Acessibilidade / Reportar erro

Mobilizando-se para a família: dando um novo sentido à família e ao cuidar

Moving to the family: giving a new definition for the family and the care

Movilizandose para la familia: dando una nueva definicion a la familia y el cuidado

Resumos

Frente à necessidade de compreender como o enfermeiro direciona-se para as famílias, importando-se em cuidar delas, o presente estudo, utilizando-se do Interacionismo Simbólico como referencial teórico, e do Interacionismo Interpretativo como referencial metodológico, obteve narrativas biográficas de doze enfermeiras pediatras enfocando tal aspecto. Os dados analisados reconstruíram uma estória que apresenta epifanias que alteraram significados, verificando que é por meio da definição e reflexão sobre família e cuidar que há a mobilização para a família.

Família; Enfermagem pediátrica; Cuidados de enfermagem; Enfermagem da família


Identifying the need to comprehend how nurses 'move' to the family, with the intention of caring for them, the present study obtained twelve biographical narratives of pediatric nurses. The theoretical approach adopted was the Symbolic Interactionism and the methodological one was the Interpretative Interactionism. The analysis of the data allowed the reconstruction of a story which showed that through modifying the concept of caring and family is the process that approximate the pediatric nurses progressively to the family, to a being with them, reaching the freedom to act.

Family; Pediatric nursing; Nursing care; Family nursing


Fente a la necesidad de comprender como el enfermero direcciona su trabajo en el cuidado de las familias, el presente estudio, utilizando el Interacionismo Simbólico como referencial teórico y el Interacionismo Interpretativo como referencial metodológico, obtuvo narrativas biográficas de doce enfermeras pediátricas , enfocando tal aspecto. Los datos analizados recontruyeron uma historia que contiene los elementos de sensibilización, verificando que es por medio de la definición y reflexión sobre la familia y en el cuidado de ella, que el enfermero pediátrico se abre (amplia) , progresivamente, para la família para poder estar junto a ella, alcanzando la libertad de acción.

Familia; Enfermeria pediatrica; Atencion de Enfermeria; Enfermeria de la familia


Mobilizando-se para a família: dando um novo sentido à família e ao cuidar* * Dissertação apresentada à Escola de Enfermagem da USP para obtenção do título de Mestre de 2001.

Moving to the family: giving a new definition for the family and the care

Movilizandose para la familia: dando una nueva definicion a la familia y el cuidado

Monika WernetI; Margareth ÂngeloII

IProfessora do Centro Universitário São Camilo e da Universidade do Grande ABC. Membro do GEENF - Grupo de Estudos em Enfermagem e Família. Mestre em Enfermagem. mwernet@ig.com.br

IIProfessor Titular do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem - USP. Coordenadora do GEENF - Grupo de Estudos em Enfermagem e Família

RESUMO

Frente à necessidade de compreender como o enfermeiro direciona-se para as famílias, importando-se em cuidar delas, o presente estudo, utilizando-se do Interacionismo Simbólico como referencial teórico, e do Interacionismo Interpretativo como referencial metodológico, obteve narrativas biográficas de doze enfermeiras pediatras enfocando tal aspecto. Os dados analisados reconstruíram uma estória que apresenta epifanias que alteraram significados, verificando que é por meio da definição e reflexão sobre família e cuidar que há a mobilização para a família.

Palavras-chave: Família. Enfermagem pediátrica. Cuidados de enfermagem. Enfermagem da família.

SUMMARY

Identifying the need to comprehend how nurses 'move' to the family, with the intention of caring for them, the present study obtained twelve biographical narratives of pediatric nurses. The theoretical approach adopted was the Symbolic Interactionism and the methodological one was the Interpretative Interactionism. The analysis of the data allowed the reconstruction of a story which showed that through modifying the concept of caring and family is the process that approximate the pediatric nurses progressively to the family, to a being with them, reaching the freedom to act.

Keywords: Family. Pediatric nursing. Nursing care. Family nursing.

RESUMEN

Fente a la necesidad de comprender como el enfermero direcciona su trabajo en el cuidado de las familias, el presente estudio, utilizando el Interacionismo Simbólico como referencial teórico y el Interacionismo Interpretativo como referencial metodológico, obtuvo narrativas biográficas de doce enfermeras pediátricas , enfocando tal aspecto. Los datos analizados recontruyeron uma historia que contiene los elementos de sensibilización, verificando que es por medio de la definición y reflexión sobre la familia y en el cuidado de ella, que el enfermero pediátrico se abre (amplia) , progresivamente, para la família para poder estar junto a ella, alcanzando la libertad de acción.

