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A inserção profissional de enfermeiros licenciados: um estudo de egressos

Inserción laboral de licenciados en enfermería: estudio sobre graduados

RESUMO

Objetivo

Analisar a inserção profissional de enfermeiros licenciados, considerando a conformação atual do trabalho na área da saúde e na formação dos trabalhadores técnicos, na perspectiva da formação de profissionais atuantes no SUS.

Método

Estudo quantitativo, transversal e exploratório, com análise estatística descritiva e inferencial por teste exato de Fisher, com 105 egressos de um curso de Bacharelado e Licenciatura. Aplicado questionário eletrônico.

Resultados

Os egressos atuam como enfermeiros (n = 59, 56,2%) e professores (n = 18, 17,1%). A área com maior absorção dos egressos foi a hospitalar (n = 37; 62,7%), o setor público (n=35; 59,3%) e a educação profissional técnica de nível médio (n = 16, 88,9%). 56 (72,7%) estavam insatisfeitos com a renda. 59 (76,6%) indicaram rendimentos incompatíveis com o trabalho.

Conclusão

A atuação dos egressos enfrenta problemas quanto às políticas atuais, com limites na valorização do trabalhador da saúde e da educação como bem público. Avanços na valorização da profissão do enfermeiro licenciado são necessários, considerando a relevância desse profissional no sistema de saúde e de educação e a natureza de sua práxis de educar e cuidar com potencial transformador.

Enfermagem; Educação em Enfermagem; Ensino Superior; Estudantes de Enfermagem

RESUMEN

Objetivo

Analizar la inserción laboral de licenciados en enfermería, considerando la conformación actual del trabajo del área de salud y de formación de trabajadores técnicos, en vista de la formación de profesionales actuantes en el SUS.

Método

Estudio cuantitativo, transversal, exploratorio, con análisis estadístico descriptivo e inferencial por test exacto de Fisher, con 105 graduados de un curso de Licenciatura y Profesorado. Aplicado cuestionario electrónico.

Resultados

Los graduados actúan como enfermeros (n = 59; 56,2%) y profesores (n = 18; 17,1%). Las áreas con mayor captación de graduados fueron: la hospitalaria (n = 37; 62,7%), el sector público (n = 35; 59,3%) y la educación profesional técnica nivel medio (n = 16; 88,9%). 56 (72,7%) mostraron insatisfacción por sus ingresos. 59 (76,6%) refirieron ingresos incompatibles con el trabajo.

Conclusión

La actuación de los graduados enfrenta problemas respecto de las políticas actuales, que limitan la valoración del trabajador de salud y de educación como bienes públicos. Son necesarios avances de valoración profesional del enfermero docente, considerando la importancia de estos profesionales en el sistema de salud y educativo, y el carácter de su praxis de educar y cuidar con potencial transformador.

Enfermería; Educación en Enfermería; Educación Superior; Estudiantes de Enfermería

ABSTRACT

Objective

To analyze the professional insertion of registered nurses, taking into account the current structure of work in the health area and in the training of technical workers, from the perspective of training of professionals who will develop their activities in the Brazilian Unified Health System.

Method

Quantitative, cross-sectional, and exploratory study, with descriptive and inferential statistical analysis using Fisher’s exact test, carried out with 105 alumni of a nursing undergraduate course. An electronic questionnaire was applied.

Results

The alumni worked as nurses (n = 59, 56.2%) or teachers (n = 18, 17.1%). The areas with the greatest absorption of alumni were hospitals (n = 37, 62.7%), the public sector (n = 35, 59.3%), and high-school level technical professional education (n = 16, 88.9%). Most participants were dissatisfied with their income (n = 56, 72.7%) and pointed out that the received values were incompatible with the work (n = 59, 76.6%).

Conclusion

The alumni faced problems in developing their professional activities, especially because of the current policies, which establish limits on the recognition of healthcare workers and education as a public asset. Progress in the recognition of the profession of registered nurse is necessary, given the relevance of these professionals in the health and education systems and the nature of the profession’s practice of providing education and care, which have a transformative potential.

Nursing; Education, Nursing; Education, Higher; Students, Nursing

INTRODUÇÃO

O Curso de Licenciatura em Enfermagem, no Brasil, foi criado no final dos anos de 1960 pelo Parecer nº 837/68 da Câmara de Ensino Superior, concedendo o título de licenciado em enfermagem, para atender à exigência social de formação profissional de nível médio (auxiliares e técnicos em enfermagem). A criação desse curso levou em consideração a necessidade da formação pedagógica dos enfermeiros que atuariam como professores. Necessidade essa mantida em períodos históricos posteriores, considerando-se a oferta crescente de cursos técnicos na área e seu impacto no cuidado em saúde. Atualmente, os cursos de licenciatura em enfermagem se fundamentam nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Enfermagem11. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES n° 3, de 7 de novembro de 2001. Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem. Diário Oficial União, Brasília, DF, 2001 Nov 9;Section 1: 37. e nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial em nível superior em licenciatura, formação pedagógica para graduados e curso de segunda licenciatura, ou seja, para a formação de professores da educação básica22. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno. Resolução nº 2, de 1 de julho de 2015. Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura). Brasília, DF, 2015 Jul 2;Section 1:8-12..

