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Utilização de medicamentos parenterais em frascos-ampola em uma unidade pediátrica de um hospital universitário

Uso de medicamentos parenterales en frascos-ampolla en un servicio pediátrica de un hospital universitario

Resumos

Este estudo observacional determinou a freqüência de utilização de medicamentos parenterais em frascos-ampola em uma unidade pediátrica, e identificou as ações da equipe de enfermagem associadas ao preparo e administração desses medicamentos. Os dados foram coletados por meio da prescrição médica e observação direta dos medicamentos nas geladeiras e armários da unidade. A apresentação em frascos-ampola foi prescrita para 30,8% dos pacientes. Foram observados aspectos quanto à reconstituição, ao armazenamento, à temperatura e à rotulagem dos medicamentos, fatores importantes para utilização segura dos mesmos. As informações pesquisadas para avaliar o processo de preparo e de administração estavam todas presentes em apenas 6,8% dos medicamentos. A identificação correta dos frascos-ampola é importante para o uso seguro dos medicamentos. O treinamento da equipe de saúde e a adoção de diretrizes de terapia endovenosa são instrumentos essenciais para otimizar o processo de utilização de medicamentos parenterais.

Preparações farmacêuticas; Infusões parenterais; Equipe de enfermagem


Este estudio de observación determinó la frecuencia para utilizar medicamentos parenterales en frascos-ampolla en una unidad pediátrica, identificando las acciones del equipo de enfermería con respecto a su preparación y administración. Para la recolección de datos se utilizó la prescripción médica y la observación directa de los medicamentos en los frigideres y estantes del servicio. La presentación en frascos-ampolla fue prescripta en 30.8% de los pacientes. Se observó la reconstitución, el almacenamiento, la temperatura y los rótulos de los medicamentos, factores importantes para asegurar su administración. Las informaciones investigadas para evaluar el proceso de preparación y administración estuvieron presentes en apenas 6.8% de los medicamentos. La correcta identificación de los frascos-ampolla es importante para su administración. El entrenamiento del equipo de salud y la adopción de directrices sobre tratamiento endovenoso son instrumentos esenciales para optimizar la utilización del medicamento parenteral.

Preparaciones farmacéuticas; Infusiones parenterales; Grupo de enfermería


This observational study aimed to determine the frequency of utilization of vials containing parenteral medications in a pediatric unit, and to identify nursing team actions related to their preparation and administration. Data were collected from prescription forms and by checking these drugs in the refrigerator and stocks at the unit. Vials were prescribed to 30.8% of patients. Aspects such as: reconstitution, storage, temperature and drug label were observed. Only 6.8% of the drugs had all the information researched in order to evaluate the process of preparation and administration. The correct identification of vials is important for the safe use of medication. Training programs for the healthcare team and the adoption of intravenous therapy guidelines are essential tools to optimize the utilization of parenteral medication.

Pharmaceutical preparations; Infusions, parenteral; Nursing, team


ARTIGO ORIGINAL

Utilização de medicamentos parenterais em frascos-ampola em uma unidade pediátrica de um hospital universitário

Uso de medicamentos parenterales en frascos-ampolla en un servicio pediátrica de un hospital universitario

Maria Clara Padovani de SouzaI; Marta Aparecida GoulartII; Viviane RosadoIII; Adriano Max Moreira ReisIV

IFarmacêutica. Especialista em Vigilância e Controle da Infecção Hospitalar. Gerente de Risco do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Belo Horizonte, MG, Brasil. hospitalsentinela@hc.ufmg.br

IIFarmacêutica do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Belo Horizonte, MG, Brasil. marta.goulart@ig.com.br

IIIEspecialista em Vigilância e Controle da Infecção Hospitalar. Enfermeira do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Belo Horizonte, MG, Brasil. vivrosado@gmx.net

IVFarmacêutico. Mestre em Ciências Farmacêuticas. Professor Assistente da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Belo Horizonte, MG, Brasil. amreis@farmacia.ufmg.br

Correspondência Correspondência: Maria Clara Padovani de Souza Av. Alfredo Balena, 110 - Bairro Santa Efigênia CEP 30130-100 - Belo Horizonte, MG, Brasil

