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Enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem: quem vivencia maior sofrimento moral ?* * Extraído da tese "Sofrimento moral e síndrome de Burnout: relações nas vivências profissionais de trabalhadores de enfermagem", Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande, 2012.

Resumos

Objetivo: Identificar a frequência e intensidade de sofrimento moral vivenciadas por enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem que atuam em hospitais no Sul do Rio Grande do Sul. Método: Realizou-se uma pesquisa survey com 334 trabalhadores de enfermagem, atuantes em três instituições, por meio da aplicação do questionário de sofrimento moral. Mediante análise fatorial e alfa de Cronbach, validaram-se os constructos: falta de competência na equipe de trabalho, desrespeito à autonomia do paciente, condições de trabalho insuficientes e obstinação terapêutica. Resultados: Com a estatística descritiva e análise de variância, constatou-se que enfermeiros e auxiliares de enfermagem possuem maior percepção de sofrimento moral quando comparados aos técnicos de enfermagem. Questões organizacionais e formas de comunicação influenciam na menor percepção de sofrimento moral. Conclusão: Recomenda-se a implementação de ações que favoreçam enfrentamentos, tomadas de decisão e exercício da autonomia desses trabalhadores.


Ética em enfermagem
; Equipe de enfermagem
; Autonomia profissional
; Esgotamento profissional
; Relações interprofissionais



Objective: To identify the frequency and intensity of moral distress experienced by nurses, technicians and nursing assistants who worked in hospitals in the South of Rio Grande do Sul State. Method: A survey research was conducted with 334 nursing workers from three institutions, through a questionnaire of moral distress. Constructs were validated through factorial analysis and Cronbach’s alpha: lack of competence of the working team, disrespect to the patient’s autonomy, insufficient working conditions and therapeutic obstinacy. Results: With descriptive statistics and analysis of variance, it was found that nurses and nursing assistants have higher perception of moral distress when compared to nursing technicians. Organizational questions and ways of communication influence lower perception of moral distress.Conclusion: Implementation of actions to favor coping, decision making and autonomy exercise from those workers.


Ethics, nursing
; Nursing, team
; Professional autonomy
; Burnout, professional
; Interprofessional relations



Objetivo: Identificar la frecuencia e intensidad del sufrimiento moral experimentado por enfermeros, técnicos y auxiliares de enfermería que trabajan en los hospitales del sur del estado de Rio Grande do Sul. Método: Se realizó una investigación encuesta con 334 trabajadores de enfermería, pertenecientes a tres instituciones, a través de la aplicación del cuestionario de sufrimiento moral. Por medio del análisis factorial y el Alfa de Cronbach, se validaron los constructos: falta de competencia en el equipo de trabajo, falta de respeto a la autonomía del paciente, condiciones de trabajo insuficientes y obstinación terapéutica. Resultados: A través de la estadística descriptiva y el análisis de la varianza, se constató que los enfermeros y auxiliares de enfermería poseen una mayor percepción del sufrimiento moral comparados a los técnicos de enfermería. Los aspectos organizacionales y las formas de comunicación influyen en la menor percepción del sufrimiento moral. Conclusión: Se recomienda la implementación de acciones que favorezcan los enfrentamientos, las tomas de decisiones y el ejercicio de la autonomía de esos trabajadores. 


Ética en enfermería
; Grupo de enfermería
; Autonomía profesional
; Agotamiento profesional
; Relaciones interprofesionales



Introdução

Com os recentes e contínuos avanços científicos e tecnológicos, muitos valores têm sido relegados a um segundo plano, constituindo, diariamente, novos desafios no campo da ética, os quais podem ser caracterizados por conflitos e situações dilemáticas que, diante de suas particularidades, tornam mais complexo o exercício de determinadas profissões, como a enfermagem(101 1.Oguisso T, Schmidt MJ. O exercício da enfermagem: uma abordagem ético-legal. 3ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2010).

Esses conflitos estão ligados à ocorrência de problemas éticos e morais, dilemas morais e sofrimento moral. Problemas morais envolvem situações conflituosas entre um ou mais valores morais e incerteza sobre o curso de ação correto nos níveis individual, interpessoal, organizacional e social. Dilemas morais são percebidos em situações em que se têm dois ou mais cursos possíveis de ação e razões igualmente imperiosas, em que a escolha de uma ação implica a renúncia das outras. Já o sofrimento moral ocorre em situações em que os profissionais sabem ou acreditam conhecer a ação correta a ser seguida, mas, por várias razões, como medo ou circunstâncias que ultrapassam sua competência, não conseguem seguir com esse curso de ação ou evitar danos particulares, podendo ter seus valores e suas identidades de agentes morais comprometidos(202 2.Canadian Nurses Association (CNA). Code of ethics for registered nurses. Ottawa, Canada: Centennial; 2008).