Com a institucionalização do Sistema Único de Saúde (SUS) no final da década de 1980, imprime-se ainda, com mais ênfase, a necessidade de ser repensada a formação dos trabalhadores técnicos, tendo em vista a perspectiva de construção de novo modelo assistencial.

Um dos compromissos com a qualidade da formação dos técnicos em enfermagem, que representam atualmente cerca de 1,3 milhão de profissionais no Brasil (além de cerca de 421 mil auxiliares de enfermagem)33. Conselho Federal de Enfermagem. Enfermagem em números. Quantitativos de profissionais por região [Internet]. Brasília, DF: Conselho Federal de Enfermagem; 2019 [cited 2020 Jun 21]. Available from: http://www.cofen.gov.br/enfermagem-em-numeros
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, envolve a formação pedagógica de enfermeiros que atuam como professores na modalidade educação profissional técnica de nível médio.

Cabe retomar que as origens da educação profissional no Brasil remontam, dentre outros aspectos, a uma estratégia de empregabilidade dos filhos da classe operária, tendo em vista o dualismo estrutural na educação que demarca a organização do sistema educacional, diferenciando a formação no ensino médio da formação na educação profissional, estando implícita a divisão entre aqueles que concebem e controlam o processo de trabalho e aqueles que o executam. Essas origens ainda se associam à necessidade de preencher lacunas de mercado de trabalho advindas da crescente industrialização44. Ciavatta M, Ramos M. [Secondary and vocational education in Brazil: duality and fragmentation]. Rev Retratos Escola. 2011;5(8):27-41. Portuguese. https://doi.org/10.22420/rde.v5i8.45
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. As políticas para a formação de professores para a educação profissional técnica de nível médio, no Brasil, são frágeis, levando com frequência à atuação de “professores” com formação profissional em área específica e alguma experiência prática, portanto desprovidos de formação para a docência55. Corrêa AK, Sordi MRL. The secondary technical-professional education in the SUS and the teacher training policy. Texto Contexto - Enferm. 2018;27(1):e2100016: https://dx.doi.org/10.1590/0104-07072018002100016
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.

Aliado a isso, ao longo de períodos históricos diversos, pesquisas indicam a precariedade nas relações de trabalho e duplos ou múltiplos empregos66. Frozoni RC, Souza MCB. [Professional education in nursing: socio-economic profile of teachers of a municipality in the state of São Paulo]. Rev Eletr Gestão Saúde. 2013;(spe):1680-93. Portuguese. https://doi.org/10.18673/gs.v1i1.22968
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.

No que se refere ao trabalho específico como enfermeiro nos serviços de saúde, a realidade atual também vem sendo demarcada por condições que são fruto dos rumos político-econômicos neoliberais: ritmo intenso de trabalho, redução quantitativa e alta rotatividade de trabalhadores, vínculos precários, baixos salários e perda de direitos trabalhistas. Condições essas que repercutem negativamente no cuidado de enfermagem77. Souza NVDO, Gonçalves FGA, Pires AS. Neoliberalist influences on nursing hospital work process and organization. Rev Bras Enferm. 2017;70(5):912-9. https://doi.org/ 10.1590/0034-7167-2016-0092
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.

No cenário atual, marcado pelas políticas neoliberais, a saúde e a educação vêm sendo consideradas muito mais como bens passíveis de troca no mercado do que como bens públicos, trazendo repercussões que comprometem o trabalho.

Assim, é necessário olhar para essa realidade e buscar estratégias de enfrentamento. Compreende-se que estudos de egressos contribuem para essa análise, pois apresentam subsídios para as Instituições de Ensino Superior (IES), no sentido de fortalecer a formação ético-política que considere a enfermagem para além de sua dimensão técnica. Além disso, estudos de egressos possibilitam que as IES valorizem, no processo de aprendizagem e nos currículos, aspectos apontados pelos sujeitos que já vivenciaram o processo de formação e, nesse sentido, atentem para lacunas identificadas, além de maximizar as potencialidades para garantia de uma formação de qualidade.

Nesse sentido, questiona-se: os egressos do curso de Bacharelado e Licenciatura em foco estão inseridos no mercado de trabalho? Quais são os principais espaços de inserção profissional dos enfermeiros licenciados egressos desse curso? Quais os desafios que vêm sendo enfocados por eles na sua inserção profissional? Quais são as relações entre esses desafios e a conformação atual do trabalho na área de saúde e na formação dos trabalhadores técnicos?

Este estudo teve o objetivo de analisar a inserção profissional de enfermeiros licenciados, considerando a conformação atual do trabalho na área da saúde e na formação dos trabalhadores técnicos, na perspectiva da formação de profissionais atuantes no SUS.

MÉTODO

DESENHO DO ESTUDO

Trata-se de um estudo de caráter quantitativo, do tipo exploratório-descritivo, com delineamento transversal, com amostra não probabilística – intencional.

POPULAÇÃO

O convite de participação na pesquisa foi realizado para todos os egressos do curso de Bacharelado e Licenciatura em Enfermagem de uma universidade pública brasileira, no estado de São Paulo, graduados no período compreendido entre 2010 e 2015, totalizando 242 pessoas. O contato com os participantes da pesquisa foi realizado a partir dos registros dos formandos disponibilizados pela Instituição de Ensino. No entanto, foi necessária uma busca intensa em redes sociais, para a atualização dos endereços eletrônicos e o envio do convite para participação na pesquisa.