RESUMO

Este estudo observacional determinou a freqüência de utilização de medicamentos parenterais em frascos-ampola em uma unidade pediátrica, e identificou as ações da equipe de enfermagem associadas ao preparo e administração desses medicamentos. Os dados foram coletados por meio da prescrição médica e observação direta dos medicamentos nas geladeiras e armários da unidade. A apresentação em frascos-ampola foi prescrita para 30,8% dos pacientes. Foram observados aspectos quanto à reconstituição, ao armazenamento, à temperatura e à rotulagem dos medicamentos, fatores importantes para utilização segura dos mesmos. As informações pesquisadas para avaliar o processo de preparo e de administração estavam todas presentes em apenas 6,8% dos medicamentos. A identificação correta dos frascos-ampola é importante para o uso seguro dos medicamentos. O treinamento da equipe de saúde e a adoção de diretrizes de terapia endovenosa são instrumentos essenciais para otimizar o processo de utilização de medicamentos parenterais.

Descritores: Preparações farmacêuticas. Infusões parenterais. Equipe de enfermagem.

RESUMEN

Este estudio de observación determinó la frecuencia para utilizar medicamentos parenterales en frascos-ampolla en una unidad pediátrica, identificando las acciones del equipo de enfermería con respecto a su preparación y administración. Para la recolección de datos se utilizó la prescripción médica y la observación directa de los medicamentos en los frigideres y estantes del servicio. La presentación en frascos-ampolla fue prescripta en 30.8% de los pacientes. Se observó la reconstitución, el almacenamiento, la temperatura y los rótulos de los medicamentos, factores importantes para asegurar su administración. Las informaciones investigadas para evaluar el proceso de preparación y administración estuvieron presentes en apenas 6.8% de los medicamentos. La correcta identificación de los frascos-ampolla es importante para su administración. El entrenamiento del equipo de salud y la adopción de directrices sobre tratamiento endovenoso son instrumentos esenciales para optimizar la utilización del medicamento parenteral.

Descriptores: Preparaciones farmacéuticas. Infusiones parenterales. Grupo de enfermería.

INTRODUÇÃO

O reaproveitamento de medicamentos parenterais acondicionados em frascos-ampola é uma prática freqüente nos serviços de saúde. Os profissionais adotam essa prática como alternativa para evitar o desperdício, principalmente em função do alto custo da farmacoterapia(1-2).

O medicamento acondicionado em frascos-ampola pode ser destinado à administração em dose única ou dose múltipla. A denominação de frasco de dose múltipla aplica-se somente a medicamentos cuja formulação apresenta conservantes e há recomendação de reutilização fornecida pelo fabricante(1-2). Entretanto, o termo frasco de dose múltipla é amplamente empregado na prática clínica para designar qualquer frasco-ampola, desde que possa ser utilizado mais de uma vez e guardado para reu-tilização. Essa atitude dos profissionais de saúde ocorre porque a indústria farmacêutica não especifica a classificação dos medicamentos parenterais acondicionados em frascos-ampola(1).

O risco de contaminação, quando uma dose é removida de um frasco-ampola é influenciado por alguns fatores, tais como: tipo de frasco, características da agulha ou outro dispositivo de punção empregado para remover a dose, número de perfurações na borracha, características físicas da borracha, técnica asséptica utilizada pelo médico ou profissional de enfermagem, injeção de ar no frasco e a eficiência dos conservantes(3-4).

As diretrizes do Centers for Disease Control and Prevention – CDC para prevenção de infecções relacionadas a acesso vascular informa que o risco extrínseco de contaminação de frascos dose múltipla é mínimo, mas as conseqüências da contaminação podem resultar em uma infecção que pode comprometer a vida do indivíduo. Essa publicação destaca que frascos-ampola isentos de conservante podem apresentar risco de contaminação se forem perfurados várias vezes(5).

A reutilização de medicamentos acondicionados em frasco-ampola sem a observação das boas práticas de administração pode comprometer a qualidade e a segurança do processo de utilização de medicamentos parenterais. A equipe de enfermagem deve conhecer as diferenças entre frasco-ampola de dose única e dose múltipla e os riscos associados com o uso inadequado(6).

