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Participação de adolescentes de comunidade Quilombola na criação de jogo educativo sobre o consumo de álcool

RESUMO

Objetivo:

Descrever e discutir a participação de adolescentes de uma comunidade quilombola na transformação de quadrinhos de “Uma História Possível”, do Almanaque sobre o álcool, em jogo educativo.

Método:

Implementação do método criativo e sensível de pesquisa baseada em arte, com adolescentes de uma comunidade quilombola do Espírito Santo, no desenvolvimento de um jogo de tabuleiro.

Resultados:

O espaço democrático e interativo favoreceu a problematização de imagens e narrativas sobre o consumo de álcool mediadas na história em quadrinhos. O grupo selecionou cenas, reordenou a história, elaborou perguntas e charadas, formulou asserções de verdadeiro e falso numa S composição de 17 cartas do jogo de tabuleiro. Avaliou-se o potencial do jogo como ferramenta mediadora de conteúdo para promover a aprendizagem, o reforço e fixação de conteúdos científicos.

Conclusão:

A participação ativa e dinâmica de adolescentes deu-se desde a concepção até a avaliação do jogo de tabuleiro, estimulando-os à reflexão sobre um contexto comunitário de permissividade cultural de uso do álcool.

DESCRITORES
Materiales Educativos y de Divulgación; Adolescente; Etanol; Grupo de Ascendencia Continental Africana; Enfermería Pediátrica

ABSTRACT

Objective:

To describe and discuss the participation of adolescents from a quilombola community in the transformation of the comic “Possible Story” (“Uma História Possível”), from the Comic on alcohol, into an educational game.

Method:

Implementation of the creative and sensitive method of art-based research, with adolescents from a quilombola community in the state of Espírito Santo, for the development of a board game.

Results:

The democratic and interactive space favored the problematization of images and narratives about alcohol consumption mediated in the comic book. The group selected scenes, reordered the story, devised questions and riddles, formulated true and false assertions in a 17-card composition of the board game. The potential of the game as a content mediating tool to promote learning, reinforcement, and fixation of scientific content was evaluated.

Conclusion:

The active and dynamic participation of adolescents took place from conception to evaluation of the board game, encouraging them to reflect on a community context of cultural permissiveness of alcohol use.

DESCRIPTORS
Educational and Promotional Materials; Adolescent; Ethanol; African Continental Ancestry Group; Pediatric Nursing

RESUMEN

Objetivo:

Describir y discutir la participación de adolescentes de una comunidad quilombola en la transformación de cómics de “Una Historia Posible” (Uma História Possível), del Almanaque sobre alcohol en juego educativo.

Método:

Implementación del método creativo y sensible de investigación basada en arte, con adolescentes de una comunidad quilombola de Espírito Santo, Brasil, en el desarrollo de un juego de mesa.

Resultados:

El espacio democrático e interactivo favoreció la problematización de imágenes y narrativas sobre el consumo de alcohol mediado en los cómics. El grupo seleccionó escenas, reordenó la historia, elaboró preguntas y charadas, formuló aserciones de mito o verdad en una composición de 17 fichas del juego de mesa. Se evaluó el potencial del juego como herramienta mediadora de contenido para promover el aprendizaje, el repaso y la memorización de contenidos científicos.

Conclusión:

La participación activa y dinámica de adolescentes ocurrió desde la concepción hasta la evaluación del juego de mesa, estimulándolos a la reflexión sobre un contexto comunitario de permisividad cultural de uso del alcohol.

DESCRITORES
Materiais Educativos e de Divulgação; Adolescente; Álcool; Grupo com Ancestrais do Continente Africano; Enfermagem Pediátrica

INTRODUÇÃO

O uso e o consumo precoce de álcool por adolescentes associam-se a problemas comportamentais, sociais e risco de dependência de substância(11. Donoghue K, Rose H, Boniface S, Deluca P, Coulton S, Mohammed FA, et al. Alcohol Consumption, Early-Onset Drinking, and Health-Related Consequences in Adolescents Presenting at Emergency Departments in England. J Adolesc Health. 2017;60(4):438-46. DOI: https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2016.11.017
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). Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) de 2015, 55,5% dos estudantes, de 13 a 15 anos de idade, do ensino fundamental, experimentaram algum tipo de bebida alcoólica. A experiência de embriaguez por pelo menos uma vez correspondeu a 21,4%; 7,3% dos adolescentes tiveram problemas com família ou amigos, faltaram aulas ou se envolveram em brigas após consumir bebida alcoólica(22. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2016 [cited 2018 Sept 05]. Available from: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv97870.pdf
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).