Palabras-clave: Familia . Enfermeria pediatrica. Atencion de Enfermeria. Enfermeria de la familia.

INTRODUÇÃO

"A família é um grupo auto-identificado de dois ou mais indivíduos, cuja associação é caracterizada por termos especiais, que podem ou não estar relacionados a linhas de sangue ou legais mas, que funcionam de modo a se considerarem uma família".(1)

Podemos verificar semelhantes elementos de caracterização na definição "família uma comunhão interpessoal de amor"(1), onde no interpessoal há a menção de pessoas interagindo, na comunhão está o significado do compromisso entre estas pessoas, e no amor encontra-se a base da associação segundo a autora.

Estas concepções enquadram-se na perspectiva sistêmica e interacionista de família que afirma que toda e qualquer vivência interfere e altera o 'funcionamento' da mesma, que busca sempre uma forma de reestruturação e rearranjo, para continuar visando seus ideais, sejam eles novos e/ou antigos. Assim, a família possui capacidade de adaptabilidade para manter e perpetuar o seu contínuo movimento de almejar o bem viver.

Nesta perspectiva, cuidar de família envolve a ciência de que ela "é quem ela diz ser"(2) e, que estes 'indivíduos'que a compõem estão unidos por laços relacionais que mantém aquele sistema 'funcionando' em busca de suas metas. O enfermeiro consegue cuidar dela quando for capaz de perceber que é por meio de retroalimentações que estes indivíduos em ação/interação, que ocorre a busca do equilíbrio, dos seus ideais. Nesta dinâmica a família detém a capacidade de encontrar suas respostas porém, às vezes, depara-se com dificuldades que interferem em sua característica de encontrá-las. É normalmente neste momento que expressa suas necessidades, que precisa ser ouvidas por alguém, que pode ser cuidada.

Contudo, é verificável que poucos são os enfermeiros que se preocupam em cuidar de família; que percebem a importância da mesma no bem-estar individual e grupal e, que a reconhecem como contexto central para a manutenção deste bem-estar.

A Associação Americana de Enfermagem veio a reconhecer a família como elemento a ser cuidado apenas em 1980(3), o que reafirma a precoce consciência do enfermeiro da família como elemento a ser cuidado.

Assim, a inclusão da família nas ações desenvolvidas pelos mesmos ganha, paulatinamente, espaço no contexto mundial e brasileiro. Porém, no contexto brasileiro há ainda uma forte tendência dela ser 'fonte e receptáculo de informações'(1). Esta crença na relação de cuidado pouco responde às necessidades da família pois, não a considera em sua unicidade, em suas verdades, em seus norteadores do viver, em suas capacidades. Frente a esta postura o cuidado oferecido pelo profissional enfermeiro fica pouco específico e terapêutico.

Incluir família no cuidar do enfermeiro exige estar aberta e atenta às interações, ao impacto das vivências, exige conhecer dinâmicas, crenças, e formas de adaptação a situações diversas. Estes saberes encontram-se parcialmente comentados em registros formais de conhecimentos teóricos como teses, dissertações, livros, periódicos. Porém, só estes saberes não são suficientes para se conseguir cuidar da família. O cuidar acontece em um contexto interacional, de vivências compartilhadas(4).

A enfermagem é o cuidar e, para tanto, necessita reconhecer as individualidades pessoais daqueles com os quais está relacionando-se por meio do cuidado(4) .Portanto, a família deve ser conhecida como uma pessoa com suas características e necessidades particulares.

Interessante é que o enfermeiro considera-se como conhecedor da família porém, ao ponderar melhor sobre esta questão e ampliar seus conhecimentos a respeito nota seu tímido domínio sobre a temática ou, até seu despreparo ou engano a respeito.

Por exemplo, enfermeiras que participaram de um projeto que visou a adoção de um cuidado centrado na família identificou que os enfermeiros acreditavam já estarem envolvidos com a família no cuidar porém, nas atividades do projeto, acabaram por perceber que não englobavam a família no seu cuidar(5).