A amostra do estudo consistiu em 105 estudantes egressos que responderam completamente o questionário da pesquisa.

COLETA DE DADOS

A coleta de dados foi conduzida por meio de questionário eletrônico, na plataforma REDCap88. Harris PA, Taylor R, Thielke R, Payne J, Gonzalez N, Conde JG. Research electronic data capture (REDCap): a metadata driven methodology and workflow process for providing translational research informatics support. J Biomed Inform. 2009;42(2):377-81. https://doi.org/ doi: 10.1016/j.jbi.2008.08.010.
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, de uso gratuito. O formulário contém questões fechadas de múltipla escolha e questões abertas abordando dados de caracterização dos participantes, inserção no mundo de trabalho, condições de trabalho, renda, satisfação profissional e formação na graduação. Vale destacar que os egressos tinham a possibilidade de indicar mais de uma opção na maior parte das questões, selecionando as que melhor os representassem. O convite de participação foi enviado para os e-mails dos egressos, entre junho de 2016 e abril de 2017, em três momentos distintos, na busca de ampliar o número de participantes88. Harris PA, Taylor R, Thielke R, Payne J, Gonzalez N, Conde JG. Research electronic data capture (REDCap): a metadata driven methodology and workflow process for providing translational research informatics support. J Biomed Inform. 2009;42(2):377-81. https://doi.org/ doi: 10.1016/j.jbi.2008.08.010.
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. Foi estimado o envio após, no mínimo, seis meses de formação, para compreender-se a inserção na trajetória profissional.

ANÁLISE E TRATAMENTO DOS DADOS

Foi realizada análise estatística descritiva, incluindo medidas de tendência central e frequências; e, adicionalmente, estatística inferencial por meio do teste exato de Fisher.

ASPECTOS ÉTICOS

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, sob o Parecer no 920.125/2014, em conformidade com a Resolução no 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde99. Brasil. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Dispõe sobre diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial União, Brasília, DF, 2013 Jun 13;Section 1:59.. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi veiculado em meio virtual, por meio da própria plataforma on-line. Referente aos riscos e benefícios da pesquisa, ressalta-se que não houve riscos diretos. Os participantes foram orientados, caso houvesse desconforto ao responder ao questionário, que não haveria prejuízos em não prosseguir, além de informá-los de que, a qualquer momento, poderiam solicitar esclarecimentos acerca do estudo.

RESULTADOS

A amostra de egressos do curso de Bacharelado e Licenciatura em Enfermagem apresentou inserção profissional tanto na atuação como enfermeiro (n = 59, 56,2%) quanto como professor (n = 18, 17,1%), sendo que 28 egressos (26,6%) selecionaram a opção sem emprego no momento da coleta de dados. Vale ressaltar que 75 egressos (71,4%) possuíam entre 2 e 3 empregos no momento da coleta de dados. Quanto à trajetória profissional, 31 participantes (29,5%) afirmaram que se encontravam no primeiro emprego e 70 (66,7%), que o emprego atual não era a primeira experiência.

Quanto à distribuição por sexo, 12 egressos (11,4%) eram homens e a expressiva maioria era composta por 93 mulheres (88,6%). A média de idade dos participantes foi 28,8 anos no momento da coleta de dados (mínimo 23 anos, máximo 35 anos, desvio padrão 2,5 anos).

A área do sistema de saúde com maior absorção dos egressos foi a hospitalar com 37 enfermeiros (62,7%), assim como 35 (59,3%) enfermeiros atuando no setor público, maioria em comparação ao privado particular e filantrópico. Dentre os professores, 5 (27,7%) atuavam em instituição pública e 13 (72,2%) em instituição privada. Ainda em relação à docência, a educação profissional técnica de nível médio foi a principal responsável pela empregabilidade, atingindo a marca de 16 (88,9%) dos egressos.

Dos 16 enfermeiros licenciados que se inseriram na educação profissional, a expressiva maioria, 14 (87,5%), o fez por satisfação pessoal, na profissão docente e, pelo interesse na área educacional, 13 (81,2%); nenhum o fez por considerar adequada a remuneração na área; cinco (31,2%) se inseriram por necessidade de renda; todavia, dentre esses, nenhum aceitou o trabalho por considerar a remuneração adequada, nem consideraram que se inseriram na profissão em razão das perspectivas de crescimento e plano de carreira. Ainda, dentre o total de professores atuantes na educação profissional técnica de nível médio, apenas cinco (31,2%) afirmaram julgar a carga horária adequada às suas necessidades, quatro (25,0%) tinham perspectivas de crescimento na carreira e cinco (31,2%) afirmaram receber valorização e reconhecimento na atuação como professor.

Considerando os 105 egressos, 79 (75,2%) informaram a renda mensal individual com valor médio igual a R$3.549,34; com mínimo de R$600,00 e máximo de R$12.000,00. Dentre os valores da renda, dez deles (12,6%) eram inferiores a dois salários mínimos (valor no período de coleta de dados: R$937,00) e 19 (24,0%) informaram que sua renda era auferida pela atuação em dois e três empregos, cuja média mensal foi de R$4.931,57.

Tomando-se como hipótese nula que, independentemente do número de empregos, os egressos têm a mesma probabilidade de estarem insatisfeitos com a renda, esta permaneceu verdadeira no teste exato de Fisher (p = 0,55), indicando que mesmo os egressos que têm mais de um emprego não se sentem satisfeitos com a remuneração.

