(¹¹,¹²). No acompanhamento da criança nascida de risco, segundo posto no documento orientador do Método Canguru (MC), à atenção básica (AB) está recomendada a realização de três consultas na primeira semana, sendo uma delas em nível de VD, duas na segunda semana e uma consulta semanal a partir da terceira semana pós alta hospitalar da criança, até que essa atinja o peso de 2.500 gramas(¹³). A prematuridade e o baixo peso ao nascer configuram perfil de vulnerabilidade neonatal com indicativos de atenção continuada e próxima da AB quando da alta hospitalar(¹⁴).

As visitadoras apostaram na aproximação e na criação de vínculo com a mulher mãe e sua família, quando o esforço e compromisso foi de escuta sensível e empática na direção da compreensão das demandas e necessidades, não somente relacionadas às questões do cuidado da criança, mas do caminhar na vida como um todo.

A vivência em unidade de cuidados intermediários fez com que as mulheres mães de RN prematuros e de baixo peso procurassem aprender o máximo de cuidados com o filho, foi a partir daí que reuniu instrumentos para o retorno ao lar. Nosso encontro aconteceu quando seus bebês ainda não tinham previsão de alta, estabeleci contato e, temporalmente, nos encontrávamos em minhas buscas pela unidade de cuidados hospitalares. O fato de nos vermos com frequência, fez-me entender que estava estabelecido ali o vínculo profissional-paciente. Dessa forma, elas (mães de RN prematuros e de baixo peso) se sentiam mais confiantes em apresentarem suas demandas e me encontrarem enquanto apoio. [Nota de campo da visitadora principal].

O entendimento era de que a totalidade reverbera nas vivências particulares e vice-versa, assim como a existência de atravessamentos complexos neste processo. Na escuta, atenção especial foi dada à externalização de sentimentos e, aqueles aproximados do sofrimento e esperança, ganhavam atenção especial.

Percebe-se que cada fase é movida por uma busca. O início de retorno ao lar é mantido pela sensação de ansiedade com o bem-estar do filho, com a alimentação e com o ganho ponderal. Ao passo que tais anseios são resolvidos, novas dúvidas e oportunidades de aprendizagem se fazem necessárias. [Nota de campo].

DISCUSSÃO

Para a vinculação entre enfermeiro e a mulher mãe, apostou-se no estímulo às narrativas acerca de sua vivência de maternidade junto à uma criança PT e BP, retomando e acolhendo projeções e o que foi vivenciado. O processo de alta hospitalar, após o nascimento de um filho prematuro e de baixo peso, e seus primeiros meses em casa são tidos como momentos difíceis com dualidade de sentimentos de felicidade e angústia. O nascimento e os cuidados de uma criança prematura e de baixo peso desdobram-se em desafios advindos de uma forma inesperada de cuidar e afetam a qualidade de vida da mulher mãe, bem como sua vida familiar e social(¹⁵). O diálogo desdobrado das narrativas estabelecidas nas VD permitiu verbalização e acomodações de frustrações no exercício e vivência do papel materno, assim como, intervenções educativas relacionadas às concepções que atuavam como restritivas à autonomia da mulher. Ações pautadas e disparadas no e pelo contexto da vida são potentes para identificar determinantes sociais, crenças e recursos individuais e da rede social, além de direcionar intervenções para suporte, empoderamento e autonomia. A visita domiciliar, quando bem estabelecida, favorece a identificação de situações de vulnerabilidades que se expandem em circunstâncias individuais e coletivas(¹⁶), como também contrapontos para elas.

Foi notório, nas primeiras VD, o foco materno no desempenho ‘correto’ de ações que atendam às necessidades humanas básicas da criança (sobretudo higiene, alimentação e sono). Assim, as conversas e perguntas foram neste tema e, o fato de estarmos em domicílio, favoreceu narrativas relacionadas à inserção do companheiro/pai no processo, com claro desejo deste de integrá-lo, apesar do atravessamento das questões de gênero que acabam por remeter à mulher a centralidade das vivências parentais. Desse modo, percebe-se que as questões de gênero atravessam a maternidade e diálogos voltados a contrapô-las foram pautas movimentadas na VD, sobretudo após a percepção de estar conseguindo atender às necessidades da criança. A mulher percebe-se exaurida com a demanda e pondera acionar pessoas de sua rede social com reflexões relacionadas a ampliar a inserção do pai da criança.

Reconhecer e acolher o companheiro para auxiliar a mulher reduz o estresse e a ansiedade materna, tornando-se crucial programas de intervenção que auxiliem, significativamente, no suporte dado à mãe(¹⁷). O reconhecimento da importância paterna dada pela valorização do companheiro frente às atividades junto ao filho torna positiva a inserção do pai no fortalecimento do vínculo parental, além de amenizar os sentimentos de angústia e estresse materno. Após a alta, a participação do companheiro no cuidado com o filho possibilita menor momentos de insegurança pela mãe, demonstrando o quanto esse envolvimento tem consequências na história de vida do bebê e dentro do ambiente domiciliar(¹⁸). Contudo, para a presença e participação acima, a inserção do companheiro precisa ocorrer desde o pré-natal e percorrer todo o parto e nascimento. Ocorre ser ele colocado às margens desde sempre(¹⁹).