Na prática de enfermagem há uma discrepância entre a percepção dos enfermeiros e a suas ações, sendo pouco consistente o cuidado oferecido às famílias(6).

Refletindo a respeito, questiona-se o motivo desta discrepância, seria uma incompatibilidade no modo de como, teoricamente, se pensa família e na real concepção desta entidade. Ou seja, será que realmente a família é considerada pelos enfermeiros? Ou, será que, por saberem que existem teorias que norteiam um cuidar valorizador da família, citam e até dominam seus princípios. Mas, isto não os toca interiormente, ou seja, eles não acreditam nos resultados benéficos possíveis de serem alcançados por esta perspectiva de cuidar.

Assim, o presente artigo apresenta os resultados da dissertação de mestrado que buscou compreender como ocorre a sensibilização do enfermeiro pediatra para a família. Trata-se de um público específico, porém contribui com conceitos que podem ser abstraídos para situações similares vivenciadas pela Enfermagem em outras especialidades.

REFERENCIAL TEÓRICO E METODOLÓGICO

Em virtude da necessidade do conhecimento e compreensão dos significados presentes na mobilização do enfermeiro pediatra para a família foi adotado como referencial teórico o Interacionismo Simbólico e como referencial metodológico o Interacionismo Interpretativo.

As premissas blumerianas do Interacionismo Simbólico são:

- os seres humanos agem com as 'coisas' em função do significado que elas têm para eles;

- o significado destas 'coisas' emerge na interação social;

- os significados são manipulados e alterados por processos interpretativos(7).

Assim, o ser humano é tido como um ser que interage, interpreta, define e age no seu contexto, de acordo com o significado atribuído às situações vivenciadas(7). Ou seja, os seres humanos estão constantemente vindo a ser, tornando-se, e são as interações que influenciam as definições dos elementos presentes em cada situação e determinam como estas serão consideradas pelo indivíduo que ativamente construirá sua resposta.

Portanto, podemos afirmar que:

- o enfermeiro age em relação à família com base no significado que família e cuidar tem para ele;

- o significado que o enfermeiro atribui a família é construído na interação dele com a família nos diversos contextos;

- os significados de família e cuidar são alterados e revisados nos contínuos processos interativos providos pelas situações de estar com a família nos diversos contextos de ação do enfermeiro;

- o cuidar da família é expresso pelas ações manifestadas após processos de significação.

Como o objetivo foi compreender a sensibilização do enfermeiro para a família, fez se necessário compartilhar vivências de enfermeiros pediatras. Assim, encontramos no Interacionismo Interpretativo descrito por Denzin(8), um referencial metodológico que nos ofereceu respaldo para tal necessidade.

O Interacionismo Interpretativo é uma metodologia de pesquisa qualitativa que reconhece estar na experiência vivida os significados das ações(8). Tal metodologia visa a obter descrições densas e detalhadas de vivências que alteraram a forma de agir das pessoas no contexto no qual estão inseridas. Esta modificação de ação é desencadeada pela revelação de significados diferentes daqueles presentes no rol de conceitos que a pessoa detinha. Estas experiências biograficamente importantes recebem o nome de epifanias e influem diretamente na forma como o indivíduo interagirá com e em seu contexto.

As fases deste método são:

- delimitação da questão em estudo;

- desconstrução e análise crítica das concepções prioritárias do fenômeno que envolve descobrir as concepções existentes com relação ao fenômeno em estudo, com posterior posicionamento crítico em relação a estes dados e, a seguir, apresentar as pré-concepções e os norteadores que circundam a compreensão do fenômeno;

- apreensão do fenômeno, onde há a localização e situalização do contexto em estudo;

- redução do fenômeno, com o isolamento do fenômeno do contexto no qual ele aconteceu através da localização e isolamento de frases chaves, com posterior interpretação das mesmas;

- construção do fenômeno, onde se formula uma nova estruturação do fenômeno por articular novamente os dados através dos significados adquiridos na fase anterior;

- contextualização visa a dar interpretação e conseqüente significado ao fenômeno, recolocando-o no contexto dos participantes(8).

Foram obtidas narrativas de doze enfermeiras pediatras que, de alguma forma, consideravam-se valorizadoras da família em suas ações de cuidar. As narrativas foram coletadas através da entrevista aberta, norteada pela questão 'Conte para mim como foi que se deu este seu cuidar valorizador da família'.