Para muitos adolescentes, as primeiras experiências com álcool ocorrem no ambiente familiar, na presença e com apoio dos pais(33. Colder CR, Shyhalla K, Frndak SE. Early alcohol use with parental permission: psychosocial characteristics and drinking in late adolescence. Addict Behav. 2018;76:82-7. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.addbeh.2017.07.030
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). Em uma comunidade quilombola localizada no norte do Espírito Santo, o consumo de álcool é cultural e socialmente mais bem aceito entre os homens do que entre as mulheres. Nesse consumo, a linhagem intergeracional envolve os avós, o pai e os filhos mais velhos(44. Moraes-Partelli AN, Cabral IE. Images of alcohol in the adolescents’ life of one quilombola community. Rev Bras Enferm. 2019;72(2):468-75. DOI: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0264
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). Naquela comunidade quilombola, a bebida alcoólica é consumida em todos os espaços privados e públicos, que incluem as celebrações de família, os jogos esportivos ou as festas da comunidade. A exposição da imagem de um consumo permissivo leva meninos e meninas adolescentes a naturalização do ato de beber como parte dos ritos de passagem e da construção de suas masculinidades e feminilidades. O viver nesse ambiente torna-se uma referência no processo de socialização dos adolescentes, ao tempo em que representa um desafio para os profissionais de saúde na abordagem da promoção e na educação em saúde com esse grupo social(44. Moraes-Partelli AN, Cabral IE. Images of alcohol in the adolescents’ life of one quilombola community. Rev Bras Enferm. 2019;72(2):468-75. DOI: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0264
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).

Nesse contexto, emerge o jogo como uma tecnologia educacional em saúde útil para o desenvolvimento de educação em saúde. O jogo é um recurso lúdico que entusiasma os educandos, favorece a memorização de informações e estimula a interação nos diversos momentos do processo ensino-aprendizagem(55. Gurgel SS, Taveira GP, Matias EO, Pinheiro PNC, Vieira NFC, Lima FET. Educational games: didactic resources utilized at teaching health education classes. REME. 2017;21:e-1016. DOI: http://www.dx.doi.org/10.5935/1415-2762.20170026
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).

Nessa perspectiva, compreende-se que o jogo, como material educativo, pode ser adequado para abordar temas de saúde, com ênfase nas características do processo de desenvolvimento participativo do público ao qual esse material se destina(66. Paiva APRC, Vargas EP. Material Educativo e seu público: um panorama a partir da literatura sobre o tema. Revista Práxis [Internet]. 2017 [cited 2021 Aug 8];9(18):89-99. Available from: http://revistas.unifoa.edu.br/index.php/praxis/article/view/769/1256
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), como é o caso de adolescentes de matrizes afrodescendentes. Na experiência de adolescentes de comunidades quilombola, a participação na construção de um jogo educativo, unindo saberes locais com os científicos sobre o álcool, poderá se tornar um facilitador para a discussão e reflexão sobre um tema sensível que afeta a saúde individual e coletiva(77. Moraes-Partelli AN, Santos AP, Santos SG, Coelho MP. Shared production of an educational game about alcohol with adolescents from the Quilombola community. Revista Família, Ciclos de Vida e Saúde no Contexto Social. 2020;8 Suppl 2:792-800. DOI: https://doi.org/10.18554/refacs.v8i0.4533
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).

Existe a necessidade de avançar na discussão e na produção de jogos educativos que partam das reais necessidades do adolescente quilombola, contenham conteúdos científicos e que estimulem o leitor a criticar e a refletir, pois no Brasil 55,8% da população se autodeclara preta ou parda(88. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil [Internet].Rio de Janeiro: IBGE; 2019 [cited 2020 Apr 26]. Available from: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101681_informativo.pdf
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). No entanto, é comum tecnologias educativas de divulgação científica em saúde não considerarem os componentes raça/cor, invisibilizando as desigualdades étnico-raciais como um determinante social da experimentação de adolescentes em seus ritos de passagem para o mundo adulto. Há poucas publicações sobre uso ou consumo de álcool na adolescência que considere as especificidades étnico-raciais(99. Veiga LDB, Santos VC, Santos MG, Ribeiro JF, Amaral ASN, Nery AA, et al. Prevalência e fatores associados à experimentação e ao consumo de bebidas alcoólicas entre adolescentes escolares. Cad Saude Colet. 2016;24(3):368-75. DOI: https://doi.org/10.1590/1414-462x201600030037
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,1010. Malta DC, Minayo MCS, Filho AMS, Silva MMA, Montenegro MMS, Ladeira RMV, et al. Mortality and years of life lost by interpersonal violence and self-harm: in Brazil and Brazilian states: analysis of the estimates of the Global Burden of Disease Study, 1990 and 2015. Rev Bras Epidemiol. 2017;20 Supl. 1:142-56. DOI: https://doi.org/10.1590/1980-5497201700050012
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). Aquelas disponíveis são desenvolvidas nos grandes centros urbanos, desconsideram a diversidade étnico-racial como parte do público alvo, particularmente aqueles de comunidades Quilombolas rurais(1111. Pasquim HM, Lachtim SAF, Soares CB. Drug content in games for mobile devices. Rev Esc Enferm USP. 2019;53:e03520. DOI: https://doi.org/10.1590/S1980-220X2018039403520
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).