A mulher mãe vai tecendo um processo de reinterpretação da maternagem, a partir da redefinição de sua concepção de prematuridade e baixo peso ao nascer e o lugar do pai e da família extensa, de modo que, ao enfermeiro visitador, vai se delineando um suporte ancorado na mediação destas elaborações, singulares a cada mulher. Nesse processo vivenciam momentos de ‘crises’ e, dada a circunstância desafiadora às competências pessoais-parentais que estão vivenciando, sentem a necessidade de apoio contínuo e de dialogar com maior frequência com o enfermeiro visitador, aspecto viabilizado pela adoção de um recurso eletrônico de mensagens instantâneas. As conversas estabelecidas por mensagens dão maior flexibilização nos momentos de trocas e criam espaço para o apoio às novas informações e à colaboração em momentos de incerteza, fortalecendo a construção do vínculo e valorização da assistência pela ótica das participantes(²⁰,²¹).

Destarte, identificou-se que as mulheres necessitavam de maior proximidade para que o envolvimento fosse estabelecido. Sendo assim, o contato por meios eletrônicos foi um recurso utilizado, sendo coadjuvante e facilitador para o enfrentamento das dificuldades diárias(²¹).

A prática de enfermagem por meio de comunicação telefônica ou redes sociais virtuais facilita o acesso à saúde, ao suporte informacional e ao acompanhamento de mães de prematuros. Ademais, melhora a esperança e a autoeficácia materna percebida(²²). O aumento da esperança está relacionado à capacidade das mulheres mães em reduzirem seu estresse e ansiedade, assim como superarem o desespero com orientação e abordagem apropriada(²²). As crenças maternas em suas competências e habilidades é fator psicológico positivo vital para o enfrentamento e o desempenho mediante os desafios e os incidentes da vida, como o nascimento prematuro, com repercussões na melhor qualidade da relação mãe-filho(²²).

Cabe ao enfermeiro identificar a perspectiva materna acerca dos cuidados que cerceiam o recém-nascido prematuro e de baixo peso e, a partir de então, enriquecer o aporte de conhecimento materno, as habilidades e a autoconfiança da mulher para sua execução, com contribuições à identidade maternal. O enfermeiro traz para o encontro domiciliar ideais e reflexões que emergem individualmente da relação estabelecida com os cuidadores parentais, como também vai criando a intervenção a partir dela e em alinhamento com evidências científicas existentes. A base para a composição de elementos de cuidados está imersa na história de vida e nos processos vivenciados, pois norteiam quais caminhos já foram percorridos e quais ainda se fazem desconhecidos.

A posição canguru está dentro dos elementos de cuidado e enquanto estímulo precoce, com evidências científicas positivas para a mãe e o recém-nascido(²³) a exemplo da melhor regulação térmica e estabilidade fisiológica da criança, promoção do aleitamento materno (AM), com ampliação da produção de leite e de seu tempo, estímulo positivo ao desenvolvimento neurocomportamental e efeitos sobre quadros álgicos(²³–²⁶).

O uso da posição canguru em domicílio foi desejoso na construção das VD, contudo identificamos que a maioria das mães portava pouca informação a respeito da posição, poucas tinham conhecimentos prévios sobre ela. E, ainda, poucas mulheres falaram a seu respeito, denotando o quanto o Método Canguru vem sendo abordado de modo incipiente no pré-natal, nascimento e seguimento da mulher que gesta, pare e cuida de uma criança prematura e com baixo peso ao nascer.

Outro ponto a ser destacado é sobre a saúde materna, condição premente para melhores condições de cuidados com a criança. As mulheres mães tendem, nos encontros iniciais, a relatar pouco sobre si e enfocar quase que exclusivamente a saúde e o bem-estar do filho, sobrepondo o cuidado consigo mesma(⁶). Contudo, ao longo do tempo, denunciam cansaço e começam a falar de si, de seu esgotamento e de suas necessidades, com oportunidades para se promover reflexões relativas à saúde mental materna.

Muitas vezes a interação com o filho é prejudicada devido o estresse e a ansiedade maternos, com sentimentos de incapacidade de cuidar da criança. Isso acarreta o burnout parental, termo relacionado à exaustão emocional devido aos cuidados com o RN e que pode resultar em distanciamento do binômio mãe-filho. Logo, deve ser precocemente identificado e tratado a fim de que a relação iniciada seja preservada e haja maior engajamento com os cuidados com RNPT e RNBP(²⁷).