A ocorrência do sofrimento moral associa-se à organização do trabalho, envolvendo a insuficiência de recursos materiais e humanos, relações interpessoais, falta de respaldo institucional para o exercício de autonomia dos enfermeiros, desrespeito aos direitos dos pacientes e morte por negligência, ou seja, mortes reconhecidas como evitáveis(303 3.Dalmolin GL, Lunardi VL, Lunardi Filho WD. O sofrimento moral dos profissionais de enfermagem no exercício da profissão. Rev Enferm UERJ. 2009;17(1):35-40-404 4.Barlem ELD, Lunardi VL, Lunardi GL, Dalmolin GL, Tomaschewski JG. The experience of moral distress in nursing: the nurses' perception. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2012 [cited 2013 Feb 22];46(3):681-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v46n3/en_21.pdf
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).

O desenvolvimento do sofrimento moral na enfermagem também se associa a aspectos referentes a políticas organizacionais, e seus impactos sobre a habilidade dos trabalhadores em advogar pelos pacientes, com a negação desse papel de defesa. Esses trabalhadores também apresentam uma aparente incapacidade/dificuldade de influenciarem decisões médicas relacionadas à dor e ao sofrimento dos pacientes, o que também se relaciona ao seu papel de advocacia dos direitos dos pacientes, e à estrutura hierárquica de poder de muitos hospitais, o que dificulta tanto o reconhecimento do seu saber como sua implementação(505 5.Barlem ELD, Lunardi VL, Lunardi GL, Tomaschewski-Barlem JG, Silveira RS. Moral distress in everyday nursing: hidden traces of power and resistance. Rev Latino Am Enferm. 2013;21(1):293-9-606 6.Huffman DM, Rittenmeyer L. How professional nurses working in hospital environments experience moral distress: a systematic review. Crit Care Nurs Clin North Am. 2012;24(1):91-100).

A ocorrência do sofrimento moral apresenta implicações para a vida dos trabalhadores de enfermagem, tanto na dimensão pessoal, com sinais emocionais e físicos, como na dimensão profissional, relacionadas à satisfação no trabalho e ao abandono da profissão. Essas manifestações parecem estar fortemente relacionadas à dificuldade de exercício de poder dos trabalhadores de enfermagem nas tomadas de decisão, o que os faz agirem, muitas vezes, contrariamente às suas crenças e a seus valores, negando seus conhecimentos(707 7.Dalmolin GL, Lunardi VL, Barlem ELD, Silveira RS. Implicações do sofrimento moral para os(as) enfermeiros(as) e aproximações com o burnout. Texto Contexto Enferm. 2012;21(1):200-8).

Poder entendido como relações de forças, nesse caso, nos espaços de atuação dos trabalhadores de enfermagem, desenvolvidas por meio de lutas e afrontamentos incessantes em seus contextos, constituindo formas de condutas que os transformam e modificam. A característica de instabilidade das correlações de força, devido a sua desigualdade, induz, continuamente, a estados de poder, sempre localizados e mutáveis; ou seja, o poder se exerce a partir de inúmeros pontos e em meio a relações desiguais e móveis, não podendo existir senão em função de uma multiplicidade de pontos de resistência, presentes em toda rede de poder(808 8.Foucault M. História da sexualidade I: a vontade de saber. 19ª ed. Rio de Janeiro: Graal; 1988).

Nesse sentido, salienta-se que os trabalhadores de enfermagem podem vivenciar sofrimento moral por dificuldades de exercer poder, podendo ter sua integridade e autenticidade comprometidas, tanto pessoal, como profissionalmente. Essa dificuldade no exercício de poder relaciona-se, principalmente, a fatores comuns no cotidiano de trabalho da enfermagem, como tomadas de decisão referentes ao tratamento e cuidado dos pacientes, baixa autonomia, restrições de tempo e recursos, e altos níveis de responsabilidade(606 6.Huffman DM, Rittenmeyer L. How professional nurses working in hospital environments experience moral distress: a systematic review. Crit Care Nurs Clin North Am. 2012;24(1):91-100).

Tais fatores podem estar associados às dificuldades dos trabalhadores de enfermagem em resistir e realizar enfrentamentos. A resistência apresenta-se como focos de reação provocando modificações sobre os fatos cotidianos. Nesse sentido, pode-se dizer que a aparente ausência de lutas por parte dos trabalhadores de enfermagem pode configurar-se no não uso da sua liberdade pessoal, o que pode conduzi-los à própria mortificação, pautada na obediência, resignação e submissão(909 9.Foucault M. História da sexualidade II: o uso dos prazeres. São Paulo: Graal; 1984).

Essa questão também pode estar relacionada ao poder disciplinar, pela aparente sujeição de forças, em determinadas situações dilemáticas e conflituosas, conferindo, aos trabalhadores de enfermagem, uma relação de docilicidade-utilidade. A disciplina nas relações de poder tem por objetivo a formação de corpos obedientes e úteis, isto é, à medida que os fabrica submissos, aumenta suas forças em níveis de utilidade econômica e as diminui em termos políticos, de resistência e luta(1010.Foucault M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 36ª ed. Petrópolis: Vozes; 2009).