Dentre os 18 egressos que atuam como professores, nove possuem dois empregos (50,0%), dois possuem três empregos (11,1%) e sete possuem apenas um emprego (38,9%). Este dado deve ser analisado e discutido junto com a questão dos salários, na perspectiva do emprego de professor como uma complementação da renda mensal, especificamente, na educação profissional técnica de nível médio, modalidade na qual atua a maioria. Nesse contexto da soma de ofícios, o teste de hipóteses confirma que a chance de o egresso receber renda mensal inferior à média de seus pares é maior entre os que atuam como enfermeiros (p = 0,01) do que entre os que atuam como professores (p = 0,07).

Ainda diante da variável renda, 26 participantes (24,8%) não informaram o rendimento, mas, desses, oito afirmaram ter emprego, o que representa 30,7% de missing de dados referente à renda mensal da amostra que é certamente remunerada. Cabe ressaltar que, dentre os egressos que possuem renda, 11 (13,9%) afirmaram não ter emprego, mas indicaram algum valor, na pesquisa, referente aos ganhos pessoais, o que provavelmente represente bolsistas de pós-graduação, conforme apresentado na Figura 1.

Figura 1
– Renda mensal dos egressos de um curso de Bacharelado e Licenciatura de Enfermagem – Ribeirão Preto, 2018.

Dos 77 participantes que trabalhavam no momento da coleta de dados, 56 (72,7%) não estavam satisfeitos com a renda proveniente do trabalho e 59 (76,6%) acreditavam que os rendimentos não eram compatíveis com o trabalho realizado, reforçando a expressiva percepção de remuneração abaixo do que é considerado razoável para profissionais da saúde e da formação de futuros profissionais do SUS.

É necessário salientar que vários egressos selecionaram não ter emprego, mas indicaram remuneração, enquanto alguns consideraram a bolsa e dedicação à pós-graduação como um emprego, limitando a análise de satisfação com a renda dentre os bolsistas. Apesar dessa limitação, em um recorte seguro de 17 egressos que claramente se intitularam estudantes e bolsistas de pós-graduação, 12 (70,5%) apontaram insatisfação com a renda e 15 (88,2%) acreditavam que a remuneração é insuficiente em comparação ao esforço de trabalho realizado.

Outro dado interessante, podendo retratar o contexto de crise econômica do Brasil, indica que as probabilidades estatísticas de os mais recentemente formados (entre 2014 e 2015) (p = 0,05) terem salário inferior à média é maior. A estatística reflete renda mensal média superior entre os que se formaram entre 2010 e 2011 (p = 0,01), enquanto não é significativa entre os que se formaram entre 2012 e 2013 (p = 0,63). Cabe ressaltar que esse achado pode se dar tanto pela conjuntura econômica do país quanto pela possibilidade de progressão na carreira e aumento de rendimentos decorrentes do tempo de atuação em um mesmo emprego.

Quanto à inserção no mercado de trabalho, 58 (56,3%), dentre 105 respondentes, afirmaram ter apresentado alguma dificuldade, sendo as principais: 58 (55,2%), falta de experiência prática e 36 (34,3%), ausência de vagas compatíveis com a profissão na cidade de residência; seguidas de 15 (14,3%), percepção de falta de qualificação, 12 (11,4%), remuneração incompatível com a posição a ser ocupada e cinco (4,8%), problemas de ordem pessoal.

Apesar de 72 (69,9%) dos participantes indicarem insegurança ao ingressar no mercado, 84 (80,0%) julgam que o curso os preparou satisfatoriamente ou muito satisfatoriamente para a atuação nos serviços de saúde e 97 (92,4%) apresentam a mesma opinião quanto à formação para a área do ensino de enfermagem.

Quando questionados sobre se o emprego atual era o primeiro, 70 responderam que não, correspondendo a 69,3% das respostas válidas. Em se tratando de egressos com no mínimo um e no máximo cinco anos desde a obtenção do título da graduação, 61 (58,1%) já pensaram em deixar a profissão por uma ou múltiplas razões, sendo que 143 vezes apareceram motivos para essa opção na amostra, a saber: falta de reconhecimento e valorização, 42 (40,0%); remuneração incompatível com o trabalho, 35 (33,3%); desgaste por carga horária excessiva, 31 (29,5%); falta de plano de carreira, 25 (23,8%); e nova escolha de profissão, 10 (9,5%). Não houve relação estatística entre sexo feminino ou masculino quanto à intenção de deixar a profissão (p = 0,55).

Analisando se, dentre os participantes cuja renda mensal é inferior à média da amostra, haveria maior probabilidade de se ter pensado em desistir do curso, obteve-se que esta hipótese é refutada estatisticamente (p = 0,63), reforçando a perspectiva multifacetada desse fenômeno e que demanda análise de profundidade em estudos futuros. O principal motivo de permanência no trabalho foi majoritariamente em razão da satisfação pessoal alcançada com a profissão, 68 (64,8%), indicando a importância de incentivo institucional para garantir a atuação desses profissionais em médio e longo prazo, sobretudo ao se considerar o impacto das ações do enfermeiro e do professor na estruturação do SUS no Brasil.