Porém, antes do início da entrevista sempre se resgatou junto da enfermeira sua confirmação de se perceber como alguém valorizador da família no desenvolver de suas ações de enfermagem e, seu consentimento livre e esclarecido para participação no estudo.

As narrativas foram integralmente gravadas e transcritas, para, a seguir, serem analisadas conforme preconizado pelo Interacionismo Interpretativo.

RESULTADOS

A análise das entrevistas possibilitou a verificação de que, na mobilização da enfermeira pediatra para a família, há, simultaneamente, um processo de conceituação da família e do cuidar. Em função da nova significação a estes elementos, ocorre a modificação da ação junto à família, passando a mesma a ser objeto de assistência destas enfermeiras.

Nesta trajetória há respetivamente, três epifanias:

• A família é provedora de bem-estar à criança (representada pela categoria Vendo a família como provedora de bem-estar à criança);

• A família é sujeito do cuidado de enfermagem ( representada pela categoria Vendo a família como sujeito do cuidado);

• Para exercer o cuidar necessita-se agir com liberdade ( representado pela categoria Sentindo-se diferente: a liberdade de ser).

Assim, os resultados serão apresentados mostrando como se processou cada uma destas epifanias, bem como o reflexo destes significados revelados sobre o ser e estar das enfermeiras, detalhando com isto a mobilização delas para a família.

A primeira epifania, Vendo a família como provedora de bem-estar à criança, é o resultado de dois eventos representados pelas subcategorias: associando criança com família e percebendo o sofrimento da criança na ausência da família.

O primeiro processo acontece quando, entrando em contato com crianças em situações onde desenvolvem o cuidado, seja na graduação ou nos diversos contextos já como profissionais, deparam-se, direta ou indiretamente com a família. Ou seja, as famílias passam a aparecer para as enfermeiras no desenvolvimento de suas atividades e, estas a conceituam como aquelas pessoas que estão presentes junto da criança, aquelas pessoas com quem a criança se identifica, com quem a criança se sente bem. Ilustram suas falas mais freqüentemente com a figura da mãe.

"E, não dá para você trabalhar com uma criança sem ter um contato com a família"(enfermeira 3)

"A mãe eu falo por ser a mãe que está mais perto, mais presente, ela sempre está lá para ajudar a criança..." (enfermeira 11)

As enfermeiras veêm a criança como um ser vulnerável, o que desperta compaixão, sentindo-se impulsionadas a fazerem algo em prol da mesma. Esta percepção aproxima as mesmas da criança objetivando tentar diminuir ou eliminar seu sofrimento. Por meio desta tentativa acabam por verificar que a família age para minimizar o sofrimento da criança, trazendo uma chupeta, ficando próxima, acalentando-a após situações de estresse, impedindo a realização de procedimentos, insistindo em comentar informações peculiares sobre a criança... Enfim, a família executa ações que passam a ser compreendidas pelas enfermeiras como ações que visam diminuir o sofrimento da criança. Portanto, o contato com crianças também acresce um outro conceito: o de que família é provedora de bem-estar à criança.

"A família parece trazer segurança para a criança, a criança se sente defendida pela mãe, pela avó, e eles realmente tentam defender a criança, carregam, querem saber detalhes, é algo muito nítido, eu sempre percebia que quando a mãe estava perto era diferente: o sofrimento era menor."(enfermeira 8)

Como resultado desta primeira epifania, as enfermeiras, verificando que a família está junto da criança e consegue deixá-la mais tranqüila, tentam, em primeira instância, desenvolver ações por elas observadas que, normalmente, ao serem realizadas pela família acalmavam e/ou acalentavam a criança. Ou seja, ao imitarem a família em algumas ações, buscam ser provedoras de bem-estar para a criança.

Porém, percebem que apenas a família consegue resultados que realmente culminam no maior bem-estar da criança.