Este trabalho foi desenvolvido para conhecer a dimensão da prática de reutilização de medicamentos em uma unidade pediátrica de um hospital universitário e identificar as ações da equipe de enfermagem relacionadas ao processo de preparo e administração de medicamentos administrados em frascos-ampola. A unidade pediátrica foi selecionada para essa investigação devido à importância da farmacoterapia intravenosa na terapêutica das doenças crônicas e agudas de crianças hospitalizadas, o que pode propiciar maior utilização de medicamentos parenterais em frascos-ampola.

OBJETIVOS

Determinar a freqüência de prescrição de medicamentos parenterais em frascos-ampola em uma unidade pediátrica e identificar as ações da equipe de enfermagem associadas ao reaproveitamento desses medicamentos.

MÉTODO

Trata-se de um estudo observacional, descritivo, transversal, que analisou a utilização de medicamentos parenterais acondicionados em frascos-ampola na unidade de internação pediátrica de um hospital universitário.

As formas farmacêuticas dos medicamentos utilizados na unidade pediátrica no período de setembro de 2004 a agosto de 2005 foram identificadas pesquisando o sistema informatizado de gestão de materiais da farmácia hospitalar.

Foi realizado um estudo piloto prévio para testar o instrumento de coleta de dados para análise da prescrição de medicamentos parenterais. Após o teste piloto procederam-se adaptações no instrumento. Realizaram-se três dias de coleta com intervalos de sete dias. A coleta de dados foi realizada em setembro de 2005. O paciente que permaneceu internado nos três dias de coleta foi considerado um único paciente agrupando-se as informações dos três dias, para fins de análise. A amostragem foi não probabilística, abrangendo todas as prescrições de pacientes em uso de farmacoterapia no período investigado.

A partir do sistema de distribuição individualizado direto de medicamentos, adotado pela farmácia do hospital, foram identificados os pacientes em uso de farmacoterapia. As variáveis relativas aos medicamentos parenterais prescritos foram coletadas das segundas vias de prescrição. Os dados relacionados ao processo de preparo e administração dos medicamentos foram coletados por meio das vias de prescrição médica disponíveis na farmácia e observação dos mesmos nas geladeiras e armários da unidade de internação. Os medicamentos não foram submetidos a nenhuma análise laboratorial e nem foram identificados os profissionais responsáveis pelo preparo dos mesmos. Os pacientes não foram entrevistados e nem identificados. Foram analisados os aspectos relacionados à reconstituição, armazenamento, temperatura e rotulagem dos medicamentos. O estudo foi autorizado pela instituição e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade (Parecer n.ETIC 365/05).

Os medicamentos parenterais de pequeno volume (capacidade inferior a 100 ml) em frascos-ampola foram analisados em relação à presença de conservantes. Para identificar a presença de conservantes, foram consultadas as bulas das especialidades farmacêuticas em estoque na central de abastecimento farmacêutico da farmácia do hospital. A identificação foi realizada pesquisando a seção informações sobre a formulação das bulas.

Os dados foram digitados em uma planilha de Excel versão 2000 e a análise estatística descritiva abrangendo a determinação de freqüência absoluta e relativa foi realizada empregando o software SPSS10.0.

RESULTADOS

As formas farmacêuticas dos medicamentos empregados na unidade pediátrica foram as sólidas de uso oral (34,7%), as parenterais de pequeno volume (33,1%), as líquidas de uso oral (18,1%), as semi - sólidas de uso externo (4,2%), as parenterais de grande volume (3,9%) e outras (6,0%).

A freqüência da apresentação dos medicamentos parenterais prescritos no período estudado foi a seguinte: 111 (49,6%) em ampolas, 69 (30,8%) em frasco-ampola, e 44 (19,6 %) em frasco parenteral de grande volume.

Na observação de medicamentos parenterais nas geladeiras, foram detectados 44 medicamentos. Na Tabela 1 constam os medicamentos parenterais encontrados nas geladeiras da unidade de internação pediátrica.

A heparina e a dexametasona foram os únicos medicamentos encontrados que estavam sendo conservados à temperatura ambiente após a abertura dos frascos.

Para avaliar o processo de preparo e administração de medicamentos parenterais em frascos- ampola, foi verificado se no medicamento a ser reutilizado constavam as seguintes informações: identificação do responsável pela diluição, o horário de reconstituição, o líquido utilizado para reconstituição, volume e a data da reconstituição. Identificou-se que em apenas 3 (6,8%) medicamentos estavam presentes todas as informações pesquisadas. A Tabela 2 apresenta a distribuição dos fatores de inadequação relacionados ao preparo de medicamentos parenterais em frascos-ampola, encontrados nos 41 frascos em que foram identificadas irregularidades.