Considerando-se, assim, os diversos aspectos ligados à ocorrência do sofrimento moral e as possibilidades de intensificar-se nos ambientes de atuação da enfermagem, trazendo consequências para seus trabalhadores e comprometimento do cuidado de enfermagem, o objetivo do estudo foi identificar a frequência e a intensidade de sofrimento moral vivenciadas por enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem que atuam em hospitais no Sul do Rio Grande do Sul.

Método

Trata-se de um estudo de abordagem quantitativa do tipo exploratório-descritiva, constituindo uma pesquisa survey.

Esse survey foi realizado com trabalhadores de enfermagem de três instituições hospitalares (H1, H2 e H3) do Sul do Rio Grande do Sul, localizadas em dois municípios diferentes (M1 e M2). Conforme dados disponíveis no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde do Departamento de Informática do SUS (CNES/DATASUS) e dados disponíveis nos endereços eletrônicos oficiais das instituições participantes, a instituição H1 caracteriza-se como um hospital universitário público, federal, de 186 leitos no qual atuam 59 enfermeiros, 52 técnicos de enfermagem e 203 auxiliares de enfermagem, que são, em sua maioria, servidores públicos concursados, com carga horária semanal de 30h. A instituição H2 caracteriza-se por ser um hospital filantrópico de 658 leitos no qual atuam 76 enfermeiros, 287 técnicos de enfermagem e 54 auxiliares de enfermagem, contratados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com carga horária semanal variável entre 36 e 40h. Por fim, a instituição H3, um hospital escola filantrópico e de utilidade pública, conta com 291 leitos, 60 enfermeiros, 382 técnicos de enfermagem e 40 auxiliares de enfermagem, regidos também pela CLT, com carga horária semanal de 36h.

O instrumento de coleta de dados constituiu-se numa adaptação do Moral Distress Scale (MDS) ajustado ao contexto de realização da pesquisa(505 5.Barlem ELD, Lunardi VL, Lunardi GL, Tomaschewski-Barlem JG, Silveira RS. Moral distress in everyday nursing: hidden traces of power and resistance. Rev Latino Am Enferm. 2013;21(1):293-9). Esse instrumento foi originalmente desenvolvido em contexto norte-americano(1111.Corley MC, Elswick RK, Gorman M, Clor T. Development and evaluation of moral distress scale. J Adv Nurs. 2001;33(2):250-6), submetido ao processo de tradução reversa, adaptação cultural e validação(404 4.Barlem ELD, Lunardi VL, Lunardi GL, Dalmolin GL, Tomaschewski JG. The experience of moral distress in nursing: the nurses' perception. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2012 [cited 2013 Feb 22];46(3):681-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v46n3/en_21.pdf
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), quando se percebeu que situações identificadas em nossa realidade como fontes de sofrimento moral não estavam suficientemente contempladas. O questionário aplicado nesse estudo foi composto por 39 questões, utilizando uma escala tipo Likert de sete pontos para analisar a intensidade e frequência de sofrimento moral, juntamente com um componente de caracterização dos sujeitos.

Consideraram-se como sujeitos de pesquisa os trabalhadores de enfermagem de H1, H2 e H3, incluindo-se enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem atuantes nessas instituições, o que significa um número de 1.213 indivíduos, compondo-se uma amostra não probabilística por conveniência. Utilizou-se uma fórmula de seleção do tamanho amostral(1212.Hill MM, Hill A. Investigação por questionário. Lisboa: Sílado; 2002), que estimou o número mínimo de 295 sujeitos para realização de exames estatísticos. Os critérios de inclusão dos sujeitos referiram-se à disponibilidade e ao interesse em responder ao instrumento no momento da coleta de dados.

A coleta dos dados foi realizada de outubro de 2010 a julho de 2011. Foram entregues 500 questionários aos trabalhadores, dos quais retornaram 387 instrumentos. Adotou-se, ainda, como critérios de exclusão para procedimentos de análise, aqueles questionários cujos respondentes utilizaram apenas dois pontos da escala, descaracterizando a escala intervalar adotada; os que assinalaram não possuir sofrimento moral em 20 ou mais questões, e aqueles que deixaram mais de dez itens em branco. Assim, com a exclusão de 53 instrumentos, a amostra final para análise dos dados foi composta por 334 sujeitos.