Em grande parte do processo de inovação e desenvolvimento de jogos parece haver maior consideração às dimensões técnicas do que à participação de representações do público-alvo no processo de produção. Nesse processo, pouco espaço se dá ao debate sobre os significados, conhecimentos e valorização de experiências humanas que se trava entre os educadores e educandos(1212. Dias JD, Mekaro MS, Lu JKC, Otsuka JL, Fonseca LMM, Zem-Mascarenhas SH. Serious game development as a strategy for health promotion and tackling childhood obesity. Rev Lat Am Enfermagem. 2016;24:e2759. DOI: https://doi.org/10.1590/1518-8345.1015.2759.
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,1313. Freire P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2013.) como, por exemplo, entre enfermeiros e adolescentes na produção de jogo sobre temas de interesse à promoção da saúde. Portanto, reconhecer a voz dos adolescentes de comunidade quilombola, construindo com Eles(as) e para Eles(as) um material educativo dialógico e interativo pode ser uma estratégia para a promoção do cuidado protetor da vida.

O almanaque “Álcool e ritos de adolescentes em uma comunidade quilombola”(1414. Partelli ANM, Cabral IE. Álcool e ritos de adolescentes em uma comunidade quilombola [Internet]. Rio de Janeiro: Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2016 [cited 2021 Aug 1]. Available from: http://repositorio.ufes.br/handle/10/6799
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) foi elaborado com a participação de adolescentes que vivem em uma comunidade quilombola, no norte do estado do Espírito Santo, baseando-se nas experiências cotidianas da experimentação do álcool como parte dos ritos de passagem, comuns nas festas culturais da comunidade e modo de convivência intergeracional. Meninas e meninos convivem com bebidas alcoólicas em casa, nos botecos e festas na escola da comunidade, nas vizinhanças, no jogo de futebol, desde muito cedo no processo de socialização.

Dessa forma, o objetivo do estudo foi descrever e discutir a participação de adolescentes de uma comunidade quilombola na transformação de quadrinhos de “Uma História Possível”, do almanaque ‘Álcool e ritos de adolescentes em uma comunidade quilombola’, em jogo educativo.

MÉTODO

Tipo de Estudo

A pesquisa participativa foi mediada pela arte do método criativo sensível (MCS) e desenvolvida na comunidade, tendo como princípios estruturantes a tomada de decisão coletiva, aproximação e distanciamento do campo de pesquisa, e a negociação de saberes e práticas culturais e comunitárias.

A expressão artística foi a via de acesso à experiência humana(1515. Farre AGMC, Pinheiro PNC, Vieira NFC, Gubert FA, Alves MDS, Monteiro EMLM. Adolescent health promotion based on community-centered arts education. Rev Bras Enferm. 2018;71(1):26-33. DOI: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0078
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,1616. Cabral IE, Neves ET. Pesquisa com o método criativo e sensível na enfermagem: fundamentos teóricos e aplicabilidade. In: Lacerda MR, Costenaro RGS, editors. Metodologias da Pesquisa para a Enfermagem e Saúde da teoria à prática. Porto Alegre: Moriá; 2016. p. 325-50.), relacionada com o modo de vida na comunidade, e permitiu a produção de conhecimento centrada na realidade social dos participantes. A contribuição da filosofia freiriana no MCS reside no fato de que o ser humano, ao refletir sobre o mundo em que vive, criticiza-o e age sobre ele, podendo transformar a sua realidade, criando história e fazendo cultura(1313. Freire P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2013.). Nesse sentido, as dinâmicas de criatividade e sensibilidade (DCS) são o eixo condutor do MCS, uma vez que as produções artísticas conduzem a discussão grupal crítica e reflexiva ancoradas nas ideias forças da filosofia freiriana(1616. Cabral IE, Neves ET. Pesquisa com o método criativo e sensível na enfermagem: fundamentos teóricos e aplicabilidade. In: Lacerda MR, Costenaro RGS, editors. Metodologias da Pesquisa para a Enfermagem e Saúde da teoria à prática. Porto Alegre: Moriá; 2016. p. 325-50.).

Cenário

A pesquisa de campo foi implementada nos meses de dezembro de 2018 a maio de 2019, na zona rural do município de São Mateus, norte do Espírito Santo, Brasil. Nessa área, cercada de canaviais e eucaliptais, localiza-se a comunidade Quilombola, onde reside uma população que permanece relativamente semiisolada e distante dos centros urbanos. A Unidade Básica de Saúde dista 12 Km da comunidade e a educação é assegurada por meio de uma escola rural pluridocente, que cobre da educação básica ao 5º ano do ensino fundamental.

Participantes do Estudo

Incluíram-se adolescentes que atenderam os critérios de residir na comunidade, matriculados no ensino fundamental da escola pública da comunidade; ter habilidades cognitivas e motoras preservadas e idade entre 10 e 19 anos completos, segundo definição da Organização Mundial de Saúde(1717. World Health Organization. Young people’s health – a challenge for society [Internet]. Geneva: WHO; 1986. [cited 2021 Feb 23]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/41720/1/WHO_TRS_731.pdf
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). Excluíram-se adolescentes com doenças agudas e crônicas.