A presença de conservantes foi identificada em 23,9% das bulas dos medicamentos parenterais de pequeno volume, enquanto 76,1% das bulas não possuíam o conservante explicitamente informado. Dos conservantes encontrados 68,8% correspondiam ao metilparabeno, 18,8% ao álcool benzílico e para o cloreto de benzetônio e associação metilparabeno/propilparabeno a freqüência foi a mesma, 6,2%.

DISCUSSÃO

No estudo foi observado que os medicamentos empregados na unidade de internação pediátrica, apresentavam-se em maior proporção nas formas farmacêuticas de uso parenteral e sólidas de uso oral. A administração parenteral de medicamentos apresenta um potencial significativo para o aumento do risco de doenças iatrogênicas, particularmente bacteremias e candidemias(7). Diante da relevância clínica do emprego das formas parenterais, evidenciada em diversos estudos, é essencial a administração adequada desses medicamentos. Uma ferramenta que contribui para alcançar esse objetivo e reduzir os riscos citados é a adoção das boas práticas de terapia intravenosa em serviços de saúde preconizadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA(8). Na unidade de internação pediátrica do hospital investigado, não foi identificada a disponibilidade de procedimentos escritos para orientar a administração de medicamentos parenterais, como preconizam as boas práticas da ANVISA. Porém, na unidade existe um manual com orientações sobre reconstituição, diluição, incompatibilidades, estabilidade físico-química e micro-biológica de medicamentos parenterais. A elaboração do manual foi realizada por farmacêuticos em parceria com enfermeiros e abrange um número significativo de medicamentos, sendo um instrumento adequado para orientar o preparo e administração de medicamentos parenterais. A abordagem multidisciplinar do processo de administração de medicamentos no âmbito hospitalar é importante para evidenciar e sanar os pontos vulneráveis, melhorando a qualidade da assistência e a segurança dos pacientes(9).

Na escolha da via de administração de medicamentos deve-se considerar a adequação ao estado clínico do paciente e as características farmacocinéticas do medicamento. A administração do medicamento por via oral depende de existir apresentação pediátrica, da possibilidade de absorção pelo trato gastro-intestinal que pode estar prejudicada e do quadro clínico em que a utilização da via oral se torna impossível. Havendo inviabilidade de utilização da via oral, pode-se recorrer à administração do medicamento por via parenteral(10).

Na análise da apresentação dos medicamentos prescritos identificou-se que os frascos-ampola ocuparam a segunda posição correspondendo a 30,8 % dos medicamentos parenterais. Em função das particularidades da farmacoterapia pediátrica e da freqüência de utilização de frascos- ampola, a reutilização tende a ser uma prática comum em unidades pediátricas.

A falta de medicamentos parenterais em apresentações adequadas é um dos fatores que contribui para a reutilização desses medicamentos e também para a elevação dos custos assistenciais, especialmente em unidades de pediatria.

No mercado farmacêutico a maior parte dos medicamentos parenterais não é adequada à faixa etária pediátrica. Estudo descritivo em hospital pediátrico de São Paulo identificou que a falta de apresentação pediátrica gerou o aumento dos custos de atendimento. Nenhum dos 41 medicamentos encontrados nas prescrições possuía apresentação pediátrica, acarretando em alguns casos maior manipulação e tempo durante o preparo, número de cálculos, risco de contaminação e perda de estabilidade(10).

Considera-se que a falta de formulações e apresentações de medicamentos especificamente direcionados à faixa etária pediátrica, além de preocupante, constitui um desafio na busca da qualidade de assistência prestada à criança. As equipes de enfermagem, de farmacêuticos, de médicos e de gestores dos serviços de saúde devem direcionar esforços para modificar esse cenário.

Em alguns hospitais, uma estratégia criada para diminuir os impactos desse problema refere-se à implantação de centrais de preparo de misturas intravenosas. A centralização do preparo promove uma utilização mais racional de medicamentos nos hospitais.