Após a coleta de dados, dois testes estatísticos foram realizados para garantir a validade do instrumento: a análise fatorial e o alfa de Cronbach. A análise fatorial teve por objetivo a redução e sumarização dos dados, definindo conjuntos de dimensões latentes, denominados fatores(1313.Hair JF, Anderson RE, Tatham RL, Black WC. Análise multivariada de dados. Porto Alegre: Artmed; 2005). Das 39 questões propostas, inicialmente, 20 foram validadas e agrupadas em quatro dimensões – falta de competência na equipe de trabalho, desrespeito à autonomia do paciente, condições de trabalho insuficientes e obstinação terapêutica – enquanto 19 foram excluídas do instrumento por apresentarem baixas cargas fatoriais (inferiores a 0,40). As cargas fatoriais elevadas (superiores a 0,40) em mais de um fator não apresentarem coerência conceitual com o bloco proposto ou formarem blocos isolados com apenas uma questão. As quatro dimensões propostas explicam 67,68% da variação das questões originais, representando um grau adequado de sintetização dos dados, facilitando seu manuseio e interpretação.

O alfa de Cronbach avalia a consistência interna entre as variáveis das escalas múltiplas(1313.Hair JF, Anderson RE, Tatham RL, Black WC. Análise multivariada de dados. Porto Alegre: Artmed; 2005). São sugeridos valores entre 0,60 e 0,80 para estudos exploratórios, garantindo, assim, a confiabilidade das escalas utilizadas. O alfa de Cronbach do instrumento apresentou valor 0,93, enquanto que os coeficientes das quatro dimensões se situaram entre 0,75 e 0,94, comprovando a fidedignidade das quatro dimensões identificadas.

Os constructos apresentados já foram identificados por outros estudos sobre sofrimento moral, primeiramente com enfermeiros(404 4.Barlem ELD, Lunardi VL, Lunardi GL, Dalmolin GL, Tomaschewski JG. The experience of moral distress in nursing: the nurses' perception. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2012 [cited 2013 Feb 22];46(3):681-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v46n3/en_21.pdf
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) e, após, com demais trabalhadores de enfermagem(505 5.Barlem ELD, Lunardi VL, Lunardi GL, Tomaschewski-Barlem JG, Silveira RS. Moral distress in everyday nursing: hidden traces of power and resistance. Rev Latino Am Enferm. 2013;21(1):293-9). Os referidos constructos podem ser entendidos conforme as definições a seguir.

Falta de competência na equipe de trabalho relaciona-se à insegurança dos trabalhadores de enfermagem em atuar junto com outros profissionais da equipe de enfermagem e saúde, e, também, com serviços de apoio, que não lhes inspiram confiança. Desrespeito à autonomia do paciente refere-se à infração do princípio ético da autonomia, que preceitua a liberdade individual a cada um de determinar suas ações conforme suas escolhas, seus valores e suas convicções(101 1.Oguisso T, Schmidt MJ. O exercício da enfermagem: uma abordagem ético-legal. 3ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2010). Condições de trabalho insuficientes relacionam-se à organização do trabalho, associadas à carência de recursos materiais e, também, à sobrecarga de trabalho, em decorrência da insuficiência de recursos humanos(303 3.Dalmolin GL, Lunardi VL, Lunardi Filho WD. O sofrimento moral dos profissionais de enfermagem no exercício da profissão. Rev Enferm UERJ. 2009;17(1):35-40). Obstinação terapêutica constitui-se na implementação de medidas terapêuticas reconhecidas pelos trabalhadores de enfermagem como fúteis e responsáveis pelo prolongamento do sofrimento de pacientes em fase terminal(1414.Carvalho KK, Lunardi VL. Obstinação terapêutica como questão ética: enfermeiras de unidade de terapia intensiva. Rev Latino Am Enferm [Internet]. 2009 [citado 2013 fev. 15];17(3). Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v17n3/pt_05.pdf
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).

Por fim, a análise dos dados para obtenção dos resultados foi realizada por meio de estatística descritiva e análise de variância (ANOVA), identificando possíveis diferenças significativas entre os grupos de respondentes. Utilizou-se o software estatístico Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 13.0.

Foram respeitados todos os preceitos éticos da pesquisa envolvendo seres humanos, sendo o projeto submetido à avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa local, com parecer favorável (Parecer nº 70/2010).

Resultados

Em relação às características gerais dos participantes do estudo, destaca-se que a amostra foi constituída por 334 trabalhadores de enfermagem, dos quais 71 (21,3%) são enfermeiros, 234 (70%) técnicos de enfermagem e 29 (8,7%) auxiliares de enfermagem; 289 (86,5%) são do sexo feminino e 39 (11,7%) do sexo masculino. A idade dos participantes variou de 19 a 64 anos, com média de 33,6 anos, sendo que 184 (55%) sujeitos tinham idades iguais ou inferiores à média, e 150 (45%) idades superiores. Quanto aos locais de trabalho, 60 trabalhadores de enfermagem atuam em H1, 183 em H2, e 91 em H3.