Para o recrutamento, programou-se uma primeira reunião com pais ou responsáveis dos adolescentes, para acontecer no segundo domingo do mês de dezembro de 2018, após a celebração da missa. Naquele dia, compareceram lideranças locais, os pais e adolescentes, para quem os pesquisadores de campo apresentaram a proposta de pesquisa e identificaram os adolescentes com potencial de participar como voluntários. A segunda reunião ocorreu no mesmo dia, na escola da comunidade, somente com adolescentes cujos pais concordaram com sua participação manifesto pela assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Compareceram nove adolescentes, sendo seis meninas e três meninos.

Coletas de Dados

Desenvolvida em três encontros grupais, quando se implementaram uma dinâmica de sensibilização e duas dinâmicas de criatividade e sensibilidade (DCS) e um encontro de pesquisadores de campo para análise e desenvolvimento do storyboard e elaboração do material (duas versões) por designer e ilustrador. Os encontros foram gravados, com voz em MP3 e imagem em câmera digital portátil.

No primeiro encontro do MCS (primeiro domingo de dezembro de 2018) desenvolveu-se a dinâmica de sensibilização denominada “Encurtando distâncias”, com tempo de duração de 30 minutos, quando se buscou uma aproximação entre os participantes da pesquisa e manuseio dos materiais (rádio, filmadora, gravador MP3, material de papelaria etc) a serem usados nos encontros seguintes. Um saco de balas coloridas circulou no grupo e cada pessoa retirava uma, enquanto um fundo musical harmonizava a atmosfera do ambiente. Em seguida, cada um buscou um par com a mesma cor da bala, sentando-se em círculo ao lado do par, apresentando-se para ele com a questão geradora de debate (QGD): “Eu sou (fulano)... estou (feliz, disposto...) ... quero (fazer, criar, produzir)...”. As apresentações individuais foram descontraídas, sendo revelado que todos os participantes mantinham laços consanguíneos, mais especificamente irmãos, primos e primas. Ao final desse momento, acordou-se os dias e horário que atendessem a todos para os próximos encontros.

No segundo encontro, que ocorreu no terceiro domingo de dezembro de 2018, aplicou-se a primeira DCS “Brincando... transformando...”. Houve a participação de um grupo com seis adolescentes, que estiveram presentes no encontro de sensibilização, sendo quatro meninas e dois meninos, no tempo aproximado de 50 minutos. No primeiro momento da dinâmica, o acolhimento dos participantes, foram apresentados os materiais (projetor de imagem, papel A4, canetas, lápis e borracha, jogos de dominó, bingo e tabuleiro) que seriam usados na dinâmica. No segundo, explicou-se o objetivo da DCS e enunciou-se a QGD – ‘Como “Uma história possível”, do Almanaque sobre Álcool(1212. Dias JD, Mekaro MS, Lu JKC, Otsuka JL, Fonseca LMM, Zem-Mascarenhas SH. Serious game development as a strategy for health promotion and tackling childhood obesity. Rev Lat Am Enfermagem. 2016;24:e2759. DOI: https://doi.org/10.1590/1518-8345.1015.2759.
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) pode ser transformada em jogo educativo’? No terceiro, projetaram-se as imagens da HQ “Uma História Possível” do mesmo almanaque com o auxílio de um projetor para que acompanhassem o curso da história de um personagem típico da comunidade que consumia álcool após um dia de trabalho na lavoura. Em seguida, os pesquisadores distribuíram três tipos de jogos (dominó, bingo e tabuleiro) que continham regras estruturadas para que os adolescentes experimentassem sua aplicação. Os participantes decidiram formar três duplas para engajar-se nos jogos, discutir e eleger aquele que melhor se ajustaria à criação de um novo jogo. Ao finalizar as jogadas, as três duplas desenharam três produções artísticas. Nos quarto e quinto momentos, as duplas apresentaram suas (três) produções baseadas na aplicação das regras dos jogos e no potencial de cada um para que a história em quadrinhos (HQ) “Uma história possível” fosse adaptada a linguagem do jogo. Problematizaram-se os limites e as possibilidades dessas regras, a finalidade de cada tipo de jogo, as especificidades e o espírito da brincadeira dentro de um certo tempo e espaço.

Após esse encontro, a equipe de pesquisadores de campo afastou-se da comunidade por cinco meses, reunindo-se para analisar as imagens e narrativas dos adolescentes, que foram gravadas e transcritas com a finalidade de elaborar a primeira versão do desenho do storyboard do jogo de tabuleiro definido pelos adolescentes.