As condições físicas de recuperação pós-parto são pouco evidenciadas pelos relatos maternos, apesar de ser uma fase de grandes mudanças físicas, mentais e emocionais, a mulher mãe aparece timidamente ao lado do nascimento de risco. Porém, vale ressaltar que mães de RNPT e RNBP têm maiores chances de agravos com relação à sua saúde física e mental, estando mais propensas à depressão pós-parto do que as mulheres que deram à luz bebês a termo(²⁸). Muitas vezes tomam esse posicionamento, talvez pela insensibilidade de profissionais de saúde à mulher, adicionado de interações que reforçam a criança na centralidade e o dever materno em executar um cuidado determinado pelo profissional, por vezes imerso em julgamentos. Esse contexto inibe o estabelecimento de vínculo e de relacionamento autêntico entre mulher, família e profissional, assim como é restritivo ao processo de autonomia materna no cuidado da criança. Ao longo das VD, em muito pela proposta dialógica, foi evidenciado um processo crescente de confiança e de exposição autêntica de si nos encontros, favorecendo mutualidade relacional.

É premente deslocamentos no exercício prático das VD, em especial, na substituição do entendimento reduzido de ser um ‘ato de adentrar em um domicílio para obter e dar informações em saúde’ na direção de apostas no estabelecimento de espaço relacional em domicílio(²⁹), com fins de acolhimento de necessidades particulares. A disposição para a construção colaborativa é o maior desafio da VD, pois não é seguro dizer que está clara em seu pleno significado. É primordial o processo de construção do cuidado respeitoso e dependente do outro, movimentado pela sua particularidade e não individualidade(³⁰). Logo, expõe-se uma tarefa desafiante para o enfermeiro ao mobilizar a singularidade do diálogo na construção de novas competências parentais e com o reconhecimento de que os períodos transicionais são envoltos por desequilíbrios, incertezas e conflitos pessoais e sociais(⁹).

As adaptações ao ambiente domiciliar frente à chegada do filho prematuro e de baixo peso coloca os cuidadores parentais, e em especial a mãe, em movimentos de percepção próprias sobre sua forma de compreender os novos papeis que são construídos a partir de sua inserção cultural, além de serem influenciadas ao longo dos anos pelos contextos de vida que internalizam diferentes formas de sentir e de se visualizar competente e hábil para o desemprenho de ações que são compreendidas na parentalidade.

A autoeficácia materna está diretamente relacionada ao apoio dos cuidadores parentais no cuidado com os bebês prematuros e de baixo peso e, embora a maternidade sugira que a mulher tenha responsabilidades sobre o seu filho, no nascimento prematuro, suas experiências e seus conhecimentos são desvalorizados, sendo negado a elas a autoridade e a gerência do cuidado com o filho, apesar de responsáveis.

Por fim, destaca-se que a qualidade da visita domiciliar está intimamente atrelada ao tempo dispendido pelo profissional para a assistência e a intenção projetada para sua realização. A média de tempo para a VD experienciada por este estudo versa sobre 120 minutos, tempo considerado oportuno para que as pesquisadoras pudessem adentrar ao universo materno e fazer alcances na direção do cuidado intersubjetivo. Tal realidade se mostra desafiadora no cenário brasileiro pressupondo-se o número crescente de nascidos vivos no país, em especial, de recém-nascidos de risco que necessitam dos cuidados de saúde domiciliar e do quantitativo ínfimo de profissionais destinados a tal atuação(¹⁴).

CONCLUSÃO

O relato defende a estruturação de VD voltadas aos cuidadores parentais que estão a cuidar de criança nascida pré-termo e de baixo peso, dinamizados a partir de um direcionamento dialógico para favorecer a exposição e o acolhimento de particularidades. Ainda, verificou-se que na medida em que o vínculo entre enfermeiro visitador e mulher mãe se estabelece, o pronto contato por meios eletrônicos para acolhimento é fator coadjuvante a ser requerido em tempos atuais.

Os documentos criados e utilizados favoreceram a condução de conversas em VD a essa população, que é seguida sob grandes fragilidades pelos serviços de saúde. O ‘ser’ profissional enfermeiro favoreceu conhecimentos para um pronto diálogo técnico e a clareza de ser o horizonte do cuidado para escuta sensível e esforços dialógicos colaborativos, foi fundamental para o estabelecimento de espaço relacional e de cuidado.

Nesse contexto, o suporte domiciliar ofertado está associado, por verbalização materna, às práticas de saúde positivas e, mesmo tendo uma estrutura política pública de saúde destinada para tal fim e que se utiliza da visita domiciliar, percebem como uma ação nova que não está inserida totalmente na realidade da população, apesar de sua estruturação teórica ser muito difundida. O que nos leva a compreender que as ações de cuidado realizadas em domicílio precisam ser mais trabalhadas e concretizadas a partir de ferramentas que aproximam e direcionam o profissional às particularidades advindas da experiência de maternidade em situações de prematuridade e de baixo peso.

• Apoio financeiro O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001

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Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Ivone Evangelista Cabral

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  08 Jan 2024
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  07 Jul 2023
• Aceito
  01 Nov 2023