Foi possível concluir que, dentre os que recebem rendimentos mensais menores que a média dos pares, há maior procura pela pós-graduação lato sensu (p = 0,03). Por outro lado, na pós-graduação stricto sensu e na residência, esta hipótese foi rejeitada (p = 0,09 e p = 0,48, respectivamente). É necessário considerar que as motivações para se inserir na pós-graduação, em qualquer modalidade, vão para além do panorama financeiro e associam interesses profissionais relativos à ascensão na carreira, aspirações pessoais e oportunidades, aspectos que podem ser retomados em estudos futuros.

Quanto às relações de gênero, analisou-se que, dentre os dez melhores rendimentos (entre R$5.500,00 e R$12.000,00), quatro pertenciam a egressos do sexo masculino (40,0%), o que não corresponde à distribuição esperada considerando uma amostra predominantemente feminina (proporção 9:1). Há que considerar a associação de empregos que ocorreu em 60,0% dos casos, sendo igualmente distribuídos entre homens e mulheres (Figura 2).

Figura 2
– Distribuição de renda mensal e número de empregos por sexo – Ribeirão Preto, 2018.

DISCUSSÃO

Apesar de a maioria dos participantes desta pesquisa estar inserida no mercado de trabalho, seja nos serviços de saúde seja na educação profissional técnica de nível médio, foram indicadas dificuldades para essa inserção, principalmente em razão dos aspectos de inexperiência dos egressos e ausência de vagas. Pesquisa de âmbito nacional também apresenta, em seus indicadores, que 78,9% dos enfermeiros relataram dificuldades para encontrar emprego, mas que apenas 12,4% estavam desempregados1010. Machado MH, Wermelinger M, Vieira M, Oliveira E, Lemos W, Aguiar Filho W, et al. Aspectos gerais da formação da enfermagem: o perfil da formação dos enfermeiros, técnicos e auxiliares. Enferm Foco. 2016 [cited 2020 Jun 21];6(2/4):15-34. Available from: http://revista.cofen.gov.br/index.php/enfermagem/article/view/687/297
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, semelhante aos achados deste estudo.

A falta de experiência como dificuldade de inserção profissional também foi apontada pelos enfermeiros em estudos recentes1010. Machado MH, Wermelinger M, Vieira M, Oliveira E, Lemos W, Aguiar Filho W, et al. Aspectos gerais da formação da enfermagem: o perfil da formação dos enfermeiros, técnicos e auxiliares. Enferm Foco. 2016 [cited 2020 Jun 21];6(2/4):15-34. Available from: http://revista.cofen.gov.br/index.php/enfermagem/article/view/687/297
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-1111. Barbosa ACS, Silva LF, Friedrich DBC, Püschel VAA, Farah BF, Carbogim FC. Profile of nursing graduates: competencies and professional insertion. Rev Latino-Am Enfermagem. 2019;27:e3205. https://doi.org/10.1590/1518-8345.3222.3205.
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, com resultados similares aos desta pesquisa, seguida pela pouca oferta de empregos ou escassez de concursos no tempo de procura. Assim, mantém-se um padrão de desafios vivenciados pelos enfermeiros para a inserção profissional.

Os egressos do curso em análise, apesar de manifestarem a dificuldade da falta de experiência na inserção profissional, expressaram que se sentiram adequadamente preparados como enfermeiro e professor no curso de graduação. Cabe destacar que os participantes vivenciaram uma proposta curricular que valoriza, em muitas disciplinas, a articulação teórico-prática, além da inserção nos cenários de prática profissional, desde o primeiro ano do curso, e a realização dos estágios curriculares em diversos locais da área da saúde e da educação. Assim, há de ser considerado que as primeiras experiências profissionais, entendidas como processos de socialização, são desafios a serem enfrentados, tendo em vista, inclusive, a necessidade de continuidade de formação no mundo do trabalho profissional, a partir da formação inicial.

Em estudo que enfoca a inserção profissional de professores iniciantes na educação básica, é comentado que os processos de socialização implicam em buscas, construções, ansiedades, escolhas, frustrações, desistências, mas também realizações e adesão à profissão1212. Almeida MI, Pimenta SG, Fusari JC. [Socialization, professionalization and the work of novice teachers]. Educar Rev [Internet]. 2019 [cited 2020 jun 22]; 35(78):187-206. Portuguese. Available from: https://revistas.ufpr.br/educar/article/view/66134
https://revistas.ufpr.br/educar/article/...
.