Na segunda DCS (maio de 2019), com duração de duas horas, “Encurtando distâncias entre o que se produziu e o jogo educativo”, o grupo de cinco meninas avaliou o storyboard preliminar. O primeiro momento correspondeu à explicação sobre a DCS, seu objetivo, e o jogo (versão preliminar) e a enunciação da seguinte QGD – “As informações são... as regras estão... o jogo é...” No segundo momento, o grupo de quatro adolescentes participou do jogo de tabuleiro, sendo observado por uma quinta adolescente. Os pesquisadores apenas observaram e registraram os comentários, as jogadas e a reação dos participantes. No terceiro momento, o grupo problematizou o que precisava ser adequado. No último momento, o grupo sintetizou, no processo de avaliação do jogo, o seu caráter educativo, sugerindo os pontos que precisavam de mudanças. Em seguida, os materiais produzidos na DCS foram enviados a um profissional designer e ilustrador (contratado) para a produção gráfica e diagramação da versão final do jogo.

Análise dos Dados

Para classificar, ordenar e sistematizar o material empírico adotou-se a análise temática(1818. Mendes RM, Miskulin RGS. A análise de conteúdo como uma metodologia. Cadernos de Pesquisa. 2017;47(165):1044-66. DOI: https://doi.org/10.1590/198053143988
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). Sucessivas leituras favoreceram o impregnar-se do material para codificar palavras e expressões em temas que deram origem ao conteúdo das cartas e regras do jogo. As características retratadas nas imagens do meio rural, pessoas e composição da comunidade foram analisadas como fundamentais para compor o jogo. Retiraram-se do Almanaque(1414. Partelli ANM, Cabral IE. Álcool e ritos de adolescentes em uma comunidade quilombola [Internet]. Rio de Janeiro: Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2016 [cited 2021 Aug 1]. Available from: http://repositorio.ufes.br/handle/10/6799
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) as bases científicas e legais das seções “você sabia?” e “curiosidades”, adaptando-as às cartas do jogo de tabuleiro.

Aspectos Éticos

Estudo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo, Centro Universitário Norte do Espírito Santo, parecer nº 2.451.977, ano de 2017, em conformidade com o disposto na Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde. Os pais ou responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Entre os adolescentes que, ao término da reunião de recrutamento, permaneceram na sala, aplicou-se o Termo de Assentimento. Adotou-se a anonimização com o sistema de identificação da sigla AD para adolescente; M ou F, para o sexo masculino ou feminino; e 1, 2, 3... para a sequência de intervenção narrativa na dinâmica (ADM1, ADF2...).

RESULTADOS

O número de adolescentes sofreu variação nos encontros (primeiro encontro, nove – três meninos e seis meninas; no segundo, seis – dois meninos e quatro meninas; e no terceiro, cinco meninas). Eles apresentavam idades entre 11 e 15 anos (sendo um menino com 11 e dois com 13 anos; e uma menina com 12 anos, duas meninas com 13, uma com 14 e duas com 15 anos), oito eram católicos e um evangélico. Todos cursavam o ensino fundamental, sendo que três na escola pluridocente da comunidade (do terceiro ao quinto ano) e seis na Escola Família Agrícola (do sexto ao nono ano) localizada fora da comunidade. Todos viviam em família com renda familiar mensal abaixo de um salário-mínimo.

Participação na Criação do Jogo de Tabuleiro

Após debate e negociação interna do grupo, os adolescentes decidiram pelo jogo de tabuleiro como o mais adequado para representar a HQ. O mosaico das produções artísticas (Figura 1A) representa a necessidade de o jogo retratar a comunidade onde vivem (suas casas, igreja, bares, plantações, árvore gameleira, rio), criando uma identidade infogeográfica e cultural. Nas imagens da figura, visualizam-se o fundo do jogo de tabuleiro com as casas ao longo de caminhos para demarcar “INÍCIO” e “FIM” do jogo. Nelas estão representados os obstáculos que desafiam o jogador ao lançamento do dado que indica o avanço ou o recuo das casas.

Figura 1
Mosaico das produções artísticas grupais de meninas e meninos (A). DCS “Brincando... transformando...” na composição do storyboard preliminar do jogo de tabuleiro (B) e cartas (C) elaborada pelos pesquisadores, baseando-se em imagens e narrativas dos adolescentes que participaram da DCS. São Mateus, Espírito Santo, Brasil, 2019.

As narrativas dos adolescentes na apresentação das produções artísticas.

No início do Jogo de Tabuleiro, a imagem da gameleira, um caminho que vai para o boteco e outro de volta para a casa da família. Aqui, [apontando para a imagem], é o início, com as plantações e o rio. No caminho para a casa da família, ele passa pela escola. Na porta de casa, a mãe e os filhos estão esperando por ele. Na entrada da casa, vai ter desafios. Lá na frente tem dois caminhos, joga-se o dado, e o dado vai decidir. Se cai o número dois, avança. Nos desafios há opção para avançar ou voltar (ADF1, ADM2, ADF5).

O grupo decidiu que o jogo de tabuleiro teria o mesmo nome da HQ “Uma História Possível”, se destinaria ao público alvo com idade entre 10 e 19 anos, podendo engajar-se até quatro jogadores. As peças de composição do jogo incluem um dado numerado de 1 a 6, quatro pinos com cores diferentes, regras e cartas com asserções de verdadeiro ou falso, perguntas e charadas com os conteúdos.