Referente à qualificação profissional, constatou-se que 65,5 e 73,5% dos auxiliares e técnicos de enfermagem, respectivamente, não buscaram outros cursos após sua formação; diferentemente, 63,5% dos enfermeiros buscaram se atualizar por meio de especializações (40,8%) e mestrado (19,7%).

A análise descritiva possibilitou a identificação da percepção dos trabalhadores de enfermagem sobre o sofrimento moral vivenciado. Os quatro constructos identificados foram operacionalizados por meio de valores numéricos que correspondem às médias aritméticas das questões individuais que compõem cada constructo (Tabela 1).

Tabela 1
Médias de intensidade e frequência de sofrimento moral vivenciado pelos diferentes trabalhadores de enfermagem conforme situações representadas nas questões do instrumento validado – Rio Grande, RS, 2012

Ao analisar as médias individuais das questões que compõem cada um dos quatro constructos formados, observou-se que as seguintes questões apresentaram as médias mais elevadas: no constructo falta de competência na equipe de trabalho, a questão q31 – Trabalhar com médicos que não possuem competência para atuar (404 4.Barlem ELD, Lunardi VL, Lunardi GL, Dalmolin GL, Tomaschewski JG. The experience of moral distress in nursing: the nurses' perception. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2012 [cited 2013 Feb 22];46(3):681-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v46n3/en_21.pdf
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,1717.Duarte MLC, Oliveira AI. Compreensão dos coordenadores de serviços de saúde sobre educação permanente. Cogitare Enferm. 2012;17(3):506-12); em desrespeito à autonomia do paciente, a questãoq17 – Obedecer à ordem médica de não dizer a verdade ao paciente, mesmo quando o paciente lhe pede a verdade (3,95); em condições de trabalho insuficientes, a questão q14 – Necessitar priorizar os pacientes a serem cuidados pela insuficiência de recursos humanos (3,95); e, em obstinação terapêutica, a questão q05 – Dar início a procedimentos intensivos para salvar a vida, quando acredita que eles apenas protelarão a morte (3,65).

Já em relação à frequência com que os trabalhadores de enfermagem experienciam o sofrimento moral, observou-se que as médias das situações que o acarretam variaram de (1,69) na questão q22 – Acatar o pedido do médico de não discutir, com a família, a reanimação do paciente em caso de parada cardíaca, quando o paciente se encontra desprovido de discernimento, como a menos frequente, até (2,95) na questão q01 – Fazer improvisações para enfrentar a falta de material no cuidado aos pacientes, como a mais frequente. Percebeu-se, também, em relação aos constructos, que a maior média de frequência foi em falta de competência na equipe de trabalho(2,47), seguido por condições de trabalho insuficientes(2,45).

Por meio de análise descritiva, foi possível verificar as médias gerais de cada constructo, conforme as diferentes categorias profissionais da enfermagem. Realizou-se, também, uma análise do sofrimento moral geral, conforme as três categorias profissionais, considerando-se os constructos formados na análise fatorial (Tabela 2).

Tabela 2
Média geral de sofrimento moral vivenciado por auxiliares de enfermagem, técnicos de enfermagem e enfermeiros conforme os quatro constructos propostos na análise fatorial – Rio Grande, RS, 2012

Em relação aos quatro constructos analisados, dois apresentaram diferença estatística significativa (ao nível de 5%): falta de competência na equipe de trabalho (P= 0,02) e desrespeito à autonomia do paciente (P= 0,02). A partir desses dados, percebeu-se que os enfermeiros apresentam médias mais elevadas de sofrimento moral diante da falta de competência na equipe de trabalho (4,45) e desrespeito à autonomia do paciente (3,93). Constatou-se, também, que as médias dos auxiliares de enfermagem são mais elevadas em todos os constructos em relação às médias apresentadas pelos técnicos de enfermagem.

Para os constructos condições de trabalho insuficientes e obstinação terapêutica, não foi possível encontrar diferença estatística significativa (ao nível de 5%) entre os grupos analisados. Entretanto, os enfermeiros também apresentaram médias mais elevadas em condições de trabalho insuficientes (3,89), porém, em obstinação terapêutica apresentaram média de 3,58, enquanto os auxiliares de enfermagem, 4,11. Essa diferença pode estar associada à maior permanência dos auxiliares de enfermagem cotidianamente junto ao paciente na realização de cuidados diretos, presenciando de modo mais próximo sua dor e seu sofrimento em situações sem possibilidades de cura.

Com relação à análise de sofrimento moral geral, também foi encontrada diferença estatística significativa (P = 0,04), podendo-se afirmar que os enfermeiros e auxiliares de enfermagem possuem uma percepção mais elevada de vivência de sofrimento moral que os técnicos de enfermagem.

Ainda, a fim de analisar a existência de possíveis diferenças nas médias dos quatro constructos em relação ao sofrimento moral vivenciado, foram realizadas diferentes análises de variância (ANOVA), considerando particularidades dos sujeitos, conforme apresenta a Tabela 3.