A prática de reutilização de medicamentos parenterais em frasco-ampola fica evidente pelo número de medicamentos encontrados na geladeira da unidade, conforme apresentado na Tabela 1. Estudo norte-americano sobre riscos para a segurança ao paciente destaca que a reutilização de medicamentos em frasco-ampola é prática freqüente em hospitais sendo muitas vezes empregada como uma estratégia de economia e prevenção de desperdício com medicamentos, mas destaca que os riscos inerentes a essa prática podem implicar em custos superiores. Enfatiza a relevância da conscientização da equipe de saúde sobre os riscos de transmissão de infecção com reutilização de frascos-ampola. Alerta que o risco é ampliado quando o frasco não é classificado como multidose(6).

Na Tabela 2 são apresentadas irregularidades detectadas no processo de identificação dos medicamentos destinados à reutilização. A presença do registro de todos os itens de identificação no rótulo dos frascos foi rara, encontrada em apenas três frascos, o que aponta para a necessidade de um treinamento e sensibilização da equipe de enfermagem quanto à importância da identificação correta dos frascos, garantindo a segurança da reutilização. A ausência das informações: horário de reconstituição, líquido utilizado para reconstituição, volume e a data da reconstituição nos frascos destinados à reutilização pode gerar erros de administração. Essas informações são também essenciais para que o profissional de enfermagem verifique se o medicamento após abertura do frasco está dentro do prazo de estabilidade físico-química e microbiológica(11). A equipe de enfermagem dever ser esclarecida sobre as conseqüências para o paciente e a elevação de custos institucionais devido ao risco de adquirir infecções prolongando o tempo de internação ou de ineficácia terapêutica.

Foi encontrada na geladeira insulina sem identificação correta. A falta da identificação da data de abertura do frasco não permite verificar se o medicamento está dentro do prazo limite para utilização. A orientação dos fabricantes nacionais e da American Diabetes Association é utilizar esse medicamento depois de aberto por no máximo 30 dias. Este período corresponde à garantia de eficiência do sistema conservante e da preservação das propriedades farmacológicas(12).

Os frascos-ampola de heparina e a dexametasona foram encontrados à temperatura ambiente. Os fabricantes não recomendam a conservação desses medicamentos sob refrigeração. Deve ser destacado que produtos conservados à temperatura ambiente apresentam maior risco de contaminação. A refrigeração pode inibir a multiplicação microbiana. Apesar disso, dependendo do medicamento, os fabricantes podem recomendar a conservação à temperatura ambiente, possivelmente para preservar a estabilidade físico-química.

Os principais surtos de infecções em serviços de saúde relacionados com utilização de frasco-ampola de dose múltipla publicados no período de 1983 a 2002 foram identificados em uma revisão abrangente e criteriosa da literatura(1). Uma síntese dos surtos identificados é apresentada na Tabela 3, analisando essa tabela identificam-se três publicações relatando surtos envolvendo heparina, o que demonstra a necessidade de maior rigor na utilização desse medicamento em frasco-ampola no âmbito dos serviços de saúde.

Associação significativa entre o uso de heparina em frasco multidose e infecções relacionadas ao acesso vascular com predominância de microrganismos gram negativos e ausência de flebite é descrita em um estudo sobre fatores de risco para bacteremia. Os pacientes incluídos no estudo tinham uma via intravenosa periférica como único fator de risco(13). Esse estudo também demonstra a necessidade de reavaliar o processo de reutilização de frascos de heparina nos serviços de saúde para garantir um uso seguro.

No universo de medicamentos parenterais em frascos-ampola disponíveis no hospital, verificou-se a presença de conservantes em apenas 23,9% das bulas. No restante a informação não estava explicita. Essa informação apresenta viés, pois o conservante pode não constar na bula e estar incluído na formulação, ou ser contra-indicado na formulação específica. Os limites deste trabalho não propiciaram análise mais detalhada. Mas fica evidente que para a utilização adequada e segura dos medicamentos, nos serviços de saúde e pelos pacientes no domicílio, é importante a informação sobre a destinação para uso único e a presença de conservantes. Essas informações devem constar de forma clara no rótulo do medicamento e na bula.

Nas orientações para o desenvolvimento farmacotécnico de medicamentos parenterais em dose múltipla a United States Pharmacopeia, preconiza que uma ou mais substâncias adequadas sejam adicionadas em medicamentos acondicionados em recipientes de múltiplas doses, para impedir o crescimento de microrganismos, independentemente do método de esterilização empregado. Essas substâncias são denominadas conservantes e visam à manutenção da estabilidade microbiológica dos medicamentos. A ausência de conservante é aceita pela farmacopéia americana quando o fármaco apresenta atividade antimicrobiana ou a monografia contra indica(14).