As regras foram estabelecidas a partir das narrativas dos adolescentes que participaram da DCS “Brincando... transformando...” com a finalidade de ajustar o comportamento e organizar as ações de cada participante no jogo. A primeira versão do storyboard do tabuleiro com as cartas é apresentada na Figura 1 (B e C), com a seguinte estrutura de retângulos, denominados “casa”. Uma casa de “INÍCIO”, sete casas direcionadoras das “CARTAS” – Verdadeiro ou Falso, Perguntas e Charadas – sobre a bebida alcoólica a ser problematizada; oito casas “CILADA” indicativas de “FIQUE UMA RODADA SEM JOGAR”; três botecos de venda de bebidas para indicar o “VOLTE AO INÍCIO”, uma casa “ATALHO” e outra para o “FIM” do jogo. As cartas do jogo de tabuleiro incluíram informações extraídas do roteiro da HQ, o conteúdo científico das seções “Verdadeiro ou Falso” e “Você sabia” do Almanaque “Álcool e ritos de adolescentes em uma comunidade Quilombola”(1414. Partelli ANM, Cabral IE. Álcool e ritos de adolescentes em uma comunidade quilombola [Internet]. Rio de Janeiro: Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2016 [cited 2021 Aug 1]. Available from: http://repositorio.ufes.br/handle/10/6799
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).

Das 17 cartas, sete corresponderam a mitos, tratamento, consequências e vulnerabilidades para que os jogadores atribuíssem “VERDADEIRO ou FALSO” às afirmativas. Seis “PERGUNTAS” sobre tipos de substância, medida do teor de álcool no sangue, comunidade, consequências e efeitos da bebida alcoólica. Quatro “CHARADAS” não continham informações sobre álcool, mas a intenção de mantê-las foi o de criar uma identidade do material educativo com o público-alvo a quem se destinava (Figura 1C e Figura 2).

Figura 2
O conteúdo das cartas do Jogo de Tabuleiro “Uma História Possível”.

Os adolescentes haviam produzido a imagem do caminho do jogo em linha reta (Figura 1A); a equipe de pesquisadores propôs um caminho circular na primeira versão do storyboard (Figura 1B); n entanto, após consulta ao Portal Raízes, alterou-se o caminho do jogo a ser percorrido para aproximá-lo da história dos ancestrais afrodescendentes e sua cultura. Dessa forma, a imagem inserida na Figura 2, que retrata a resistência dos negros na época da escravatura, foi inspiradora para o redesenho do caminho do Jogo de Tabuleiro. Os braços foram transformados em caminhos e o chicote em rio.

Avaliação do Jogo de Tabuleiro Pelo Público-Alvo

Quanto à apresentação do desenho do tabuleiro, os adolescentes avaliaram que o seu visual expressava a comunidade quilombola onde viviam. Porém, sugeriram mudanças nas regras de operacionalização do jogo.

A imagem do tabuleiro mostra o que há na nossa comunidade. Tem quer ter mais perguntas no tabuleiro. No atalho e no fim tinha que ter uma pergunta.../ganha quem responde uma pergunta. Sempre fica duas rodadas sem jogar // quando cair no V (verdadeiro) ou F (falso), deve ter explicação para continuar o jogo (ADM2).

É melhor diminuir a quantidade de rodadas sem jogar (ADM1 e ADM3).

Se não acerta volta uma casa (ADF4).

Para ganhar tem que tirar o número no dado e ainda tem que responder a pergunta. Se errar volta uma casa só, vai tentando até ganhar (ADM3).

Sobre o aspecto geral do jogo de tabuleiro, o grupo de adolescentes considerou-o:

(...) divertido, ficou irado!... maneiro, dá vontade de continuar jogando e de levar para casa (ADM1 e ADM2).

Após avaliação pelos adolescentes, as regras foram adaptadas a esse novo caminho, sendo acrescentados os tópicos: apresentação, informações, material que compõe o jogo e regras do jogo (Figura 3). A nova versão foi diagramada pelo ilustrador para compor o jogo educativo com 17 cartas.

Figura 3
Jogo de Tabuleiro “Uma história possível”. São Mateus, Espírito Santo, Brasil, 2020.

DISCUSSÃO

A participação de adolescentes de comunidade Quilombola na elaboração de um jogo de tabuleiro sobre o consumo de álcool reconhece a voz desse grupo como público alvo do jogo educativo. Foi um processo participativo que envolveu engajamento, democracia e interatividade na transformação de uma HQ em um jogo cujo tema central é o consumo de álcool, um tema sensível a ser abordado na promoção de saúde na adolescência.