Tabela 3
Relação entre a percepção de sofrimento moral dos trabalhadores de enfermagem conforme constructos identificados, e características dos indivíduos e trabalho – Rio Grande, RS, 2012

Na relação entre os constructos e as características pessoais e laborais dos trabalhadores de enfermagem, identificaram-se alguns itens com diferença estatística significativa no nível de 5% que influenciam a percepção do sofrimento moral. Dentre eles, a instituição em que os trabalhadores de enfermagem desenvolvem suas atividades, ou seja, os trabalhadores de H1 apresentam maior percepção de sofrimento moral, com média de sofrimento moral geral de 4,28, seguidos pelos trabalhadores de H2 com média de 3,78 e de H3, com 3,14.

Referente ao tempo de conclusão do curso na área de Enfermagem, percebeu-se que os trabalhadores formados há mais tempo, isto é, há mais de cinco anos, apresentam maior percepção de vivência de sofrimento moral nos constructos falta de competência na equipe de trabalho (4,31), condições de trabalho insuficientes (3,95) e na análise de sofrimento moral geral (3,89).

Quanto às ações de educação permanente na instituição, os trabalhadores que afirmam não haver esse tipo de atividade no local de trabalho apresentam maior percepção em relação à vivência de sofrimento moral geral (4,04).

Os trabalhadores que afirmam não ter reuniões com a equipe de trabalho apresentam maior percepção de sofrimento moral associado à obstinação terapêutica (3,77). Por fim, constatou-se que os trabalhadores de enfermagem que percebem não possuir diálogo com instituição e chefias apresentam maior sofrimento moral relacionado a condições de trabalho insuficientes, com médias de (3,86) e (3,97), respectivamente.

Discussão

A partir da análise dos dados, definiram-se quatro constructos que estão relacionados com as vivências de sofrimento moral dos trabalhadores de enfermagem, entre eles: falta de competência na equipe de trabalho (4,05); desrespeito à autonomia do paciente (3,47); condições de trabalho insuficientes (3,65); e obstinação terapêutica (3,60). Por fim, realizou-se uma análise do sofrimento moral geral, calculado a partir da média dos quatros constructos definidos, o qual apresentou valor de 3,69.

Os constructos identificados neste estudo também já foram elencados em outros estudos sobre a percepção do sofrimento moral na enfermagem. Em uma amostra de 124 enfermeiras no Sul do Rio Grande do Sul, identificaram-se as dimensões de falta de competência na equipe de trabalho, obstinação terapêutica e desrespeito à autonomia do paciente, com médias de 4,55, 3,60 e 3,57, respectivamente(404 4.Barlem ELD, Lunardi VL, Lunardi GL, Dalmolin GL, Tomaschewski JG. The experience of moral distress in nursing: the nurses' perception. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2012 [cited 2013 Feb 22];46(3):681-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v46n3/en_21.pdf
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). Já em outra amostra, de 247 trabalhadores de enfermagem, incluindo as diferentes categorias profissionais da enfermagem, identificaram-se, também, as dimensões de falta de competência na equipe de trabalho, desrespeito à autonomia do paciente e condições de trabalho insuficientes; novamente, a primeira com a maior média, isto é, 4,36(505 5.Barlem ELD, Lunardi VL, Lunardi GL, Tomaschewski-Barlem JG, Silveira RS. Moral distress in everyday nursing: hidden traces of power and resistance. Rev Latino Am Enferm. 2013;21(1):293-9). Porém, nessas amostras, ainda visualizaram-se outros constructos diferentes, entre eles: negação do papel da enfermeira/enfermagem como advogada do paciente(4-5) e negação do papel da enfermagem como advogada do paciente na terminalidade(505 5.Barlem ELD, Lunardi VL, Lunardi GL, Tomaschewski-Barlem JG, Silveira RS. Moral distress in everyday nursing: hidden traces of power and resistance. Rev Latino Am Enferm. 2013;21(1):293-9).

Em vista das questões que apresentaram as maiores médias em cada constructo, conforme apresentado na Tabela 1, percebe-se que a vivência de sofrimento moral nos quatros constructos identificados nesta pesquisa parece articulada à dificuldade de exercício de poder dos trabalhadores de enfermagem, dificuldades de resistir e enfrentar a quem representa poder nos microespaços dos ambientes de trabalho, ou seja, dificuldade de estabelecer pontos de resistência nas relações de poder, o que pode, como já referido, comprometer sua integridade moral(1515.Foucault M. Microfísica do poder. 26ª ed. Rio de Janeiro: Graal; 2008).