A Farmacopéia Européia também estabelece a adição de conservante na formulação de medicamentos em frascos para dose múltipla e deixa explícito que é essencial fornecer orientações sobre as precauções a serem tomadas para a administração, e principalmente sobre o armazenamento, após retiradas sucessivas(14).

Segundo a Farmacopéia Brasileira, quarta edição (F. BRAS IV), os recipientes para dose múltipla são frascos de vidro de paredes resistentes, que depois de cheios com preparações líquidas ou com sólidos para serem dissolvidos ou suspensos, são selados com uma tampa de outro material. O conteúdo destes frascos pode ser removido em uma única ou em várias doses. Diferente de outros códigos farmacêuticos a F. BRAS IV não normatiza sobre a presença de conservantes na formulação; apenas aborda sobre as características do material de acondicionamento(15).

O conservante deve manter sua atividade antimicrobiana na presença de outros insumos da fórmula, não deve decompor durante a esterilização térmica e deve apresentar, preferencialmente, ação biocida. A probabilidade de um conservante agregar todos esses requisitos é baixa. Conseqüentemente, o farmacêutico que trabalha com desenvolvimento de medicamentos parenterais se depara com a dificuldade da seleção de um ou mais insumos que de forma conjunta aos componentes da fórmula constituam um sistema conservante efetivo(16).

O objetivo primário do sistema conservante é eliminar todos os microrganismos que alteram a estabilidade do medicamento ou que possam ocasionar infecções. Paralelamente à capacidade conservante, o sistema não deve apresentar característica tóxica ou irritante(16).

O teste de eficiência de conservantes, preconizado pelas farmacopéias, é essencial para garantir a segurança de medicamentos de dose múltipla e avaliar a eficácia antimicrobiana dos conservantes. É importante destacar que para os medicamentos estéreis multidose, o conservante deve possuir capacidade auto-esterilizante, pois se admite a violação da esterilidade em função da abertura do frasco(16).

Os recipientes com doses múltiplas devem ser fechados com tampas de borracha para permitir a penetração de agulhas sem remoção ou destruição da tampa. Após a retirada da agulha do recipiente, a tampa se lacra novamente e protege o conteúdo da contaminação trazida pelo ar. A agulha pode ser inserida para retirar parte do injetável em solução para pronto uso ou para introduzir um veículo ou solvente em um pó seco destinado à injeção. Em qualquer caso, a esterilidade do injetável deve ser mantida(14).

Portanto, é essencial que no medicamento parenteral conste informação explícita e objetiva sobre a classificação do medicamento como dose múltipla. No mercado farmacêutico nacional, exceto os imunobiológicos e algumas insulinas, a maioria dos fabricantes de medicamentos não informa o número de doses total do frasco. Segundo as farmacopéias internacionais, para ser classificado como frasco de dose múltipla é necessária a presença de conservante na formulação. Muitas vezes o produto foi desenvolvido para dose única. Entretanto na prática dos hospitais o simples fato de o medicamento estar acondicionado em frasco-ampola faz com que o mesmo seja classificado como frasco para dose múltipla. Essa conduta visa reduzir custos com o reaproveitamento de medicamentos. Na assistência pediátrica, devido à ausência de apresentações de medicamentos específicos para essa faixa etária, é mais freqüente a prática de reutilização.

A administração de medicamentos parenterais é importante no contexto das ações de controle de infecções, principalmente considerando o risco de transmissão de infecção associado com o emprego de frascos para dose múltipla. Como estratégia para garantir uma administração segura dos medicamentos parenterais, preconiza-se a elaboração de normatização e treinamento sobre terapia intra-venosa para os profissionais das instituições de saúde(17).