Materiais educativos para adolescentes de comunidade Quilombola, como representantes de grupo com ancestrais do continente africano, são escassos(1919. Partelli ANM, Cabral IE. Stories about alcohol drinking in a quilombola community: participatory methodology for creatingvalidating a comic book by adolescents. Texto & Contexto – Enfermagem. 2017;26(4):e2820017. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072017002820017
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). Para muitas temáticas de interesse à promoção de saúde do adolescente, registra-se um vazio de informação que considere os componentes étnicogeográficos que lhes permitem criar identidade de leitores com personagens, cenários e contexto social. Esse grupo fica à margem do acesso a informações sobre saúde, pois materiais educativos têm refletido mais a visão ontológica do educador e do produtor da informação; ao invés de produzir saberes, constitui-se em invasão cultural(2020. Galli EF, Braga FM. O diálogo em Paulo Freire: concepções e avanços para transformação social. Quaestio – Revista de Estudos em Educação. 2017;19(1):161-80. DOI: https://doi.org/10.22483/2177-5796.2017v19n1p161-180
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). Os adolescentes puderam compartilhar suas experiências e vivências na construção e avaliação desse material.

A natureza participativa, baseada na comunidade e em arte, favoreceu a produção de uma tecnologia, unindo profissionais de saúde, pesquisadores e especialistas com os usuários no processo de cocriação. Nas discussões grupais, os adolescentes expuseram suas opiniões, crenças e valores, escutaram ativamente as diferentes percepções que estimularam a geração de novas ideias. Os jovens, quando convidados a participar do processo de cocriação, focado no desenvolvimento de uma realidade virtual, se sentem incluídos, empoderados e capacitados a gerar novas ideias(2121. Vallentin-Holbech L, Dalgaard JG, Dietrich T, Rundle-Thiele S, Majgaard G, Lyk P, et al. Co-Creating a Virtual Alcohol Prevention Simulation with Young People. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(3):1097. DOI: http://dx.doi.org/10.3390/ijerph17031097
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). Os materiais educativos têm grande importância no processo ensino-aprendizagem e de promoção da saúde, pois são qualificados como facilitadores da aprendizagem e não apenas como um recurso informacional(2222. Rocha EM, Paes RA, Sthal GM, Souza A. Cuidados Paliativos: Cartilha Educativa para Cuidadores de Pacientes Oncológicos. Clinical and Biomedical Research. 2019;39(1):40-57.,2323. Meneses RCT, Zeni PF, Oliveira CCC, Melo CM. Health promotion in a northeastern quilombola population – analysis of an educational intervention. Escola Anna Nery. 2015;19(1):132-9. DOI: https://doi.org/10.5935/1414-8145.20150018
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). Os jogos de tabuleiro são uma alternativa aos métodos educacionais tradicionais de ensino-aprendizagem na aquisição dos conhecimentos e tomada de decisão(2424. Valentim JCP, Meziat-Filho NA, Nogueira LC, Reis FJJ. ConheceDOR: the development of a board game for modern pain education for patients with musculoskeletal pain. Brazilian Journal of Pain. 2019;2(2):166-75. DOI: http://dx.doi.org/10.5935/2595-0118.20190030
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2626. Wait M, Frazer M. Investigating retention and workplace implementation of board game learning in employee development. Acta Commercii. 2018;18(1):a599. DOI: http://dx.doi.org/10.4102/ac.v18i1.599
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).

Evidências científicas apontam que a maioria dos jogos educativos produzidos sobre a temática drogas (incluindo o álcool) ainda não conseguiu ultrapassar a visão biomédica, estimulando a pessoa à memorização e ao condicionamento(11. Donoghue K, Rose H, Boniface S, Deluca P, Coulton S, Mohammed FA, et al. Alcohol Consumption, Early-Onset Drinking, and Health-Related Consequences in Adolescents Presenting at Emergency Departments in England. J Adolesc Health. 2017;60(4):438-46. DOI: https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2016.11.017
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,44. Moraes-Partelli AN, Cabral IE. Images of alcohol in the adolescents’ life of one quilombola community. Rev Bras Enferm. 2019;72(2):468-75. DOI: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0264
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,1919. Partelli ANM, Cabral IE. Stories about alcohol drinking in a quilombola community: participatory methodology for creatingvalidating a comic book by adolescents. Texto & Contexto – Enfermagem. 2017;26(4):e2820017. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072017002820017
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,2121. Vallentin-Holbech L, Dalgaard JG, Dietrich T, Rundle-Thiele S, Majgaard G, Lyk P, et al. Co-Creating a Virtual Alcohol Prevention Simulation with Young People. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(3):1097. DOI: http://dx.doi.org/10.3390/ijerph17031097
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,2323. Meneses RCT, Zeni PF, Oliveira CCC, Melo CM. Health promotion in a northeastern quilombola population – analysis of an educational intervention. Escola Anna Nery. 2015;19(1):132-9. DOI: https://doi.org/10.5935/1414-8145.20150018
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,2525. Fernandes CS, Angelo M, Martins MM. Giving Voice to Caregivers: a game for family caregivers of dependent individuals. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03309. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1980-220X2017013903309
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). Há necessidade de atualização científica e incorporação de conteúdos educativos criativos e críticos nos jogos educativos, além da incorporação do caráter étnico-racial(1111. Pasquim HM, Lachtim SAF, Soares CB. Drug content in games for mobile devices. Rev Esc Enferm USP. 2019;53:e03520. DOI: https://doi.org/10.1590/S1980-220X2018039403520
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). O jogo de tabuleiro produzido nesse estudo é um exemplo interessante de união dos aspectos culturais e étnicos/raciais com a crítica reflexiva para que educação em saúde seja emancipatória.