Destacam-se, nos resultados, visões dos enfermeiros licenciados sobre as condições de trabalho, envolvendo, dentre outros aspectos, multiemprego e salários inadequados, o que vem sendo apontado por outros estudos77. Souza NVDO, Gonçalves FGA, Pires AS. Neoliberalist influences on nursing hospital work process and organization. Rev Bras Enferm. 2017;70(5):912-9. https://doi.org/ 10.1590/0034-7167-2016-0092
https://doi.org/...
,1313. Santos TA, Silva HS, Silva MN, Coelho ACC, Pires CGS, Melo CMM. Job insecurity among nurses, nursing technicians and nursing aidesin public hospitals. Rev Esc Enferm USP. 2018 52:e03411. http://doi.org/10.1590/S1980-220X2017050503411
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De acordo com o levantamento sobre a renda de egressos dos cursos de engenharia, medicina e licenciatura nas diversas áreas, encontrou-se considerável discrepância: em meio ao recorte de classificação do curso com conceito médio no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (conceito 3, na escala de 1 a 5), a hora de trabalho do recém-formado da medicina vale R$58,60, enquanto a do egresso de engenharia vale em média R$22,30, e a dos licenciados nas diversas áreas do conhecimento vale em média R$7,14. Supondo carga horária média semanal igual a 40 horas para todas as categorias analisadas, inclusive a da enfermagem nesta amostra, teremos que o rendimento mensal, por categoria, será de R$9.376,00 para o médico, R$3.568,00 para o engenheiro, R$1.142,00 para o licenciado nas diversas áreas1414. Maciente NA, Nascimento PAM, Servo LMS, Vieira RS, Silva CA. A inserção de recém-graduados em engenharias, medicina e licenciaturas no mercado de trabalho formal. Radar [Internet]. 2015 [cited 2020 Jan 30]; 38:7-22. Available from: http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/4236
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e R$2.892,00 para o enfermeiro licenciado, considerando dados desta pesquisa. Semelhantemente, em um estudo recente interessado em compreender a situação migratória dos enfermeiros, a média de rendimento mensal desse profissional no Brasil foi de R$2.341,171515. Silva KL, Sena RR, Tavares TS, Belga SMMF, Maas LWD. Migrant nurses in Brazil: demographic characteristics, migration flow and relationship with the training process. Rev Latino-Am Enferm. 2016;24:e2686. https://doi.org/10.1590/1518-8345.0390.2686
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As condições de trabalho, além de estarem relacionadas à atuação nos serviços de saúde, também têm relação com a docência na educação profissional técnica de nível médio, nas escolas técnicas da área da saúde, cenário de atuação que tem suas fragilidades, predominantemente no setor privado.

Dentre os egressos que atuam como professores, a maioria trabalha na formação de técnicos de enfermagem. A escola técnica como campo profissional vem se expandido para o enfermeiro professor, tendo em vista que, dentre os cursos de educação profissional com maior número de matrículas na rede privada, a enfermagem ocupa o primeiro lugar55. Corrêa AK, Sordi MRL. The secondary technical-professional education in the SUS and the teacher training policy. Texto Contexto - Enferm. 2018;27(1):e2100016: https://dx.doi.org/10.1590/0104-07072018002100016
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Apesar da formação qualificada do egresso no contexto da educação profissional técnica de nível médio, as condições de trabalho ainda estão aquém do desejável e estimulam os enfermeiros a adotarem a educação como um segundo ou terceiro emprego, como ficou evidenciado na amostra estudada.

A realidade da ampliação da jornada de trabalho é corroborada por outras pesquisas voltadas para a docência na educação básica1616. Jacomini MA, Penna MGO. Teaching career and recognition of the significance of teaching: working conditions and professional development. Pro-posições. 2016;27(2):177-202. https://doi.org/10.1590/1980-6248-2015-0022
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-1717. Alves T, Pinto JMR. Payment and characteristics of the teaching work in Brazil: a contribution of data from school census and PNAD. Cad Pesq. 2011;41(143):606-39. https://doi.org/10.1590/S0100-15742011000200014
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e para a especificidade da educação profissional técnica de nível médio na enfermagem66. Frozoni RC, Souza MCB. [Professional education in nursing: socio-economic profile of teachers of a municipality in the state of São Paulo]. Rev Eletr Gestão Saúde. 2013;(spe):1680-93. Portuguese. https://doi.org/10.18673/gs.v1i1.22968
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. Essa situação denota a desvalorização do trabalho do professor da educação básica no país, sobretudo na formação de profissionais técnicos, tendo relação com a conformação histórico-social da educação profissional técnica de nível médio no Brasil.

Na questão da diferenciação de remuneração por sexo, há uma discussão crescente acerca das relações de poder no mercado de trabalho que figuram o homem como principal provedor e a mulher como provedora complementar, reforçando as desigualdades nos rendimentos que foram identificadas neste estudo, corroborando outro estudo recente com enfermeiros brasileiros1818. Melo CMM, Carvalho CA, Silva LA, Leal JAL, Santos TA, Santos HS. Nurse workforce in state services with direct management: revealing precarization. Esc Anna Nery. 2016;20(3):e20160067. https://doi.org/10.5935/1414-8145.20160067
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.

Considerando que a força de trabalho na enfermagem é majoritariamente feminina, e assim o tem sido desde o surgimento da profissão, esse fator social parece repercutir na baixa remuneração dos enfermeiros. Os resultados deste estudo reforçam que, mesmo internamente na categoria de enfermeiros, há distinção de rendimentos quando comparados homens e mulheres, reforçando o quadro hegemônico do mercado de trabalho diante do sexo, como mostrou a Figura 2, configurando-se em uma relação de gênero.