"Eu até tentava falar, fazer as coisas que a mãe fazia para a criança, mas o resultado era outro, a criança não se acalmava."(enfermeira 9)

"Não sei, parece existir uma magia, você faz igualzinho à mãe, mas a criança continua nervosa." (enfermeira 8)

Ao imitarem, as enfermeiras aproximam-se da vivência compartilhada, passam a identificar-se com alguns elementos que possuem sentido para elas, pois, de alguma maneira, já os experimentaram, como família e/ou como criança. Esta identificação com a vivência compartilhada, constitui-se num aspecto que mantém o processo de abrir-se para a família, uma vez que a partir deste fato é que reafirmam para si a veracidade de suas percepções, de suas observações, dos significados construídos até então.

"Então eu já fui o outro lado e isso me ajudou bastante. Às vezes, se você nunca passou por isso, você não imagina como está a família. Então isso me ajudou muito a enxergar a família." (enfermeira 3)

A empatia pela vivência das pessoas presentes no contexto de cuidado desencadeia nas enfermeiras a segunda epifania encontrada: Vendo a família como sujeito de cuidado. A consolidação desta categoria ocorre por meio de três processos/ subcategorias: Tentando compreender a família; Buscando conhecimentos para cuidar da família, Tentando cuidar da família.

Aproximando-se da vivência compartilhada permite às enfermeiras observarem que a família sofre com a situação experiênciada pela criança, percebem que a família sofre desestruturação também, que ela busca se reestruturar, que ela possui necessidades e que precisa conseguir de alguma forma participar da situação, ter um certo domínio dela para voltar a garantir certa proteção à criança.

As enfermeiras que atingem este momento da trajetória passam a estar tentando compreender a família e, ao realizar tal ato há uma intensificação do processo reflexivo, do processo de observação, da interação mediada pelo seu 'eu'e o seu 'mim'.

"Aí a família te chama e te pergunta, e pergunta, e pergunta. Ela quer saber mais, ela quer saber do tratamento, quer saber quando a criança vai embora, o que é que eu estou achando, faz parte das necessidades dela, não me incomodo, procuro responder o que sei e auxilia-la no que posso..." (enfermeira10)

Assim, as enfermeiras querem compreender a experiência da família, querem descobrir conceitos que as auxiliarão no cuidar das mesmas, o que faz com que elas estejam Buscando conhecimentos para cuidar da família.

"Fui procurar cursos sobre a família, pois sinto que preciso mais saberes, ainda faço as coisas meio que achando, sei lá, parece ser apenas intuições, sabe aquilo, eu já passei algo assim, acho que é melhor fazer isto." (enfermeira 7)

Paralelamente à busca de conhecimentos para o estar com a família, já vão tentando cuidar da família. Isto acontece, pois, perceberam que ela é alguém que não é passível de ser substituída, e de que é alguém que tem necessidades. Tal fato faz com que elas sintam-se 'obrigadas' a realizarem ações que a incluam. Ou seja, eticamente são mobilizadas a iniciar um estar de forma diferente com a família.

Então, passam a desenvolver contatos mediados pela questão do dever, buscando cuidar bem da família. Ações realizadas de forma ainda muito rígida, presas, sem naturalidade e sempre centradas no próprio julgamento do que é bom ou ruim, do que é necessário para aquela família, que explicação e ensinamentos precisam ser ofertados, isto é, sempre agem com um único referencial: o seu próprio ser.

"... eu percebia que fazia tudo muito forçado, parecia que se eu não fizesse estava negando a família."(enfermeira 11)

Com isto, ao tentarem compreender a família, buscarem conhecimentos para cuida-la e tentarem cuidar dela, as enfermeiras definiram para si que família é alguém que deve ser incluída no cuidar.

Como conseqüência desta epifania, elas lentamente deixam de Ter um foco de cuidado centrado apenas na criança e passam a Ter seu foco de cuidado centrado na criança e na família, ainda que neste momento de forma rígida, mediada pelo dever. Portanto, vão cuidando a seu modo de famílias, o que permite perceberem que a família espera outras coisas e não as regras, os ensinamentos padronizados, as orientações pré-fixadas que elas vem desenvolvendo.

O estar avaliando o cuidar de famílias oferece ampliação das ações de cuidar possíveis de serem adotadas junto à família. Assim, elas passam a criticamente observar os resultados das próprias ações e a de outras pessoas, refletindo a respeito.