Essa questão pode ser influenciada pela formação disciplinar, que aumenta as forças do corpo em termos econômicos de utilidade, mas as diminui em termos políticos pela obediência e passividade(1010.Foucault M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 36ª ed. Petrópolis: Vozes; 2009), induzindo-os à própria mortificação por meio da produção de indivíduos com diminuídas capacidades de revolta, resistência e lutas, tornando-os dóceis politicamente(1515.Foucault M. Microfísica do poder. 26ª ed. Rio de Janeiro: Graal; 2008), apesar das questões morais envolvidas. Dessa forma, faz-se necessário que as múltiplas relações de forças presentes nos ambientes de trabalho sejam consideradas de maneira a favorecer a liberdade pessoal e uma postura moral condizentes com a prática a ser exercida(1515.Foucault M. Microfísica do poder. 26ª ed. Rio de Janeiro: Graal; 2008).

Considerando-se os demais resultados apresentados, infere-se que os enfermeiros apresentaram a maior percepção de sofrimento moral geral, o que pode estar associado a sua formação diferenciada, no que se refere ao número de horas despendido na graduação em enfermagem. Comparado às outras categorias da enfermagem, parecem receber maior ênfase durante sua construção como trabalhadores que privilegiam um modelo holístico, humanizado e contextualizado de atendimento, com desenvolvimento de habilidades críticas, reflexivas, criativas e éticas para a prática profissional(1616.Brasil. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES n. 3, de 7 de novembro de 2001. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em enfermagem [Internet]. Brasília; 2001 [citado 2012 nov. 20]. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES03.pdf
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pd...
), o que, possivelmente, contribui para sua identificação de problemas morais; contraditoriamente, porém, parecem apresentar dificuldades de fazer enfrentamentos que podem reconhecer como necessários para assegurar uma atuação coerente com seus valores morais. Dessa forma, o maior sofrimento moral entre os enfermeiros também pode estar associado à sua consciência de não estar correspondendo ao que poderia ser seu papel frente aos demais trabalhadores de enfermagem, pois possuem uma posição de coordenadores da equipe de enfermagem, o que implica um papel de liderança e possível modelo/referência para sua equipe.

Referente ao tempo de conclusão do seu curso de formação na área de Enfermagem, os trabalhadores formados há mais de cinco anos apresentaram maior percepção tanto de sofrimento moral geral, como relacionado à falta de competência na equipe de trabalho e a condições de trabalho insuficientes. Um maior tempo de conclusão de curso associado a uma maior percepção de vivência de sofrimento moral pode estar relacionado a uma maior maturidade e experiência profissional do trabalhador, o que já lhe permite problematizar e analisar mais criticamente as situações vivenciadas no seu contexto de trabalho, identificando as ações que seriam mais corretas, porém sem conseguir implementá-las, possivelmente pelas dificuldades relacionadas aos enfrentamentos que se fariam necessários, o que intensifica sua percepção de comprometimento do seu agenciamento moral.

No que se refere às atividades de educação permanente, essas podem ser consideradas como estratégia essencial para formação e desenvolvimento de trabalhadores para saúde, atuando na perspectiva de qualificar os serviços prestados(1717.Duarte MLC, Oliveira AI. Compreensão dos coordenadores de serviços de saúde sobre educação permanente. Cogitare Enferm. 2012;17(3):506-12). Nesse sentido, trabalhadores que conhecem as ações de educação permanente em suas instituições, e, provavelmente, delas participem, apresentam menor percepção de sofrimento moral pela maior probabilidade de reflexão, compartilhamento e discussão de questões conflituosas e dilemáticas com os demais colegas de trabalho.

Também foram avaliadas algumas formas de comunicação vivenciadas nos ambientes de trabalho, como reuniões na equipe e percepção do diálogo com instituição, chefias e equipe. Constatou-se que os trabalhadores que relataram não ter reuniões experienciam maior sofrimento moral relacionado à obstinação terapêutica, assim como os que não exercem a possibilidade de diálogo com chefias e instituição também vivenciam maior sofrimento moral em relação a condições de trabalho insuficientes.

Assim, para a manutenção de um ambiente adequado e capacitado para um cuidado de enfermagem com qualidade, faz-se necessária a existência de relações e espaços que possibilitem a problematização e a manifestação das dificuldades vivenciadas, preferentemente um permanente diálogo com chefias e administrações, principalmente no que se refere a recursos humanos e materiais necessários.

Em vista desses resultados, no sentido de diminuir o sofrimento moral vivenciado por trabalhadores de enfermagem, podem-se citar estratégias identificadas na literatura que se referem à educação ética por meio da formação e do fortalecimento das comissões de ética e programas de educação permanente; melhoria da comunicação, e melhoria das questões organizacionais, com maior participação de trabalhadores de enfermagem na criação de políticas institucionais, como na melhor distribuição de recursos humanos e materiais(1818.Pijl-Zieber E, Hagen B, Armstrong-Esther C, Hall B, Akins L, Stingl M. Moral distress: an emerging problem for nurses in long-term care? Qual Ageing. 2008;9(2):39-48-1919.Rice EM, Rady MY, Hamrick A, Verheijde JL, Pendergast DK. Determinants of moral distress in medical and surgical nurses an adult acute tertiary care hospital. J Nurs Manag. 2008;16(3):360-73).