A intenção de desistência da profissão apareceu na amostra, com quase 60% de frequência entre os egressos. Os motivos que levam a essa intenção são multifacetados, e as principais causas apresentadas vão ao encontro de outra pesquisa nacional: insatisfação com as condições de trabalho, com o vínculo empregatício, com o salário e com a consequente necessidade de combinar mais que um emprego1010. Machado MH, Wermelinger M, Vieira M, Oliveira E, Lemos W, Aguiar Filho W, et al. Aspectos gerais da formação da enfermagem: o perfil da formação dos enfermeiros, técnicos e auxiliares. Enferm Foco. 2016 [cited 2020 Jun 21];6(2/4):15-34. Available from: http://revista.cofen.gov.br/index.php/enfermagem/article/view/687/297
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Estudos em cenários internacionais revelam também a intenção de abandono da profissão entre jovens graduados em enfermagem, cujas motivações foram atribuídas, dentre outras, à sobrecarga de trabalho (sobretudo nos primeiros cinco anos de atuação profissional)1919. Cachula KM, Myrick F, Yonge O. Letting go: how newly graduated registered nurses in Western Canada decide to exit the nursing profession. Nurse Educ Today. 2015;35(7):912-8. https://doi.org/10.1016/j.nedt.2015.02.024
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-2020. Kox JAHM, Groenewoud JH, Bakker EJM, Bierma-Zeinstra SMA, Runhaar J, MIedema HS, Roelofs PDDM. Reasons why Dutch novice nurses leave nursing: a qualitative approach. Nurse Educ Pract. 2020;47:102848. https://doi.org/10.1016/j.nepr.2020.102848
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, baixa satisfação com o ambiente de trabalho e déficit de qualidade no mesmo, incluindo as relações interprofissionais com colegas1919. Cachula KM, Myrick F, Yonge O. Letting go: how newly graduated registered nurses in Western Canada decide to exit the nursing profession. Nurse Educ Today. 2015;35(7):912-8. https://doi.org/10.1016/j.nedt.2015.02.024
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. Não houve, em estudo semelhante2020. Kox JAHM, Groenewoud JH, Bakker EJM, Bierma-Zeinstra SMA, Runhaar J, MIedema HS, Roelofs PDDM. Reasons why Dutch novice nurses leave nursing: a qualitative approach. Nurse Educ Pract. 2020;47:102848. https://doi.org/10.1016/j.nepr.2020.102848
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, relação entre risco de evasão da profissão e gênero feminino ou masculino, corroborando os achados do presente estudo.

O aspecto da evasão é bastante preocupante em muitos países que vivenciam uma necessidade crescente da atuação da enfermagem, sobretudo com o envelhecimento da população e o aumento das demandas de cuidados em saúde, como Canadá e países da Europa2121. World Health Organization. Regional Office for Europe. Health topics. Nursing and midwifery. Data and statistics [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2017 [cited 2017 Nov 14]. Available from: http://www.euro.who.int/en/health-topics/Health-systems/nursing-and-midwifery/data-and-statistics
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-2222. Kwok C, Bates KA, Ng ES. Managing and sustaining an ageing nursing workforce: identifying opportunities and best practices within collective agreements in Canada. J Nurs Manag. 2016;24(4):500-11. https://doi.org/10.1111/jonm.12350
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, sendo que o Brasil passa a fazer parte desse grupo de nações ao alargar o topo da pirâmide demográfica com projeção contínua para os próximos anos2323. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Densidade demográfica nos censos demográficos, segundo as grandes regiões e as unidades da federação [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2018 [cited 2020 Jun 21]. Available from: https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/
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No Brasil, a Política de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, no âmbito do Ministério da Saúde, enfoca a participação do trabalhador como importante dimensão para o SUS, o que demanda a garantia de aspectos básicos, tendo em vista a valorização do trabalhador e do seu trabalho: Plano de Cargos, Carreira e Salários, vínculos de trabalho envolvendo proteção social, perspectiva de espaços de negociação do trabalho, dentre outros. Esses aspectos básicos foram mais enfatizados, no período histórico que vai de 2003 a 2015, por meio de políticas públicas, considerando a saúde e os trabalhadores da saúde como bem público. Aspectos esses negligenciados no atual momento histórico no qual direitos essenciais estão ameaçados2424. Machado MH, Neto FRGX. The management of work and education in Brazil’s Unified Health System: thirty years of progress and challenges. Cien Saúde Coletiva. 2018;23(6):1971-80. https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.06682018
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Pesquisa que enfoca professores iniciantes da educação básica1212. Almeida MI, Pimenta SG, Fusari JC. [Socialization, professionalization and the work of novice teachers]. Educar Rev [Internet]. 2019 [cited 2020 jun 22]; 35(78):187-206. Portuguese. Available from: https://revistas.ufpr.br/educar/article/view/66134
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apontou, na trajetória profissional, vivências marcadas por insatisfação pelos professores, estando relacionadas às contradições nos âmbitos econômico, institucional, pedagógico, relacional e social. Essas contradições também estão presentes na modalidade educação profissional técnica de nível médio na qual atuam alguns egressos deste estudo.

Os participantes desta pesquisa, todavia, referem-se também às motivações de permanência na profissão como sendo primordialmente a satisfação pessoal em ser enfermeiro e professor. Em relação à docência na educação profissional técnica de nível médio, 31,2% dos participantes manifestaram-se satisfeitos, portanto, a problemática maior reside nos baixos salários que também se apresentam nos serviços de saúde.

