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Integridade e ética na pesquisa e na comunicação científica: questões para a Enfermagem considerar

A integridade na pesquisa e a ética na comunicação científica foram dois temas debatidos no 4th World Conference on Research Integrity (4 th WCRI), por especialistas em ética, pesquisadores, revisores, autores, editores, editoras de revistas científicas institucionais e editoras corporativas ( Publishers ), agências públicas de financiamento e financiadores privados corporativos, estudantes de pós-graduação e público interessado. Entre as revistas de enfermagem brasileiras representadas no evento estavam a Revista Brasileira de Enfermagem (REBEn), a Revista da Escola de Enfermagem da USP (REEUSP) e a Escola Anna Nery Revista de Enfermagem.

O evento, que aconteceu na cidade do Rio de Janeiro entre os dias 3 e 6 de junho de 2015, é bienalmente promovido pelo Committee on Publication Ethics (COPE). Esta foi a quarta versão organizada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Ao longo de quatro dias, os participantes refletiram sobre os riscos da má conduta na pesquisa e na comunicação científica para a credibilidade da ciência mundial, especialmente junto aos formuladores de políticas públicas e a sociedade em geral.

A má conduta na pesquisa tem implicações éticas, sociais, políticas e econômicas tanto para os autores como para as instituições onde as pesquisas são desenvolvidas, por serem fontes geradoras de falsas ciências (1Furman JL, Jensen K, Murray F. Governing knowledge in the scientific community: exploring the role of retractions in biomedicine. Res Policy. 2012;41(2):276-90.) . Os periódicos predatórios, que entram no mercado editorial competitivo para atrair autores, instituições e financiadores de pesquisa pouco informados, oferecendo espaços de publicação sem custo ou com custo mínimo, tornam a ciência ainda mais vulnerável.

Um estudo realizado em 2012 (2Fang FC, Steen RG, Casadevall A. Misconduct account for the majority of retracted scientific publications. Proc Natl Acad Sci U S A [Internet] 2012 [cited 2015 June 16];109(42):17028-33. Available from: Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3479492/
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles...
) indica que na base de indexação do PubMed o primeiro artigo retratado em 1977 foi publicado em 1973. Esse dado demarca a incipiência do tema na comunidade científica internacional, no contínuo de 38 anos, considerando o ano de 2015.

Embora o debate sobre a integridade na pesquisa seja relativamente novo na história da comunicação científica, numa perspectiva globalizada, há um número crescente de artigos científicos retratados ( retraction ) devido à fraude por fabricação e falsificação de dados, manipulação de imagens, plagiarismo, autoplagiarismo, duplicação e erros, por exemplo.

Em uma análise de 2.047 artigos de pesquisa de biomedicina e ciências da vida retratados no PubMed, os autores (2Fang FC, Steen RG, Casadevall A. Misconduct account for the majority of retracted scientific publications. Proc Natl Acad Sci U S A [Internet] 2012 [cited 2015 June 16];109(42):17028-33. Available from: Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3479492/
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles...
) constataram que somente 21,3% deviam-se a erro; a maioria (67,4%) era por má conduta, sendo que 43,4% deviam-se à suspeita de fraude ou fraude, 14,2% à duplicação, 9,8% à plágio. Observou-se ainda correlação entre o fator de impacto da revista e a causa da retratação. As revistas com maior fator de impacto teve mais casos de retratação por fraude ou erro, e aquelas com menor fator de impacto apresentaram mais plágio e duplicação.

A página eletrônica Retraction watch ( http://retractionwatch.com ), criada por um grupo de jornalistas independentes, em agosto de 2010, vem divulgando os manuscritos que foram retratados pelo próprio autor ou pela revista, estimulando o processo de autocorreção e o debate sobre a má prática científica. As disputas de autorias, editoras e financiadores têm resultado em judicialização e em indenizações financeiras milionárias, além da exposição negativa da imagem de pessoas, agências, serviços e governos. Tudo isso acentua o debate sobre a ciência junto à opinião pública.

Um survey realizado nos Estados Unidos com 1.675 revisores de revistas científicas abordou questões éticas relacionadas a conflito de interesse, à proteção de participantes seres humanos, ao plagiarismo, à duplicação de publicação, a dados não representativos etc. Na revisão dos artigos, 20% deles se defrontaram com dilemas éticos, sendo os mais comuns a desproteção dos participantes e o plagiarismo total ou parcial (3Steneck NH. Fostering integrity in research: definitions, current knowledge, and future directions. Sci Eng Ethics. 2006;12(1):53-74.) .