O consumo de álcool é um dos problemas de saúde pública na adolescência mais difíceis de ser enfrentado devido à maior vulnerabilidade desse grupo etário às influências dos estímulos socioambientais. Os hábitos e comportamentos estão em constante transformação, o que aumenta a exposição de adolescentes às vulnerabilidades(2727. Marim TD, Partelli ANM. Determinantes sociais em saúde na ótica de adolescentes: foto voz. Revista de Enfermería UFPE On Line. 2019;13:e239114. DOI: https://doi.org/10.5205/1981-8963.2019.239114
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). Especialmente para a população de adolescentes que vive em regiões rurais, há uma maior dificuldade de acesso a serviços e informações, além de haver menos estudos disponíveis apontando os reais problemas que afetam as estratégias de enfrentamento que se apoiam numa articulação intersetorial (saúde e educação) e em parcerias com a sociedade civil.

O grupo de adolescentes que vive em comunidades quilombolas é cultural e geograficamente diverso no Brasil, com desigualdades sociais e econômicas fundadas em uma economia de subsistência na exploração da terra. Tal marca foi reconhecida e está impressa no jogo de tabuleiro, por sua representação gráfica. Adolescentes inseridos no contexto de uma comunidade quilombola distinguem-se daqueles que pertencem a outras raças e etnias de origem causasiana, bem como a outras classes sociais. O adolescer entre os indivíduos que vivem em quilombos baseiase em princípios tradicionais com hábitos e costumes conservadores da ancestralidade africana. Nesse sentido, os valores e comportamentos têm matriz familiar e se reproduzem intergeracionalmente com o reforço de toda comunidade. Além dos aspectos citados, estudo de revisão, que não considera os aspectos étnicos-raciais, sugere que a mídia influencia positivamente para o aumento do consumo de álcool, o aumento do consumo excessivo de álcool e para comportamento perigoso de beber(2828. Noel JK, Sammartino CJ, Rosenthal SR. Exposure to Digital Alcohol Marketing and Alcohol Use: A Systematic Review. J Stud Alcohol Drugs. 2020; Suppl 19:57-67. DOI: https://doi.org/10.15288/jsads.2020.s19.57
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), porém estes aspectos não estavam presentes na HQ e, portanto, não foram considerados pelos adolescentes no presente jogo.

Como limitação do estudo, tem-se o alto custo do material impresso para disponibilização à população-alvo, pois o acesso à internet na comunidade rural é restrito. Além disso, o estudo foi desenvolvido em uma comunidade Quilombola, impossibilitando a generalização dos dados para contextos que não apresentem condições socioculturais assemelhadas.

Evidencia-se como implicação o fato de que houve um processo de criação de um jogo de tabuleiro, um recurso tecnológico de cuidado em saúde facilitador e norteador da discussão de temas relevantes, como o álcool. Na atenção à saúde, o jogo pode ser aplicado, respeitando-se as especificidades das demandas e necessidades desses adolescentes com foco na integralidade e equidade, de modo a superar as desigualdades sociais, que se mantêm no campo da saúde. Uma forma de contrapor a invasão cultural das etnias caucasianas colonizadoras sobre as afrodescendentes é promover a união dos conhecimentos da cultura local com o conhecimento científico, particularmente em relação ao consumo de álcool, por se tratar de um tema num material educativo que favorece a divulgação científica, permitindo que adolescentes reflitam sobre o mundo onde vivem.

CONCLUSÃO

O engajamento do grupo de adolescentes, que vive em um Quilombo, deu-se desde a concepção até a avaliação do jogo de tabuleiro, com potencial lúdico para o desenvolvimento de promoção de saúde e redução de agravos. Ademais, eles foram estimulados à reflexão sobre um contexto comunitário de permissividade cultural de uso do álcool; particularmente, em razão de características étnico-raciais afrodescendente moradores em quilombos, um grupo social pouco lembrado na produção de jogos.

O método criativo sensível foi estratégico para que o adolescente de uma comunidade Quilombola pudesse expressar sua crítica reflexiva ancorada no desenho de sua comunidade, como uma forma de expressão artística na criação do jogo. A metodologia de transformação de uma HQ em um jogo educativo, tendo o consumo de álcool como tema central, reconheceu a voz e participação ativa do adolescente de uma comunidade Quilombola.

EDITOR ASSOCIADO

Cássia Baldini Soares

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  • Apoio financeiro Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo – FAPES (Termo de Outorga: 172/17) O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Abr 2022
    • Data do Fascículo
      2022

    Histórico

    • Recebido
      31 Ago 2021
    • Aceito
      02 Fev 2022
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