Em relação às estratégias de comunicação, aparecem como forma de diminuir o sofrimento moral as oportunidades que os trabalhadores de enfermagem possuem de consultar seus colegas e debater sobre as situações que lhes geram angústia. Na prática diária, as questões morais, muitas vezes, não são suficientemente contempladas e discutidas, porém salienta-se que os trabalhadores e as instituições devem buscar meios de criar esse debate moral, favorecendo a autoestima profissional(2020.Veer AJE, Francke AL, Struijs A, Willems DL. Determinants of moral distress in daily nursing practice: a cross sectional correlational questionnaire survey. Int J Nurs Stud. 2013;50(1):100-8). Outras fontes de apoio e enfrentamento do sofrimento moral, além do trabalho em equipe e compartilhamento de angústias com os pares, referem-se ao fortalecimento da gestão institucional, a qual pode favorecer o diálogo, autonomia e tomadas de decisão, estabelecimento de comitês de ética para defender a qualidade do cuidado e trabalhadores, e organizações de classe auxiliando a prevenção do sofrimento moral por meio da advocacia por melhores condições de trabalho, respeito aos direitos dos trabalhadores e oportunidades de crescimento profissional(2121.Maluwa VM, Andre J, Ndebele P, Chilemba E. Moral distress in nursing practice in Malawi. Nurs Ethics. 2012;19(2):196-207).

Por fim, com essas estratégias, pode haver o favorecimento da conduta dos trabalhadores de enfermagem como defensores dos direitos do paciente(2222.Lang KR. The Professional ills of moral distress and nurse retention: is ethics education an antidote? Am J Bioeth. 2008;8(4):19-21), pois preparados e fortalecidos poderão promover discussões e possibilidades de enfrentamento de situações conflituosas da prática cotidiana da enfermagem, contribuindo, consequentemente, para a diminuição do sofrimento moral(1818.Pijl-Zieber E, Hagen B, Armstrong-Esther C, Hall B, Akins L, Stingl M. Moral distress: an emerging problem for nurses in long-term care? Qual Ageing. 2008;9(2):39-48-1919.Rice EM, Rady MY, Hamrick A, Verheijde JL, Pendergast DK. Determinants of moral distress in medical and surgical nurses an adult acute tertiary care hospital. J Nurs Manag. 2008;16(3):360-73,2121.Maluwa VM, Andre J, Ndebele P, Chilemba E. Moral distress in nursing practice in Malawi. Nurs Ethics. 2012;19(2):196-207).

Conclusão

Este estudo buscou explorar a percepção de sofrimento moral vivenciado pelos trabalhadores de enfermagem em diferentes instituições. Primeiramente, identificaram-se, como fonte de sofrimento moral, os seguintes constructos formados: a falta de competência na equipe de trabalho, o desrespeito à autonomia do paciente, as condições de trabalho insuficientes e a obstinação terapêutica. Do mesmo modo, buscaram-se relações desses itens com as características dos ambientes de trabalho e trabalhadores.

Decorrente de análise das médias das questões que compuseram cada constructo, considerou-se que os constructos e as questões com as médias mais elevadas para o sofrimento moral parecem relacionar-se a dificuldades dos trabalhadores de enfermagem em exercer poder e resistência em seus ambientes de atuação, contribuindo para a sua mortificação e negação de si frente à aparente aceitação das condições, mesmo que inadequadas, em que realizam suas atividades.

Percebeu-se que, entre as categorias profissionais da enfermagem, os enfermeiros são os que apresentaram maior sofrimento moral, seguidos pelos auxiliares de enfermagem e, posteriormente, pelos técnicos de enfermagem. Em relação às características pessoais e do ambiente de trabalho, constatou-se que o sofrimento moral parece manifestar-se mais em situações e ambientes em que não são realizadas reuniões na equipe de trabalho, e há poucas possibilidades de diálogo com chefias e instituição; da mesma forma, em locais em que não ocorrem ações de educação permanente. Desse modo, associa-se a vivência de sofrimento moral, principalmente, à organização do ambiente de trabalho, que não privilegia espaços de discussão, problematização, reflexão e valorização de situações vivenciadas no cotidiano do trabalho que podem demandar continuamente enfrentamentos dos trabalhadores.

Assim, recomenda-se a implementação de ações de melhoria das condições de trabalho e da comunicação nos ambientes de atuação da enfermagem, favorecendo os enfrentamentos, as tomadas de decisão, o exercício da autonomia, e, principalmente, a qualidade do cuidado de enfermagem realizado e o processo de saúde/satisfação de seus trabalhadores.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    06 Mar 2013
  • Aceito
    23 Abr 2014
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