Em Retraction watch ( http://retractionwatch.com/category/nursing-retractions/ ), entre 2011 e 2013, foram registrados 10 artigos de enfermagem retratados, sete do mesmo autor. Os principais motivos foram conflito de interesse, mau uso dos dados, plágio e uso inadequado de referências. Comparada a outras ciências, a enfermagem representa um número de casos muito pequeno, entretanto, a má conduta científica é um risco real para essa ciência em construção.

Temas relacionados à má conduta na comunicação científica parece ter chegado ao conjunto das preocupações da ciência da enfermagem, bem mais recentemente. Uma busca na base do PubMed no dia 3 de agosto de 2015, combinando as palavras-chave plagiarismand nursing resultou em 99 produções, sendo a primeira publicação datada de 1983. Os temas recorrentes associados à má conduta foram fraude por falsificação ou fabricação de dados, plagiarismo, autoplagiarismo, autoria, duplicidade de publicação e conflito de interesse.

Em estudo publicado em 2014 (4Fierz K, Gennaro S, Dierickx K, Van Achterberg T, Morin KH, De Geest S . Scientific misconduct: also an issue in nursing science? J Nurs Scholarsh. 2014;46(4):271-80.) , os autores destacaram que entre as produções acadêmicas de estudantes de pós-graduação, constatou-se a falsificação ou fabricação de dados em 4% a 17% dos relatórios, e o plágio correspondeu a 8,5% a 16,4% dos materiais.

Uma das possibilidades de prevenção do plágio é a adoção de ferramentas eletrônicas de busca de similaridades (5Silva KL, Mello BLD, Pieri FM, Évora YDM, Melo MRAC. Programas de busca de similaridade no combate ao plágio: contribuições para educação. J Health Inform. 2014;6(1):10-4.) . No entanto, essa medida não é suficiente para combater a má conduta científica.

A defesa de uma cultura científica baseada em boas condutas implica a necessidade de articular os princípios de honestidade, confiabilidade, imparcialidade independente, comunicação aberta, zelo e justiça com a produção e comunicação da ciência. Nesse sentido, é preciso apontar os riscos da má conduta científica, seja porque há forte pressão para que pesquisadores e estudantes de pós-graduação publiquem mais, seja pela ação deliberada ou pouco consciente dos riscos que dela decorrem. Portanto, combater a má prática requer educação dirigida aos princípios da integridade na pesquisa; pautar o tema nas entidades científicas, nas agências de fomento e nas pós-graduações; maior observância às instruções aos autores para que zelem pela integridade; maior rigor dos revisores científicos e editores no processo de análise dos manuscritos; adoção de instrumentos e ferramentas que ajudem as Revistas a prevenirem as más práticas na comunicação científica para que haja a disseminação da verdadeira ciência.

A importância do tema é tamanha que várias entidades, incluindo a Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), prontamente se pronunciaram em seus newsletters , repercutindo amplamente em comentários veiculados em periódicos ou em ações tomadas. Dentre elas, consideramos de alta relevância a disponibilização do CITI pela ABEC para qualificar todos os níveis de pesquisadores para a integridade em pesquisa. Ainda, o 67 oCongresso Brasileiro de Enfermagem, sediado em outubro deste ano na Cidade de São Paulo, contará com atividade de reflexão e discussão, trazendo para os participantes a Dra. Rosemary Sadami Arai Shinkai, Membro do Conselho Deliberativo e COPE Charity Director entre maio de 2012 a maio de 2015. A Enfermagem deverá comprometer-se, assim como os demais campos da ciência, com a integridade em pesquisa, produzindo meios de aperfeiçoamento, qualificação e produção de conhecimentos nesta área, assumindo de maneira enfática a defesa da ética e do rigor nas pesquisas e na divulgação. Os programas de pós-graduação, assim como os periódicos científicos, podem (e devem) ser os líderes deste processo.

References

  • 1
    Furman JL, Jensen K, Murray F. Governing knowledge in the scientific community: exploring the role of retractions in biomedicine. Res Policy. 2012;41(2):276-90.
  • 2
    Fang FC, Steen RG, Casadevall A. Misconduct account for the majority of retracted scientific publications. Proc Natl Acad Sci U S A [Internet] 2012 [cited 2015 June 16];109(42):17028-33. Available from: Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3479492/
    » http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3479492/
  • 3
    Steneck NH. Fostering integrity in research: definitions, current knowledge, and future directions. Sci Eng Ethics. 2006;12(1):53-74.
  • 4
    Fierz K, Gennaro S, Dierickx K, Van Achterberg T, Morin KH, De Geest S . Scientific misconduct: also an issue in nursing science? J Nurs Scholarsh. 2014;46(4):271-80.
  • 5
    Silva KL, Mello BLD, Pieri FM, Évora YDM, Melo MRAC. Programas de busca de similaridade no combate ao plágio: contribuições para educação. J Health Inform. 2014;6(1):10-4.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out 2015
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