Destaca-se o comprometimento do enfermeiro e professor com seu papel social, ciente de sua repercussão na sociedade. Um estudo qualitativo realizado com enfermeiros brasileiros e portugueses enfatizou, em contraponto às dificuldades já trazidas no texto quanto às condições de trabalho, que os participantes demonstraram forte vinculação com o serviço ofertado e com os pacientes e suas famílias2525. Bordignon M, Monteiro MI, Mai S, Martins MSFV, Rech CRA, Trindade LL. Oncology nursing professionals’ job satisfaction and dissatisfaction in Brazil and Portugal. Texto Contexto - Enferm. 2015;24(4):925-33. https://doi.org/10.1590/0104-0707201500004650014
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Em se tratando da atuação como professor, tendo em vista o processo de trabalho, cabe considerar também que, no atual estágio de desenvolvimento do capitalismo, o ofício de professor não é marcado tanto pela criação pedagógica, mas pela alienação que se associa à flexibilização e à precarização do/no processo de trabalho2626. Brito T. [Work, teaching and precarization: brief notes of a research project]. Trab Educ. 2019;28(3):161-78. Portuguese. https://doi.org/10.17648/2238-037X-trabedu-v28n3-9844
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. Provavelmente, essa ideia possa ser estendida à atuação do profissional nos serviços de saúde. Ou seja, em ambos os processos de trabalho, seja como enfermeiro, seja como professor, está presente a tensão alienação-humanização, aproximando ou afastando o profissional do sentido do seu trabalho para além de meio de subsistência. Fenômeno esse a ser explorado em estudos posteriores.

Assim, apesar da presença, nas expressões de alguns enfermeiros, do sentimento de satisfação, dificuldades de inserção profissional relacionadas às condições de trabalho limitam o potencial criador no trabalho do enfermeiro e do professor como profissões construtoras do humano, portanto, imprescindíveis para o enfrentamento das desigualdades econômicas e sociais e para a melhoria das condições de vida. Nesse contexto, são necessárias iniciativas de fortalecimento e suporte efetivas por parte das políticas públicas na direção da valorização profissional.

Considerando a convergência de demandas da sociedade e o potencial atendimento delas com o fortalecimento da enfermagem e do ensino em enfermagem, ressaltamos a necessidade de impulsionar a visibilidade da profissão no Brasil. Em meio a outras profissões também de nível superior de formação, a disparidade no reconhecimento financeiro reflete a necessidade de mudanças e a importância de ações como a Nursing Now, criada no bojo de um reconhecimento global do contexto da enfermagem e de sua importância para a consolidação da saúde no futuro2727. Pulcini JA, Lang CS. Strategies to enhance the profession of nursing as a key partner in improving primary care across the hemisphere. Acta Paulista Enferm. 2018;31(3):III-IV. https://doi.org/10.1590/1982-0194201800033
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Cabe considerar que metas da Agenda 20302828. United Nations. 2030 Agenda for sustainable development [Internet]. 2015 [cited 2020 Jun 1]. Available from: https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/
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voltadas à promoção da saúde para o aumento da expectativa de vida para todos, bem como à educação inclusiva e equitativa de qualidade, incluindo o âmbito técnico e profissional, para a participação plena na vida social, vêm ao encontro da necessidade de fortalecimento do reconhecimento e da valorização social da enfermagem e da docência na educação profissional técnica de nível médio.

Em suma, a inserção profissional dos enfermeiros licenciados vem ocorrendo nos serviços de saúde, predominantemente no setor público, e na educação profissional técnica de nível médio, predominantemente no setor privado. Essa inserção é marcada por condições que se relacionam à conformação atual do trabalho nos serviços de saúde e nas escolas técnicas.

CONCLUSÃO

O reconhecimento do panorama de inserção e condições de trabalho do enfermeiro licenciado, egresso de um curso de Bacharelado e Licenciatura em Enfermagem, revela desafios de natureza social, política e econômica. Apesar dos avanços na formação desse profissional para o mundo do trabalho, na saúde e na educação, no contexto do SUS, após a conclusão da graduação, o egresso se depara com dificuldade de inserção profissional e obtenção de renda compatível com os esforços realizados cotidianamente e com o investimento dedicado aos estudos na universidade, o que precisa ser relacionado à conformação do trabalho nos serviços de saúde e na educação profissional técnica de nível médio. Ou seja, a dupla formação para a atuação profissional como enfermeiro e professor de escola técnica enfrenta desafios relativos às políticas atuais, aos cenários da saúde e à educação que têm limites significativos na valorização do trabalhador, da saúde e da educação como bens públicos.

Assim, apesar de ambas as profissões terem potencial para atuar em prol da diminuição das desigualdades econômico-sociais e promover qualidade de vida, provavelmente, no confronto com as problemáticas que impõem duplos ou multiempregos, sobrecarga e salários inadequados, acabem fragilizadas.

Conclui-se que são necessários avanços na valorização da profissão do enfermeiro licenciado e do professor da educação profissional técnica de nível médio, para que impactos positivos sejam marcadamente percebidos na assistência em saúde no Brasil, considerando-se a relevância numérica desse profissional no sistema de saúde e de educação e a natureza de sua práxis de educar e cuidar com potencial transformador.

O presente estudo traz contribuições para uma área pouco pesquisada, principalmente, no que se refere a cursos de bacharelado e licenciatura em enfermagem. Entende-se como limite ser um recorte quantitativo da pesquisa, o que possibilitou estabelecer caracterizações e fazer algumas análises. Assim, estudos futuros com abordagem qualitativa ou mista podem fortalecer o conhecimento acerca dos egressos. Recomenda-se a realização de estudos longitudinais com os egressos, acompanhando a trajetória dos enfermeiros licenciados no mundo do trabalho, ao longo dos anos, e seu impacto na formação de técnicos em enfermagem para o SUS, bem como na sua atuação no sistema de saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    23 Abr 2020
  • Aceito
    10 Dez 2020
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