"... muitos profissionais já vão invadindo o espaço da família, falam o que deve ou não ser feito, criticam as coisas que ela faz mas, não param para perguntar porquê ela estava fazendo isto, aquilo..." (enfermeira 11)

A percepção consciente desta necessidade de incluir família suscita angústia nas enfermeiras que querem encontrar formas diferentes de fazerem suas ações. Assim, começam a entrar em contato com a família de outra forma: passam a querer saber quais são as reais necessidades da família e começam a tentar ter uma relação mais aberta para alcançar tal fato.

Portanto, é em função das ações forçadas a incluir família que passam a sentir necessidade de estarem de forma menos presa, mais livre para ser, querendo cuidar de famílias.

"Hoje eu me sinto mais à vontade na relação com o familiar. Isto é, eu não estou presa às obrigações de falar, de orientar, sei lá, eu entro em contato mais solta, eu procuro perceber o que eles estão precisando e, daí sim, eu faço algo. É um contato que vai acontecendo de acordo com o que eles vão expressando, é mais solto, mas, só assim é um contato onde a família consegue falar." (enfermeira 9)

Com isto, há um progressivo pensar, refletir e relacionar-se com famílias, desenvolvendo ações de forma a ir ao encontro das necessidades apontadas pelos indivíduos presentes no cenário de cuidado. Tal atitude aproxima sua pessoa das famílias, o que gera prazer e impulsiona-as a continuarem entrando em contato com famílias. Passam a conceber que o estar perto da família é importante para o cuidar, o estar abrindo-se para a experiência da família é mantenedor de seu cuidar.

As enfermeiras que conseguem interagir de forma aberta com a família e aceitarem esta maneira de viver livremente a experiência, sem amarras mas, apenas de forma a respeitar seu diálogo interior contextualizado, vivenciando e interpretando a situação em sua atualidade, utilizando com segurança suas experiências anteriores como referências, mas, não como dogmas a serem seguidos, alcançam a liberdade de ser.

Esta liberdade na relação de cuidar permite a elas perceberem que muitos dos demais profissionais que estão à sua volta exercem suas atividades de maneira rotineira, sem envolvimento, apenas cumprindo supostas tarefas. E, esta forma de cuidar não atinge o sujeito do cuidado, no caso, famílias. Portanto, um terceiro conceito é revelado: para exercer o cuidar necessita-se agir com liberdade.

Esta terceira epifania, Sentindo-se diferente: a liberdade de ser, conflui dois processos/subcategorias: Sendo reconhecida como alguém preocupada com família e Avaliando o contexto que a cerca.

Ao refletirem sobre o contexto que as cerca, referem que a maioria dos enfermeiros não considera a família como sujeito de cuidado, prevalecendo aqueles que não identificam solicitações da família e aqueles que optam pelo afastamento sempre que percebem que existe a família no contexto. Chegam a afirmar que o contexto é um lócus que apenas cumpre a lei de permitir a presença da família junto da criança, com pouca iniciativa para aprimorar o trabalho e a inclusão desta família no cuidar.

"Porque a própria população de enfermeiros que trabalhava comigo tinha esse enfoque: família não faz parte do cuidar do enfermeiro." (enfermeira 1)

Frente ao contexto e à postura da maioria dos colegas de trabalho das enfermeiras do estudo, elas se conceituavam como enfermeiras que possuíam uma consideração para a família mas, sentiam-se diferentes por estarem fora do aparente consenso de não incluir família no cuidar.

"Acho que é difícil falar em um olhar para a família, quando você fala em família num contexto onde nem todo mundo vê desta forma." (enfermeira 8)

Porém, apesar disto, eram procuradas e acessadas quando existia algo relacionado à família. Podemos concluir que estavam sendo reconhecidas como alguém preocupada com família.

"Quando a família era difícil, todos da equipe queriam que eu fosse conversar, que eu fosse ver o que dava pra fazer. Falavam que eu tinha mais jeito com a família." (enfermeira 10)

Com este conceito de ser alguém com liberdade para cuidar, é que a enfermeira caminha para a aceitação dos outros de um modo atento, aberto, sentindo-se capaz de permitir que o suas ações fluam e sejam neste estar com o outro. Este fato mobiliza a enfermeira para manter-se no contínuo processo de transformação, ou seja, tornando-se sempre elas próprias em suas formas de ser.