Os treinamentos das equipes de enfermagem devem ser baseados nas recomendações do CDC, para prevenção e controle de infecções relacionadas a acesso vascular e diretamente interligado à utilização de medicamentos parenterais. São preconizadas as seguintes medidas: preparar rotineiramente os medicamentos dos fluidos parenterais na farmácia, utilizando fluxo laminar e técnica asséptica; não utilizar soluções turvas, com vazamentos, fissuras, partículas ou com prazo de validade vencido; preferir medicamentos de dose única; não reaproveitar sobras de frascos de dose única; refrigerar os frascos de dose múltipla após abertura, se recomendado na literatura ou pelo fabricante; desinfecção do diafragma dos frascos de dose múltipla com álcool a 70%, antes da punção; utilizar um dispositivo estéril para acessar o conteúdo do frasco de dose múltipla e evitar tocar no momento da penetração no diafragma e descartar o frasco para dose múltipla se a esterilidade estiver comprometida(5).

Orientações para a prevenção da contaminação de medicamentos parenterais e a importância das mesmas para as ações de controle e prevenção de infecções também constam em uma publicação técnica da Sociedade Americana de Anestesiologia, editada em 2004. Essa instituição apresenta diversas orientações, várias delas baseadas nas recomendações do CDC. Apresentamos a seguir as orientações que complementam as preconizadas pelo CDC: a necessidade de identificar os medicamentos parenterais de dose única sem conservante; preparar os medicamentos no momento de administrar e em seguida descartar a parte não utilizada; empregar sempre seringas e agulhas esterilizadas; não administrar medicamentos de uma mesma seringa para múltiplos pacientes, mesmo trocando as agulhas; observar os requisitos para manutenção da estabilidade físico-química dos medicamentos; descartar os medicamentos com 24 horas de preparo porque após esse prazo os microrganismos entram na fase exponencial do ciclo de crescimento microbiano; seguir as recomendações do fabricante para definir o prazo de utilização de medicamentos em frasco de dose múltipla(18).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo, na maioria dos medicamentos destinados à reutilização não estavam registradas pela equipe de enfermagem as informações necessárias para a segurança do processo de preparo e administração de frascos-ampola, as quais são importantes para garantir a preservação da atividade terapêutica do medicamento e reduzir os riscos de contaminação. Apesar do risco descrito na literatura ser considerado baixo, as conseqüências para a morbimortalidade podem ser significativas, principalmente numa população mais vulnerável como a pediátrica. No hospital estudado a importância desse risco é maior em função da prevalência significativa de prescrição de medicamentos parenterais. Portanto, a reutilização deve ser feita segundo normas bem estabelecidas. As recomendações do CDC e da Sociedade Americana de Anestesiologia e ANVISA devem servir como referências(5,8,18).

A informação sobre a presença de conservante é essencial para subsidiar o reaproveitamento de frascos-ampola. A indústria farmacêutica é outro elemento importante para aumentar a segurança da utilização desses medicamentos. A mesma deve melhorar a qualidade das informações técnicas relacionadas ao preparo e administração de medicamentos parenterais, principalmente explicitando se o medicamento é de dose múltipla.

Em relação às ações da equipe de enfermagem relativas à reutilização de medicamentos frascos-ampola fica evidente a necessidade de medidas educativas e revisão dos processos de trabalho para conscientizar sobre os riscos e medidas para minimizá-los. Devido às inadequações relacionadas ao preparo desses medicamentos encontradas no hospital estudado, a identificação e o armazenamento adequados são importantes para sua utilização segura. Assim, o treinamento da equipe de saúde, a adoção das recomendações do CDC (2002) e das boas práticas de utilização de terapia intravenosa em serviços de saúde são instrumentos essenciais para otimizar a qualidade e segurança do processo de utilização de medicamentos parenterais. Uma integração maior entre os profissionais da farmácia e da equipe de enfermagem contribui para otimizar o processo da utilização dos medicamentos parenterais nos hospitais.

Apesar de sua relevância, este estudo apresenta limitações metodológicas, sobretudo relacionadas ao tamanho amostral, restringindo a generalização dos resultados. Portanto, é necessária a replicação dessa investigação em outros hospitais de diferentes complexidades e regiões do país para conhecer a magnitude do problema na realidade brasileira.

Recebido: 20/09/2007

Aprovado: 16/04/2008

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  • Correspondência:
    Maria Clara Padovani de Souza
    Av. Alfredo Balena, 110 - Bairro Santa Efigênia
    CEP 30130-100 - Belo Horizonte, MG, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Dez 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Aceito
      16 Abr 2008
    • Recebido
      20 Set 2007
    Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
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