Chamar atenção? Atravessando julgamentos diante da tentativa de suicídio infantojuvenil em prontos-socorros na perspectiva profissional

Souza, Danton Matheus de; Guedes, Danila Maria Batista; Boska, Gabriella de Andrade; Miranda, Niflyer Costa; Rossato, Lisabelle Mariano

doi:10.1590/1980-220X-REEUSP-2023-0281pt

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Revista da Escola de Enfermagem da USP

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Sumário

ARTIGO ORIGINAL • Rev. esc. enferm. USP 57 • 2023 • https://doi.org/10.1590/1980-220X-REEUSP-2023-0281pt copiar

Chamar atenção? Atravessando julgamentos diante da tentativa de suicídio infantojuvenil em prontos-socorros na perspectiva profissional

Autoria SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

RESUMO

Objetivo:

Compreender as percepções da equipe multiprofissional de um departamento de urgência e emergência diante do cuidado à criança e ao adolescente por tentativa de suicídio.

Método:

Estudo exploratório-descritivo, qualitativo, à luz do referencial teórico do Interacionismo Simbólico. Participaram 13 profissionais da equipe multiprofissional de dois prontos-socorros (infantil e adulto) de um hospital secundário de São Paulo. Os dados foram coletados entre agosto e setembro de 2018 utilizando entrevista semiestruturada, analisados pela análise temática de conteúdo com complementação do software IRAMUTEQ^®.

Resultados:

Emergiram duas categorias centrais: Percepções da equipe multiprofissional diante do cuidado à tentativa de suicídio; e Percepções da equipe multiprofissional diante das possibilidades para o aperfeiçoamento do cuidado à tentativa de suicídio. A partir dessas, observaram-se as percepções dos profissionais diante do cuidado, fatores de risco, reações emocionais, limitações dos prontos-socorros e estratégias para aperfeiçoamento da prática.

Conclusão:

Os profissionais perceberam o cuidado às tentativas de suicídio sob uma ótica biomédica e reducionista, com abordagem marcada por estigma, julgamento e falta de preparo.

DESCRITORES
Tentativa de Suicídio; Emergências; Saúde da Criança; Criança; Adolescente; Pessoal de Saúde

Categoria: Percepções da equipe multiprofissional diante do cuidado à tentativa de suicídio
Subcategoria 1: Cuidado à tentativa de suicídio: falta de preparo e os atravessamentos dos valores pessoais
Aqui é perfeito. Tem uma equipe humanizada. (...) os médicos salvam bastante. (TE10) Na parte emocional, não temos ferramentas. Cada um age da forma que acha melhor. (...) tem profissional que trata a TS como um problema, mas outros, falam que é falta de vergonha na cara, de apanhar, de puxar a orelha. (E2) É difícil. Não é o melhor atendimento que você gosta de dar. Gostamos de atender pessoas que estão realmente sofrendo por alguma doença, algo que você busca sanar. Aquele que tenta suicídio, você (profissional) vai só tomar uma conduta para tirá-lo daquele caos que ele se encontra. Mas não é uma satisfação, você fala: “Porra, veio aqui trazido por alguém que está angustiado”. É uma falta de responsabilidade do adolescente. Uma alienação total das implicações. (...) você faz o atendimento por obrigação, porque é a sua função. (M11) Eu sempre costumo falar comigo: tanto velhinho com doença incurável lutando para viver e uma criança, que tem a vida inteira pela frente, querendo tirar a própria vida. (E2) Eu observo e me aproximo da criança. Eu vejo como algo integrante da minha função. Acolher esse tipo de queixa. É uma dor emocional que merece respeito e atendimento adequado. (E13)
Subcategoria 2: “Chamar atenção”: julgamentos ou fatores de risco?
Eu não tenho esse conhecimento de psicologia básica para poder diferenciar se a criança tem uma ideação ou se está chamando a atenção. (M7) Fomos falar com a mãe. Ela disse que não era a primeira vez, que a adolescente sempre fazia isso para chamar a atenção. (TE10) Os fatores desencadeantes alegados pela criança são banais. (M7) Não dá para classificar como TS; na verdade, se aproxima mais de ‘tentativa de chamar a atenção’. Eles (adolescentes) avisam, falam o que fizeram, e quem quer se suicidar não faz isso. (M11) Eu acho que falta atenção da família. (E2)

Categoria: Percepções da equipe multiprofissional diante do cuidado à tentativa de suicídio
Subcategoria 3: Significado do cuidado: repercussões emocionais vivenciadas pelos profissionais
Eu te confesso que eu não entendia o porquê a pessoa procurava um hospital se queria morrer, porque aqui a gente está trabalhando para salvar vidas, e quem quer tirar a vida, vêm. Isso me trazia incomodo, porque eu estava ocupada com outras demandas. (E13) No início, era bem chato, eu ficava revoltada. (...) eu entrava na sala de emergência irritada: “Mas gente, que merda, a vida é tão boa e essa pessoa vai destruir a vida”. (E6) É frustrante. O atendimento significa que várias coisas falharam para chegar ali. (M7) Causa bastante impacto. (...) não me causa sofrimento, porque eu já estou preparada, manejo situações assim há muitos anos, me dando estruturas para lidar. (AS4)
Subcategoria 4: Limitação de um cuidado pontual em uma demanda longitudinal
A gente faz aquilo que um pronto-socorro pode fazer. (...) vamos fazer os procedimentos e, em seguida, fazemos o acolhimento se o cenário permitir. (E13) O adolescente tem um primeiro atendimento no pronto-socorro, e é isso. Teoricamente, é isso que ele precisa aqui (atendimento clínico). (TE8) É importante uma interligação na rede. Eles são atendidos no pronto-socorro, mas é pontual. (AS4)

Categoria: Percepções da equipe multiprofissional diante das possibilidades para o aperfeiçoamento do cuidado à tentativa de suicídio

Subcategoria 5: Ressignificar o cuidado: mudanças institucionais ou pessoais?

Eu acho que tinha que ser feito algo para avaliar até que ponto essa pessoa realmente tem uma ideação suicida ou está chamando a atenção de uma maneira errônea. (M7)

Aqui a gente funciona muito a base de protocolos. (TE9)

É preciso um protocolo com envolvimento interdisciplinar. (...) para que você tenha um pouco mais de certeza de que, quando for embora, não vão ocorrer novas tentativas. (E3)

Falta de preparo, temos em muitos âmbitos. Eu posso ter falta de preparo para fazer um curativo, atender uma parada, mas faço um treinamento e posso melhorar. O que eu percebo na prática é que as pessoas não se importam em aprender o que podem fazer. Então, depende mais dela se sensibilizar de forma empírica e fazer o cuidado que todas deveriam. (E13)

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[1] Autor correspondente: Danton Matheus de Souza, Av. Valdemar Ferreira, 150, Butantã, 05501-000 – São Paulo, SP, Brasil danton_souza@usp.br