Como resultado das epifanias, verificamos que a trajetória de mobilização para a família tem como categoria central : Dando um novo sentido 'a família e ao cuidar. Foi através da revelação de conceitos para cuidar e família que as enfermeiras aproximaram-se das famílias.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O imperativo da pulsão das enfermeiras pediatras para a família esteve ligado à dimensão moral do agir. Ou seja, elas transformam o agir respaldado no cumprimento de regras e deveres em uma ação conectada com sua consciência. Esta postura conduz ao questionamento de suas ações e, por meio disto vai progressivamente alcançando a forma que ela quer agir, sem desrespeitar preceitos morais, mas ponderando-os de forma crítica.

Esta trajetória de mobilização para a família é caracterizada por ponderações da moralidade, via o compartilhar de vivências humanas difíceis, desenvolvendo-se um conhecimento, inicialmente, científico e intelectual, que se amplia para além desses limites e alcança o ser um certo tipo de pessoa que é capaz de comunicar ao outro ser humano o seu ser humano. Com isto, passa a expressar o profissional enfermeiro que ela quer expressar.

Entende-se que é o explorar da ação que a transpõe de um cuidar genérico e não profissional para o iniciar de um cuidado profissional e moral. Explicando melhor, nesta mobilização do enfermeiro pediatra para a família, caracterizada pelo "dar um novo sentido à família e ao cuidar", inicialmente transitam estas enfermeiras pela questão do dever rígido, norteado por verdades que ainda não foram internalizadas ao seu ser, que mediadas por vivências de sofrimento e desencadeadoras de compaixão, provocam uma abertura das mesmas para a experiência das pessoas que estavam cuidando. Com isto, novas significações emergem desta interação com o contexto de cuidar, de onde culmina um conhecimento ampliado, identificado, respeitoso, levando as enfermeiras a optarem pela inclusão da família em suas ações de cuidado. E esta opção de deixar-se progressivamente ser tocada pelo contexto de cuidado onde há vivências de famílias traduz o seu desejo de serem reconhecidas como pessoas que estão junto da família, pessoas que, por opção, por vontade própria querem incluir e cuidar de família.

Na trajetória de mobilização para a família a reflexão a cerca de atos foi o meio pelo qual ocorreram as elucidações de fatos, de conceitos, de posturas, foi o que permitiu, através das epifanias, a ampliação de perspectivas, a aquisição de conhecimentos, de instrumentos para cada vez mais, agirem conectadas à própria moralidade, com responsabilidade para ser.

Com isto, acredito que oportunizar reflexões, construção de próprios saberes deve ser a responsabilidade de todo humano para com o outro humano, e, portanto, de cada enfermeiro com outro enfermeiro/futuro enfermeiro, para oportunizar que ele seja agente construtor de seu saber. É só este saber construído que consegue realmente imprimir mudanças de atitudes e colaborar com o crescimento da Enfermagem como cuidar.

Recebido: 15/04/2002

Aprovado: 04/04/2003

  • (1) Ângelo M. Com a família em tempos difíceis: uma perspectiva de enfermagem. [tese] São Paulo (SP): Escola de Enfermagem da USP; 1997.
  • (2) Wright LM, Leahey M. Nurses and families - a guide to family intervention. 2nd. ed. Philadelphia: FA Davis; 1994.
  • (3) Gilliss CL. Family nursing research, theory and practice. Image J Nurs Sch 1991; 23(1): 19-22.
  • (4) Boykin A, Schoenhofer S. Nursing as caring - a model of transforming practice. New York: National League for Nursing Press; 1993.
  • (5) Leahey M, Harper-Jaques S, Stout L, Levac AM. The impact of a family nursing approach: nurses'perceptions. J Contin Educ Nurs 1995; 26(5): 219-225.
  • (6) Bruce B, Ritchie J. Nurses'practice and perceptions of family -centered care. J Pediatr Nurs 1997; 12(4): 214-222.
  • (7) Blumer H. Symbolic interactionism: perspective and method. Englewood Cliffs: Prentice-Hall; 1969.
  • (8) Denzin NK. Interpretative interactionism. California: SAGE Publications; 1989. (applied social research methods series; v.16)
  • *
    Dissertação apresentada à Escola de Enfermagem da USP para obtenção do título de Mestre de 2001.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Dez 2008
    • Data do Fascículo
      Mar 2003

    Histórico

    • Recebido
      15 Abr 2002
    • Aceito
      04 Abr 2003
    Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: reeusp@usp.br